Desconcertante! Vc tenta pegar o fio da meada, mas parece não haver um fio da meada, um começo, um centro por onde se entender o filme. Estará ela em coma? Será um pesadelo? Uma ficção escrita por alguém? Nunca se deve atropelar uma ovelha numa estrada. Tbm não converse com gatos mesmo que estes insistam demasiadamente. Os símbolos expostos na obra mesclam-se, fundem-se, confundem-se e nos confundem naquilo que dizem como numa espécie de espiral, de discurso paranoico. Vale assistir!
Que filme bonito! Simples, puro e singelo. Como uma espécie de Quixote, o Sr. Luz vai iluminando, dando vida e alma, aos sonhos elétricos de um lugarejo ressequido, tipo uma Taperoá sertaneja no "Auto da Compadecida". De verdade, a paisagem e os tipos humanos, em especial o Sr. Luz, me lembraram estes do Suassuna, em especial pela simpatia, pelo humanismo telúrico. O filme possui lá suas irregularidades na estrutura, mas que de forma alguma o fazem perder valor: Um valor ao mesmo tempo poético e humano de um cinema delicado e sensível. Muito Bom!
Foi estranho e bonito. "Desde que estou neste navio, estou tonta. Está sempre balançando. Eu cambaleio e fico surpresa por não cair. Surpresa por ninguém cair. E eu me pergunto como a vela fincada no salão não tomba. Como os vasos não deslizam sobre a borda da mesa. As lâmpadas não quebram contra a parede. Tudo parece magnético aqui. Como se uma força secreta fosse segurando tudo junto. A própria força do navio. Como se um majestoso castelo, ele desliza sobre as ondas. Flutuando pacificamente através de um sonho. Meu sonho. Do qual eu continuo acordando. Porque o sol brilhante perfura meus olhos, agarrando no oceano. Então, aí estou eu. Imóvel. Como o navio continua a flutuar através da água brilhante, só a noite me permite fechar os olhos. E me embala suavemente para dormir. Imagino então as baleias, a estrela do mar, as anêmonas. Todas aquelas criaturas maravilhosas e eu flutuo acima delas. E imagino, um dia, afundar nisso tudo. Neste escuro reino do silêncio que me chama. Mas, por enquanto, eu tropeço pelos corredores. Através dos salões, das cabines, enquanto me pergunto se mais alguém percebe que tudo está balançando. Talvez os passageiros que vêm e vão, que ficam para trás como vestígios na minha cabeça nebulosa. Só as gaivotas estão sempre lá. Constantemente. Meus amigos, lá fora. Eles gritam, horrivelmente. Eu penso no meu piano. Imagino alguém tocando nele. Acompanhando o canto das gaivotas. E eu olho para o mar. Um sorriso no meu rosto, porque imagino alguém perto de mim, como o luar se instala ao nosso redor. E assim, estamos de pé. Ouço o grito das gaivotas, como se estivessem cantando uma música. Uma música inusitada. Uma música, só para nós."
Um dos raros filmes que vi cujo estranhamento ( a nossos olhos ocidentais, creio), se dá por intermédio de uma estarrecedora beleza. O que mais me fascina aqui, é a fotografia que parece transitar por um cenário ao mesmo tempo de sonho e apocalipse provocando esse efeito próprio ao mundo espiritual proposto pela obra. Os fatos que poderiam causar estardalhaço, pela mirada da razão, são aqui aceitos como elementos comuns pelas personagens pois que envoltos num mundo místico distinto das amarras da racionalidade pura. Gosto dessa verdade contemplativa afeita aos mistério da vida em sua inteireza ( vide a morte) que impregna pessoas e paisagens com essa espécie de transcendência.
Acho que todos podem dizer: Já vimos esse filme, mesmo sem o ter visto de fato. Explico: Já o vimos pois que essa é a estranha sensação desse passado/presente com que nos defrontamos na tela. É realmente surpreendente o fato de ter sido escrito em 2017 e filmado em 2019, um ano antes, portanto, de nossa "nuvem rosa" real, com a qual ainda hoje lidamos, e a qual, muito nos assusta/assustou/ assustará?. O caso é que o que sobressaí aqui é a força da arte, "os poetas são as antenas da raça", como o disse Pound, isto é, os artistas captam o espírito do tempo, antes das coisas efetivamente acontecerem. E, isso é o que mais espanta como um filme de sci-fi brasileiro pode ser tão preciso, tão certeiro, em dizer, em antecipar um acontecimento de todo ele absurdo pela força com que capturou a humanidade em suas casas; confinou a todos na incerteza, no medo, na angústia do que se passava, daí o lockdown, a reinvenção da vida toda ela agora presa a encontros meramente digitais, a um modo de perceber a realidade perpassado apenas por telas brilhantes de smartphones e afins. Acha que mais do que a premonição da catástrofe que adveio a nível planetário, a diretora acerta a mão no tom da obra quando busca não o elemento externo do evento, e sim o modo como isso afeta internamente as pessoas, o modo como estas reagem física e psiquicamente aos fatos que transtornaram nossa experiência nesses tempos tão difíceis. Por fim, só digo, que gostei muito!
Finalmente terminei de ver a trilogia deste que é um dos meus diretores favoritos. Vi os filmes em momentos diferentes e guardo na memória resquícios dos mesmos. Para mim, o melhor é o "Paraíso: fé", por gosto pessoal mesmo, não que seja superior ou destoe dos demais. Este diretor parece estar sempre a fazer o mesmo filme, mesmo "modus operandi" assim digamos, uma história imbricada a outra e não só nesta trilogia, mas em outros filmes seus tbm. Em relação a este "Paraíso: amor" concluo que o dinheiro existe e o amor não. Ainda que necessário, o amor fica longe de qualquer paraíso humano, por mais que se pague ( e como se paga) sempre ficamos devendo a algo que nunca chega. Necessitamos do vil metal e tbm do mais nobre dos sentimentos, mas há sempre em todo paraíso, este rastro, essa réstia de inferno infiltrada nas coisas, nas pessoas, na frieza de suas relações pessoais/ comerciais, humanas demasiadamente humanas uma coisa que as torna imperfeitas, incompletas e por vezes, ou sempre amargas num grau que o próprio chá de boldo seria doce aos olhos de nossa dor.
Cruel, duro, sádico e odioso. Esse filme deixa a gente triste, deprê, pra baixo mesmo justamente pelo que aponta: a mais pura desumanização seja da forma, seja do conteúdo (que pra mim é o cerne nervoso, a ferida que sangra) pois que é lá que reside a força da violência imposta a um menino. Ultrajado, humilhado em sua inocência diante de um mundo sem escrúpulos, um mundo repulsivo onde a moeda, a posse, o poder do jugo e do mando subjuga uma infância de todo perdida. A reflexão aqui é apenas a consciência do mundo como dividido entre senhores e escravos, entre os que tudo podem pq tem o poder e a grana e aqueles que são feitos, nascidos apenas para o chicote, a ofensa e a humilhação: eis a humanidades, eis-nos.
Eu acho que é um desses filmes fora da casinha. É um filme estranho e coerente com as premissas que estabelece para si. É sobre essa menina que habita a fronteira entre o sonho, a loucura, a sanidade e essa ilusão descabida a que chamamos realidade. É como uma madrugada que se ilumina sem motivo e que cega de tanta luz. É um labirinto onde se perde e nunca se acha a si na fratura de uma rota sem direção. É a vertigem de um quebra cabeças de viés onde a cada peça falta o sentido e mesmo assim ele se completa de um modo estranho e inevitável. É um filmão!
Sensacional! O filme é um drama na medida exata do termo. Despretensioso, nos prende pouco a pouco com seu ótimo roteiro e com a química existente entre os irmãos. A obra apesar de ter como pano de fundo temas pesados consegue absorver isso com uma leveza impressionante o que a faz uma imagem própria das dificuldades impostas pela vida. Vale a pena!
É como tomar um porre a luz do meio dia. Sonho branco. As pernas abertas do mar fremem uma poesia bastarda. Beijei Mamãe no infinito. Seus seios sonâmbulos numa clareira adormecida. A loucura é a vastidão de uma casa ensandecida. Pássaros empalhados voam sobre o mar. Gaivotas sanguíneas parem um peixe viscoso no desvanecimento do real. O silêncio mergulha suicidado na solidão de um desaparecimento.
"É mais legal do que é estranho, e fica na cabeça" como diz a certa altura uma personagem. Eu diria que a gente saí de alma leve, livre e solta tal a imaginação que permeia a obra. É como a expressão plena do que seja a leveza: mais do que saber vc a sente, vc a experencia no filme. Há essa saudável loucura, essa doce estranheza que habita cada membro da família Haruno nada mais é do que a própria vida com seu jorro desconcertante ao qual devemos imiscuir-nos num mergulho do eu ao não-eu, do sujeito uno ao todo universal.
Q carisma tem a personagem Wilson! Uma coisa linda de se ver. Quanta compreensão humana carrega em si apesar de toda a dor sofrida, guardada em si pelas duras marcas de sua vida. Refugiado aqui como em toda a parte. Aliás, refugiados. Racismo ora velado, ora escancarado na tela. O filme é feito de pequenos dramas que somam-se, aproximam-se, tocam-se humanamente numa espiral em carne viva de situações limite onde a ação parece ser sempre uma forma da dor ser cada vez mais aguda. Grande filme!
Sabem às vezes sonho recorrentemente com esse mundo vazio, digo sonho metaforicamente como símbolo mesmo de um desejo (?) sei lá, uma coisa assim: Todos desapareceram e fiquei só no mundo. Tipo a personagem de Antonis nesse hotel imenso e vazio onde ele pode se o quiser habitar cada um dos espaços que nada mais são do que o próprio vazio de si mesmo. Assim me pergunto: Será desespero ou egoísmo? Provavelmente os dois. "É que Narciso acha feio o que não é espelho" já que falamos de um filme grego. Narciso apaixonado por si mesmo perde-se de si mesmo posto que sua paixão é apenas pela imagem inventada/ criada miragem midiática de si mesmo. Por isso, se esquece de viver "me olvidé de vivir" como diz a canção tema da obra: pq a vida que se vive não é vida é apenas uma ilusão que quando descoberta põe abaixo a superficialidade com a qual se escondia um eu que não existe fora do engodo/engano de si.
Um marinheiro que abandonou a profissão do mar. Se eu pudesse definir esse filme em uma palavra eu diria: Charme. Tem muito charme, mas não só isso e nem sei se é lícito qualificar um filme por seu charme. Essa obra desperta em mim um que de inominável, algo vago, tênue que escapa às palavras, mas que está lá: Talvez seja o mar, a imensidão do mar e sua tristeza, um tristeza doce, uma melancolia que escorre nas imagens de cinegrafista amador, um amador que perde a coisa amada e se desvanece de si mesmo. Um axolote. É sobre desertar, deixar pra trás de si uma vida monótona e irritante repleta de maquinarias e buscar o amor, o sonho, a utopia, mas ser derrotado como a seleção de 82. A distância entre o monte de Vênus e o olho do Ciclope é de três dedos. Mais uma garrafa para o sujeito que habita este espaço fora do tempo, fora do espaço; para o sujeito que habita este quarto branco nesta cidade branca.
Mojn (oi e adeus) e vaca e lama e brejo e claro botas de borracha. Uma cidadezinha a beira de lugar nenhum e suas regras próprias (leia-se "especiais") de convívio social. Um delegado forasteiro, um machão ( de quem todos borram-se) e a mulher do machão ( que apanha dele diuturnamente) e novamente o policial que é seduzido pela mulher do machão da cidadezinha. E, claro as personagens secundárias ( os moradores locais) que aliás representam muito bem o modo como as coisas funcionam por ali. Eu diria que é uma história sobre moral, sobre o que se deve fazer e coisas como certo e errado, aceitáveis e inaceitáveis claro que "dentro desse contexto especial". Curti tbm a trilha sonora que ambienta a coisa toda. Tudo somado e bem distribuído é um bom filme que vale a pena ser visto.
Fui com uma expectativa bem diferente do que o filme apresenta e fui surpreendido. A trama é bem simples focando na relação do casal. Contudo, a obra transcende isso com camadas outras que deixam tudo com um tom sugestivo, uma possiblidade entre o real e o imaginário. Talvez haja até uma espécie de rolê aleatório na narrativa que fluí apesar disso muito bem dentro do contexto. Pra mim o mais gostoso são as lacunas, as brechas que se tem pra gente devanear outras histórias/ possiblidades dentro dessa com os fios daquilo que se vislumbra latente aqui.
Eu gostei. Acho que o filme caminha entre o estranho e o ridículo e que dessa mescla surge algo que não é nem isso, nem algo nem alguma outra coisa completamente em termos de gêneros cinematográficos: não é terror, nem comédia familiar, nem exatamente algo definido: é um ocni (objeto cinematográfico não identificado). Hahahaahahahaha. Contudo, o fato de não ocorrer nada, ou pouca coisa, seja o charme da obra. Onde nada ocorre tudo ocorre mesmo que esse tudo seja uma estranheza só provavelmente prenhe de símbolos e metáforas e coisas assim. Talvez o virtuosismo formal ( a ambientação, a solidão da paisagem, o silêncio avassalador, a espera de que algo ocorra e o suspense provindo disso tudo) afogue o fiapo de narrativa que temos e a história submerja dentro da forma. Enfim, pra mim funcionou dentro dessas possibilidades que se abismam entre o estranho e o ridículo.
Só sei que gostei bastante. Tornou-se um dos meus favoritos. Provavelmente a coisa mais interessante é que trata-se de um filme sem respostas prontas, uma coisa de hibridismo de gêneros cinematográficos como "o novo terror", um suspense de matiz psicológico, algo de comédia romântica e musical e muitas camadas metafóricas que temperam muito bem a obra. É gostoso de se assistir, é bom, cambia constante a narrativa ora numa posição assim ora assado e o que fica é o gosto de um bom filme.
Queima lenta. Gradativamente as coisas vão aprofundando seus mistérios. Cinema de sugestão e enigma, sinestésico na proposição contemplativa do outro, de si mesmo, das vagas/ vastas possibilidades das linguagens que nos escapam como a percepção de um som que não se sabe, como as ressonâncias musicais ou mesmo a perfeição da profundidade do silêncio. Uma obra que diz muito na sua fuga de uma compreensão puramente racional levando-nos a um tom ensimesmado de nós mesmos.
Para mim é um filme hilário em muitos momentos. O contraste entre o ensolarado dos dias e a tristeza sem fim do protagonista reside no coração do patético, do drama que distende-se ao ridículo do choro pelo prazer do sofrimento, pela obsessão da piedade alheia. A estranheza elemento motor da obra transcorre no drama subjetivado conjugado ao absurdo da situação exposta. Contam que Kafka gargalhava quando lia "A metamorfose" ao seus amigos.
Bom filme! As coisas vão acontecendo numa sucessão bastante interessante. Quando pensamos que o clímax se deu pelo fato sem volta e para sempre, a película nos mostra o ressonar disso nas personagens. É como uma pedra atirada num lago sereno em que as ondas vão espraiando-se pouco a pouco apenas investigando os efeitos da pedrada.
Muito bom! Gosto de filmes assim onde as estórias se cruzam, se mesclam, se confundem umas as outras. Tenho sempre a impressão de que assim como nos filmes a vida tbm tem dessas coisas. Digo a vida real, uma espécie de destino, de coisas que se tocam e acabam por interferir em eventos que a priori seriam aleatórios, mas que dentro de certa aleatoriedade há sempre esses espaços, essas lacunas em que ocorrem os esbarrões, os encontros e desencontros dos seres.
É de uma delicadeza, de uma doçura que encanta tão fortemente, tão tenazmente como um sonho. "Deixe-nos sonhar, é hora". É feito uma aragem suave numa noite de verão. Sente-se numa quimera de sensações o pulsar próprio da vida, seu movimento pleno pendular catapultando o efêmero dentro do eterno.
Animais
3.3 3Desconcertante! Vc tenta pegar o fio da meada, mas parece não haver um fio da meada, um começo, um centro por onde se entender o filme. Estará ela em coma? Será um pesadelo? Uma ficção escrita por alguém? Nunca se deve atropelar uma ovelha numa estrada. Tbm não converse com gatos mesmo que estes insistam demasiadamente. Os símbolos expostos na obra mesclam-se, fundem-se, confundem-se e nos confundem naquilo que dizem como numa espécie de espiral, de discurso paranoico. Vale assistir!
O Ladrão de Luz
3.4 12Que filme bonito! Simples, puro e singelo. Como uma espécie de Quixote, o Sr. Luz vai iluminando, dando vida e alma, aos sonhos elétricos de um lugarejo ressequido, tipo uma Taperoá sertaneja no "Auto da Compadecida". De verdade, a paisagem e os tipos humanos, em especial o Sr. Luz, me lembraram estes do Suassuna, em especial pela simpatia, pelo humanismo telúrico. O filme possui lá suas irregularidades na estrutura, mas que de forma alguma o fazem perder valor: Um valor ao mesmo tempo poético e humano de um cinema delicado e sensível. Muito Bom!
A Garota e a Aranha
3.2 7 Assista AgoraFoi estranho e bonito. "Desde que estou neste navio, estou tonta. Está sempre balançando. Eu cambaleio e fico surpresa por não cair. Surpresa por ninguém cair. E eu me pergunto como a vela fincada no salão não tomba. Como os vasos não deslizam sobre a borda da mesa. As lâmpadas não quebram contra a parede. Tudo parece magnético aqui. Como se uma força secreta fosse segurando tudo junto. A própria força do navio. Como se um majestoso castelo, ele desliza sobre as ondas. Flutuando pacificamente através de um sonho. Meu sonho. Do qual eu continuo acordando. Porque o sol brilhante perfura meus olhos, agarrando no oceano. Então, aí estou eu. Imóvel. Como o navio continua a flutuar através da água brilhante, só a noite me permite fechar os olhos. E me embala suavemente para dormir. Imagino então as baleias, a estrela do mar, as anêmonas. Todas aquelas criaturas maravilhosas e eu flutuo acima delas. E imagino, um dia, afundar nisso tudo. Neste escuro reino do silêncio que me chama. Mas, por enquanto, eu tropeço pelos corredores. Através dos salões, das cabines, enquanto me pergunto se mais alguém percebe que tudo está balançando. Talvez os passageiros que vêm e vão, que ficam para trás como vestígios na minha cabeça nebulosa. Só as gaivotas estão sempre lá. Constantemente. Meus amigos, lá fora. Eles gritam, horrivelmente. Eu penso no meu piano. Imagino alguém tocando nele. Acompanhando o canto das gaivotas. E eu olho para o mar. Um sorriso no meu rosto, porque imagino alguém perto de mim, como o luar se instala ao nosso redor. E assim, estamos de pé. Ouço o grito das gaivotas, como se estivessem cantando uma música. Uma música inusitada. Uma música, só para nós."
A Vida Após a Vida
3.5 11Um dos raros filmes que vi cujo estranhamento ( a nossos olhos ocidentais, creio), se dá por intermédio de uma estarrecedora beleza. O que mais me fascina aqui, é a fotografia que parece transitar por um cenário ao mesmo tempo de sonho e apocalipse provocando esse efeito próprio ao mundo espiritual proposto pela obra. Os fatos que poderiam causar estardalhaço, pela mirada da razão, são aqui aceitos como elementos comuns pelas personagens pois que envoltos num mundo místico distinto das amarras da racionalidade pura. Gosto dessa verdade contemplativa afeita aos mistério da vida em sua inteireza ( vide a morte) que impregna pessoas e paisagens com essa espécie de transcendência.
A Nuvem Rosa
3.1 42 Assista AgoraAcho que todos podem dizer: Já vimos esse filme, mesmo sem o ter visto de fato. Explico: Já o vimos pois que essa é a estranha sensação desse passado/presente com que nos defrontamos na tela. É realmente surpreendente o fato de ter sido escrito em 2017 e filmado em 2019, um ano antes, portanto, de nossa "nuvem rosa" real, com a qual ainda hoje lidamos, e a qual, muito nos assusta/assustou/ assustará?. O caso é que o que sobressaí aqui é a força da arte, "os poetas são as antenas da raça", como o disse Pound, isto é, os artistas captam o espírito do tempo, antes das coisas efetivamente acontecerem. E, isso é o que mais espanta como um filme de sci-fi brasileiro pode ser tão preciso, tão certeiro, em dizer, em antecipar um acontecimento de todo ele absurdo pela força com que capturou a humanidade em suas casas; confinou a todos na incerteza, no medo, na angústia do que se passava, daí o lockdown, a reinvenção da vida toda ela agora presa a encontros meramente digitais, a um modo de perceber a realidade perpassado apenas por telas brilhantes de smartphones e afins. Acha que mais do que a premonição da catástrofe que adveio a nível planetário, a diretora acerta a mão no tom da obra quando busca não o elemento externo do evento, e sim o modo como isso afeta internamente as pessoas, o modo como estas reagem física e psiquicamente aos fatos que transtornaram nossa experiência nesses tempos tão difíceis. Por fim, só digo, que gostei muito!
Paraíso: Amor
3.7 70 Assista AgoraFinalmente terminei de ver a trilogia deste que é um dos meus diretores favoritos. Vi os filmes em momentos diferentes e guardo na memória resquícios dos mesmos. Para mim, o melhor é o "Paraíso: fé", por gosto pessoal mesmo, não que seja superior ou destoe dos demais. Este diretor parece estar sempre a fazer o mesmo filme, mesmo "modus operandi" assim digamos, uma história imbricada a outra e não só nesta trilogia, mas em outros filmes seus tbm. Em relação a este "Paraíso: amor" concluo que o dinheiro existe e o amor não. Ainda que necessário, o amor fica longe de qualquer paraíso humano, por mais que se pague ( e como se paga) sempre ficamos devendo a algo que nunca chega. Necessitamos do vil metal e tbm do mais nobre dos sentimentos, mas há sempre em todo paraíso, este rastro, essa réstia de inferno infiltrada nas coisas, nas pessoas, na frieza de suas relações pessoais/ comerciais, humanas demasiadamente humanas uma coisa que as torna imperfeitas, incompletas e por vezes, ou sempre amargas num grau que o próprio chá de boldo seria doce aos olhos de nossa dor.
Cavalo de Duas Pernas
3.7 17Cruel, duro, sádico e odioso. Esse filme deixa a gente triste, deprê, pra baixo mesmo justamente pelo que aponta: a mais pura desumanização seja da forma, seja do conteúdo (que pra mim é o cerne nervoso, a ferida que sangra) pois que é lá que reside a força da violência imposta a um menino. Ultrajado, humilhado em sua inocência diante de um mundo sem escrúpulos, um mundo repulsivo onde a moeda, a posse, o poder do jugo e do mando subjuga uma infância de todo perdida. A reflexão aqui é apenas a consciência do mundo como dividido entre senhores e escravos, entre os que tudo podem pq tem o poder e a grana e aqueles que são feitos, nascidos apenas para o chicote, a ofensa e a humilhação: eis a humanidades, eis-nos.
Cartas para Inglile
2.5 3Eu acho que é um desses filmes fora da casinha. É um filme estranho e coerente com as premissas que estabelece para si. É sobre essa menina que habita a fronteira entre o sonho, a loucura, a sanidade e essa ilusão descabida a que chamamos realidade. É como uma madrugada que se ilumina sem motivo e que cega de tanta luz. É um labirinto onde se perde e nunca se acha a si na fratura de uma rota sem direção. É a vertigem de um quebra cabeças de viés onde a cada peça falta o sentido e mesmo assim ele se completa de um modo estranho e inevitável. É um filmão!
Irmãos Desastre
3.5 137 Assista AgoraSensacional! O filme é um drama na medida exata do termo. Despretensioso, nos prende pouco a pouco com seu ótimo roteiro e com a química existente entre os irmãos. A obra apesar de ter como pano de fundo temas pesados consegue absorver isso com uma leveza impressionante o que a faz uma imagem própria das dificuldades impostas pela vida. Vale a pena!
Somnambuul
3.7 1É como tomar um porre a luz do meio dia. Sonho branco. As pernas abertas do mar fremem uma poesia bastarda. Beijei Mamãe no infinito. Seus seios sonâmbulos numa clareira adormecida. A loucura é a vastidão de uma casa ensandecida. Pássaros empalhados voam sobre o mar. Gaivotas sanguíneas parem um peixe viscoso no desvanecimento do real. O silêncio mergulha suicidado na solidão de um desaparecimento.
O Gosto do Chá
4.1 30"É mais legal do que é estranho, e fica na cabeça" como diz a certa altura uma personagem. Eu diria que a gente saí de alma leve, livre e solta tal a imaginação que permeia a obra. É como a expressão plena do que seja a leveza: mais do que saber vc a sente, vc a experencia no filme. Há essa saudável loucura, essa doce estranheza que habita cada membro da família Haruno nada mais é do que a própria vida com seu jorro desconcertante ao qual devemos imiscuir-nos num mergulho do eu ao não-eu, do sujeito uno ao todo universal.
The Citizen
4.0 2Q carisma tem a personagem Wilson! Uma coisa linda de se ver. Quanta compreensão humana carrega em si apesar de toda a dor sofrida, guardada em si pelas duras marcas de sua vida. Refugiado aqui como em toda a parte. Aliás, refugiados. Racismo ora velado, ora escancarado na tela. O filme é feito de pequenos dramas que somam-se, aproximam-se, tocam-se humanamente numa espiral em carne viva de situações limite onde a ação parece ser sempre uma forma da dor ser cada vez mais aguda. Grande filme!
O eterno retorno de Antonis Paraskevas
3.4 4Sabem às vezes sonho recorrentemente com esse mundo vazio, digo sonho metaforicamente como símbolo mesmo de um desejo (?) sei lá, uma coisa assim: Todos desapareceram e fiquei só no mundo. Tipo a personagem de Antonis nesse hotel imenso e vazio onde ele pode se o quiser habitar cada um dos espaços que nada mais são do que o próprio vazio de si mesmo. Assim me pergunto: Será desespero ou egoísmo? Provavelmente os dois. "É que Narciso acha feio o que não é espelho" já que falamos de um filme grego. Narciso apaixonado por si mesmo perde-se de si mesmo posto que sua paixão é apenas pela imagem inventada/ criada miragem midiática de si mesmo. Por isso, se esquece de viver "me olvidé de vivir" como diz a canção tema da obra: pq a vida que se vive não é vida é apenas uma ilusão que quando descoberta põe abaixo a superficialidade com a qual se escondia um eu que não existe fora do engodo/engano de si.
A Cidade Branca
4.0 12Um marinheiro que abandonou a profissão do mar. Se eu pudesse definir esse filme em uma palavra eu diria: Charme. Tem muito charme, mas não só isso e nem sei se é lícito qualificar um filme por seu charme. Essa obra desperta em mim um que de inominável, algo vago, tênue que escapa às palavras, mas que está lá: Talvez seja o mar, a imensidão do mar e sua tristeza, um tristeza doce, uma melancolia que escorre nas imagens de cinegrafista amador, um amador que perde a coisa amada e se desvanece de si mesmo. Um axolote. É sobre desertar, deixar pra trás de si uma vida monótona e irritante repleta de maquinarias e buscar o amor, o sonho, a utopia, mas ser derrotado como a seleção de 82. A distância entre o monte de Vênus e o olho do Ciclope é de três dedos. Mais uma garrafa para o sujeito que habita este espaço fora do tempo, fora do espaço; para o sujeito que habita este quarto branco nesta cidade branca.
Terribly Happy
3.6 11Mojn (oi e adeus) e vaca e lama e brejo e claro botas de borracha. Uma cidadezinha a beira de lugar nenhum e suas regras próprias (leia-se "especiais") de convívio social. Um delegado forasteiro, um machão ( de quem todos borram-se) e a mulher do machão ( que apanha dele diuturnamente) e novamente o policial que é seduzido pela mulher do machão da cidadezinha. E, claro as personagens secundárias ( os moradores locais) que aliás representam muito bem o modo como as coisas funcionam por ali. Eu diria que é uma história sobre moral, sobre o que se deve fazer e coisas como certo e errado, aceitáveis e inaceitáveis claro que "dentro desse contexto especial". Curti tbm a trilha sonora que ambienta a coisa toda. Tudo somado e bem distribuído é um bom filme que vale a pena ser visto.
Ploy
3.0 3Fui com uma expectativa bem diferente do que o filme apresenta e fui surpreendido. A trama é bem simples focando na relação do casal. Contudo, a obra transcende isso com camadas outras que deixam tudo com um tom sugestivo, uma possiblidade entre o real e o imaginário. Talvez haja até uma espécie de rolê aleatório na narrativa que fluí apesar disso muito bem dentro do contexto. Pra mim o mais gostoso são as lacunas, as brechas que se tem pra gente devanear outras histórias/ possiblidades dentro dessa com os fios daquilo que se vislumbra latente aqui.
Cordeiro
3.3 555 Assista AgoraEu gostei. Acho que o filme caminha entre o estranho e o ridículo e que dessa mescla surge algo que não é nem isso, nem algo nem alguma outra coisa completamente em termos de gêneros cinematográficos: não é terror, nem comédia familiar, nem exatamente algo definido: é um ocni (objeto cinematográfico não identificado). Hahahaahahahaha. Contudo, o fato de não ocorrer nada, ou pouca coisa, seja o charme da obra. Onde nada ocorre tudo ocorre mesmo que esse tudo seja uma estranheza só provavelmente prenhe de símbolos e metáforas e coisas assim. Talvez o virtuosismo formal ( a ambientação, a solidão da paisagem, o silêncio avassalador, a espera de que algo ocorra e o suspense provindo disso tudo) afogue o fiapo de narrativa que temos e a história submerja dentro da forma. Enfim, pra mim funcionou dentro dessas possibilidades que se abismam entre o estranho e o ridículo.
El Prófugo
3.2 10Só sei que gostei bastante. Tornou-se um dos meus favoritos. Provavelmente a coisa mais interessante é que trata-se de um filme sem respostas prontas, uma coisa de hibridismo de gêneros cinematográficos como "o novo terror", um suspense de matiz psicológico, algo de comédia romântica e musical e muitas camadas metafóricas que temperam muito bem a obra. É gostoso de se assistir, é bom, cambia constante a narrativa ora numa posição assim ora assado e o que fica é o gosto de um bom filme.
Memória
3.5 64 Assista AgoraQueima lenta. Gradativamente as coisas vão aprofundando seus mistérios. Cinema de sugestão e enigma, sinestésico na proposição contemplativa do outro, de si mesmo, das vagas/ vastas possibilidades das linguagens que nos escapam como a percepção de um som que não se sabe, como as ressonâncias musicais ou mesmo a perfeição da profundidade do silêncio. Uma obra que diz muito na sua fuga de uma compreensão puramente racional levando-nos a um tom ensimesmado de nós mesmos.
Peões
4.1 55 Assista AgoraE viva a classe trabalhadora!
Piedade
3.6 17Para mim é um filme hilário em muitos momentos. O contraste entre o ensolarado dos dias e a tristeza sem fim do protagonista reside no coração do patético, do drama que distende-se ao ridículo do choro pelo prazer do sofrimento, pela obsessão da piedade alheia. A estranheza elemento motor da obra transcorre no drama subjetivado conjugado ao absurdo da situação exposta. Contam que Kafka gargalhava quando lia "A metamorfose" ao seus amigos.
Revanche
3.9 24 Assista AgoraBom filme! As coisas vão acontecendo numa sucessão bastante interessante. Quando pensamos que o clímax se deu pelo fato sem volta e para sempre, a película nos mostra o ressonar disso nas personagens. É como uma pedra atirada num lago sereno em que as ondas vão espraiando-se pouco a pouco apenas investigando os efeitos da pedrada.
Hawaii, Oslo
3.5 4Muito bom! Gosto de filmes assim onde as estórias se cruzam, se mesclam, se confundem umas as outras. Tenho sempre a impressão de que assim como nos filmes a vida tbm tem dessas coisas. Digo a vida real, uma espécie de destino, de coisas que se tocam e acabam por interferir em eventos que a priori seriam aleatórios, mas que dentro de certa aleatoriedade há sempre esses espaços, essas lacunas em que ocorrem os esbarrões, os encontros e desencontros dos seres.
Amor Eterno
3.1 29É de uma delicadeza, de uma doçura que encanta tão fortemente, tão tenazmente como um sonho. "Deixe-nos sonhar, é hora". É feito uma aragem suave numa noite de verão. Sente-se numa quimera de sensações o pulsar próprio da vida, seu movimento pleno pendular catapultando o efêmero dentro do eterno.