Um dos filmes que usa de maneira mais criativa e inteligente o recurso do plano sequência, sem que seja um exibicionismo técnico, estando completamente em prol da narrativa. É bonito como ele funciona como filme de zumbi e homenagem ao cinema.
Sem ter as suas necessidades essenciais atendidas, até os mais refinados de nós tornam-se "selvagens". Como consequência, as máscaras das convenções sociais caem. Buñuel é uma força onipresente, onisciente e onipotente que testa as falsas verdade das instituições do topo da nossa piramide social
Feito durante o período dourado da revolução cubana, A morte de um Burocrata satiriza a burocratização no país, mas funciona de maneira universal para qualquer pessoa em qualquer lugar do planeta. Em tom parece uma mistura de um conto kafkiano e comédias de Chaplin e Harold Lloyd. O filme é bastante criativo, recorrendo a elementos visuais cômicos inventivos e sequências de sonhos surrealistas que evocam Buñuel.
Entre o misticismo de um fenômeno da natureza, cartas de baralho que são encontradas pelo caminho e o realismo trivial de uma férias solitária, acompanhamos uma história contada com uma naturalidade melancólica poucas vezes vista. Delphine nos aproxima da angústia da solidão, da aflição de tentar se conectar com as pessoas em nossa volta e se sentir um alienígena, da frustração de ao tentar aproximação se sentir ainda mais pré-julgada e incompreendida. O filme apresenta isso de forma direta e crua, sem dramatizar o sentimento de desconexão enquanto explora como acabamos sofrendo pressões inconscientes para viver experiências que não necessariamente queremos e da busca de algo ou alguém nos salve desse limbo e a frustração de não existir essa salvação no outro.
Rohmer sutilmente capta essa desolação enquadrando Delphine deslocada e abatida ao lado de belas paisagens francesas, aumentando a nossa percepção do deslocamento dela com o mundo em sua volta. Marie Rivière, em grande interpretação, expressa brilhantemente todos esses sentimentos sem precisar dizer muita coisa. O final é poderoso e reforça ambiguidade entre misticismo e realismo da obra.
Impressionante como americano consegue fazer esses documentários sobre consumismo e sempre individualizar o problema, fugindo do alicerce que estrutura tudo pra não cair em uma discussão mais profunda sobre o capitalismo. O resultado são essas obviedades superficiais em tom de "Pois é, né, vivemos em uma sociedade..."
Uma vez eu li que o Tarantino gostava mais dessa sequência do que o original dirigido por Hitchcock, desde então fiquei curioso, no entanto a ideia de que esse filme poderia ser uma bomba sempre me impediu de vê-lo antes. Bem, compará-lo com o original chega ser desleal, mas vendo o filme de cabeça aberta e esquecendo o clássico, é possível tirar proveito da experiência
O filme passa muito longe de ser um fracasso, na verdade ele tem uma série de méritos. Anthony Perkins, por exemplo, segue brilhante. Nessa sequência, Norman consegue ganhar a empatia do público, sendo apresentado como alguém que quer fazer o certo e luta para manter sua sanidade. A maioria dos novos personagens são interessantes e é admirável como a residência dos Bates se torna uma entidade ainda mais viva e assombrosa.
No primeiro momento presumi que o filme seguiria o formato dos Slashers que dominavam o cinema de terror nos anos 80, provavelmente o filme até fora divulgado e vendido dessa forma, mas Psicose II se estrutura mais como um mistério sobre quem é o assassino. Nesse sentido algumas propostas e soluções que o filme cria são bastantes inventivas e acertadas, mas ele acaba se perdendo em meio a vários twists.
A insubordinação de um imigrante rebelde em uma metrópole fria e cruel. Nesse pesadelo urbano, artistas são vagabundos e os homens são dignificados e domesticados pelo trabalho, quem não se adapta é esmagado e espremido. O nordestino é mão de obra barata sub-humana, todos são iguais e tem a mesma cara, por isso são facilmente confundidos, até porque, de qualquer forma, suas vidas ali não importam
Um filme escárnio à cultura do heterotop brasileiro. Em temática, se assemelha a Spring Breakers, mas sem que haja aproximação e empatia com os elementos que compõe esse universo. Sim é caricato e exagerado, mas isso porque A frente fria que a chuva traz trata-se de uma declaração de ódio à juventude da elite carioca, ódio ao seu egoísmo e a sua cafonice.
A tentativa de ambiguidade entre drama e terror nunca parece equilibrada, por mais que as cenas de tensão possuam uma boa atmosfera e transmitam um horror convincente, a suposição da fantasia do personagem é muito rudimentar e ele pouco convence quanto alguém lúcido. A esse ponto esse tipo de nuance entre drama e sobrenatural no chamado “Pós Terror” além de batido parecem sempre sair por uma tangente mais realista, talvez em busca de uma aprovação como “filme de arte” e não de gênero, o que não me ajuda a esperar algo diferente. Algumas cenas cotidianas e mais descontraídas entre os personagens de pouco servem ao filme, interessam a audiência, ou enriquecem essa dúvida, uma discussão sobre sexismo parece permear esse miolo também, mas fica pelo caminho. Ainda assim, é comovente a abordagem da empatia de Christian com o Wyatt e o desfecho é um belo momento.
Em meio ao caos do Japão pós segunda guerra, um bar funciona como ponto de passagem para Suzaki Paradise, o submundo de Tokyo. O lugar é marcado pela prostituição e apesar de vermos as pessoas indo e voltando de lá, ele nunca é nos mostrado. Nesse sentido, Suzaki Paradise paira o casal de protagonistas como um local místico e trágico ao redor, enquanto ambos se encontram num estado espera para definir seus destinos. Ao final percebemos que eles poderiam acabar saindo dessa vida de andarilhos urbanos marginalizados, mas o magnetismo meio sádico entre os dois, que os carrega para essa vida, acaba sendo mais forte.
Esperava um filme de cunho realista social devido a tamanha influência do neorrealismo italiano em países subdesenvolvidos à época, mas A Vaca tem um senso de horror e misticismo muito próprio que elevam o filme para além desse formato
Em A Hora Mais Escura, Bigelow adota um distanciamento narrativo em busca de alcançar um realismo focado em seguir sistematicamente o processo factual que levou à captura de Osama Bin Laden, o filme evita dramatizações que fogem desse objetivo, privilegiando a caçada em si. Durante esse processo conhecemos a necropolítica americana que tortura e mata terroristas (e inocentes) sem hesitar. Tudo justificado pelo objetivo de encontrar o inimigo público número 1º do país. Essa política não é exatamente problematizada dramaticamente, acredito que isso abre brechas para que muitos acusem o filme de ser “americanista”, porém essas ações são representadas de maneira inescrupulosa, de forma que a diretora em nenhum momento glorifica, ou engrandece os atos da CIA, até mesmo no momento de captura de Bin Laden podemos ver a tropa americana cometendo erros estratégicos e aterrorizando inocentes. Assim como em “Guerra ao Terror”, Bigelow trata novamente dos efeitos psicológicos e emocionais da guerra em sua protagonista. Maya, não existe para além de sua obsessão de capturar e matar Osama, nesse sentido a primeira cena é importante porque nos permite enxergar no futuro a transformação da personagem. Inicialmente ela se demonstra incomodada e desconfortável ao presenciar uma sessão de tortura de um membro da Al Qaeda, em determinado momento do filme, a própria participa de forma ativa da tortura de outro terrorista em uma sessão parecida. Maya passa anos a fio vivendo apenas para cumprir seu objetivo. Sem vida social, relacionamentos e sem tempo de lamentar a morte de colegas, só se permite chorar ao final, quando chega ao seu objetivo. Apesar do êxito da missão e o sucesso do seu palpite na caçada à Bin Laden, não há qualquer sentimento de orgulho, Maya foi transformada pelo que viveu e se encontra sem rumo após viver anos dedicada exclusivamente a isso. Nesse sentido, a personagem funciona como uma representação física da ressaca americana após essa resolução, a obsessão da opinião pública e dos americanos em geral em caçar Bin Laden, por mero revanchismo, não trouxe nenhuma conquista ao país, tampouco foi uma vitória significativa no combate ao terrorismo. Desde então, as ações de fundamentalistas só aumentaram por consequência direta das intervenções desastrosas dos EUA no Oriente e com o fim da Al-Qaeda, o Ocidente viu nascer o Estado Islâmico que hoje controla boa parte do território iraquiano e sírio.
É o filme testamento da geração que revolucionou o cinema nos anos 70 com a Nova Hollywood. Autor e ficção se misturam nesse belo epitáfio filmado, só consigo pensar em como o adeus à esses caras será doloroso...
Tem um problema notório de ritmo, mas a estrutura é bastante interessante e imprevisível, o filme não acompanha um personagem em específico ou uma situação, de forma que essa sinopse mal faz jus a ele, daí você já consegue imaginar o quão caótico é.
é como se Demonlover concretizasse o universo imaginado por Cronenberg em Videodrome e o trouxesse para os bastidores do jogo político hiper-competitivo das megas corporações; apesar de ter uma estética cyberpunk tudo acontece em um presente, frio, inescrupuloso e familiar; A trilha do Sonic Youth e do Jim O' Rourke ajudam a enriquecer o ambiente de maneira que integram e conduzem as ações de forma ainda mais desoladora
Como exercício de mistura de gêneros é bem interessante, fábula/bonnie e clyde/thriller/coming of age, todos juntos em um filme só, mas quanto análise da psicologia sexual de seus personagens o filme acaba sendo oco e um tanto problemático
Mais um filme sobre Hooliganismo em que, excluindo menções a nomes de um clube ou outro, o futebol nem parece existir, ou ser parte fundamental dessa cultura. Apesar de tratar desse universo específico, o filme em nada se diferencia de uma trama típica de um indivíduo que acaba em uma organização criminosa e por fim encontra sua redenção. No entanto, dou o mérito de conseguir apresentar um estudo de personagem interessante, mostrando como o racismo sofrido por Cass o catapultou para a marginalidade e o tornou uma pessoa violenta. Infelizmente, a pobreza da produção e o lugar comum em que se encontra o roteiro impedem o filme de ser memorável
Em A Rede Social, Aaron Sorkin e Fincher partem da própria figura do criador do Facebook para tratar a incapacidade de comunicação na era das redes sociais. Neste sentido, Mark é a personificação da rede que criou, ao mesmo tempo que seu site conecta Bilhões de pessoas ao redor do mundo, ele não consegue cultivar qualquer conexão com as pessoas em sua volta. Quase como um paralelo aos usuários da sua rede que colecionam “amigos” com os quais não possuem nenhuma intimidade.
De certa forma, toda a concepção do site de relacionamento parte da sua própria frustração em relação a sua vida social e da rejeição que sofre por parte das mulheres e seus colegas de faculdade. Mesmo com o sucesso de sua criação, ao menos na história aqui contada, Mark segue sendo uma figura amargurada e solitária, que perde seu único amigo por culpa do seu egoísmo, ambição, arrogância e inveja. Zuckerberg não se importa muito com ninguém e nem parece entender algumas dinâmicas sociais, sendo assim se protege no universo hedonista e superficial da California onde todas suas relações se resumem ao trabalho, ou tem como fundamento o interesse das pessoas em torno de seu sucesso. Neste sentido, Erica Albright (Rooney Mara) aparece como uma figura inalcançável por não se importar com seus status de gênio da computação, não há fuga virtual para sua realidade. Isso é ilustrado no desfecho do filme onde ouvimos “Baby You’re a Rich Man” dos Beatles, em justaposição com seu rosto infeliz, enquanto o letreiro nos informa que estamos olhando para o bilionário mais jovem do mundo.
Além de ser um dos filmes inauguradores das discussões a respeito das consequências das redes sociais nas relações humanas, que talvez seja o tema mais contemporâneo e dos mais presentes em produções audiovisuais hoje, o filme ainda o fez de maneira duplamente subversiva. Primeiro por mostrar isso contando a história da fundação e do fundador dessa rede. Segundo por usar o mesmo formato dinâmico e hiperativo das redes sociais como forma para essa narrativa, que acontece em três tempos diferentes que vão e volta de forma não-linear e por fazer uso extremo de diálogos ágeis, dinâmicos e sobrepostos na velocidade de um clique.
David Lean era um diretor com temas e personagens à frente de seu tempo. Hobson's Choice é mais um filme que confirma isso, aqui o patriarca de uma família de três mulheres é o algoz e a caricatura que será o bode expiatório para o deboche cômico e a personagem mais inteligente e forte é uma mulher. O filme funciona principalmente pelo trio de protagonistas, composto por três personagens marcantes e bem interpretados. É uma pena que o longa perca sua força ainda antes do ato final e se torne redundante
Mais um filme em que S. Craig Zahler combina um gênero tradicional com Terror B para criar algo novo. É como se "Rastros de Ódio" se encontrasse com Holocausto Canibal", ou “Quadrilha de Sádicos”. Logo pela abertura, que poderia muito bem ser a de um Slasher, recebemos a dica dessa miscelânea entre gêneros que é muito bem sucedida, mas que ainda não é completamente apresentada em seu primeiro ato. O filme caminha de maneira paciente até ela, estabelecendo a ambientação western, os personagens e a ótima dinâmica entre eles (todo o elenco é maravilhoso), o drama particular do personagem de Patrick Wilson, vulnerável por uma fratura na tíbia, e a trama de resgate que conduz a narrativa. Todo o desenvolvimento é envolto por diálogos bem dinâmicos, que apesar de soarem anacrônicos, casam bem com o tom geral do filme. Por fim, no terceiro ato, o filme abraça de vez esse terror extremamente gráfico, ainda que esse “twist” fosse esperado, a tensão das cenas é surpreendente e o choque é inevitável, principalmente pela forma espontânea e veloz com que os ataques e a violência ocorrem, tornando impossível se preparar para ela.
Em Bacurau acompanhamos uma comunidade coletiva que “subexiste” no interior do nordeste. No primeiro ato, conhecemos o protagonista, que é a própria cidade, nele somos apresentados a esse universo sertanejo tipicamente brasileiro e seus moradores. Nos atos seguintes, descobrimos que a comunidade está sob ameaça de invasores participando de um jogo sádico à lá “The Most Dangerous Game” ou “Hard Target”. Assim, o filme vai de um universo regionalista para mergulharmos em um território universal de um cinema que transita por uma série de gêneros. O filme se estrutura através desses gêneros e os coloca em evidencia em diversos momentos, seja pela construção de personagens que existem dentro de arquétipos simples típicos desse cinema, como o prefeito corrupto, os forasteiros, os inimigos estrangeiros (que nos Western americanos tipicamente são índios, fazendo assim uma subversão sagaz ao gênero), a matriarca, o violeiro, o líder da comunidade, a prostituta, o guerreiro de visual icônico (Lunga) e etc. A evidenciação desses gêneros ocorre através das escolhas da direção que passam pela fotografia, através do uso de Zoom-ins e Close-ups acentuados que vemos nos westerns de Sergio Leone, ou então na trilha sonora, com a faixa eletrônica “Night” de John Carpenter. Seu cinema talvez seja a principal influência para o filme, especialmente suas distopias futuristas feitas nos anos 80 e o neowestern “Vampiros”, além disso, de modo geral, o cinema do diretor possui a mesma dinâmica de personagens em isolamento forçado por um cerco que existe aqui. Como se não bastasse, o nome da escola fictícia da cidade é "João Carpinteiro" em homenagem clara ao diretor. Ainda que seja possível identificar comentários políticos a respeito da realidade brasileira, como a cisão entre o sul (que pensa ser europeu) e o Nordeste; a espetacularização da violência e o entreguismo da classe política aos americanos (que também são satirizados pelo seu fetiche por armas e racismo). Bacurau não se resume a uma mera alegoria política ou filme de “resistência”, seu centro é ser um resgate brasileiro a esses gêneros que por aqui foram ressignificados e abrasileirados com os “Nordestern” sobre o Cangaço. KMF & Dornelles fazem isso sem ter medo nenhum de abraçar o estilo e de fazer o uso da violência. Nesse sentido, Bacurau se junta a “Boas Maneiras” como parte de uma nova tendência do cinema brasileiro de trabalhar gêneros e abordar temas que vão além do realismo social pelo qual o cinema nacional é costumeiramente reconhecido.
É um dos filmes da Nova Hollywood que ilustram bem o cinema do período e que evidenciam o contexto de desilusão que o moldou. Ele se desenrola 73, o sonho da geração que pediu o fim da guerra no Vietnã e uma sociedade mais livre se foi. A guerra só parou com a derrota não assumida dos Estados Unidos e Nixon é o presidente. É emblemático que o prisioneiro recorra sua esperança de ser salvo em um mantra de uma nova religião alternativa nova-iorquina e que não tenha sucesso. Last Detail é de certa forma um símbolo melancólico de toda essa frustração, ainda que seus companheiros de marinha reconheçam seu prisioneiro como um deles e como uma boa pessoa, no fim do dia eles precisam seguir ordens. O sonho acabou e realidade bateu na porta do cinema também.
Plano-Sequência dos Mortos
4.1 107Um dos filmes que usa de maneira mais criativa e inteligente o recurso do plano sequência, sem que seja um exibicionismo técnico, estando completamente em prol da narrativa. É bonito como ele funciona como filme de zumbi e homenagem ao cinema.
O Anjo Exterminador
4.3 377 Assista AgoraSem ter as suas necessidades essenciais atendidas, até os mais refinados de nós tornam-se "selvagens". Como consequência, as máscaras das convenções sociais caem. Buñuel é uma força onipresente, onisciente e onipotente que testa as falsas verdade das instituições do topo da nossa piramide social
A Morte de um Burocrata
4.2 20 Assista AgoraO Indivíduo vs O Estado
Feito durante o período dourado da revolução cubana, A morte de um Burocrata satiriza a burocratização no país, mas funciona de maneira universal para qualquer pessoa em qualquer lugar do planeta. Em tom parece uma mistura de um conto kafkiano e comédias de Chaplin e Harold Lloyd. O filme é bastante criativo, recorrendo a elementos visuais cômicos inventivos e sequências de sonhos surrealistas que evocam Buñuel.
O Raio Verde
4.1 87Entre o misticismo de um fenômeno da natureza, cartas de baralho que são encontradas pelo caminho e o realismo trivial de uma férias solitária, acompanhamos uma história contada com uma naturalidade melancólica poucas vezes vista. Delphine nos aproxima da angústia da solidão, da aflição de tentar se conectar com as pessoas em nossa volta e se sentir um alienígena, da frustração de ao tentar aproximação se sentir ainda mais pré-julgada e incompreendida. O filme apresenta isso de forma direta e crua, sem dramatizar o sentimento de desconexão enquanto explora como acabamos sofrendo pressões inconscientes para viver experiências que não necessariamente queremos e da busca de algo ou alguém nos salve desse limbo e a frustração de não existir essa salvação no outro.
Rohmer sutilmente capta essa desolação enquadrando Delphine deslocada e abatida ao lado de belas paisagens francesas, aumentando a nossa percepção do deslocamento dela com o mundo em sua volta. Marie Rivière, em grande interpretação, expressa brilhantemente todos esses sentimentos sem precisar dizer muita coisa. O final é poderoso e reforça ambiguidade entre misticismo e realismo da obra.
Minimalismo: Um Documentário Sobre Coisas Importantes
3.5 195Impressionante como americano consegue fazer esses documentários sobre consumismo e sempre individualizar o problema, fugindo do alicerce que estrutura tudo pra não cair em uma discussão mais profunda sobre o capitalismo. O resultado são essas obviedades superficiais em tom de "Pois é, né, vivemos em uma sociedade..."
Psicose 2
3.3 213 Assista AgoraUma vez eu li que o Tarantino gostava mais dessa sequência do que o original dirigido por Hitchcock, desde então fiquei curioso, no entanto a ideia de que esse filme poderia ser uma bomba sempre me impediu de vê-lo antes. Bem, compará-lo com o original chega ser desleal, mas vendo o filme de cabeça aberta e esquecendo o clássico, é possível tirar proveito da experiência
O filme passa muito longe de ser um fracasso, na verdade ele tem uma série de méritos. Anthony Perkins, por exemplo, segue brilhante. Nessa sequência, Norman consegue ganhar a empatia do público, sendo apresentado como alguém que quer fazer o certo e luta para manter sua sanidade. A maioria dos novos personagens são interessantes e é admirável como a residência dos Bates se torna uma entidade ainda mais viva e assombrosa.
No primeiro momento presumi que o filme seguiria o formato dos Slashers que dominavam o cinema de terror nos anos 80, provavelmente o filme até fora divulgado e vendido dessa forma, mas Psicose II se estrutura mais como um mistério sobre quem é o assassino. Nesse sentido algumas propostas e soluções que o filme cria são bastantes inventivas e acertadas, mas ele acaba se perdendo em meio a vários twists.
O Homem que Virou Suco
4.1 185A insubordinação de um imigrante rebelde em uma metrópole fria e cruel. Nesse pesadelo urbano, artistas são vagabundos e os homens são dignificados e domesticados pelo trabalho, quem não se adapta é esmagado e espremido. O nordestino é mão de obra barata sub-humana, todos são iguais e tem a mesma cara, por isso são facilmente confundidos, até porque, de qualquer forma, suas vidas ali não importam
“Tudo esses pau-de-arara é Silva”.
A Frente Fria que a Chuva Traz
2.5 152 Assista AgoraUm filme escárnio à cultura do heterotop brasileiro. Em temática, se assemelha a Spring Breakers, mas sem que haja aproximação e empatia com os elementos que compõe esse universo. Sim é caricato e exagerado, mas isso porque A frente fria que a chuva traz trata-se de uma declaração de ódio à juventude da elite carioca, ódio ao seu egoísmo e a sua cafonice.
Um Divã em Nova York
3.2 8Seria um desastre se Akerman não conseguisse dar um charme especial para a cidade, ou se Binoche e Willian Hurt não fossem excelentes e carismáticos
They Look Like People
3.1 59A tentativa de ambiguidade entre drama e terror nunca parece equilibrada, por mais que as cenas de tensão possuam uma boa atmosfera e transmitam um horror convincente, a suposição da fantasia do personagem é muito rudimentar e ele pouco convence quanto alguém lúcido. A esse ponto esse tipo de nuance entre drama e sobrenatural no chamado “Pós Terror” além de batido parecem sempre sair por uma tangente mais realista, talvez em busca de uma aprovação como “filme de arte” e não de gênero, o que não me ajuda a esperar algo diferente.
Algumas cenas cotidianas e mais descontraídas entre os personagens de pouco servem ao filme, interessam a audiência, ou enriquecem essa dúvida, uma discussão sobre sexismo parece permear esse miolo também, mas fica pelo caminho. Ainda assim, é comovente a abordagem da empatia de Christian com o Wyatt e o desfecho é um belo momento.
Suzaki Paradise
3.8 2Em meio ao caos do Japão pós segunda guerra, um bar funciona como ponto de passagem para Suzaki Paradise, o submundo de Tokyo. O lugar é marcado pela prostituição e apesar de vermos as pessoas indo e voltando de lá, ele nunca é nos mostrado. Nesse sentido, Suzaki Paradise paira o casal de protagonistas como um local místico e trágico ao redor, enquanto ambos se encontram num estado espera para definir seus destinos.
Ao final percebemos que eles poderiam acabar saindo dessa vida de andarilhos urbanos marginalizados, mas o magnetismo meio sádico entre os dois, que os carrega para essa vida, acaba sendo mais forte.
A Vaca
4.0 19Esperava um filme de cunho realista social devido a tamanha influência do neorrealismo italiano em países subdesenvolvidos à época, mas A Vaca tem um senso de horror e misticismo muito próprio que elevam o filme para além desse formato
A Hora Mais Escura
3.6 1,1K Assista AgoraEm A Hora Mais Escura, Bigelow adota um distanciamento narrativo em busca de alcançar um realismo focado em seguir sistematicamente o processo factual que levou à captura de Osama Bin Laden, o filme evita dramatizações que fogem desse objetivo, privilegiando a caçada em si. Durante esse processo conhecemos a necropolítica americana que tortura e mata terroristas (e inocentes) sem hesitar. Tudo justificado pelo objetivo de encontrar o inimigo público número 1º do país. Essa política não é exatamente problematizada dramaticamente, acredito que isso abre brechas para que muitos acusem o filme de ser “americanista”, porém essas ações são representadas de maneira inescrupulosa, de forma que a diretora em nenhum momento glorifica, ou engrandece os atos da CIA, até mesmo no momento de captura de Bin Laden podemos ver a tropa americana cometendo erros estratégicos e aterrorizando inocentes.
Assim como em “Guerra ao Terror”, Bigelow trata novamente dos efeitos psicológicos e emocionais da guerra em sua protagonista. Maya, não existe para além de sua obsessão de capturar e matar Osama, nesse sentido a primeira cena é importante porque nos permite enxergar no futuro a transformação da personagem. Inicialmente ela se demonstra incomodada e desconfortável ao presenciar uma sessão de tortura de um membro da Al Qaeda, em determinado momento do filme, a própria participa de forma ativa da tortura de outro terrorista em uma sessão parecida. Maya passa anos a fio vivendo apenas para cumprir seu objetivo. Sem vida social, relacionamentos e sem tempo de lamentar a morte de colegas, só se permite chorar ao final, quando chega ao seu objetivo. Apesar do êxito da missão e o sucesso do seu palpite na caçada à Bin Laden, não há qualquer sentimento de orgulho, Maya foi transformada pelo que viveu e se encontra sem rumo após viver anos dedicada exclusivamente a isso.
Nesse sentido, a personagem funciona como uma representação física da ressaca americana após essa resolução, a obsessão da opinião pública e dos americanos em geral em caçar Bin Laden, por mero revanchismo, não trouxe nenhuma conquista ao país, tampouco foi uma vitória significativa no combate ao terrorismo. Desde então, as ações de fundamentalistas só aumentaram por consequência direta das intervenções desastrosas dos EUA no Oriente e com o fim da Al-Qaeda, o Ocidente viu nascer o Estado Islâmico que hoje controla boa parte do território iraquiano e sírio.
What Did Jack Do?
3.2 139Força Jack
a liberdade vai cantar 🙏🙏
O Irlandês
4.0 1,5K Assista AgoraÉ o filme testamento da geração que revolucionou o cinema nos anos 70 com a Nova Hollywood. Autor e ficção se misturam nesse belo epitáfio filmado, só consigo pensar em como o adeus à esses caras será doloroso...
O Lixo das Ruas
3.3 93Tem um problema notório de ritmo, mas a estrutura é bastante interessante e imprevisível, o filme não acompanha um personagem em específico ou uma situação, de forma que essa sinopse mal faz jus a ele, daí você já consegue imaginar o quão caótico é.
Espionagem na Rede
3.2 21 Assista AgoraAssustador
é como se Demonlover concretizasse o universo imaginado por Cronenberg em Videodrome e o trouxesse para os bastidores do jogo político hiper-competitivo das megas corporações; apesar de ter uma estética cyberpunk tudo acontece em um presente, frio, inescrupuloso e familiar; A trilha do Sonic Youth e do Jim O' Rourke ajudam a enriquecer o ambiente de maneira que integram e conduzem as ações de forma ainda mais desoladora
Os Amantes Criminais
3.7 18Como exercício de mistura de gêneros é bem interessante, fábula/bonnie e clyde/thriller/coming of age, todos juntos em um filme só, mas quanto análise da psicologia sexual de seus personagens o filme acaba sendo oco e um tanto problemático
fim de uma repressão sexual através de um estupro? err... acho que não é assim que funciona
Cass
3.8 17Mais um filme sobre Hooliganismo em que, excluindo menções a nomes de um clube ou outro, o futebol nem parece existir, ou ser parte fundamental dessa cultura. Apesar de tratar desse universo específico, o filme em nada se diferencia de uma trama típica de um indivíduo que acaba em uma organização criminosa e por fim encontra sua redenção. No entanto, dou o mérito de conseguir apresentar um estudo de personagem interessante, mostrando como o racismo sofrido por Cass o catapultou para a marginalidade e o tornou uma pessoa violenta. Infelizmente, a pobreza da produção e o lugar comum em que se encontra o roteiro impedem o filme de ser memorável
A Rede Social
3.6 3,1K Assista AgoraEm A Rede Social, Aaron Sorkin e Fincher partem da própria figura do criador do Facebook para tratar a incapacidade de comunicação na era das redes sociais. Neste sentido, Mark é a personificação da rede que criou, ao mesmo tempo que seu site conecta Bilhões de pessoas ao redor do mundo, ele não consegue cultivar qualquer conexão com as pessoas em sua volta. Quase como um paralelo aos usuários da sua rede que colecionam “amigos” com os quais não possuem nenhuma intimidade.
De certa forma, toda a concepção do site de relacionamento parte da sua própria frustração em relação a sua vida social e da rejeição que sofre por parte das mulheres e seus colegas de faculdade. Mesmo com o sucesso de sua criação, ao menos na história aqui contada, Mark segue sendo uma figura amargurada e solitária, que perde seu único amigo por culpa do seu egoísmo, ambição, arrogância e inveja. Zuckerberg não se importa muito com ninguém e nem parece entender algumas dinâmicas sociais, sendo assim se protege no universo hedonista e superficial da California onde todas suas relações se resumem ao trabalho, ou tem como fundamento o interesse das pessoas em torno de seu sucesso. Neste sentido, Erica Albright (Rooney Mara) aparece como uma figura inalcançável por não se importar com seus status de gênio da computação, não há fuga virtual para sua realidade. Isso é ilustrado no desfecho do filme onde ouvimos “Baby You’re a Rich Man” dos Beatles, em justaposição com seu rosto infeliz, enquanto o letreiro nos informa que estamos olhando para o bilionário mais jovem do mundo.
Além de ser um dos filmes inauguradores das discussões a respeito das consequências das redes sociais nas relações humanas, que talvez seja o tema mais contemporâneo e dos mais presentes em produções audiovisuais hoje, o filme ainda o fez de maneira duplamente subversiva. Primeiro por mostrar isso contando a história da fundação e do fundador dessa rede. Segundo por usar o mesmo formato dinâmico e hiperativo das redes sociais como forma para essa narrativa, que acontece em três tempos diferentes que vão e volta de forma não-linear e por fazer uso extremo de diálogos ágeis, dinâmicos e sobrepostos na velocidade de um clique.
Papai é do Contra
3.8 10David Lean era um diretor com temas e personagens à frente de seu tempo. Hobson's Choice é mais um filme que confirma isso, aqui o patriarca de uma família de três mulheres é o algoz e a caricatura que será o bode expiatório para o deboche cômico e a personagem mais inteligente e forte é uma mulher. O filme funciona principalmente pelo trio de protagonistas, composto por três personagens marcantes e bem interpretados. É uma pena que o longa perca sua força ainda antes do ato final e se torne redundante
Rastro de Maldade
3.7 408 Assista AgoraMais um filme em que S. Craig Zahler combina um gênero tradicional com Terror B para criar algo novo. É como se "Rastros de Ódio" se encontrasse com Holocausto Canibal", ou “Quadrilha de Sádicos”.
Logo pela abertura, que poderia muito bem ser a de um Slasher, recebemos a dica dessa miscelânea entre gêneros que é muito bem sucedida, mas que ainda não é completamente apresentada em seu primeiro ato. O filme caminha de maneira paciente até ela, estabelecendo a ambientação western, os personagens e a ótima dinâmica entre eles (todo o elenco é maravilhoso), o drama particular do personagem de Patrick Wilson, vulnerável por uma fratura na tíbia, e a trama de resgate que conduz a narrativa. Todo o desenvolvimento é envolto por diálogos bem dinâmicos, que apesar de soarem anacrônicos, casam bem com o tom geral do filme.
Por fim, no terceiro ato, o filme abraça de vez esse terror extremamente gráfico, ainda que esse “twist” fosse esperado, a tensão das cenas é surpreendente e o choque é inevitável, principalmente pela forma espontânea e veloz com que os ataques e a violência ocorrem, tornando impossível se preparar para ela.
Bacurau
4.3 2,8K Assista AgoraEm Bacurau acompanhamos uma comunidade coletiva que “subexiste” no interior do nordeste. No primeiro ato, conhecemos o protagonista, que é a própria cidade, nele somos apresentados a esse universo sertanejo tipicamente brasileiro e seus moradores. Nos atos seguintes, descobrimos que a comunidade está sob ameaça de invasores participando de um jogo sádico à lá “The Most Dangerous Game” ou “Hard Target”. Assim, o filme vai de um universo regionalista para mergulharmos em um território universal de um cinema que transita por uma série de gêneros.
O filme se estrutura através desses gêneros e os coloca em evidencia em diversos momentos, seja pela construção de personagens que existem dentro de arquétipos simples típicos desse cinema, como o prefeito corrupto, os forasteiros, os inimigos estrangeiros (que nos Western americanos tipicamente são índios, fazendo assim uma subversão sagaz ao gênero), a matriarca, o violeiro, o líder da comunidade, a prostituta, o guerreiro de visual icônico (Lunga) e etc. A evidenciação desses gêneros ocorre através das escolhas da direção que passam pela fotografia, através do uso de Zoom-ins e Close-ups acentuados que vemos nos westerns de Sergio Leone, ou então na trilha sonora, com a faixa eletrônica “Night” de John Carpenter. Seu cinema talvez seja a principal influência para o filme, especialmente suas distopias futuristas feitas nos anos 80 e o neowestern “Vampiros”, além disso, de modo geral, o cinema do diretor possui a mesma dinâmica de personagens em isolamento forçado por um cerco que existe aqui. Como se não bastasse, o nome da escola fictícia da cidade é "João Carpinteiro" em homenagem clara ao diretor.
Ainda que seja possível identificar comentários políticos a respeito da realidade brasileira, como a cisão entre o sul (que pensa ser europeu) e o Nordeste; a espetacularização da violência e o entreguismo da classe política aos americanos (que também são satirizados pelo seu fetiche por armas e racismo). Bacurau não se resume a uma mera alegoria política ou filme de “resistência”, seu centro é ser um resgate brasileiro a esses gêneros que por aqui foram ressignificados e abrasileirados com os “Nordestern” sobre o Cangaço. KMF & Dornelles fazem isso sem ter medo nenhum de abraçar o estilo e de fazer o uso da violência. Nesse sentido, Bacurau se junta a “Boas Maneiras” como parte de uma nova tendência do cinema brasileiro de trabalhar gêneros e abordar temas que vão além do realismo social pelo qual o cinema nacional é costumeiramente reconhecido.
A Última Missão
3.6 33 Assista AgoraÉ um dos filmes da Nova Hollywood que ilustram bem o cinema do período e que evidenciam o contexto de desilusão que o moldou. Ele se desenrola 73, o sonho da geração que pediu o fim da guerra no Vietnã e uma sociedade mais livre se foi. A guerra só parou com a derrota não assumida dos Estados Unidos e Nixon é o presidente. É emblemático que o prisioneiro recorra sua esperança de ser salvo em um mantra de uma nova religião alternativa nova-iorquina e que não tenha sucesso. Last Detail é de certa forma um símbolo melancólico de toda essa frustração, ainda que seus companheiros de marinha reconheçam seu prisioneiro como um deles e como uma boa pessoa, no fim do dia eles precisam seguir ordens. O sonho acabou e realidade bateu na porta do cinema também.