O filme Shirley Valentine, além de apresentar a belíssima Grécia, trata também sobre viagem e a sensação que todo mundo que já viajou ou mudou de cidade tem, de que a vida poderia ser diferente naquele local. E, principalmente, que a vida poderia ser melhor em um outro ambiente. Recordei-me de uma fala do personagem do McConaughey, na primeira temporada de True Detective, que preciso citar:
"Todos temos o que chamo de armadilha da vida. Uma certeza genética de que tudo vai ser diferente. De que vamos mudar de cidade e conhecer pessoas que serão nossos amigos para sempre. De que vamos nos apaixonar nos sentir completos. Completude e encerramento, o que quer que sejam, são recipientes vazios para suportar essa cagada. 'E nada é completo até o momento final, o encerramento'. Não, não. Nada acaba."
Shirley é uma mulher presa em um casamento de várias demandas e nenhum afeto ou recompensa. Sufocada pela rotina, recorda o passado de maneira muito franca, falando direto ao espectador, quando relembra das possibilidades e frustrações que a conduziram até àquele momento. Então aparece a possibilidade de viver outra vida passando duas semanas na Grécia com uma amiga. As coisas, mais uma vez, não saem exatamente como o planejado. E Shirley encontra Rust Cohle:
Quando você imagina algo, quando você prevê como será algo, nunca é do jeito que a gente imagina, não é? Por quatro semanas me imaginei sentando aqui. Sentada aqui e bebendo vinho perto do mar. Eu sabia exatamente como me sentiria. Agora eu estou aqui, e não me sinto nem um pouco assim. Eu não me sinto nem ótima, nem serena. Eu me sinto… bem idiota na verdade. [...]Sonhos. Eles nunca estão onde você espera encontrar.
Reflexões sobre a liberdade feminina, sobre o casamento, sobre o descontentamento e sobre esse anseio perpétuo de mudar, de sentir-se completo. Com muito humor cínico e melancolia representados de maneira excelente pela protagonista, Pauline Collins. E claro, as encantadoras ilhas gregas. Valeu demais
“Paraíso: fé” mostra Anna Maria, uma fiel devota do proselitismo e do fundamentalismo religiosos, sempre em busca de apontar os pecados alheios e afirmar sua pureza e sua superioridade moral. Anna, convicta de ter uma missão, invade casas e impõe os padrões e rituais que julga corretos e suficientes para salvar aquelas pessoas. Diante da hostilidade, da contrariedade e de qualquer empecilho que se apresente nestas visitas, fica mais segura de estar cumprindo os propósitos divinos de orientar aquelas pobres almas.
A falsa humildade e a religiosidade vazia são também um fardo para a protagonista, na medida em que, por desconhecer uma abordagem sincera e, principalmente, de amor, da fé que julga propagar, associa o autoflagelo à purificação espiritual de seus desejos (e, na cena mais controversa do filme, pensa “espiritualizar” inclusive o ato meramente carnal).
A hipocrisia ganha uma nova camada na segunda parte do filme, quando se acentua o ar cômico que desde o começo orbita o filme. Há a chegada de Nabil, o marido de Anna muçulmano e paralítico - além de violento e intolerante - que demanda não apenas cuidado por sua condição como também espera ser atendido em suas prerrogativas maritais. Nabil é a extrapolação da narrativa que serve para ressaltar as contradições de Anna com sua fé.
O filme, cujo roteiro é inspirado em um livro de Bernanos, tem muitos elementos de conexão com outra obra adaptada do escritor: Diário de Um Pároco de Aldeia. Um padre recém ordenado e atormentado pelos desafios de crer e transmitir essa crença.
O filme traz a noção de que abraçar uma fé de fato, ao contrário do que se supõe, não gera conforto, mas sim acentua as dúvidas e a confusão. A ânsia de servir sem saber exatamente como, os problemas da comunidade que se mostra pouco disposta a aceitar. O padre não encontra alívio em Deus, não encontra alívio no serviço e muito menos no seu mentor, alguém já conformado com aqueles sentimentos. A única coisa que o conduz à experiência mística é o suplício e a dor.
E então aparece Satã e amaldiçoa o já miserável padre: a incerteza do que fazer ganha uma camada extra de angústia quando o poder do mal se mistura à suposta obra do bem.
Perdi-me várias vezes durante o filme. É complexo, os diálogos são estranhos, o ritmo não é agradável.
Karen e Martha são amigas desde a faculdade e comandam um internato para meninas que aos poucos, e graças a dedicação das duas, vem se estabelecendo na comunidade e ganhando boa reputação. Um comentário intrometido e maldoso da tia de Martha, entreouvido por uma das alunas, porém, rapidamente traz a ruína não só ao empreendimento, como também à vida das duas mulheres.
Mary, a aluna, magoada com as professoras pela disciplina que merecidamente recebia e tendo em mente a acusação – feita pela tia de Martha – de que a relação é “antinatural”, leva a informação até sua avó, Amelia, uma figura muito respeitada na comunidade e tia do noivo de Karen. A insinuação, a partir disto, evolui para uma mentira detalhada, com novas camadas acrescentadas. Infâmia é um filme sobre a devastação que a mentira pode causar.
Os pais, instigados por Amelia, tiram suas filhas do internato e a comunidade rejeita as duas professoras. As consequências da difamação encontram, ainda, verdades até então não reveladas e difíceis de lidar.
As protagonistas, com seus dilemas e sofrimentos, são interpretadas com suavidade e sem afetação, ainda que o filme seja bastante carregado em seus contornos trágicos.
- O filme oferece um bom entretenimento durante uma parte considerável da sua metragem. A mistura do mistério dos brutais assassinatos com as insinuações sobrenaturais faz com que fiquemos envolvidos com a trama.
- O chefe de polícia responsável por desvendar os crimes é o estereótipo clássico dos filmes policiais do período: ranzinza e gritalhão, mas comprometido com o trabalho e, por isso, fácil de simpatizar.
- Os exageros de interpretação e a composição caricatural de alguns personagens nesta parte “satisfatória” do filme, incomodam muito pouco também.
Na parte final do filme, porém, qualquer sobriedade que pudesse ter restado é mandada às favas. Tanto no estilo quanto nas soluções descabidas, a obra se transforma em um trash e fica cômica.
A adaptação da história de Macbeth, texto shakespeariano que, inclusive, é considerado amaldiçoado, consegue reproduzir essa mística tétrica com muita competência. O mundo cheio de sangue, traição, ambição, bruxas e culpa tem sua atmosfera traduzida numa paisagem desolada, úmida e escura que se conjuga com o castelo também sombrio onde a tragédia de fato se dá. O cenário antecipa ao espectador a decadência moral daquele ambiente. A feiura e a sujidade da violência e dos sentimentos pouco nobres dos personagens não é suavizada em nenhum momento.
Macbeth é, assim, um filme muito potente não somente por se valer dos méritos do texto original, mas por aproveitá-lo da melhor maneira, com um belo trabalho de produção. A direção e as atuações, com uma escolha de elenco acertada, são valores que merecem ser igualmente reconhecidos. Um acerto de Polanski que, ao que se sabe, serviu como parte do processo de lidar com a sua própria tragédia.
O desejo e a própria vida da mulher, sempre subordinados e moldados pela expectativa social. Submetidos à censura e às promessas dos homens e dos deuses. A obrigação eterna de agradar que é acompanhada pela culpa, pela cruz. Um manifesto delirante (e engraçado, e incômodo e anárquico) sobre ser mulher em um mundo com tantas representações masculinas, regido pela lógica masculina.
O transe religioso, a referência à Santa Tereza D'Ávila: todas as figuras masculinas são buscadas pra preencher a necessidade de um "amor incondicional"
O Diabo de Cada Dia é o título que explicita o tema do filme: a maldade que nos cerca, nos afeta, nos acossa e… nos seduz. O “Diabo” precisa ser ativamente combatido, o Mal deve ser rechaçado ou ele nos domina e começamos, primeiro, a achá-lo justo e depois, como diz o filme, “somos como cachorros que, quando começam a cavar, não querem mais parar”. A violência e a depravação escalam rapidamente e deixam marcas que se perpetuam por gerações.
Tom Holland, excelente no papel, é o personagem em torno do qual as histórias giram, lidando com o seu luto e com os reflexos de outros enlutados. O próprio clima de pós-guerra e de desesperança – muito bem traduzidos na ambientação do filme, seja pela fotografia, seja pela trilha – é resultado da subvalorização da vida com a banalização da morte nos combates.
A execução do filme tem muitos méritos e me manteve interessada na trama todo o tempo. Eu talvez tivesse gostado de um desenvolvimento maior em cada núcleo, ou menos núcleos. Acho que algumas histórias foram pouco exploradas. Mesmo assim, bom filme
Benedetta tem um humor negro subjacente que busca ressaltar a hipocrisia e potencializar a provocação, mas que eu não tenho certeza se combinou. O mesmo pode-se dizer sobre a falta de sutileza - que atribuo a uma ânsia ENORME de chocar. Se tirar a polêmica, não sei se sobra muito.
A família Beliér vive no interior da França e tira seu sustento de produtos agrícolas, que são vendidos na feirinha da cidade. As relações tem, porém, um dificultador: três dos quatro Beliér são surdos e dependem da filha intérprete para vender, comprar, ir ao médico... E, devido ao descontentamento do pai com a administração municipal e sua consequente candidatura ao pleito, também para traduzir aos eleitores suas propostas de campanha.
O arranjo estabelecido é utilizado pelo filme para criar situações cômicas e dão um clima muito leve a ele, ainda que as piadas nem sempre tenham funcionado para mim.
A trama que envolve a filha ouvinte tem desdobramentos típicos de filme teen , com o interesse amoroso sendo constrangido pela família e suas manias, o professor que é um pouco estranho mas sabe reconhecer um talento, e o amadurecimento que exige que se afaste da segurança e se arrisque "no mundo".
A menina tem uma voz muito bonita e gostei de como o filme mostra que há meios diferentes de e para perceber a expressão artística.
Um homem, cuja identidade está no trabalho, é demitido. Incapaz de lidar com a vergonha de comunicar sua família sobre a perda do emprego, encena uma mentira enquanto trata com rigidez os dois filhos, agarrado à ideia de autoridade. À mulher, sobra o papel de conciliadora.
Logo, porém, os conflitos mudam de figura, e cada membro da família vive sua “jornada de descobrimento”. Nesta parte a dose de humor japonês aumenta mas, felizmente, não a ponto de me tirar do filme. O momento da mulher, ainda que tenha nascido de uma cena de comédia pastelão, ainda representa de maneira bonita e significativa o conflito entre permanecer ou entregar-se ao impulso.
Filme com críticas bastante pertinentes ao culto ao trabalho e à sociedade capitalista e de consumo que encerra em uma sequência contida (ainda bem!) mas redentora, que me lembrou que a arte é o que nos permite o necessário escape.
“Atleta A” se propõe, inicialmente, a denunciar o escândalo sexual envolvendo o fisioterapeuta da seleção americana de ginástica artística, que segue o roteiro de tantos outros casos de pedofilia: o homem “confiável” que se infiltra em um ambiente com crianças e lá permanece por longos anos, molestando centenas, amparado pela ingenuidade das vítimas e pela omissão conivente dos superiores e colegas.
O documentário mostra também a pouco falada e muito nociva lógica que impera nos esportes de alto rendimento, a que determina que vale tudo na busca pelos melhores resultados: doping, tratamentos médicos temerosos, muito grito, muita intimidação, muitas privações… O esporte é resumido a sacrifício, e quem não ganha é porque não sofreu o suficiente.
Amores e Monstros é um filme de aventura juvenil clássico e bem construído.
Ambientado em um mundo pós apocalíptico, o filme entrega o carismático protagonista, vivendo sua “história de formação” em meio aos monstros enormes e perigosos que habitam a Terra após uma meteoro que espalhou compostos químicos pelo Planeta.
Depois de um longo período de confinamento, Joel decide ir atrás da ex-namorada, única conexão que ainda mantém com a vida pré catástrofe e, acredita ele, sua chance de amor. Descobre, na jornada, outros valores que não considerava, como a amizade e o senso de comunidade e, por meio de muitas cenas de ação, com um humor bem dosado, o filme toma um rumo diferente – e muito mais interessante – do que o que se desenhava no início.
[...] El bien más preciado es la libertad Hay que defenderla con fe y valor
O idealista David viaja à Espanha pós-golpe franquista objetivando combater, através da luta armada, os fascistas usurpadores. Mesmo que motivados pelos mesmos problemas e compartilhando dos mesmos ideais de transformação social, os camaradas logo têm de lidar com as divergências de abordagem, vindas de diferentes experiências de vida e formação.
Enquanto há os que defendam focar em derrotar o fascismo para, só a partir daí, debater a construção da nova sociedade, há os que sustentem que a revolução deva ser implantada naquele mesmo momento, aproveitando o clima favorável. O alemão cita os 6 milhões de sindicalistas de seu país, que deixaram a revolução para mais tarde e estavam sendo governados por Hitler, e recebe como resposta que a ideologia não adianta se a guerra for perdida, se todos estiverem mortos.
O debate, apenas um dos que se colocam durante o filme, gera uma inevitável reflexão sobre a postura da esquerda através dos tempos. Na ânsia de acertar o máximo possível, as divergências se instalam, e a desunião leva ao fracasso. A necessidade de construir, principalmente uma nova mentalidade, exige ferramentas das quais geralmente não se dispõe e, no improviso, pouca gente concorda.
Os já citados debates deixam a obra menos dinâmica e, por vezes, monótona. Também, há um certo tom de melodrama que incomoda. Mesmo assim o filme mostra-se muito importante para quem se interessa por História e faz um bom trabalho ao transpor a realidade da revolução e dos revolucionários, além de entregar algumas reflexões, como a esperançosa (e também melancólica) fala final do protagonista: Porque a batalha é longa e eles são muitos, mas nós somos muitos mais… Sempre seremos muitos mais! O amanhã é nosso, companheiros!
Comecei o filme pensando se tratar de um drama. Logo, porém, o tom caricatural dos diálogos, e as situações caricaturais vividas principalmente pela patroa (Marjorie Estiano), me fizeram pensar que seria uma sátira social, retratando os vícios da elite branca (a já mencionada patroa, grávida) na exploração da força de trabalho negra (a babá periférica contratada para atender todas as necessidades da parturiente, da casa e, depois, do bebê). A estranheza das situações me remeteu, neste primeiro momento, a filmes como “Corra!”.
O desenrolar do filme mostrou que eu não estava totalmente certa em minhas impressões, mas também não totalmente errada. “As Boas Maneiras” é um terror - e mantém o interesse do espectador valendo-se de elementos próprios desse gênero - mas também pretende se estabelecer como crítica social. O problema é que o enredo é pouco sólido e os questionamentos são trabalhados de maneira tão superficial que acabam por ser meras sugestões.
O filme se divide em dois atos principais, mas o primeiro funciona muito melhor que o último. A tensão e o mistério que existem na gravidez e no comportamento da patroa, aumentados pelo relacionamento entre ela e a empregada são o ponto alto da obra. Infelizmente nada se mantém na parte final, quando a trama, além de ficar muito menos interessante, vai enchendo-se de furos e implausibilidades.
Nas suas mais de três horas, “Gandhi” não esconde seu propósito de exaltar a figura de seu protagonista, apresentando-o como digno do título que lhe foi conferido, Mahatma, a “grande alma”, a quem é atribuída uma divina perfeição. Esta característica, que costuma diminuir o valor de biografias, neste caso tem pouco impacto na experiência. Isso porque o filme flui em um ritmo agradável, amparado em interpretações e valores de produção de qualidade superior. Destacam-se também as paisagens e os retratos humanos do extenso e super povoado país.
Não tenho dúvidas que a situação política do filme foi simplificada para a audiência estrangeira, bem como as implicações na vida cultural e religiosa da Índia, mas a importante mensagem dignificante de Ghandi está presente em sua essência, que ainda hoje cativa. Resiste-se ao ódio sem odiar.
“A Noite Americana” entrega um interessante exercício, retratando no filme a construção de um filme, que é alternada com os dramas reais dos atores (fictícios) nos bastidores: intrigas, ataques de estrelismo, triângulo amoroso… “todos dormem com todos, todos mentem”, em uma clara piada com o estereótipo de atores.
Somos apresentados às visões e noções do próprio diretor atuando como diretor. O filme dedica-se a mostrar as técnicas de filmagem e tudo que engloba o processo de gerar o mundo e as situações imaginadas de maneira a simular a verdade.
Infelizmente não consegui comprar a ideia cômica do filme, nem na parte das histórias de bastidores, que foram pouco desenvolvidas, e nem nas ironias lançadas por Truffaut, sobre as quais tive que ler e pesquisar depois, eis que majoritariamente autorreferentes
Anthony Hopkins interpreta um mordomo (Stevens) que, há mais de 30 anos, serve diligentemente à propriedade de Darlington Hall. Com especial zelo pelas qualidades que distinguem um bom profissional, Stevens incorpora de maneira integral seu papel, dando ao patrão não só sua lealdade, compromisso e discrição, como também sua vida.
Hopkins, extraordinariamente competente, transmite o nível de repressão emocional a que se submete o personagem, que abdica dos afetos e prazeres para servir com perfeição. A fleuma de Stevens mantém-se por todo tempo, apesar dos esforços da nova governanta, Ms. Kenton - a ótima Emma Thompson.
O mordomo opta por, através da fidelidade cega ao patrão, fugir da liberdade. Inteligentemente, o filme apresenta a simpatia do primeiro proprietário da localidade, Sr. Darlington, pelos ideais fascistas como que para sugerir que, como Stevens, nós também preferimos aderir a uma série de regras e ordens por simples comodidade (ou medo).
Pessoas de diferentes países, experiências, profissões, idades e posições sociais tratam de temas humanos e constroem uma visão conjunta de humanidade. O homicida, a criança-soldado, o refugiado, a sobrevivente do Holocausto e outros tantos oferecem reflexões que, ao mesmo tempo que os situam como singulares nesse mundo de 7 bilhões de pessoas, também os aproximam do espectador.
O documentário consiste em depoimentos gravados em frente a um fundo preto e entrecortados por registros aéreos impressionantes, que evocam o tema “humanidade” e também nos fornecem uma dimensão do nosso tamanho frente à grandiosidade do planeta. O filme é um manifesto em favor do que nos salva(rá), posto que somos feito do mesmo material: a tolerância, a compaixão, a justiça, a paz, o respeito. As histórias contadas e as visões trazidas são capazes de nos atingir profundamente e inspirar-nos a pelo menos tentar o caminho do Amor.
Mulheres lidam com seus dramas que – é claro – provêm sempre de relacionamentos amorosos. Buscando um refúgio dos problemas cotidianos, decidem montar um clube de leitura dedicado exclusivamente à obra de Jane Austen. As discussões sobre a leitura revelam ao público (e mais tarde aos integrantes) que os conflitos apresentados pela escritora britânica no século XVIII se repetem no mundo contemporâneo. Em parte porque sentimentos são atemporais e em parte porque certos padrões comportamentais e modelos de conduta, principalmente femininos, foram tão reforçados ao longo do tempo que é muito difícil que nos libertemos deles.
No enredo de desventuras amorosas femininas, o filme mostra-se formulaico e carregado demais no sentimentalismo. Por fim, a escolha de mostrar relances das seis obras de Jane Auste através de pequenos excertos que se relacionam às vidas dos protagonistas falha como homenagem à escritora porque deixa tudo raso demais.
Não à toa, a palavra fã é derivada de “fanático”, cujo significado, mesmo que neutralizado pelo uso corrente, é de alguém devotado em excesso, i.e., portador de uma louca obsessão. Annie, a fã retratada por Kathy Bates no filme, dá uma força especial a esta dimensão de loucura que acompanha a adoração a alguém.
A premissa do filme é bastante simples, e seu roteiro rapidamente nos dá a noção do que ocupará boa parte de sua extensão: a interação entre Paul e Annie. Esta agilidade em apresentar o ponto principal, permite que se desenvolva desde cedo o grande trunfo do filme, que reside na criação e no crescimento de tensão.
A mudança na personalidade de Annie é ressaltada através de uma representação quase caricata. O exagero não incomoda, mas serve para acentuar a imprevisibilidade de seu comportamento.
O ambiente claustrofóbico e a limitação física de Paul fizeram-me lembrar dos excelentes "Janela Indiscreta" e "O Que Terá Acontecido à Baby Jane?".
O filme francês adota, em alguma medida, o mesmo estilo das comédias de high school americanas, principalmente nos seus esteriótipos. O menino “desenturmado” tenta uma aproximação com os populares, que o rejeitam reiteradamente. Há então o acolhimento do grupo de “esquisitos”, com quem o protagonista invariavelmente acaba se identificando depois de alguma resistência. Diferente de boa parte das obras estadunidenses do gênero, porém, traz personagens com traços mais suaves e bem desenvolvidos, imprimindo neles uma naturalidade maior. O filme acerta em não carregar no tom dos diálogos e interpretações, fazendo com que situações vividas sejam totalmente críveis e, portanto, capazes de gerar simpatia. Um filme leve, fácil e divertido.
O filme, como muitos do estúdio, investe pesado em surrealismo. Seu enredo é estruturado de maneira algo anárquica, sendo impossível prever seus desdobramentos. Assim, para a sua total apreciação, faz-se necessário um certo desprendimento da expectativa pelos padrões tradicionais de narrativa. Esta tarefa não impõe muita dificuldade, graças aos belos artifícios visuais e a construção primorosa do mundo fantástico no qual se deve imergir. Vencida esta possível resistência, Miyazaki entrega mais um belo trabalho, com reflexões importantes tecidas de forma suave, mas nunca superficial. O filme fala muito sobre (auto) imagem e aceitação, tema sempre e cada vez mais relevante em um mundo que usa a aparência para rotular e valorar. Não é meu Miyazaki preferido, mas ainda é muito bom.
Shirley Valentine
3.9 46O filme Shirley Valentine, além de apresentar a belíssima Grécia, trata também sobre viagem e a sensação que todo mundo que já viajou ou mudou de cidade tem, de que a vida poderia ser diferente naquele local. E, principalmente, que a vida poderia ser melhor em um outro ambiente. Recordei-me de uma fala do personagem do McConaughey, na primeira temporada de True Detective, que preciso citar:
"Todos temos o que chamo de armadilha da vida. Uma certeza genética de que tudo vai ser diferente. De que vamos mudar de cidade e conhecer pessoas que serão nossos amigos para sempre. De que vamos nos apaixonar nos sentir completos. Completude e encerramento, o que quer que sejam, são recipientes vazios para suportar essa cagada. 'E nada é completo até o momento final, o encerramento'. Não, não. Nada acaba."
Shirley é uma mulher presa em um casamento de várias demandas e nenhum afeto ou recompensa. Sufocada pela rotina, recorda o passado de maneira muito franca, falando direto ao espectador, quando relembra das possibilidades e frustrações que a conduziram até àquele momento. Então aparece a possibilidade de viver outra vida passando duas semanas na Grécia com uma amiga. As coisas, mais uma vez, não saem exatamente como o planejado. E Shirley encontra Rust Cohle:
Quando você imagina algo, quando você prevê como será algo, nunca é do jeito que a gente imagina, não é? Por quatro semanas me imaginei sentando aqui. Sentada aqui e bebendo vinho perto do mar. Eu sabia exatamente como me sentiria. Agora eu estou aqui, e não me sinto nem um pouco assim. Eu não me sinto nem ótima, nem serena. Eu me sinto… bem idiota na verdade. [...]Sonhos. Eles nunca estão onde você espera encontrar.
Reflexões sobre a liberdade feminina, sobre o casamento, sobre o descontentamento e sobre esse anseio perpétuo de mudar, de sentir-se completo. Com muito humor cínico e melancolia representados de maneira excelente pela protagonista, Pauline Collins. E claro, as encantadoras ilhas gregas. Valeu demais
Paraíso: Fé
3.7 55“Paraíso: fé” mostra Anna Maria, uma fiel devota do proselitismo e do fundamentalismo religiosos, sempre em busca de apontar os pecados alheios e afirmar sua pureza e sua superioridade moral. Anna, convicta de ter uma missão, invade casas e impõe os padrões e rituais que julga corretos e suficientes para salvar aquelas pessoas. Diante da hostilidade, da contrariedade e de qualquer empecilho que se apresente nestas visitas, fica mais segura de estar cumprindo os propósitos divinos de orientar aquelas pobres almas.
A falsa humildade e a religiosidade vazia são também um fardo para a protagonista, na medida em que, por desconhecer uma abordagem sincera e, principalmente, de amor, da fé que julga propagar, associa o autoflagelo à purificação espiritual de seus desejos (e, na cena mais controversa do filme, pensa “espiritualizar” inclusive o ato meramente carnal).
A hipocrisia ganha uma nova camada na segunda parte do filme, quando se acentua o ar cômico que desde o começo orbita o filme. Há a chegada de Nabil, o marido de Anna muçulmano e paralítico - além de violento e intolerante - que demanda não apenas cuidado por sua condição como também espera ser atendido em suas prerrogativas maritais. Nabil é a extrapolação da narrativa que serve para ressaltar as contradições de Anna com sua fé.
Sob o Sol de Satã
3.7 22O filme, cujo roteiro é inspirado em um livro de Bernanos, tem muitos elementos de conexão com outra obra adaptada do escritor: Diário de Um Pároco de Aldeia. Um padre recém ordenado e atormentado pelos desafios de crer e transmitir essa crença.
O filme traz a noção de que abraçar uma fé de fato, ao contrário do que se supõe, não gera conforto, mas sim acentua as dúvidas e a confusão. A ânsia de servir sem saber exatamente como, os problemas da comunidade que se mostra pouco disposta a aceitar. O padre não encontra alívio em Deus, não encontra alívio no serviço e muito menos no seu mentor, alguém já conformado com aqueles sentimentos. A única coisa que o conduz à experiência mística é o suplício e a dor.
E então aparece Satã e amaldiçoa o já miserável padre: a incerteza do que fazer ganha uma camada extra de angústia quando o poder do mal se mistura à suposta obra do bem.
Perdi-me várias vezes durante o filme. É complexo, os diálogos são estranhos, o ritmo não é agradável.
Infâmia
4.4 300Karen e Martha são amigas desde a faculdade e comandam um internato para meninas que aos poucos, e graças a dedicação das duas, vem se estabelecendo na comunidade e ganhando boa reputação. Um comentário intrometido e maldoso da tia de Martha, entreouvido por uma das alunas, porém, rapidamente traz a ruína não só ao empreendimento, como também à vida das duas mulheres.
Mary, a aluna, magoada com as professoras pela disciplina que merecidamente recebia e tendo em mente a acusação – feita pela tia de Martha – de que a relação é “antinatural”, leva a informação até sua avó, Amelia, uma figura muito respeitada na comunidade e tia do noivo de Karen. A insinuação, a partir disto, evolui para uma mentira detalhada, com novas camadas acrescentadas. Infâmia é um filme sobre a devastação que a mentira pode causar.
Os pais, instigados por Amelia, tiram suas filhas do internato e a comunidade rejeita as duas professoras. As consequências da difamação encontram, ainda, verdades até então não reveladas e difíceis de lidar.
As protagonistas, com seus dilemas e sofrimentos, são interpretadas com suavidade e sem afetação, ainda que o filme seja bastante carregado em seus contornos trágicos.
O Exorcista III
2.6 195 Assista Agora- O filme oferece um bom entretenimento durante uma parte considerável da sua metragem. A mistura do mistério dos brutais assassinatos com as insinuações sobrenaturais faz com que fiquemos envolvidos com a trama.
- O chefe de polícia responsável por desvendar os crimes é o estereótipo clássico dos filmes policiais do período: ranzinza e gritalhão, mas comprometido com o trabalho e, por isso, fácil de simpatizar.
- Os exageros de interpretação e a composição caricatural de alguns personagens nesta parte “satisfatória” do filme, incomodam muito pouco também.
Na parte final do filme, porém, qualquer sobriedade que pudesse ter restado é mandada às favas. Tanto no estilo quanto nas soluções descabidas, a obra se transforma em um trash e fica cômica.
Macbeth
3.9 51A adaptação da história de Macbeth, texto shakespeariano que, inclusive, é considerado amaldiçoado, consegue reproduzir essa mística tétrica com muita competência. O mundo cheio de sangue, traição, ambição, bruxas e culpa tem sua atmosfera traduzida numa paisagem desolada, úmida e escura que se conjuga com o castelo também sombrio onde a tragédia de fato se dá. O cenário antecipa ao espectador a decadência moral daquele ambiente. A feiura e a sujidade da violência e dos sentimentos pouco nobres dos personagens não é suavizada em nenhum momento.
Macbeth é, assim, um filme muito potente não somente por se valer dos méritos do texto original, mas por aproveitá-lo da melhor maneira, com um belo trabalho de produção. A direção e as atuações, com uma escolha de elenco acertada, são valores que merecem ser igualmente reconhecidos. Um acerto de Polanski que, ao que se sabe, serviu como parte do processo de lidar com a sua própria tragédia.
Sonho de Valsa
3.5 12 Assista AgoraO desejo e a própria vida da mulher, sempre subordinados e moldados pela expectativa social. Submetidos à censura e às promessas dos homens e dos deuses. A obrigação eterna de agradar que é acompanhada pela culpa, pela cruz. Um manifesto delirante (e engraçado, e incômodo e anárquico) sobre ser mulher em um mundo com tantas representações masculinas, regido pela lógica masculina.
O transe religioso, a referência à Santa Tereza D'Ávila: todas as figuras masculinas são buscadas pra preencher a necessidade de um "amor incondicional"
e a cena final é a libertação desse raciocínio
O Diabo de Cada Dia
3.8 1,0K Assista AgoraO Diabo de Cada Dia é o título que explicita o tema do filme: a maldade que nos cerca, nos afeta, nos acossa e… nos seduz. O “Diabo” precisa ser ativamente combatido, o Mal deve ser rechaçado ou ele nos domina e começamos, primeiro, a achá-lo justo e depois, como diz o filme, “somos como cachorros que, quando começam a cavar, não querem mais parar”. A violência e a depravação escalam rapidamente e deixam marcas que se perpetuam por gerações.
Tom Holland, excelente no papel, é o personagem em torno do qual as histórias giram, lidando com o seu luto e com os reflexos de outros enlutados. O próprio clima de pós-guerra e de desesperança – muito bem traduzidos na ambientação do filme, seja pela fotografia, seja pela trilha – é resultado da subvalorização da vida com a banalização da morte nos combates.
A execução do filme tem muitos méritos e me manteve interessada na trama todo o tempo. Eu talvez tivesse gostado de um desenvolvimento maior em cada núcleo, ou menos núcleos. Acho que algumas histórias foram pouco exploradas. Mesmo assim, bom filme
Benedetta
3.5 198 Assista AgoraBenedetta tem um humor negro subjacente que busca ressaltar a hipocrisia e potencializar a provocação, mas que eu não tenho certeza se combinou. O mesmo pode-se dizer sobre a falta de sutileza - que atribuo a uma ânsia ENORME de chocar. Se tirar a polêmica, não sei se sobra muito.
A Família Bélier
4.2 437A família Beliér vive no interior da França e tira seu sustento de produtos agrícolas, que são vendidos na feirinha da cidade. As relações tem, porém, um dificultador: três dos quatro Beliér são surdos e dependem da filha intérprete para vender, comprar, ir ao médico... E, devido ao descontentamento do pai com a administração municipal e sua consequente candidatura ao pleito, também para traduzir aos eleitores suas propostas de campanha.
O arranjo estabelecido é utilizado pelo filme para criar situações cômicas e dão um clima muito leve a ele, ainda que as piadas nem sempre tenham funcionado para mim.
A trama que envolve a filha ouvinte tem desdobramentos típicos de filme teen , com o interesse amoroso sendo constrangido pela família e suas manias, o professor que é um pouco estranho mas sabe reconhecer um talento, e o amadurecimento que exige que se afaste da segurança e se arrisque "no mundo".
A menina tem uma voz muito bonita e gostei de como o filme mostra que há meios diferentes de e para perceber a expressão artística.
Sonata de Tóquio
4.1 59 Assista AgoraUm homem, cuja identidade está no trabalho, é demitido. Incapaz de lidar com a vergonha de comunicar sua família sobre a perda do emprego, encena uma mentira enquanto trata com rigidez os dois filhos, agarrado à ideia de autoridade. À mulher, sobra o papel de conciliadora.
Logo, porém, os conflitos mudam de figura, e cada membro da família vive sua “jornada de descobrimento”. Nesta parte a dose de humor japonês aumenta mas, felizmente, não a ponto de me tirar do filme. O momento da mulher, ainda que tenha nascido de uma cena de comédia pastelão, ainda representa de maneira bonita e significativa o conflito entre permanecer ou entregar-se ao impulso.
Filme com críticas bastante pertinentes ao culto ao trabalho e à sociedade capitalista e de consumo que encerra em uma sequência contida (ainda bem!) mas redentora, que me lembrou que a arte é o que nos permite o necessário escape.
Atleta A
4.2 37“Atleta A” se propõe, inicialmente, a denunciar o escândalo sexual envolvendo o fisioterapeuta da seleção americana de ginástica artística, que segue o roteiro de tantos outros casos de pedofilia: o homem “confiável” que se infiltra em um ambiente com crianças e lá permanece por longos anos, molestando centenas, amparado pela ingenuidade das vítimas e pela omissão conivente dos superiores e colegas.
O documentário mostra também a pouco falada e muito nociva lógica que impera nos esportes de alto rendimento, a que determina que vale tudo na busca pelos melhores resultados: doping, tratamentos médicos temerosos, muito grito, muita intimidação, muitas privações… O esporte é resumido a sacrifício, e quem não ganha é porque não sofreu o suficiente.
Amor e Monstros
3.5 663 Assista AgoraAmores e Monstros é um filme de aventura juvenil clássico e bem construído.
Ambientado em um mundo pós apocalíptico, o filme entrega o carismático protagonista, vivendo sua “história de formação” em meio aos monstros enormes e perigosos que habitam a Terra após uma meteoro que espalhou compostos químicos pelo Planeta.
Depois de um longo período de confinamento, Joel decide ir atrás da ex-namorada, única conexão que ainda mantém com a vida pré catástrofe e, acredita ele, sua chance de amor. Descobre, na jornada, outros valores que não considerava, como a amizade e o senso de comunidade e, por meio de muitas cenas de ação, com um humor bem dosado, o filme toma um rumo diferente – e muito mais interessante – do que o que se desenhava no início.
Terra e Liberdade
4.1 45[...]
El bien más preciado es la libertad
Hay que defenderla con fe y valor
O idealista David viaja à Espanha pós-golpe franquista objetivando combater, através da luta armada, os fascistas usurpadores. Mesmo que motivados pelos mesmos problemas e compartilhando dos mesmos ideais de transformação social, os camaradas logo têm de lidar com as divergências de abordagem, vindas de diferentes experiências de vida e formação.
Enquanto há os que defendam focar em derrotar o fascismo para, só a partir daí, debater a construção da nova sociedade, há os que sustentem que a revolução deva ser implantada naquele mesmo momento, aproveitando o clima favorável. O alemão cita os 6 milhões de sindicalistas de seu país, que deixaram a revolução para mais tarde e estavam sendo governados por Hitler, e recebe como resposta que a ideologia não adianta se a guerra for perdida, se todos estiverem mortos.
O debate, apenas um dos que se colocam durante o filme, gera uma inevitável reflexão sobre a postura da esquerda através dos tempos. Na ânsia de acertar o máximo possível, as divergências se instalam, e a desunião leva ao fracasso. A necessidade de construir, principalmente uma nova mentalidade, exige ferramentas das quais geralmente não se dispõe e, no improviso, pouca gente concorda.
Os já citados debates deixam a obra menos dinâmica e, por vezes, monótona. Também, há um certo tom de melodrama que incomoda. Mesmo assim o filme mostra-se muito importante para quem se interessa por História e faz um bom trabalho ao transpor a realidade da revolução e dos revolucionários, além de entregar algumas reflexões, como a esperançosa (e também melancólica) fala final do protagonista: Porque a batalha é longa e eles são muitos, mas nós somos muitos mais… Sempre seremos muitos mais! O amanhã é nosso, companheiros!
As Boas Maneiras
3.5 647 Assista AgoraComecei o filme pensando se tratar de um drama. Logo, porém, o tom caricatural dos diálogos, e as situações caricaturais vividas principalmente pela patroa (Marjorie Estiano), me fizeram pensar que seria uma sátira social, retratando os vícios da elite branca (a já mencionada patroa, grávida) na exploração da força de trabalho negra (a babá periférica contratada para atender todas as necessidades da parturiente, da casa e, depois, do bebê). A estranheza das situações me remeteu, neste primeiro momento, a filmes como “Corra!”.
O desenrolar do filme mostrou que eu não estava totalmente certa em minhas impressões, mas também não totalmente errada. “As Boas Maneiras” é um terror - e mantém o interesse do espectador valendo-se de elementos próprios desse gênero - mas também pretende se estabelecer como crítica social. O problema é que o enredo é pouco sólido e os questionamentos são trabalhados de maneira tão superficial que acabam por ser meras sugestões.
O filme se divide em dois atos principais, mas o primeiro funciona muito melhor que o último. A tensão e o mistério que existem na gravidez e no comportamento da patroa, aumentados pelo relacionamento entre ela e a empregada são o ponto alto da obra. Infelizmente nada se mantém na parte final, quando a trama, além de ficar muito menos interessante, vai enchendo-se de furos e implausibilidades.
Gandhi
4.1 304 Assista AgoraNas suas mais de três horas, “Gandhi” não esconde seu propósito de exaltar a figura de seu protagonista, apresentando-o como digno do título que lhe foi conferido, Mahatma, a “grande alma”, a quem é atribuída uma divina perfeição. Esta característica, que costuma diminuir o valor de biografias, neste caso tem pouco impacto na experiência. Isso porque o filme flui em um ritmo agradável, amparado em interpretações e valores de produção de qualidade superior. Destacam-se também as paisagens e os retratos humanos do extenso e super povoado país.
Não tenho dúvidas que a situação política do filme foi simplificada para a audiência estrangeira, bem como as implicações na vida cultural e religiosa da Índia, mas a importante mensagem dignificante de Ghandi está presente em sua essência, que ainda hoje cativa. Resiste-se ao ódio sem odiar.
A Noite Americana
4.3 188“A Noite Americana” entrega um interessante exercício, retratando no filme a construção de um filme, que é alternada com os dramas reais dos atores (fictícios) nos bastidores: intrigas, ataques de estrelismo, triângulo amoroso… “todos dormem com todos, todos mentem”, em uma clara piada com o estereótipo de atores.
Somos apresentados às visões e noções do próprio diretor atuando como diretor. O filme dedica-se a mostrar as técnicas de filmagem e tudo que engloba o processo de gerar o mundo e as situações imaginadas de maneira a simular a verdade.
Infelizmente não consegui comprar a ideia cômica do filme, nem na parte das histórias de bastidores, que foram pouco desenvolvidas, e nem nas ironias lançadas por Truffaut, sobre as quais tive que ler e pesquisar depois, eis que majoritariamente autorreferentes
Lawrence da Arábia
4.2 416 Assista AgoraCamelos encilhados e cabelos ensebados.
Vestígios do Dia
3.8 219 Assista AgoraAnthony Hopkins interpreta um mordomo (Stevens) que, há mais de 30 anos, serve diligentemente à propriedade de Darlington Hall. Com especial zelo pelas qualidades que distinguem um bom profissional, Stevens incorpora de maneira integral seu papel, dando ao patrão não só sua lealdade, compromisso e discrição, como também sua vida.
Hopkins, extraordinariamente competente, transmite o nível de repressão emocional a que se submete o personagem, que abdica dos afetos e prazeres para servir com perfeição. A fleuma de Stevens mantém-se por todo tempo, apesar dos esforços da nova governanta, Ms. Kenton - a ótima Emma Thompson.
O mordomo opta por, através da fidelidade cega ao patrão, fugir da liberdade. Inteligentemente, o filme apresenta a simpatia do primeiro proprietário da localidade, Sr. Darlington, pelos ideais fascistas como que para sugerir que, como Stevens, nós também preferimos aderir a uma série de regras e ordens por simples comodidade (ou medo).
Humano - Uma Viagem pela Vida
4.7 326 Assista AgoraPessoas de diferentes países, experiências, profissões, idades e posições sociais tratam de temas humanos e constroem uma visão conjunta de humanidade. O homicida, a criança-soldado, o refugiado, a sobrevivente do Holocausto e outros tantos oferecem reflexões que, ao mesmo tempo que os situam como singulares nesse mundo de 7 bilhões de pessoas, também os aproximam do espectador.
O documentário consiste em depoimentos gravados em frente a um fundo preto e entrecortados por registros aéreos impressionantes, que evocam o tema “humanidade” e também nos fornecem uma dimensão do nosso tamanho frente à grandiosidade do planeta. O filme é um manifesto em favor do que nos salva(rá), posto que somos feito do mesmo material: a tolerância, a compaixão, a justiça, a paz, o respeito. As histórias contadas e as visões trazidas são capazes de nos atingir profundamente e inspirar-nos a pelo menos tentar o caminho do Amor.
O Clube de Leitura de Jane Austen
3.7 331 Assista AgoraMulheres lidam com seus dramas que – é claro – provêm sempre de relacionamentos amorosos. Buscando um refúgio dos problemas cotidianos, decidem montar um clube de leitura dedicado exclusivamente à obra de Jane Austen. As discussões sobre a leitura revelam ao público (e mais tarde aos integrantes) que os conflitos apresentados pela escritora britânica no século XVIII se repetem no mundo contemporâneo. Em parte porque sentimentos são atemporais e em parte porque certos padrões comportamentais e modelos de conduta, principalmente femininos, foram tão reforçados ao longo do tempo que é muito difícil que nos libertemos deles.
No enredo de desventuras amorosas femininas, o filme mostra-se formulaico e carregado demais no sentimentalismo. Por fim, a escolha de mostrar relances das seis obras de Jane Auste através de pequenos excertos que se relacionam às vidas dos protagonistas falha como homenagem à escritora porque deixa tudo raso demais.
Louca Obsessão
4.1 1,3K Assista AgoraNão à toa, a palavra fã é derivada de “fanático”, cujo significado, mesmo que neutralizado pelo uso corrente, é de alguém devotado em excesso, i.e., portador de uma louca obsessão. Annie, a fã retratada por Kathy Bates no filme, dá uma força especial a esta dimensão de loucura que acompanha a adoração a alguém.
A premissa do filme é bastante simples, e seu roteiro rapidamente nos dá a noção do que ocupará boa parte de sua extensão: a interação entre Paul e Annie. Esta agilidade em apresentar o ponto principal, permite que se desenvolva desde cedo o grande trunfo do filme, que reside na criação e no crescimento de tensão.
A mudança na personalidade de Annie é ressaltada através de uma representação quase caricata. O exagero não incomoda, mas serve para acentuar a imprevisibilidade de seu comportamento.
O ambiente claustrofóbico e a limitação física de Paul fizeram-me lembrar dos excelentes "Janela Indiscreta" e "O Que Terá Acontecido à Baby Jane?".
O Novato
3.8 41O filme francês adota, em alguma medida, o mesmo estilo das comédias de high school americanas, principalmente nos seus esteriótipos. O menino “desenturmado” tenta uma aproximação com os populares, que o rejeitam reiteradamente. Há então o acolhimento do grupo de “esquisitos”, com quem o protagonista invariavelmente acaba se identificando depois de alguma resistência.
Diferente de boa parte das obras estadunidenses do gênero, porém, traz personagens com traços mais suaves e bem desenvolvidos, imprimindo neles uma naturalidade maior. O filme acerta em não carregar no tom dos diálogos e interpretações, fazendo com que situações vividas sejam totalmente críveis e, portanto, capazes de gerar simpatia. Um filme leve, fácil e divertido.
O Castelo Animado
4.5 1,3K Assista AgoraO filme, como muitos do estúdio, investe pesado em surrealismo. Seu enredo é estruturado de maneira algo anárquica, sendo impossível prever seus desdobramentos. Assim, para a sua total apreciação, faz-se necessário um certo desprendimento da expectativa pelos padrões tradicionais de narrativa. Esta tarefa não impõe muita dificuldade, graças aos belos artifícios visuais e a construção primorosa do mundo fantástico no qual se deve imergir.
Vencida esta possível resistência, Miyazaki entrega mais um belo trabalho, com reflexões importantes tecidas de forma suave, mas nunca superficial. O filme fala muito sobre (auto) imagem e aceitação, tema sempre e cada vez mais relevante em um mundo que usa a aparência para rotular e valorar.
Não é meu Miyazaki preferido, mas ainda é muito bom.