Por se tratar apenas da segunda parte de uma mesma minissérie, os comentários que fiz anteriormente podem ser repetidos sem prejuízo da análise: o roteiro poroso, cheio de subjetividade e casuísmo, e os personagens, ditos profissionais, mesmo que ajam amadoristicamente como se saídos de uma novela mexicana, servem como argumentos contrários ao assalto astuto encenado. A seu favor, um sem número de reviravoltas por episódio que, apesar de baseadas em situações absurdas e mal-construídas, agem como iscas que fisgam, com facilidade, o espectador.
É uma qualidade alinhada com o ritmo ágil e constante, mas não suficiente para ignorar deméritos, já que, nem mesmo internamente, há consistência narrativa: note que Berlim surpreende-se ao descobrir quantos dias se passaram para, cenas depois, um letreiro informar um período de tempo menor. Poderia ser um erro de continuidade inofensivo se não fosse tão comum, tipo um personagem despertar do coma segundos depois de seu acompanhante deixar o recinto ou os sequestradores reunirem-se esquecendo que havia reféns a serem vigiados.
Isto interfere no túnel de que depende o assalto: ora, quem estava cavando-o se: a) os sequestradores sofriam as dores do coração ou revezes oriundos das impulsividades e rixas ao estilo Big Brother Brasil com fuzis; b) os reféns estavam ocupados com tarefas atribuídas, ou planejando motim ou apenas ociosos; c) os sérvios, tão aleatórios quanto tudo na série, surgem nos finalmente? Pense na extensão quilométrica do túnel e todo o tempo necessário para cavá-lo com uma picareta (risos)? Piadas de lado, nem mesmo o Professor, em toda sua falsa genialidade, poderia prever que o plano seria resolvido por causa do amor e da inabilidade da polícia. Mas isto não é que se quer quando se assiste a assaltos perfeitos, certo?
A segunda temporada (haverá apenas mais uma) sofre com o problema da produção do meio de trilogias, diante da ausência de início ou de desfecho, mantendo-se no limbo de respostas, enquanto amarga a distância às perguntas. Por outro lado, é um notável avanço em relação à temporada passada; ora porque não há a comparação imediata com o filme protagonizado por Jim Carrey (lembro haver citado que o que aquele realizava bem em 2 horas, a série precisava de 6 episódios), ora pela maneira com que a narrativa foge da sina da repetitividade que a atormenta.
Sim, ainda há o incômodo de assistir a Olaf disfarçando-se, enganando todo mundo, fracassando e fugindo antes de ser capturado nos primeiros episódios, mas isto muda a partir do sétimo livro (episódios 5 e 6) quando se começa a perceber maior fluidez na narrativa e maiores riscos aos órfãos Baudelaire. Isto apimenta a temporada, que adora a promessa por respostas apenas para nos frustrar no instante seguinte, cumprindo um dos temas da narrativa: os segredos do mundo adulto que contaminam indiretamente a juventude. Os mais velhos também são objeto de crítica, ante seus delírios de grandeza, sua covardia, seus julgamentos precipitados, seu receio desmedido ou sua capacidade de trair os seus egoisticamente, temas tratados a partir dos personagens coadjuvantes em cada parte.
Já Neil Patrick Harris permanece no limiar entre o ameaçador e o cartunesco, ao passo que a adição de Lucy Punch aumenta as apostas com um vilã maléfica e interesseira. E isto sem esquecer o excelente design de produção e o texto fluido, irreverente e receoso de Lemony Snicket. Um passo na direção certa em uma temporada ágil, mas inofensiva.
Sou fascinado pela forma como, remexendo no mesmo tema pela terceira vez, o criador da série "Fargo", Noah Hawley, proporciona ineditismo, originalidade e boa amarração até quando já prevemos ou suspeitamos boa parte do que irá acontecer. E esta terceira temporada é distinta das demais ao economizar seus golpes para o momento oportuno, preocupando-se em estabelecer seu núcleo central de personagens, os ressentimentos e sentimentos nutridos uns pelos outros e plantando as pistas que irão resultar na efeito dominó visto a frente. Repare que existe todo um episódio só preocupado em investigar o passado de uma das vítimas, em uma linha que pareceria irrelevante à primeira vista se não fosse essencial para compreendermos o que move a protagonista Carrie Coon.
Igual ao (melancolicamente adorável) robô condenado a oferecer ajuda sem jamais poder fazê-lo, a policial "invisível" parece sufocada por tanta burocracia, hierarquia e misoginia, erraticamente perseguindo a solução do caso, enquanto acumula informações sensíveis que poderiam interromper a matança antes de ela começar a afunilar. Igual a ela, tantos personagens de destaque, a começar por Mary Elizabeth Winstead, determinada, intensa e trágica, ou a dupla participação de Ewan McGregor (uma de suas melhores atuações), o dedicado e frágil sócio Michael Stuhlbarg ou o repulsivo gângster bulímico V. M. Vargas (interpretado com idem asco por David Thewlis).
Das temporadas, é a que menos investe no humor negro (embora este esteja presente), trazendo seu quê de misticismo na figura de Paul Marrane, que, vivido por Ray Wise (de "Twin Peaks", o que explica o estranhamento), oferece a justificativa bíblica para tantos acontecimentos trágicos. Uma das minhas séries preferidas.
Certamente melhor do que a temporada passada, esta sitcom de "terrir" preserva a charmosa inconsequência e frivolidade com que a família protagonista administra a zumbificação e o canibalismo de Sheila. É como se devorar o vizinho e armazenar restos mortais em um freezer equivalesse a, sei lá, quebrar a janela e fingir que nada disto tenha acontecido. E semelhante aos Hammond, os personagens coadjuvantes também parecem estar em uma dimensão paralela, em uma crítica às comunidades elitistas norte-americanas, alienadas com o que está acontecendo debaixo de seus olhos.
O humor permanece satírico e ágil: Timothy Olyphant tenta demonstrar atitude ante o estado corrente da esposa, proporcionando boas tiradas sempre que o desconforto e insegurança assumem o controle; enquanto isto, Drew Barrymore morde o papel com gosto, assumindo uma postura empoderada e afirmativa através da metáfora de sua condição. Já Liv Hewson mantém a postura típica de adolescente descolada, ao passo que Skyler Gisondo continua aborrecidinho como o vizinho medroso do lado.
Mas o melhor da temporada é a existência de um fio condutor nítido no roteiro na busca da causa do zumbismo de Sheila, com um quê investigativo que penetra divertidamente no absurdo. Dá até para perdoar as pontas soltas esquecidas na trama, como a dupla de caçadores ou a "almôndega-aranha", e mesmo a resolução afobada demais, porém curti, mais uma vez, as aventuras nonsense de um casal suburbano tentando evitar o apocalipse zumbi.
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Ao mesmo tempo em que transforma o limão mais azedo em algo parecido com uma limonada, esta série pega o drama cotidiano e evita que ela seja apenas aquilo que o norte-americano apelidou de "tearjerker": o sentimentalismo piegas. Pelo contrário, se lágrimas rolarem (rolarão!), isto se deve ao plantio cuidadoso de uma sementinha que gerou uma árvore firme, cheia de múltiplas ramificações, cada uma mais segura que a outra, intercaladas através de uma montagem pluri-temporal e temática, que, de modo desafiador, mistura passado e presente e múltiplos personagens no núcleo emocional de cada episódio.
Todos em torno de uma família (os Pearson) e daqueles ao seu redor, embelezando os conflitos do cotidiano apenas o suficiente para fugirem da trivialidade, enquanto investe pesadamente na construção de seus personagens tridimensionais, dos quais gostamos, como afirma o ditado, de graça. Não existe perfeição, somente seres humanos tentando extrair o melhor que podem de suas vidas e transformar as dos outros ao seu redor; e, mesmo que fôssemos condenar o roteiro por certas atitudes (que ator abandonaria a estreia de sua peça?), o fato é que tudo é costurado com tanto amor e carinho que é difícil não se sensibilizar.
E o mundo está cheio, cheio mesmo, de produções que prestigiam a face maliciosa e maldosa do ser humano. Por ora, é bom encantar-se com o que o ser humano tem de melhor e está retratado na família protagonista, que entre acertos e erros, não deixou de propagar o amor.
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Polêmicas a parte, motivadas sobretudo por um diálogo posto desnecessariamente na boca de quem não o falou, a primeira temporada da série criada por José Padilha tenta desvendar, debaixo de uma manta furada da imparcialidade, todos os males existentes no Brasil, desde a Lava-Jato até o Seu João, e coloca a cabeça no lugar quando aponta o dedo ao sistema político corrupto, ou à ganância dos empresários ou à vaidade da Justiça e do Ministério Público, que enterrou a investigação do Banestado (ou Banco do Estado), muito mais assustadora do que imaginam.
Mas faz isto com um roteiro ruim de doer e difícil de engolir: diálogos pavorosos ("Você pode até desistir do mecanismo, mas ele não vai desistir de você") ou reviravoltas nuas de credibilidade ou verossimilhança (pra quê o suicídio de certo personagem se este "ressuscitaria" depois?), que geram conflitos desnecessários e furados. Exemplifico:
Se todos, menos o espectador, sabiam que Ruffo estava vivo, por que infiltrar um agente a seu mando na operação da polícia, senão para estabelecer uma crise com Verena, quando Ruffo poderia tratar diretamente com ela, como começa a fazer após o "laranja" ser descoberto? Pior, o fato de Ruffo, detrás dos panos, participar da operação ativamente - coagindo testemunhas, descobrindo provas e influenciando o trabalho policial - inviabilizaria todo o andamento da operação dentro do mundo jurídico, e não precisa ser formado em Direito para saber por quê!
Mas o pior é que esta primeira parte da Lava-Jato não tem emoção, tensão ou os thrills esperados de um suspense policial. Apenas se desenrola como uma engrenagem lubrificada com cuspe, de modo desinteressante e óbvio, como o significado do bueiro entupido ou o uso de uma canção dos Titãs. A seu favor, a atuação fria e sorrateira de Enrique Diaz ou a intensidade de Caroline Abras, mas é muito pouco para um cara do calibre de José Padilha.
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Nesta temporada, predecessora da anterior com a apresentação da versão mais jovem de um personagem aqui outro acolá, mantém o que torna 'Fargo' uma das séries mais atraentes da atualidade: a maneira com que equilibra o humor negro e o genocídio que se instaura na pacata cidade norte-americano que dá título à série.
Outra vez, cidadãos médios e ordinários cometem atos acidentais, porém culpáveis, que degringolam em uma guerra de gangues em que não existe um envolvido que podemos assegurar sua segurança (todos com exceção de um, que vocês saberão quem é caso tenham visto a primeira temporada). É como se os personagens andassem com um alvo gigante pendurado nas costas, podendo, a qualquer momento, serem vítimas do roteiro imprevisível e repleto de alternativas. Parece embolado a princípio, apesar de não exigir muito do espectador identificar motivações dos personagens e analisar, por alto, o jogo de causa e consequência que se instaura.
Os diálogos também são memoráveis e repletos da sabedoria e sagacidade típica de comédias semelhantes, sem deixar, a sua própria forma, de debater assuntos atuais, como o papel da mulher dentro da família e do mercado de trabalho machista. Bem, pode ser que falte um personagem tão marcante quanto fora Lorne Malvo, mas esta temporada compensa com uma abordagem consistente e envolvente que implora por uma maratona. Seriezona!
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Nesta sitcom, Aziz Ansari não renova a fórmula de seus predecessores que analisavam a sociedade contemporâneo e os relacionamentos através da lente do humor, da ironia, da sátira etc. Mas comédia é menos a questão de originalidade e mais a percepção que o ponto de vista do protagonista, este sim original, oferece. A do ator operário e também filho de imigrantes indianos é nova o bastante para provocar o comprometimento rápido do espectador com os percalços que Dev enfrenta no dia-a-dia.
Afora isto, o formato da narrativa é inteligente (pense nos paralelos traçados no episódio "Pais" ou então na maneira com que o relacionamento amoroso se degrada no intitulado "Manhãs"), enquanto o elenco secundário é composto por tipos bem característicos mas suficientemente tridimensionais para não serem apenas estereótipos. A sensação é a de que também desejaríamos conhecer como Arnold, Denise e Rachel enxergam o mundo ao seu redor, na prova incontestável de que não estão lá apenas para preencher tabela.
Mas o grande mérito desta 1ª temporada está na forma discreta, descontraída, às vezes casual com que certos tópicos são introduzidos e debatidos. Repare como realmente incomoda Dev não conhecer a forma correta e inofensiva de se referir a pessoas com sobrepeso, ou como a necessidade de conexão com os mais velhos decorre de uma constatação bastante óbvia, nem por isto menos oportuna. E afora certos tropeços de regularidade, o que é comum em uma série antológica em que há episódios melhores do que os outros, o que Dev, ou melhor, Aziz tem a dizer sobre o mundo e o modo como o faz merecem nossa atenção.
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A comparação com a temporada anterior é inevitável e, ainda que mudemos os ângulos e parâmetros, a sensação permanece sendo de decepção. Muito da perda se resume a uma palavra: Kilgrave, e a ausência pode ser sentida justo no episódio em que "retorna". E esta segunda temporada tropeça para encontrar um antagonista para chamar de seu, e descobre em uma personagem a solução mais improvável para isto e, também, a mais madura.
É quando o reencontro com a detetive particular desbocada, alcoólatra e aparentemente nascida no noir que tanto curte assistir no telhado justificou o retorno. Seus personagens são muito bem construídos e interpretados, a começar por Krysten Ritter, na forma com que a superforça da anti-heroína é o escudo que esconde sua fragilidade emocional e a dor pela ausência de sua mãe - o relacionamento com Alisa é genuinamente complexo e intrigante por todas as questões morais que desperta. Já Carrie Anne-Moss arrebenta no seu arco dramático particular, enquanto Rachael Taylor transforma a Trish, pela qual eu temi a morte na temporada passada, em alguém cujo desejo de fazer bem entrelaça-se com o próprio ego de modo indissociável, causando sentimentos contraditórios (que, imagino, era a intenção da criadora Melissa Rosenberg).
Mas, ainda que Jessica Jones não tenha perdido o sabor de metáforas (a da temporada passada era a de como a mulher pode ser 'atraída' com a mesma intensidade que sente repulsa por um homem abusivo, no caso, Kilgrave), agora as apresenta às claras, com a interferência dos homens em enrijecer e calejar as costas daquelas mulheres (seja por causa de abuso sexual / estupro, seja pelas mãos de um cientista maluco que somente queria fazer o bem... algo que soa genuíno, embora não deixe de custar caro a Alisa e, por tabela, a Jessica). O problema é que tudo parece mais como uma preparação para o tabuleiro da próxima temporada, com as peças sendo posicionadas, com o agravante de todas as séries da Marvel: muito que nem sempre é mais.
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Em muitas ocasiões, apontar uma câmera cinematográfica pode ser um gesto mais poderoso, perigoso e impactante do que erguer um fuzil. Afinal, a sétima arte tem a habilidade de revelar, distorcer e esconder através de suas lentes, e esta minissérie documental pretende descortinar o papel decisivo de cinco dos maiores diretores de Hollywood em promover a propaganda indispensável para impulsionar o alistamento militar e aumentar a moral daqueles que viajariam milhares de quilômetros para lutar pelo destino da humanidade (e das próprias vidas) em territórios hostis no curso da segunda guerra mundial.
Assim, o documentário é expressivo em retratar as personalidades de John Ford, John Huston, Frank Capra, George Stevens e William Wyler através de cicerones do mais alto calibre: Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Guillermo Del Toro, Lawrence Kasdan e Paul Greengrass. Eles são aptos a traduzir a linguagem cinematográfica a quem não tem fluência suficiente nela e, ao mesmo tempo, refletir como a guerra alterou o estilo e os temas que impulsionam aqueles realizadores eternizados na galeria dos maiores do cinema. E da história, já que, a maioria, arriscou a própria vida nos mesmos campos de batalha que serviriam de palco para seus documentários.
Narrado por Meryl Streep com solenidade, o documentário ainda enfatiza, por meio de imagens poderosas e impossíveis de ignorar, o real impacto da guerra para aqueles que, até hoje, teimam em negar o holocausto proporcionado. É um tratado sobre cinema e também sobre a humanidade, uma obra metalinguística sobre o fazer cinema e o ser humano.
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Muitíssimo realista e verossímil, sobretudo para os padrões da polícia e justiça norte-americana, esta série debate, a partir do acidente criminoso nos minutos iniciais, como a tensão racial repercute no comportamento dos personagens puxados ao centro daquele furacão. E o desenrolar da série esforça-se para não trilhar caminhos óbvios, evitando, assim, colocar sobre o pedestal a família da vítima ou então demonizar os policiais que acobertaram o crime. Todos são tratados como sujeitos complexos, como por exemplo David Lyons, transformando Mike Diangelo em um poço de contradições dificílimo de ser desvendado (o que o torna mais humano).
Já Clare-Hope Ashitey dribla o arquétipo de sua KJ e encontra uma personagem com o ímpeto de vencer tão grande quanto a capacidade de se sabotar. A propósito, isto não significa que a narrativa lhe oferecerá, ao término, a satisfação que deseja, mas dará as chaves para modificar seu caminho. Fato também que acontece com Regina King e Russell Hornsby, que interpretam os pais da vítima com ênfase na questão religiosa e na responsabilidade paternal, e como esta pode afastar aquele que se ama para um caminho indesejado ou desconhecido. E embora Beau Knapp (Jablonski) e Michael Mosley (Rinaldi) representam o elo fraco do elenco, ao menos fogem do ordinário e encarnam dramas cujas raízes foram plantadas muito tempo antes.
Mas a estrela da série é mesmo seu roteiro, que, com exceções pontuais, catapulta o desenrolar da trama a níveis inesperado porque espelham a realidade. Repare que o juiz age como árbitro do processo, não carrasco, e nem mesmo a advogada de defesa dos policiais, pedante a enésima potência, surge irreal em sua cruzada corporativista. O resultado é um thriller dramático poderoso e cujo conteúdo racial é muito mais complexo em suas sutilezas do que poderíamos imaginar.
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Grande parte da minha juventude passou-se na década de 90 (dos 7 a 17 anos; façam as contas que eu não vou entregar minha idade tão facilmente), de modo que admiro o design de produção e a reconstrução de época, que percorre figurinos, objetos cênicos, canções e até aquele barulhinho enlouquecedor quando o modem discado conectava. E não para aí, pois o próprio estilo de direção remete às produções do período, com o uso indiscriminado de zooms que encerram em closes no rosto do personagem.
Mas quanto mais penso na série, mais me decepciono. Aqueles batidos personagens de colegial que precisam se descobrir social e sexualmente enquanto batem cabeças umas nas dos outros até descobrirem estarem do mesmo lado: tentando atravessar, incólume, aquela fase e ser feliz. É muito revelador que o personagem mais interessante seja justo o diretor da escola, Ken Messner, na performance simples, discreta e eficiente de Patch Darragh. Já o protagonista, Luke, esbarra no amadorismo e inconstância de Jahi Di'Allo Winston, problema que também alcança seu interesse romântico, Kate. Neste caso, ao menos Peyton Kennedy tem um drama mais palpável para lidar além da sina do primeiro amor.
Ao menos são apenas 10 episódios curtos, que maratonistas atravessarão com enorme facilidade.
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Nesta minissérie biográfica em dois episódios, Alex Gibney, documentarista vencedor do Oscar, debruça-se sobre a carreira de um dos maiores nomes (talvez o maior) da música popular norte-americana: Frank Sinatra. Sua abordagem respeitosa não é sinônimo de que o diretor preferiu uma versão mais light, tratando de inserir os pontos de incoerência daquele homem com um quê de criticismo: seu comportamento machista e mulherengo, seu relacionamento com a máfia, sua postura tirânica e proselitista diante de outros ritmos musicais que não o seu, certas atitudes racistas (talvez até inocentes) mesmo para um cantor reconhecido por combater o preconceito naquele período de intensa segregação.
Com isto, Gibney revela saber estar diante de um artista divino que também era um homem com acertos e defeitos. Sua trajetória musical e cinematográfica é coberta com atenção aos detalhes e cuidado na contextualização da época (a convocação para a 2ª Guerra Mundial, a caça às bruxas contra os ditos comunistas e simpatizantes etc), além de cobrir um período da história norte-americana que se inicia na depressão econômica até a prosperidade social e cultural das décadas seguintes. Seu trabalho permitir desvendar, com objetividade e muito além de fofocas, quem era Sinatra, ainda que a narrativa esqueça de amarrar algumas pontas desatadas (como o destino do Rat Pack, por exemplo).
Tudo isto sem esquecer, claro, de rechear a narrativa com algumas das melhores canções que já escutamos, em uma mistura de estilos que, a sua própria maneira, contextualiza as diferentes reimaginações de um artista para permanecer no topo, reinventando-se, reaprendendo e vivendo a vida da única forma que conhecia: do seu jeito.
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Por amar 'Fargo', dos irmãos Coen, torci o nariz para esta série e, por preconceito, ignorei todos os prêmios que esta comédia policial de humor negro acumulava. Que estúpido eu fui!
Com personagens memoráveis (Lorne Malvo deve ser um dos vilões mais interessantes de tempos recentes) e outros secundários tão esquisitos quanto são cativantes, a trama desta primeira temporada ambienta-se no mesmo frio inóspito e, enfim, dá um destino à famosa mala de dinheiro enterrada ao lado da cerca. Sua narrativa é intrincada tanto pelo número de personagens envolvidos quanto por um sem-número de reviravoltas bem construídas e planejadas desde muito cedo (a armadilha do urso, p. ex.), e se dedica a construir diálogos inteligentes que prezam pela perspicácia, mas também por tudo aquilo que podem revelar sobre a natureza humana e a angústia provocada pela finitude em face a um lobo: Malvo.
E se voltei a ele, é porque Billy Bob Thornton acerta na composição ao transformar o vilão em um sujeito indecifrável que, quanto mais pensamos nele, mais nos pegamos presos em suas contradições e idiossincrasias (muito ao estilo de Anton Chigurh de 'Onde os Fracos não Têm Vez'). Um antagonista capaz de inspirar tanto temor pelo destino de seus personagens que acabamos por torcer, desesperadamente, para que nada de mal lhes aconteça (refiro-me especialmente a Colin Hanks e Allison Tolman). Quando uma narrativa provoca isto com inteligência, esperteza e sabedoria, é porque temos em mãos uma obra de arte indispensável e, aceite meu conselho, não seja cabeça dura quanto eu fui e assista.
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Lançadas concomitantemente na Netflix, as séries policiais 'A Louva-a-deus' e esta 'Glacé' guardam semelhanças muito além da nacionalidade francesa. Ambas narram histórias de a) serial killers, cujos crimes não eram gratuitos e tinham um b) aspecto punitivo e estão sendo c) reproduzidos em uma série de homicídios inexplicáveis. Os investigadores têm d) algum envolvimento pregresso com os serial killers, e devem superar isto para poderem salvar, no final das contas, um e) ente querido.
A diferença está na qualidade, e nem tanto assim: 'Glacé' é mais fria, como o próprio título afirma, e tenta ser mais verossímil no trabalho policial, evitando as lambanças e o amadorismo investigativo que comentei na publicação de 'A Louva-a-deus'. Os atores também evitam exageros que não caem bem com este tipo de produção, e mesmo que se possa argumentar contra certas atitudes, certo é que, ao menos, o caso em questão está melhor amarrado dentro do que se espera do subgênero, ainda que precise apelar para, por exemplo, múltiplas cenas em que a polícia 'quase' apreende o suspeito, mas chegou tarde demais.
Mas sinto que faltou aquele tempero que constrói grandes suspenses criminais, como uma maior abertura sobre o passado ou melhor esclarecimento sobre a motivação de determinados personagens. Ainda assim, passa como um bom passatempo para quem curte o estilo.
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Teria que ser cara de pau ou ingênuo ou os dois juntos para adjetivar de 'original' esta série baseada nos livros de Richard Morgan. Sua premissa não tem ineditismo, e 'Sem Retorno', 'Transcendence' e outros trabalhos sobre transferência de consciência saem ano após anos, nem seu design de produção (claramente inspirado em 'Blade Runner', inclusive em sua vocação noir com cyberpunk), nem mesmo determinados conceitos e ideias (o marketing mental já foi visto em 'Minority Report', o aprendizado em um nível de consciência computadorizado, em 'Matrix', a divisão de classe, tema do sci-fi desde seu marco inicial em 'Metrópolis' etc).
Descartada a originalidade, tem-se em mãos uma ficção-científica muito competente que tem uma das coisas de que mais gosto no gênero: utilização prática e subversão daquilo que propõe, desde o conceito de imortalidade, ao backup da consciência e à clonagem, passando ainda a situações curiosas como uns usando 'capas' de outros e 'duplo' encapamento, que praticamente produz um duplo com todos os dados de sua consciência até então. Afora saber utilizar seus conceitos e parafernália em função da narrativa, a trama não tem receio de abraçar a violência extrema, o sexo e a nudez, e dirigir-se a uma conclusão que não poupa os personagens, oferecendo a recompensa dramática desejada pelo espectador em matéria de clímax. Sem contar que, por mais que não seja um grande ator, Joel Kinnaman empresta o corpo (trocadilho esperto!) ao típico anti-herói do noir, com respostas ásperas, aparente indiferença e uma tendência de se afeiçoar de quem não devia.
Porém, apesar de seus bons personagens, a primeira temporada engasga com um sem número de tramas paralelas (a investigação da morte de Laurens, a trama de Lizzie, de Ryker, do corpo da garota descoberto no mar, flashbacks etc) que se amarram de modo insatisfatório e apressado, deixando furos por onde passa (pense em qual era o objetivo dx vilã(o) e reflita se não havia meio mais prático de esta conseguir o que desejava, sem movimentar mundos e fundos). Mas como fã ardoroso da miscigenação desses gêneros - noir e ficção-científica -, eu me senti satisfeito com a adaptação, ainda que com aquele gosto de 'já vi isto e melhor'.
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Se considerarmos a expectativa construída após a revelação surpreendente da primeira temporada, este reencontro com Eleanor, Chidi, Tahani e Jason oferece uma alternativa inteligente desde os primeiros episódios, solucionando a questão com a competência de quem não se constrange em tentar superar o antecessor ou repetir seus passos. Até aí, confesso que a série manteve o grau de imprevisibilidade de outrora, sem esquecer de preservar seu humor nonsense e sarcástico.
Contudo, a sensação é a de que a série perdeu identidade, melhor dizendo, encanto: a humanização dos personagens é substituída por pieguice em determinados momentos, algo inédito, e a aspereza mordaz com que eles se relacionavam entre si é substituída por um senso de companheirismo maior. Este é o desenvolvimento natural diante dos eventos da temporada passada, porém isto não significa que os atores mantenham o mesmo nível das performances. É como se Kristen Bell, Jameela Jamil e Ted Danson funcionassem melhor como relógios quebrados pelo cinismo e malícia do que agora, e se a situação não se aplica a seus colegas de elenco, é só por causa da ingenuidade de seus personagens.
Mesmo assim, o roteiro continua proporcionando conflitos e soluções acima da média (embora tenha me desapontado com a subtrama da Janet e Derek ou com a maneira, digamos, distraída e alienada com que os demais personagens, com exceção do elenco central, se comportavam), além de aproveitar todas as oportunidades para inserir gags perspicazes (repararam no pôster de 'Piratas do Caribe 6', exibido eternamente no Bad Place, ou na anúncio de 'Pacto Sinistro', em inglês 'Strangers on a Train', durante o teste do bonde?). E mesmo que o desfecho não nos encha de expectativas para a temporada seguinte como ocorreu anteriormente, ao menos não empalidece ante o original além de alimentar a saudade daquela turma desfuncional, aprendendo a ser ética.
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Não sei o que preferi mais nessa série: se o humor ácido de Donald Glover ou a maneira precisa com que encara a problemática da comunidade afro-americana, tomando por ponto de partida o cenário rap, mas não se restringindo a ele. Bem, permaneço em dúvida, mas apenas digo que estou extasiado!
Em 10 episódios, a série não permite que o tom episódico atrapalhe a continuidade indispensável para desenvolver seus personagens; todos eles, sem exceção, até o excêntrico Darius, são concebidos, construídos e encenados com conhecimento de causa necessário para serem relevantes, tridimensionais e cativantes. Sem perder aquela que é a marca registrada da série, a forma peculiar e contundente com que Donald Glover debate, sem vitimização, qual o espaço do negro na sociedade norte-americana, nem que para tanto precise vestir o traje do estereótipo para expor sua argumentação. E o ator / criador é feliz em estabelecer críticas sob o pano da sátira, como ocorre no nono episódio, uma versão proto de 'Corra!'.
Também é impressionante a maestria com que Donald Glover emprega a comédia como instrumento de conscientização, mais do que um meio para provocar risos. E, mesmo assim, ele ainda desenvolve episódios memoráveis e hilários a sua própria maneira, como o sétimo, uma obra-prima de 25 minutos na forma de uma arma de precisão com munição infinita, apta a disparar dezenas de tiros e acertam bem no coração do alvo. Bem parecida com a série, uma análise contemporânea e sincera, quiçá mais relevante do que muitos trabalhos raciais e sociológicos.
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UOU! A trama da premiada série pode até girar em torno de um crime misterioso cujas autoria, vítima e circunstâncias só conheceremos no último episódio, mas em momento algum se deixa ser refém disso, mesmo quando adota uma estrutura em flashback para narrar sua história. Em vez disto, a série extrai tudo o que pode em termos de atuações (ninguém, absolutamente ninguém está senão muito acima da média, com ênfase em Nicole Kidman, Laura Dern, Reese Witherspoon e Alexander Skarsgård, nesta ordem) e também de temas que são socialmente relevantes e contemporâneos.
Abuso sexual, violência doméstica, bullying. Todos estes assuntos estão interconectados como os galhos de uma árvore, nascida de uma semente, a educação, e são abordados com um quê de realismo que não ignora também uma construção dramática envolvente e bem articulada. Os relacionamentos são autênticos (note a compartimentalização que Madeline faz, revelando um pouco mais de sua vida a Celeste do que a Jane, e a razão para isto é óbvia, pois conhece este há menos tempo que aquela) e as reações, causas e consequências, críveis, evitando o maniqueísmo que tanto impregna obras como esta (nem mesmo certo personagem é uma exceção à regra, sendo bem mais trágicx do que unidimensional).
Tudo bem amarrado através de uma linguagem narrativa eficaz, que conecta os dramas de seus personagens através de fusões na montagem (por exemplo, um grito que ecoa da boca do trio central) e mantém-se coesa até quando vai e vem no tempo ou introduz alucinações, pesadelos e depoimentos maldosos (digo, fofocas) de meros espectadores sobre a vida daquelas mulheres empoderadas (repare como elas estão quase sempre no banco de motorista de suas vidas, e quando não, ficam em posição desconfortável). Por fim, a fotografia daquele cenário idílico, capturado pelas luzes quentes da fotografia, só mantém a certeza de que, detrás de tamanha perfeição, existe imensa turbulência (a trilha sonora), mágoas, angústias e, sim, muito calor humano.
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Essa minissérie foi transmitida na Espanha em 15 episódios com um interlúdio de meses entre o nono e o décimo; por causa disto, a Netflix escalonou a exibição em duas partes e re-editou os nove primeiros episódios em um total de 13! Uma estratégia de marketing eficiente do ponto de vista comercial, embora reprovável de cunho artístico, pois quem é a Netflix para cortar obra audiovisual de modo distinto do original? O que a diferencia da Globo, p. ex., quando mutila Titanic para encaixar na grade de programação e subdivide filmes em séries para criar conteúdo? Nada!
Deixada a raiva para trás, esta primeira parte é mais astuta do que inteligente: o plano de roubo da Casa da Moeda é bonito em sua simplicidade, mesmo que o maior atrativo sejam as reviravoltas, que provam a capacidade do Professor de antecipar os reveses e o comportamento da polícia, dos reféns e dos seus próprios liderados. É envolvente, até porque cada episódio tem sua cota de surpresas e ganchos que acrescentam a camada de complexidade adicional à trama. Porém nem tudo são flores, e o roteiro não resiste a uma análise minuciosa: planos que dependem de sorte ou de decisões subjetivas, ações que exigem a suspensão de descrença além do que o espectador está disposto a ceder e uma total falta de profissionalismo dos ladrões e da polícia, vendidos à paixão, em vez de a razão que a situação exigiria deles.
Piora porque a protagonista e narradora, Tóquio, tem carisma nulo e, bem como muitos dos colegas, jamais justifica o porquê de ser escolhida pelo Professor para um roubo de tamanha magnitude. A propósito, é intrigante como há cenas simultâneas em que todos os ladrões estão conversando e a sensação é de inexistir viva alma vigiando os reféns, e se isto incomoda, pense nos momentos óbvios de revezamento para dormir. Assim, por não saber onde está a chave que desliga o cérebro e permite curtir a narrativa nervosa e intrincada como uma teia de aranha sem pensar no roteiro furado, "La Casa de Papel" é apenas um exercício de thriller de assalto mediano. Agora Netflix, que feio o que você fez, que feio!
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Dá para estabelecer comparações entre esta minissérie sobre a investigação e captura de Ted Kaczynski, o Unabomber, e "Mindhunter", particularmente na maneira com que ambas retratam a desconfiança e o descrédito conservador em abordagens inovadoras apenas por serem diferentes daquilo que se empregava anteriormente, bem como pela personalidade de seus protagonistas, reflexos daquelas mesmas pessoas que caçam.
A trama inicia dentro da ciência comportamental do FBI e expande suas fronteiras para abranger a linguística forense, tentando encontrar a forma de apreender o Unabomber, a partir do seu idioleto, gírias e expressões lidas em suas cartas. Dá para notar que o caminho do protagonista Fitz não será fácil em convencer seus superiores a aceitarem essas elucubrações, e a minissérie retrata com calculismo e verossimilhança os passos necessários para comprar aquela ideia ambiciosa. Não há vilões dentro do FBI, embora certos comportamentos dos superiores possam ser tomados por clichês, bem como Fitz não é o mocinho típico. Pelo contrário, o que move a narrativa está na antissocialidade, clausura emocional e ausência de senso de humor do protagonista, quiçá uma espécie de autismo social que o aproxima de Ted, interpretado por Paul Bettany com a habitual sisudez e ritualismo, e bem-vinda humanização. Ambos são párias da sociedade, e isto é fácil de ser notado diante do comportamento obsessivo de Fitz e o modo com que se isola e desaparece no meio de multidões. Sam Worthington, por quem nunca tive muito apreço, surpreendeu-me!
O roteiro, indicado ao prêmio do sindicato dos roteiristas, é ágil, intrincado e fidedigno aos fatos, ainda quando aposta em atalhos que suprimem prazeres narrativos (ex: a dissolução progressiva do casamento de Fitz ou os meandros legais do julgamento), e combina duas linhas do tempo com maestria, sem que a mais atual sugue as forças da anterior ao antecipar conclusões de eventos que se desenrolam em tempo pretérito. É uma concorrência benéfica, apta a demandar ao espectador que questione mais sobre os personagens, e um dos pontos altos dessa minissérie envolvente.
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Existe um quê de Wes Anderson na estética desta série em 8 episódios: os planos simétricos que combinam com o tema da narrativa, em que os personagens estão enquadrados no centro do quadro, ainda que ser o rigor do design de produção dos trabalhos do cineasta, assim como a narrativa em que os personagens, co-protagonistas e coadjuvante, estão além da curva do ordinário e convencional. Diria até que há certa semelhança com "Moonrise Kingdom", óbvio que não direta, mas a inspiração no relacionamento entre os James e Alyssa.
Dito isto, esta produção inglesa tem a secura e o cinismo que admiro na arte naquele país, desenvolvendo, além do confortável e tradicional, em um tom próximo do surreal e não apartado do realismo, seu tema central: a busca, no próximo, do meio para aceitar a sua própria personalidade, por mais estranha e monstruosa que esta pareça ser, na manifestação do espírito gregário humano. Em que pesem as exigências dos personagens - James precisa ser indiferente; Alyssa, irritante -, Alew Lawther consegue expressar, com pouco, a completude ao lado da parceira e emoções humanas, ennquanto Jessica Barden evidencia os "pontos fracos" da armadura que exibe para o mundo externo.
E que trilha sonora! Quando, no quinto episódio, entreouvimos a cantora francesa Françoise Hardy, é o momento de confirmar que essa história de amor universal, ainda que inusual, baseada nos quadrinhos de Charles S. Forsman, nos fisgou de vez.
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O último e mais metalinguístico episódio dessa temporada é um mini-Black Mirror, tal como fora "White Christmas", ou, para ser mais preciso, uma espécie de Contos da Cripta misturado com A Origem; deste, a camada adicional acima da aparente; daquele, histórias de terror (sim!) sobre casos extremos das tecnologias em exibição. Isto sem contar na absurda quantidade de easter eggs (de "USS Callister" a "Arkangel" passando por "San Junipero" e "Hated in Nation") existentes no bizarro museu do título, colocando boa parte dos 13 episódios em um universo compartilhado.
Apesar de não gostar do significado do conceito, já que dá a impressão de que a série atingiu um estágio auto-congratulatório e auto-indulgente preocupante, a verdade é que todos os mini-episódios funcionam, estabelecendo a base para que a verdadeira trama se desenrole com toda sua potência. Comum a todos, agonia, inquietude, pânico e a sensação de que a tecnologia jamais pode estar desgarrada da ética (note, p. ex., a implicação da exclusão na parte 2 do episódio).
Até existe a sensação de que cada mini-episódio poderia render um melhor isoladamente mas, com exceção do primeiro, os demais funcionam individualmente e em conjunto, além de posar questões intrigantes sobre por que o espectador assiste a personagens (e aqui, não há diferença entre atores e construtos virtuais) sofrerem nas mãos da tecnologia, como os turistas, visitantes e frequentadores do museu. Além de tudo isto, no final das contas, quem não gosta de uma vingança, não?
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Crítica: Certas narrativas beneficiam-se do não dito ou exibido, do que existe fora do campo na imaginação do espectador, e é o caso deste episódio que nos leva a um futuro distópico em que uma equipe tem por objetivo obter algo (que saberemos ao final) para alguém (que podemos imaginar quem é).
É um futuro que casa muito bem com a fotografia preto e branca, já que suprime todas as cores em que poderíamos encontrar refúgio e devolve-nos o sombrio. Se pensarmos bem, é como se a versão canina de O Exterminador do Futuro caminhasse pelas paisagens de Mad Max, um tanto arbóreo, com ares de thriller de terror à moda antiga, em que a protagonista tenta sobreviver a um assassino incansável e cheio de recursos.
Não existe uma mensagem subliminar, senão a de que construímos para nos proteger os mesmos aparatos que irão nos destruir ou conclusões a respeito de certas passagens inexploradas (ex: o casal dentro da mansão), nem o tipo de reviravolta sobre a qual todos adoram matutar; é uma narrativa de gênero, direta, nervosa, inquietante e envolvente, que somente acha um bálsamo na imagem final, uma breve memória de uma realidade mais humana. Menos canina.
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La Casa de Papel (Parte 2)
4.2 942 Assista AgoraPor se tratar apenas da segunda parte de uma mesma minissérie, os comentários que fiz anteriormente podem ser repetidos sem prejuízo da análise: o roteiro poroso, cheio de subjetividade e casuísmo, e os personagens, ditos profissionais, mesmo que ajam amadoristicamente como se saídos de uma novela mexicana, servem como argumentos contrários ao assalto astuto encenado. A seu favor, um sem número de reviravoltas por episódio que, apesar de baseadas em situações absurdas e mal-construídas, agem como iscas que fisgam, com facilidade, o espectador.
É uma qualidade alinhada com o ritmo ágil e constante, mas não suficiente para ignorar deméritos, já que, nem mesmo internamente, há consistência narrativa: note que Berlim surpreende-se ao descobrir quantos dias se passaram para, cenas depois, um letreiro informar um período de tempo menor. Poderia ser um erro de continuidade inofensivo se não fosse tão comum, tipo um personagem despertar do coma segundos depois de seu acompanhante deixar o recinto ou os sequestradores reunirem-se esquecendo que havia reféns a serem vigiados.
Isto interfere no túnel de que depende o assalto: ora, quem estava cavando-o se: a) os sequestradores sofriam as dores do coração ou revezes oriundos das impulsividades e rixas ao estilo Big Brother Brasil com fuzis; b) os reféns estavam ocupados com tarefas atribuídas, ou planejando motim ou apenas ociosos; c) os sérvios, tão aleatórios quanto tudo na série, surgem nos finalmente? Pense na extensão quilométrica do túnel e todo o tempo necessário para cavá-lo com uma picareta (risos)? Piadas de lado, nem mesmo o Professor, em toda sua falsa genialidade, poderia prever que o plano seria resolvido por causa do amor e da inabilidade da polícia. Mas isto não é que se quer quando se assiste a assaltos perfeitos, certo?
Desventuras em Série (2ª Temporada)
4.1 132A segunda temporada (haverá apenas mais uma) sofre com o problema da produção do meio de trilogias, diante da ausência de início ou de desfecho, mantendo-se no limbo de respostas, enquanto amarga a distância às perguntas. Por outro lado, é um notável avanço em relação à temporada passada; ora porque não há a comparação imediata com o filme protagonizado por Jim Carrey (lembro haver citado que o que aquele realizava bem em 2 horas, a série precisava de 6 episódios), ora pela maneira com que a narrativa foge da sina da repetitividade que a atormenta.
Sim, ainda há o incômodo de assistir a Olaf disfarçando-se, enganando todo mundo, fracassando e fugindo antes de ser capturado nos primeiros episódios, mas isto muda a partir do sétimo livro (episódios 5 e 6) quando se começa a perceber maior fluidez na narrativa e maiores riscos aos órfãos Baudelaire. Isto apimenta a temporada, que adora a promessa por respostas apenas para nos frustrar no instante seguinte, cumprindo um dos temas da narrativa: os segredos do mundo adulto que contaminam indiretamente a juventude. Os mais velhos também são objeto de crítica, ante seus delírios de grandeza, sua covardia, seus julgamentos precipitados, seu receio desmedido ou sua capacidade de trair os seus egoisticamente, temas tratados a partir dos personagens coadjuvantes em cada parte.
Já Neil Patrick Harris permanece no limiar entre o ameaçador e o cartunesco, ao passo que a adição de Lucy Punch aumenta as apostas com um vilã maléfica e interesseira. E isto sem esquecer o excelente design de produção e o texto fluido, irreverente e receoso de Lemony Snicket. Um passo na direção certa em uma temporada ágil, mas inofensiva.
Fargo (3ª Temporada)
4.1 209 Assista AgoraSou fascinado pela forma como, remexendo no mesmo tema pela terceira vez, o criador da série "Fargo", Noah Hawley, proporciona ineditismo, originalidade e boa amarração até quando já prevemos ou suspeitamos boa parte do que irá acontecer. E esta terceira temporada é distinta das demais ao economizar seus golpes para o momento oportuno, preocupando-se em estabelecer seu núcleo central de personagens, os ressentimentos e sentimentos nutridos uns pelos outros e plantando as pistas que irão resultar na efeito dominó visto a frente. Repare que existe todo um episódio só preocupado em investigar o passado de uma das vítimas, em uma linha que pareceria irrelevante à primeira vista se não fosse essencial para compreendermos o que move a protagonista Carrie Coon.
Igual ao (melancolicamente adorável) robô condenado a oferecer ajuda sem jamais poder fazê-lo, a policial "invisível" parece sufocada por tanta burocracia, hierarquia e misoginia, erraticamente perseguindo a solução do caso, enquanto acumula informações sensíveis que poderiam interromper a matança antes de ela começar a afunilar. Igual a ela, tantos personagens de destaque, a começar por Mary Elizabeth Winstead, determinada, intensa e trágica, ou a dupla participação de Ewan McGregor (uma de suas melhores atuações), o dedicado e frágil sócio Michael Stuhlbarg ou o repulsivo gângster bulímico V. M. Vargas (interpretado com idem asco por David Thewlis).
Das temporadas, é a que menos investe no humor negro (embora este esteja presente), trazendo seu quê de misticismo na figura de Paul Marrane, que, vivido por Ray Wise (de "Twin Peaks", o que explica o estranhamento), oferece a justificativa bíblica para tantos acontecimentos trágicos. Uma das minhas séries preferidas.
Santa Clarita Diet (2ª Temporada)
4.1 222Certamente melhor do que a temporada passada, esta sitcom de "terrir" preserva a charmosa inconsequência e frivolidade com que a família protagonista administra a zumbificação e o canibalismo de Sheila. É como se devorar o vizinho e armazenar restos mortais em um freezer equivalesse a, sei lá, quebrar a janela e fingir que nada disto tenha acontecido. E semelhante aos Hammond, os personagens coadjuvantes também parecem estar em uma dimensão paralela, em uma crítica às comunidades elitistas norte-americanas, alienadas com o que está acontecendo debaixo de seus olhos.
O humor permanece satírico e ágil: Timothy Olyphant tenta demonstrar atitude ante o estado corrente da esposa, proporcionando boas tiradas sempre que o desconforto e insegurança assumem o controle; enquanto isto, Drew Barrymore morde o papel com gosto, assumindo uma postura empoderada e afirmativa através da metáfora de sua condição. Já Liv Hewson mantém a postura típica de adolescente descolada, ao passo que Skyler Gisondo continua aborrecidinho como o vizinho medroso do lado.
Mas o melhor da temporada é a existência de um fio condutor nítido no roteiro na busca da causa do zumbismo de Sheila, com um quê investigativo que penetra divertidamente no absurdo. Dá até para perdoar as pontas soltas esquecidas na trama, como a dupla de caçadores ou a "almôndega-aranha", e mesmo a resolução afobada demais, porém curti, mais uma vez, as aventuras nonsense de um casal suburbano tentando evitar o apocalipse zumbi.
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This Is Us (1ª Temporada)
4.7 779 Assista AgoraAo mesmo tempo em que transforma o limão mais azedo em algo parecido com uma limonada, esta série pega o drama cotidiano e evita que ela seja apenas aquilo que o norte-americano apelidou de "tearjerker": o sentimentalismo piegas. Pelo contrário, se lágrimas rolarem (rolarão!), isto se deve ao plantio cuidadoso de uma sementinha que gerou uma árvore firme, cheia de múltiplas ramificações, cada uma mais segura que a outra, intercaladas através de uma montagem pluri-temporal e temática, que, de modo desafiador, mistura passado e presente e múltiplos personagens no núcleo emocional de cada episódio.
Todos em torno de uma família (os Pearson) e daqueles ao seu redor, embelezando os conflitos do cotidiano apenas o suficiente para fugirem da trivialidade, enquanto investe pesadamente na construção de seus personagens tridimensionais, dos quais gostamos, como afirma o ditado, de graça. Não existe perfeição, somente seres humanos tentando extrair o melhor que podem de suas vidas e transformar as dos outros ao seu redor; e, mesmo que fôssemos condenar o roteiro por certas atitudes (que ator abandonaria a estreia de sua peça?), o fato é que tudo é costurado com tanto amor e carinho que é difícil não se sensibilizar.
E o mundo está cheio, cheio mesmo, de produções que prestigiam a face maliciosa e maldosa do ser humano. Por ora, é bom encantar-se com o que o ser humano tem de melhor e está retratado na família protagonista, que entre acertos e erros, não deixou de propagar o amor.
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O Mecanismo (1ª Temporada)
3.5 526Polêmicas a parte, motivadas sobretudo por um diálogo posto desnecessariamente na boca de quem não o falou, a primeira temporada da série criada por José Padilha tenta desvendar, debaixo de uma manta furada da imparcialidade, todos os males existentes no Brasil, desde a Lava-Jato até o Seu João, e coloca a cabeça no lugar quando aponta o dedo ao sistema político corrupto, ou à ganância dos empresários ou à vaidade da Justiça e do Ministério Público, que enterrou a investigação do Banestado (ou Banco do Estado), muito mais assustadora do que imaginam.
Mas faz isto com um roteiro ruim de doer e difícil de engolir: diálogos pavorosos ("Você pode até desistir do mecanismo, mas ele não vai desistir de você") ou reviravoltas nuas de credibilidade ou verossimilhança (pra quê o suicídio de certo personagem se este "ressuscitaria" depois?), que geram conflitos desnecessários e furados. Exemplifico:
Se todos, menos o espectador, sabiam que Ruffo estava vivo, por que infiltrar um agente a seu mando na operação da polícia, senão para estabelecer uma crise com Verena, quando Ruffo poderia tratar diretamente com ela, como começa a fazer após o "laranja" ser descoberto? Pior, o fato de Ruffo, detrás dos panos, participar da operação ativamente - coagindo testemunhas, descobrindo provas e influenciando o trabalho policial - inviabilizaria todo o andamento da operação dentro do mundo jurídico, e não precisa ser formado em Direito para saber por quê!
Mas o pior é que esta primeira parte da Lava-Jato não tem emoção, tensão ou os thrills esperados de um suspense policial. Apenas se desenrola como uma engrenagem lubrificada com cuspe, de modo desinteressante e óbvio, como o significado do bueiro entupido ou o uso de uma canção dos Titãs. A seu favor, a atuação fria e sorrateira de Enrique Diaz ou a intensidade de Caroline Abras, mas é muito pouco para um cara do calibre de José Padilha.
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Fargo (2ª Temporada)
4.4 337 Assista AgoraNesta temporada, predecessora da anterior com a apresentação da versão mais jovem de um personagem aqui outro acolá, mantém o que torna 'Fargo' uma das séries mais atraentes da atualidade: a maneira com que equilibra o humor negro e o genocídio que se instaura na pacata cidade norte-americano que dá título à série.
Outra vez, cidadãos médios e ordinários cometem atos acidentais, porém culpáveis, que degringolam em uma guerra de gangues em que não existe um envolvido que podemos assegurar sua segurança (todos com exceção de um, que vocês saberão quem é caso tenham visto a primeira temporada). É como se os personagens andassem com um alvo gigante pendurado nas costas, podendo, a qualquer momento, serem vítimas do roteiro imprevisível e repleto de alternativas. Parece embolado a princípio, apesar de não exigir muito do espectador identificar motivações dos personagens e analisar, por alto, o jogo de causa e consequência que se instaura.
Os diálogos também são memoráveis e repletos da sabedoria e sagacidade típica de comédias semelhantes, sem deixar, a sua própria forma, de debater assuntos atuais, como o papel da mulher dentro da família e do mercado de trabalho machista. Bem, pode ser que falte um personagem tão marcante quanto fora Lorne Malvo, mas esta temporada compensa com uma abordagem consistente e envolvente que implora por uma maratona. Seriezona!
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Master of None (1ª Temporada)
4.2 247 Assista AgoraNesta sitcom, Aziz Ansari não renova a fórmula de seus predecessores que analisavam a sociedade contemporâneo e os relacionamentos através da lente do humor, da ironia, da sátira etc. Mas comédia é menos a questão de originalidade e mais a percepção que o ponto de vista do protagonista, este sim original, oferece. A do ator operário e também filho de imigrantes indianos é nova o bastante para provocar o comprometimento rápido do espectador com os percalços que Dev enfrenta no dia-a-dia.
Afora isto, o formato da narrativa é inteligente (pense nos paralelos traçados no episódio "Pais" ou então na maneira com que o relacionamento amoroso se degrada no intitulado "Manhãs"), enquanto o elenco secundário é composto por tipos bem característicos mas suficientemente tridimensionais para não serem apenas estereótipos. A sensação é a de que também desejaríamos conhecer como Arnold, Denise e Rachel enxergam o mundo ao seu redor, na prova incontestável de que não estão lá apenas para preencher tabela.
Mas o grande mérito desta 1ª temporada está na forma discreta, descontraída, às vezes casual com que certos tópicos são introduzidos e debatidos. Repare como realmente incomoda Dev não conhecer a forma correta e inofensiva de se referir a pessoas com sobrepeso, ou como a necessidade de conexão com os mais velhos decorre de uma constatação bastante óbvia, nem por isto menos oportuna. E afora certos tropeços de regularidade, o que é comum em uma série antológica em que há episódios melhores do que os outros, o que Dev, ou melhor, Aziz tem a dizer sobre o mundo e o modo como o faz merecem nossa atenção.
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Jessica Jones (2ª Temporada)
3.6 286 Assista AgoraA comparação com a temporada anterior é inevitável e, ainda que mudemos os ângulos e parâmetros, a sensação permanece sendo de decepção. Muito da perda se resume a uma palavra: Kilgrave, e a ausência pode ser sentida justo no episódio em que "retorna". E esta segunda temporada tropeça para encontrar um antagonista para chamar de seu, e descobre em uma personagem a solução mais improvável para isto e, também, a mais madura.
É quando o reencontro com a detetive particular desbocada, alcoólatra e aparentemente nascida no noir que tanto curte assistir no telhado justificou o retorno. Seus personagens são muito bem construídos e interpretados, a começar por Krysten Ritter, na forma com que a superforça da anti-heroína é o escudo que esconde sua fragilidade emocional e a dor pela ausência de sua mãe - o relacionamento com Alisa é genuinamente complexo e intrigante por todas as questões morais que desperta. Já Carrie Anne-Moss arrebenta no seu arco dramático particular, enquanto Rachael Taylor transforma a Trish, pela qual eu temi a morte na temporada passada, em alguém cujo desejo de fazer bem entrelaça-se com o próprio ego de modo indissociável, causando sentimentos contraditórios (que, imagino, era a intenção da criadora Melissa Rosenberg).
Mas, ainda que Jessica Jones não tenha perdido o sabor de metáforas (a da temporada passada era a de como a mulher pode ser 'atraída' com a mesma intensidade que sente repulsa por um homem abusivo, no caso, Kilgrave), agora as apresenta às claras, com a interferência dos homens em enrijecer e calejar as costas daquelas mulheres (seja por causa de abuso sexual / estupro, seja pelas mãos de um cientista maluco que somente queria fazer o bem... algo que soa genuíno, embora não deixe de custar caro a Alisa e, por tabela, a Jessica). O problema é que tudo parece mais como uma preparação para o tabuleiro da próxima temporada, com as peças sendo posicionadas, com o agravante de todas as séries da Marvel: muito que nem sempre é mais.
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Cinco que Voltaram
4.5 35 Assista AgoraEm muitas ocasiões, apontar uma câmera cinematográfica pode ser um gesto mais poderoso, perigoso e impactante do que erguer um fuzil. Afinal, a sétima arte tem a habilidade de revelar, distorcer e esconder através de suas lentes, e esta minissérie documental pretende descortinar o papel decisivo de cinco dos maiores diretores de Hollywood em promover a propaganda indispensável para impulsionar o alistamento militar e aumentar a moral daqueles que viajariam milhares de quilômetros para lutar pelo destino da humanidade (e das próprias vidas) em territórios hostis no curso da segunda guerra mundial.
Assim, o documentário é expressivo em retratar as personalidades de John Ford, John Huston, Frank Capra, George Stevens e William Wyler através de cicerones do mais alto calibre: Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Guillermo Del Toro, Lawrence Kasdan e Paul Greengrass. Eles são aptos a traduzir a linguagem cinematográfica a quem não tem fluência suficiente nela e, ao mesmo tempo, refletir como a guerra alterou o estilo e os temas que impulsionam aqueles realizadores eternizados na galeria dos maiores do cinema. E da história, já que, a maioria, arriscou a própria vida nos mesmos campos de batalha que serviriam de palco para seus documentários.
Narrado por Meryl Streep com solenidade, o documentário ainda enfatiza, por meio de imagens poderosas e impossíveis de ignorar, o real impacto da guerra para aqueles que, até hoje, teimam em negar o holocausto proporcionado. É um tratado sobre cinema e também sobre a humanidade, uma obra metalinguística sobre o fazer cinema e o ser humano.
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Sete Segundos
4.1 101 Assista AgoraMuitíssimo realista e verossímil, sobretudo para os padrões da polícia e justiça norte-americana, esta série debate, a partir do acidente criminoso nos minutos iniciais, como a tensão racial repercute no comportamento dos personagens puxados ao centro daquele furacão. E o desenrolar da série esforça-se para não trilhar caminhos óbvios, evitando, assim, colocar sobre o pedestal a família da vítima ou então demonizar os policiais que acobertaram o crime. Todos são tratados como sujeitos complexos, como por exemplo David Lyons, transformando Mike Diangelo em um poço de contradições dificílimo de ser desvendado (o que o torna mais humano).
Já Clare-Hope Ashitey dribla o arquétipo de sua KJ e encontra uma personagem com o ímpeto de vencer tão grande quanto a capacidade de se sabotar. A propósito, isto não significa que a narrativa lhe oferecerá, ao término, a satisfação que deseja, mas dará as chaves para modificar seu caminho. Fato também que acontece com Regina King e Russell Hornsby, que interpretam os pais da vítima com ênfase na questão religiosa e na responsabilidade paternal, e como esta pode afastar aquele que se ama para um caminho indesejado ou desconhecido. E embora Beau Knapp (Jablonski) e Michael Mosley (Rinaldi) representam o elo fraco do elenco, ao menos fogem do ordinário e encarnam dramas cujas raízes foram plantadas muito tempo antes.
Mas a estrela da série é mesmo seu roteiro, que, com exceções pontuais, catapulta o desenrolar da trama a níveis inesperado porque espelham a realidade. Repare que o juiz age como árbitro do processo, não carrasco, e nem mesmo a advogada de defesa dos policiais, pedante a enésima potência, surge irreal em sua cruzada corporativista. O resultado é um thriller dramático poderoso e cujo conteúdo racial é muito mais complexo em suas sutilezas do que poderíamos imaginar.
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Everything Sucks! (1ª Temporada)
3.9 354 Assista AgoraGrande parte da minha juventude passou-se na década de 90 (dos 7 a 17 anos; façam as contas que eu não vou entregar minha idade tão facilmente), de modo que admiro o design de produção e a reconstrução de época, que percorre figurinos, objetos cênicos, canções e até aquele barulhinho enlouquecedor quando o modem discado conectava. E não para aí, pois o próprio estilo de direção remete às produções do período, com o uso indiscriminado de zooms que encerram em closes no rosto do personagem.
Mas quanto mais penso na série, mais me decepciono. Aqueles batidos personagens de colegial que precisam se descobrir social e sexualmente enquanto batem cabeças umas nas dos outros até descobrirem estarem do mesmo lado: tentando atravessar, incólume, aquela fase e ser feliz. É muito revelador que o personagem mais interessante seja justo o diretor da escola, Ken Messner, na performance simples, discreta e eficiente de Patch Darragh. Já o protagonista, Luke, esbarra no amadorismo e inconstância de Jahi Di'Allo Winston, problema que também alcança seu interesse romântico, Kate. Neste caso, ao menos Peyton Kennedy tem um drama mais palpável para lidar além da sina do primeiro amor.
Ao menos são apenas 10 episódios curtos, que maratonistas atravessarão com enorme facilidade.
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Sinatra: All or Nothing at All
4.5 13Nesta minissérie biográfica em dois episódios, Alex Gibney, documentarista vencedor do Oscar, debruça-se sobre a carreira de um dos maiores nomes (talvez o maior) da música popular norte-americana: Frank Sinatra. Sua abordagem respeitosa não é sinônimo de que o diretor preferiu uma versão mais light, tratando de inserir os pontos de incoerência daquele homem com um quê de criticismo: seu comportamento machista e mulherengo, seu relacionamento com a máfia, sua postura tirânica e proselitista diante de outros ritmos musicais que não o seu, certas atitudes racistas (talvez até inocentes) mesmo para um cantor reconhecido por combater o preconceito naquele período de intensa segregação.
Com isto, Gibney revela saber estar diante de um artista divino que também era um homem com acertos e defeitos. Sua trajetória musical e cinematográfica é coberta com atenção aos detalhes e cuidado na contextualização da época (a convocação para a 2ª Guerra Mundial, a caça às bruxas contra os ditos comunistas e simpatizantes etc), além de cobrir um período da história norte-americana que se inicia na depressão econômica até a prosperidade social e cultural das décadas seguintes. Seu trabalho permitir desvendar, com objetividade e muito além de fofocas, quem era Sinatra, ainda que a narrativa esqueça de amarrar algumas pontas desatadas (como o destino do Rat Pack, por exemplo).
Tudo isto sem esquecer, claro, de rechear a narrativa com algumas das melhores canções que já escutamos, em uma mistura de estilos que, a sua própria maneira, contextualiza as diferentes reimaginações de um artista para permanecer no topo, reinventando-se, reaprendendo e vivendo a vida da única forma que conhecia: do seu jeito.
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Fargo (1ª Temporada)
4.5 511 Assista AgoraPor amar 'Fargo', dos irmãos Coen, torci o nariz para esta série e, por preconceito, ignorei todos os prêmios que esta comédia policial de humor negro acumulava. Que estúpido eu fui!
Com personagens memoráveis (Lorne Malvo deve ser um dos vilões mais interessantes de tempos recentes) e outros secundários tão esquisitos quanto são cativantes, a trama desta primeira temporada ambienta-se no mesmo frio inóspito e, enfim, dá um destino à famosa mala de dinheiro enterrada ao lado da cerca. Sua narrativa é intrincada tanto pelo número de personagens envolvidos quanto por um sem-número de reviravoltas bem construídas e planejadas desde muito cedo (a armadilha do urso, p. ex.), e se dedica a construir diálogos inteligentes que prezam pela perspicácia, mas também por tudo aquilo que podem revelar sobre a natureza humana e a angústia provocada pela finitude em face a um lobo: Malvo.
E se voltei a ele, é porque Billy Bob Thornton acerta na composição ao transformar o vilão em um sujeito indecifrável que, quanto mais pensamos nele, mais nos pegamos presos em suas contradições e idiossincrasias (muito ao estilo de Anton Chigurh de 'Onde os Fracos não Têm Vez'). Um antagonista capaz de inspirar tanto temor pelo destino de seus personagens que acabamos por torcer, desesperadamente, para que nada de mal lhes aconteça (refiro-me especialmente a Colin Hanks e Allison Tolman). Quando uma narrativa provoca isto com inteligência, esperteza e sabedoria, é porque temos em mãos uma obra de arte indispensável e, aceite meu conselho, não seja cabeça dura quanto eu fui e assista.
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Glacé
3.1 33Lançadas concomitantemente na Netflix, as séries policiais 'A Louva-a-deus' e esta 'Glacé' guardam semelhanças muito além da nacionalidade francesa. Ambas narram histórias de a) serial killers, cujos crimes não eram gratuitos e tinham um b) aspecto punitivo e estão sendo c) reproduzidos em uma série de homicídios inexplicáveis. Os investigadores têm d) algum envolvimento pregresso com os serial killers, e devem superar isto para poderem salvar, no final das contas, um e) ente querido.
A diferença está na qualidade, e nem tanto assim: 'Glacé' é mais fria, como o próprio título afirma, e tenta ser mais verossímil no trabalho policial, evitando as lambanças e o amadorismo investigativo que comentei na publicação de 'A Louva-a-deus'. Os atores também evitam exageros que não caem bem com este tipo de produção, e mesmo que se possa argumentar contra certas atitudes, certo é que, ao menos, o caso em questão está melhor amarrado dentro do que se espera do subgênero, ainda que precise apelar para, por exemplo, múltiplas cenas em que a polícia 'quase' apreende o suspeito, mas chegou tarde demais.
Mas sinto que faltou aquele tempero que constrói grandes suspenses criminais, como uma maior abertura sobre o passado ou melhor esclarecimento sobre a motivação de determinados personagens. Ainda assim, passa como um bom passatempo para quem curte o estilo.
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Altered Carbon (1ª Temporada)
3.8 358 Assista AgoraTeria que ser cara de pau ou ingênuo ou os dois juntos para adjetivar de 'original' esta série baseada nos livros de Richard Morgan. Sua premissa não tem ineditismo, e 'Sem Retorno', 'Transcendence' e outros trabalhos sobre transferência de consciência saem ano após anos, nem seu design de produção (claramente inspirado em 'Blade Runner', inclusive em sua vocação noir com cyberpunk), nem mesmo determinados conceitos e ideias (o marketing mental já foi visto em 'Minority Report', o aprendizado em um nível de consciência computadorizado, em 'Matrix', a divisão de classe, tema do sci-fi desde seu marco inicial em 'Metrópolis' etc).
Descartada a originalidade, tem-se em mãos uma ficção-científica muito competente que tem uma das coisas de que mais gosto no gênero: utilização prática e subversão daquilo que propõe, desde o conceito de imortalidade, ao backup da consciência e à clonagem, passando ainda a situações curiosas como uns usando 'capas' de outros e 'duplo' encapamento, que praticamente produz um duplo com todos os dados de sua consciência até então. Afora saber utilizar seus conceitos e parafernália em função da narrativa, a trama não tem receio de abraçar a violência extrema, o sexo e a nudez, e dirigir-se a uma conclusão que não poupa os personagens, oferecendo a recompensa dramática desejada pelo espectador em matéria de clímax. Sem contar que, por mais que não seja um grande ator, Joel Kinnaman empresta o corpo (trocadilho esperto!) ao típico anti-herói do noir, com respostas ásperas, aparente indiferença e uma tendência de se afeiçoar de quem não devia.
Porém, apesar de seus bons personagens, a primeira temporada engasga com um sem número de tramas paralelas (a investigação da morte de Laurens, a trama de Lizzie, de Ryker, do corpo da garota descoberto no mar, flashbacks etc) que se amarram de modo insatisfatório e apressado, deixando furos por onde passa (pense em qual era o objetivo dx vilã(o) e reflita se não havia meio mais prático de esta conseguir o que desejava, sem movimentar mundos e fundos). Mas como fã ardoroso da miscigenação desses gêneros - noir e ficção-científica -, eu me senti satisfeito com a adaptação, ainda que com aquele gosto de 'já vi isto e melhor'.
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The Good Place (2ª Temporada)
4.1 262 Assista AgoraSe considerarmos a expectativa construída após a revelação surpreendente da primeira temporada, este reencontro com Eleanor, Chidi, Tahani e Jason oferece uma alternativa inteligente desde os primeiros episódios, solucionando a questão com a competência de quem não se constrange em tentar superar o antecessor ou repetir seus passos. Até aí, confesso que a série manteve o grau de imprevisibilidade de outrora, sem esquecer de preservar seu humor nonsense e sarcástico.
Contudo, a sensação é a de que a série perdeu identidade, melhor dizendo, encanto: a humanização dos personagens é substituída por pieguice em determinados momentos, algo inédito, e a aspereza mordaz com que eles se relacionavam entre si é substituída por um senso de companheirismo maior. Este é o desenvolvimento natural diante dos eventos da temporada passada, porém isto não significa que os atores mantenham o mesmo nível das performances. É como se Kristen Bell, Jameela Jamil e Ted Danson funcionassem melhor como relógios quebrados pelo cinismo e malícia do que agora, e se a situação não se aplica a seus colegas de elenco, é só por causa da ingenuidade de seus personagens.
Mesmo assim, o roteiro continua proporcionando conflitos e soluções acima da média (embora tenha me desapontado com a subtrama da Janet e Derek ou com a maneira, digamos, distraída e alienada com que os demais personagens, com exceção do elenco central, se comportavam), além de aproveitar todas as oportunidades para inserir gags perspicazes (repararam no pôster de 'Piratas do Caribe 6', exibido eternamente no Bad Place, ou na anúncio de 'Pacto Sinistro', em inglês 'Strangers on a Train', durante o teste do bonde?). E mesmo que o desfecho não nos encha de expectativas para a temporada seguinte como ocorreu anteriormente, ao menos não empalidece ante o original além de alimentar a saudade daquela turma desfuncional, aprendendo a ser ética.
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Atlanta (1ª Temporada)
4.5 294 Assista AgoraNão sei o que preferi mais nessa série: se o humor ácido de Donald Glover ou a maneira precisa com que encara a problemática da comunidade afro-americana, tomando por ponto de partida o cenário rap, mas não se restringindo a ele. Bem, permaneço em dúvida, mas apenas digo que estou extasiado!
Em 10 episódios, a série não permite que o tom episódico atrapalhe a continuidade indispensável para desenvolver seus personagens; todos eles, sem exceção, até o excêntrico Darius, são concebidos, construídos e encenados com conhecimento de causa necessário para serem relevantes, tridimensionais e cativantes. Sem perder aquela que é a marca registrada da série, a forma peculiar e contundente com que Donald Glover debate, sem vitimização, qual o espaço do negro na sociedade norte-americana, nem que para tanto precise vestir o traje do estereótipo para expor sua argumentação. E o ator / criador é feliz em estabelecer críticas sob o pano da sátira, como ocorre no nono episódio, uma versão proto de 'Corra!'.
Também é impressionante a maestria com que Donald Glover emprega a comédia como instrumento de conscientização, mais do que um meio para provocar risos. E, mesmo assim, ele ainda desenvolve episódios memoráveis e hilários a sua própria maneira, como o sétimo, uma obra-prima de 25 minutos na forma de uma arma de precisão com munição infinita, apta a disparar dezenas de tiros e acertam bem no coração do alvo. Bem parecida com a série, uma análise contemporânea e sincera, quiçá mais relevante do que muitos trabalhos raciais e sociológicos.
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Big Little Lies (1ª Temporada)
4.6 1,1K Assista AgoraUOU! A trama da premiada série pode até girar em torno de um crime misterioso cujas autoria, vítima e circunstâncias só conheceremos no último episódio, mas em momento algum se deixa ser refém disso, mesmo quando adota uma estrutura em flashback para narrar sua história. Em vez disto, a série extrai tudo o que pode em termos de atuações (ninguém, absolutamente ninguém está senão muito acima da média, com ênfase em Nicole Kidman, Laura Dern, Reese Witherspoon e Alexander Skarsgård, nesta ordem) e também de temas que são socialmente relevantes e contemporâneos.
Abuso sexual, violência doméstica, bullying. Todos estes assuntos estão interconectados como os galhos de uma árvore, nascida de uma semente, a educação, e são abordados com um quê de realismo que não ignora também uma construção dramática envolvente e bem articulada. Os relacionamentos são autênticos (note a compartimentalização que Madeline faz, revelando um pouco mais de sua vida a Celeste do que a Jane, e a razão para isto é óbvia, pois conhece este há menos tempo que aquela) e as reações, causas e consequências, críveis, evitando o maniqueísmo que tanto impregna obras como esta (nem mesmo certo personagem é uma exceção à regra, sendo bem mais trágicx do que unidimensional).
Tudo bem amarrado através de uma linguagem narrativa eficaz, que conecta os dramas de seus personagens através de fusões na montagem (por exemplo, um grito que ecoa da boca do trio central) e mantém-se coesa até quando vai e vem no tempo ou introduz alucinações, pesadelos e depoimentos maldosos (digo, fofocas) de meros espectadores sobre a vida daquelas mulheres empoderadas (repare como elas estão quase sempre no banco de motorista de suas vidas, e quando não, ficam em posição desconfortável). Por fim, a fotografia daquele cenário idílico, capturado pelas luzes quentes da fotografia, só mantém a certeza de que, detrás de tamanha perfeição, existe imensa turbulência (a trilha sonora), mágoas, angústias e, sim, muito calor humano.
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La Casa de Papel (Parte 1)
4.2 1,3K Assista AgoraEssa minissérie foi transmitida na Espanha em 15 episódios com um interlúdio de meses entre o nono e o décimo; por causa disto, a Netflix escalonou a exibição em duas partes e re-editou os nove primeiros episódios em um total de 13! Uma estratégia de marketing eficiente do ponto de vista comercial, embora reprovável de cunho artístico, pois quem é a Netflix para cortar obra audiovisual de modo distinto do original? O que a diferencia da Globo, p. ex., quando mutila Titanic para encaixar na grade de programação e subdivide filmes em séries para criar conteúdo? Nada!
Deixada a raiva para trás, esta primeira parte é mais astuta do que inteligente: o plano de roubo da Casa da Moeda é bonito em sua simplicidade, mesmo que o maior atrativo sejam as reviravoltas, que provam a capacidade do Professor de antecipar os reveses e o comportamento da polícia, dos reféns e dos seus próprios liderados. É envolvente, até porque cada episódio tem sua cota de surpresas e ganchos que acrescentam a camada de complexidade adicional à trama. Porém nem tudo são flores, e o roteiro não resiste a uma análise minuciosa: planos que dependem de sorte ou de decisões subjetivas, ações que exigem a suspensão de descrença além do que o espectador está disposto a ceder e uma total falta de profissionalismo dos ladrões e da polícia, vendidos à paixão, em vez de a razão que a situação exigiria deles.
Piora porque a protagonista e narradora, Tóquio, tem carisma nulo e, bem como muitos dos colegas, jamais justifica o porquê de ser escolhida pelo Professor para um roubo de tamanha magnitude. A propósito, é intrigante como há cenas simultâneas em que todos os ladrões estão conversando e a sensação é de inexistir viva alma vigiando os reféns, e se isto incomoda, pense nos momentos óbvios de revezamento para dormir. Assim, por não saber onde está a chave que desliga o cérebro e permite curtir a narrativa nervosa e intrincada como uma teia de aranha sem pensar no roteiro furado, "La Casa de Papel" é apenas um exercício de thriller de assalto mediano. Agora Netflix, que feio o que você fez, que feio!
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Manhunt: Unabomber (1ª Temporada)
4.2 165 Assista AgoraDá para estabelecer comparações entre esta minissérie sobre a investigação e captura de Ted Kaczynski, o Unabomber, e "Mindhunter", particularmente na maneira com que ambas retratam a desconfiança e o descrédito conservador em abordagens inovadoras apenas por serem diferentes daquilo que se empregava anteriormente, bem como pela personalidade de seus protagonistas, reflexos daquelas mesmas pessoas que caçam.
A trama inicia dentro da ciência comportamental do FBI e expande suas fronteiras para abranger a linguística forense, tentando encontrar a forma de apreender o Unabomber, a partir do seu idioleto, gírias e expressões lidas em suas cartas. Dá para notar que o caminho do protagonista Fitz não será fácil em convencer seus superiores a aceitarem essas elucubrações, e a minissérie retrata com calculismo e verossimilhança os passos necessários para comprar aquela ideia ambiciosa. Não há vilões dentro do FBI, embora certos comportamentos dos superiores possam ser tomados por clichês, bem como Fitz não é o mocinho típico. Pelo contrário, o que move a narrativa está na antissocialidade, clausura emocional e ausência de senso de humor do protagonista, quiçá uma espécie de autismo social que o aproxima de Ted, interpretado por Paul Bettany com a habitual sisudez e ritualismo, e bem-vinda humanização. Ambos são párias da sociedade, e isto é fácil de ser notado diante do comportamento obsessivo de Fitz e o modo com que se isola e desaparece no meio de multidões. Sam Worthington, por quem nunca tive muito apreço, surpreendeu-me!
O roteiro, indicado ao prêmio do sindicato dos roteiristas, é ágil, intrincado e fidedigno aos fatos, ainda quando aposta em atalhos que suprimem prazeres narrativos (ex: a dissolução progressiva do casamento de Fitz ou os meandros legais do julgamento), e combina duas linhas do tempo com maestria, sem que a mais atual sugue as forças da anterior ao antecipar conclusões de eventos que se desenrolam em tempo pretérito. É uma concorrência benéfica, apta a demandar ao espectador que questione mais sobre os personagens, e um dos pontos altos dessa minissérie envolvente.
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The End of the F***ing World (1ª Temporada)
3.8 817 Assista AgoraExiste um quê de Wes Anderson na estética desta série em 8 episódios: os planos simétricos que combinam com o tema da narrativa, em que os personagens estão enquadrados no centro do quadro, ainda que ser o rigor do design de produção dos trabalhos do cineasta, assim como a narrativa em que os personagens, co-protagonistas e coadjuvante, estão além da curva do ordinário e convencional. Diria até que há certa semelhança com "Moonrise Kingdom", óbvio que não direta, mas a inspiração no relacionamento entre os James e Alyssa.
Dito isto, esta produção inglesa tem a secura e o cinismo que admiro na arte naquele país, desenvolvendo, além do confortável e tradicional, em um tom próximo do surreal e não apartado do realismo, seu tema central: a busca, no próximo, do meio para aceitar a sua própria personalidade, por mais estranha e monstruosa que esta pareça ser, na manifestação do espírito gregário humano. Em que pesem as exigências dos personagens - James precisa ser indiferente; Alyssa, irritante -, Alew Lawther consegue expressar, com pouco, a completude ao lado da parceira e emoções humanas, ennquanto Jessica Barden evidencia os "pontos fracos" da armadura que exibe para o mundo externo.
E que trilha sonora! Quando, no quinto episódio, entreouvimos a cantora francesa Françoise Hardy, é o momento de confirmar que essa história de amor universal, ainda que inusual, baseada nos quadrinhos de Charles S. Forsman, nos fisgou de vez.
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Black Mirror (4ª Temporada)
3.8 1,3K Assista AgoraBLACK MUSEUM.
O último e mais metalinguístico episódio dessa temporada é um mini-Black Mirror, tal como fora "White Christmas", ou, para ser mais preciso, uma espécie de Contos da Cripta misturado com A Origem; deste, a camada adicional acima da aparente; daquele, histórias de terror (sim!) sobre casos extremos das tecnologias em exibição. Isto sem contar na absurda quantidade de easter eggs (de "USS Callister" a "Arkangel" passando por "San Junipero" e "Hated in Nation") existentes no bizarro museu do título, colocando boa parte dos 13 episódios em um universo compartilhado.
Apesar de não gostar do significado do conceito, já que dá a impressão de que a série atingiu um estágio auto-congratulatório e auto-indulgente preocupante, a verdade é que todos os mini-episódios funcionam, estabelecendo a base para que a verdadeira trama se desenrole com toda sua potência. Comum a todos, agonia, inquietude, pânico e a sensação de que a tecnologia jamais pode estar desgarrada da ética (note, p. ex., a implicação da exclusão na parte 2 do episódio).
Até existe a sensação de que cada mini-episódio poderia render um melhor isoladamente mas, com exceção do primeiro, os demais funcionam individualmente e em conjunto, além de posar questões intrigantes sobre por que o espectador assiste a personagens (e aqui, não há diferença entre atores e construtos virtuais) sofrerem nas mãos da tecnologia, como os turistas, visitantes e frequentadores do museu. Além de tudo isto, no final das contas, quem não gosta de uma vingança, não?
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Black Mirror (4ª Temporada)
3.8 1,3K Assista AgoraMETALHEAD.
Crítica: Certas narrativas beneficiam-se do não dito ou exibido, do que existe fora do campo na imaginação do espectador, e é o caso deste episódio que nos leva a um futuro distópico em que uma equipe tem por objetivo obter algo (que saberemos ao final) para alguém (que podemos imaginar quem é).
É um futuro que casa muito bem com a fotografia preto e branca, já que suprime todas as cores em que poderíamos encontrar refúgio e devolve-nos o sombrio. Se pensarmos bem, é como se a versão canina de O Exterminador do Futuro caminhasse pelas paisagens de Mad Max, um tanto arbóreo, com ares de thriller de terror à moda antiga, em que a protagonista tenta sobreviver a um assassino incansável e cheio de recursos.
Não existe uma mensagem subliminar, senão a de que construímos para nos proteger os mesmos aparatos que irão nos destruir ou conclusões a respeito de certas passagens inexploradas (ex: o casal dentro da mansão), nem o tipo de reviravolta sobre a qual todos adoram matutar; é uma narrativa de gênero, direta, nervosa, inquietante e envolvente, que somente acha um bálsamo na imagem final, uma breve memória de uma realidade mais humana. Menos canina.
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