É interessante como, apesar das quatro horas de duração, percebemos muito mais as ausências que as presenças: é um filme que passa muito rapidamente por períodos e títulos, encontrando um bom rumo descritivo na metade final, quando insere não apenas filmes, mas também jogos, séries e programas de TV. Assisti aos quatro capítulos em dias distintos, para respeitar a divisão dos episódios: o primeiro é o mais problemático, em termos de celeridade do registro, de condensação exagerada dos eventos; o segundo promete mais do que cumpre, mas é bacana em sua exposição de projetos autorais relacionados aos estúdios, sendo que a biografia dos fundadores não recai na exposição "chapa-branca", seus erros e pecadilhos são comentados pelo narrador Morgan Freeman; o terceiro episódio talvez seja o meu favorito, no que tange à consciência de que "os tempos mudaram" e de que uma nova configuração corporativa é exigida para a sobrevivência da empresa; e o quarto é uma continuação direta dessa percepção, de modo que ficamos querendo saber mais, ver mais, assistir a tudo o que é mencionado (acerca de algumas séries, por exemplo, apesar da menção elogiosa enquanto sucesso, eu sequer ouvira falar!). É menos um documentário cinéfilo que uma homenagem conscienciosa a uma grande empresa de produção audiovisual. Serve, mas acho que eu queria mais... (WPC>)
Há décadas que anseio por ver este filme, mas, por algum motivo, não o conseguia encontrar em meios acessíveis (não consigo baixar, dependo de plataformas específicas). Um amigo disse que seu pai havia-lhe comprado um DVD lusitano. Perguntei se ele emprestava e, de repente, estava com esse tesouro em minha casa, às vésperas de um feriado prolongado. Mergulhei fervorosamente!
Apaixonado pelo Godard que sou, não concordo que esse seja o seu melhor trabalho - no sentido de que vários deles o são: como trata-se de uma cinessérie produzida ao longo de vários anos, as diferenças de contexto de produção e época estão evidentes, principalmente na passagem do capítulo 1B (que quase envereda pelo didatismo) para o 2A (que aborda precisamente o projeto, enquanto motivação de continuidade). sendo bastante sincero, assustei-me no começo, tamanha a pletora de informações superpostas. Não conseguia reconhecer todas as cenas, diálogos, músicas... Pouco a pouco, comecei a perceber como funcionava a indexação directiva. E o gozo fluiu, arrebatou-me. Ao final, quis mais!
No primeiro díptico, toda a cinefilia do diretor é assumida, em viés mui personalístico; no segundo, o diretor coteja as suas intenções com as suas possibilidades de financiamento; no terceiro, ele expõe uma tese, faz um intervenção mais ostensivamente política (e mui reconhecível, no que tange a tópicos anteriormente citados); e, no quarto, a assunção da devoção hitchcockiana, "o maior criador de formas do Século XX". Extraordinário! (WPC>)
Não sou o maior dos admiradores das duas primeiras temporadas, mas fiquei muito empolgado quando soube desta terceira temporada temporã, assumindo mais uma conexão (positivamente) imitativa em relação ao cânone singular estabelecido por "Twin Peaks". E fiquei deslumbrando frente à acurácia do cineasta na abordagem de temas contemporâneos. na discussão de vícios esquerdistas, na crítica à burocracia institucional e, claro, na guinada surrealista do terror. A entrega de Mikael Pesbrandt ao seu personagem é o carro-chefe de um elenco que não tem medo da caricaturização voluntária: diverti-me bastante com as cenas recorrentes e repetitivas, como as aparições do advogado sueco no banheiro (risos). Durante os quatro primeiros episódios, esta minissérie fílmica assumiu o posto de melhor produção de 2022, mas o desfecho é mui decepcionante, no sentido de que entrega-se a uma linearidade tramática até então ausente (e fraquíssima). A própria inserção do cineasta como partícipe justifica as suas intenções, que sabemos pervertidas há muito tempo. "Apesar de eu inclinar-me para a direita, não sugiro aos espectadores ainda acordados que façam o mesmo", diz o próprio Lars von Trier. E eu gargalhava, antes de deparar-me com aquele "tudo é roubado" preguiçoso, que trai a sua fonte lynchiana, fechando portas tramáticas, ao invés de mantê-las perene e interessantemente em aberto, como sempre foi feito. Como emocionou-me o surgimento do Irmãozão, afogando-se em suas lágrimas. Como chega em excelente momento aquela reunião satírica sobre o "processo de eluficação". Brilhante, apesar do peido na farofa derradeiro! (WPC>)
Tratar este filme como minissérie é um engodo que cineasta e empresa produtora tentaram nos empurrar, mas que não funciona na classificação deste formato seriado, visto que sequer as "seis cenas" prometidas no título são confirmadas: temos uma estória quase integralmente contígua, com uma ou outra passagem de tempo. Ou seja, a divisão em episódios não se sustenta, tem-se que ver tudo de vez, configurando o filme mais longo da carreira de Woody Allen, portanto. E, como tal, possui os defeitos característicos da fase contemporânea do cineasta: é irregular, frouxo, pouco inspirado em muitas situações e inegavelmente cansado. Mas não é ruim, não. Contrariando as previsões alarmistas, gostei tanto da participação de Miley Cyrus que até senti que ela estava improvisando os seus diálogos, de tão espontânea que a mesma parecia. Elaine May também está maravilhosa, desencadeando o núcleo mais engraçado, que é o das velhinhas burguesas do Clube do Livro que tornam-se marxistas tão afoitas quanto equivocadas (o episódio 4, neste sentido, é um primor!). O desfecho possui todas as marcas registradas do diretor-roteirista, que zomba de si mesmo em cena. Só não entendi o porquê de situar a trama na década de 1960: parecia que estávamos em cenário contemporâneo, sendo a direção de arte pouco inspirada enquanto reconstituição de época (ainda que casando-se bem com a fotografia arquetípica dos filmes do cineasta). Não cheguei a me decepcionar, já que não esperava quase nada: não apenas gargalhei eventualmente, como acho que tem muito a ver com a conjuntura política da atualidade (risos). Despretensiosamente, vale a pena! (WPC>)
Apesar das interpretações um tanto exageradas (de propósito, tudo indica) e do roteiro composto por mera colagem enciclopédica de mitos de terror, este filme é uma fofurinha: o visual é maneiro, em sua emulação frank-milleriana, e as homenagens ao personagem real mencionado no título são mui justificadas. Curti as brincadeiras com os cacoetes do 'noir' estadunidense e as imitações tarantinianas, bem adaptadas para o contexto brasileiro. Fiquei curioso para conferir a peça original, inclusive. É um filme com identidade apaixonada, que diverte bastante durante a sessão, que nos leva a querer mais (a formatação enquanto telessérie foi sagaz). Agradou-me, portanto. E não vou mentir: ri do modo como os caracteres climáticos (e aterrorizantes) de Curitiba são apresentados! (WPC>)
Antes da sessão, o pré-repúdio de praxe: para que regravar o que já era ótimo e muito contundente?!
Por mais que eu confiasse no talento dessa extraordinária dupla de atores, achei desnecessária a regravação. O mergulho no primeiro episódio, entretanto, confirmou-me que o diretor e roteirista israelense foi muito hábil na atualização: inverteu os papéis de gênero (em relação à trama anterior) e atualizou inúmeros aspectos. O amor (ou a perda dela) é secundário: o que importa mesmo são as conseqüências da submissão ao cotidiano empresarial 'high tech'. Jessica Chastain está soberba, mas há algo que dificulta a imersão no centro exato da minissérie, visto que fica a impressão de que sua personagem é comportamentalmente julgada. Mas tudo se resolve brilhantemente no derradeiro episódio: a adoção dos recursos metalingüísticos é absolutamente genial!
Meu episódio favorito foi o segundo. O terceiro e o quarto enfadam um pouco pela condução um tanto monocórdica, mas a qualidade dos diálogos é sempre superlativa e a montagem entre as "cenas" é muito coesa. Regravação de primeiríssimo quilate, quase invalidando a comparação com a obra original: são percursos radicalmente distintos, ambos maravilhosos! (WPC>)
Gosto de pensar nesta cinessérie como um conjunto de dez telefilmes, cada um com especificidades que merecem ser isoladamente julgadas. Revi o capítulo 8 na madrugada, tachado pela Crítica como o mais fraco, e gostei muito. Confesso que, sim, a trama é um tanto vaga, elidida, mas é tudo intencional: a protagonista idosa é excelente, a trilha musical de Zbigniew Preisner pontua tudo com a sutileza de sempre e as correlações com os demais episódios é ótima (a anedota moral do segundo, as conversas com o filatelista do décimo, etc.). Para quem gosta da obra de Hannah Arendt, esse filme é um primor: há muitas semelhanças com a personagem principal. E os encontros fortuitos? Maravilhosos! Amei o diálogo com o contorcionista e o angustiante plano final do (re)encontro! - WPC>
Noutro contexto (a respeito de outro filme), comentei precipitadamente que o diretor Mike Flanagan seria medíocre, e fui corrigido por diversos amigos - e, apesar de já ter me retratado, preciso declarar aqui o meu embasbacamento: o que este cara faz no segundo capítulo desta minissérie é genial! Plano-seqüência de abertura brilhante e desenvolvimento dos personagens certeiro. Achei mui aplaudível e audaciosa a estratégia de construir diálogos tão longos (afinal, necessários e justificados, conforme percebemos na atitude final de Erin, com aquela faca), mas incomodei-me - no mau sentido - com a concessão ao xaroposo nas emulações do romance platônico entre o casal central. Na verdade, achei o personagem Riley muito chato, não obstante o seu arco moral de redenção ser precioso enquanto discurso (e que se reflete em mais de um personagem). Exceto nestes momentos citados, a trilha musical é esplêndida no modo como acentua as tensões. O personagem do padre é sobremaneira complexo (evita-se por muito tempo a lógica da vilanização) e só perde um pouco de seu interesse quando estranhamente alia-se à estereotipada e malevolente Beverly. Isso estraga um pouco o ritmo dos penúltimos capítulos, mas o desfecho é bonito, a mensagem crente é transmitida. As demoradas seqüências das missas são primorosas (dá até vontade de assistir novamente) e os acertos do roteiro e da direção são numerosos. Após muita originalidade na distribuição das relações entre os ilhéus, a minissérie (ou filme de sete horas) cede às convenções 'pop' do gênero. Mas já era tarde: gostei muitíssimo, aplaudo de pé. O personagem do xerife é muito, muito importante. Ótimo. Elenco muitíssimo bem escolhido e adequado! (WPC>)
Não sabia que o diretor/idealizador era o mesmo camarada responsável pelo ótimo INVASÃO ZUMBI (e por sua difamada continuação, que ainda não vi). Isso explica o padrão mui qualitativo do roteiro e a tendência exacerbada ao melodrama, dentro do contexto de terror. Achei as situações de tortura fortíssimas e os dilemas institucionais e políticos muito assemelhados à situação desastrosa que vivemos aqui no Brasil. Perdi recentemente um amigo para a Igreja Universal e achei o processo de lavagem cerebral mostrado nesta minissérie muito semelhante ao que testemunhei pessoalmente, o que depõe em favor deste ótimo produto audiovisual. Pena que o derradeiro capítulo seja tão inferior: depois de erigir cenas muito intensas de violência e tensão, o desfecho desanda para a estereotipia vilanesca, com uma resolução previsível em muitos aspectos, ainda que moralmente acalentadora. Seja como for, gostei bastante e recomendo enfaticamente! (WPC>)
Depois de perceber-me cercado por apreciadores obsessivos desta minissérie, resolvi ceder: convidei a minha mãe para assistir aos nove capítulos ao meu lado (um por dia, claro) e admito, é muito boa. Tem alguns momentos irregulares, quando cede à chantagem emocional recorrente - sob o âmbito familiar, claro - e a um humor eventualmente inconveniente. O protagonista é insuportável e, infelizmente, o seu arco (ou melhor, ciclo) narrativo é previsível. Os demais personagens são muito bem constituídos, não obstante redundarem num discurso niilista ou forçadamente pessimista: San-Woo é fascinante na maior parte do tempo, o policial é belíssimo e a norte-coreana mereceu a minha torcida. Ok, o velhinho e o paquistanês são personagens simpáticos e extraem boas emoções no sétimo episódio. Achei o desfecho decepcionante, mas o roteiro é coeso e, como todos os episódios foram escritos e dirigidos pela mesma pessoa, considerarei esta minissérie como filme mesmo. Mesmo quando irregular, o ritmo é atrativo e os clímaces de violência são impactantes: a longa seqüência da ponte, caramba! Serei sincero: vale a pena! (WPC>)
Sou muito desconfiado quanto à produção de sucessos da Netflix e evito conferir muitas produções que destacam-se pelo excesso de auê. Esperei quase um ano antes de mergulhar nessa trama seriada (vencedora de importantes prêmios Emmy - o que influenciou-me definitivamente, confesso) e não decepcionei-me: ouso concordar que, de fato, é um dos melhores e mais coesos trabalhos da plataforma. Exceto por uma deixa entre o primeiro e o segundo episódios, a narrativa evolui de maneira sutil, graciosa, sem muitos arroubos A protagonista está excelente, o trabalho de coadjuvação de Marielle Heller é sublime e o roteiro é repleto de acertos, no sentido de que a minissérie serve a diversos intentos simultâneos: para quem gosta (ou não) de xadrez, para quem é depressivo, para quem tem tendência ao alcoolismo, para quem é feminista, para quem se interessa pela história da Guerra Fria, para quem já se sentiu abandonado, para quem amou e não foi amado... A trilha musical original de Carlos Rafael Rivera é linda e composta por variações antológicas de acompanhamento tensional/emocional. Os encontros masculinos da protagonista são decisivos e os relacionamentos que ela estabelece são primorosos. Cheguei a lacrimejar num momento decisivo do derradeiro episódio. Muitíssimo bem dirigida e encantadora em sua simplicidade evocada - ainda que não seja o caso, em termos produtivos. Uma aula de dedicação e afeto. Superação! (WPC>)
No início, eu estava tão incomodado com o filme que precisei perguntar a um amigo fã do diretor se a obra tinha funcionado com ele. A resposta: "é um filme de butique, Wesley!". Apesar de ser lançado como minissérie e de ter três horas e meia de duração, é tudo tão coeso e coerente que a classificação adequada é essa mesma: filme. Mas a divisão em episódios é necessária: há algo de tão problemático nas declarações politicamente incorretas da Fran Lebowitz que precisamos respirar entre um capítulo e outro. O modo como ela fala sobre a cidade titular resvala em xenofobia e presunções classistas. O modo como ela refere-se à classe operária é hediondo. As gargalhadas de Martin Scorsese durante os seus chistes espirituosos e misantropos beiram o constrangedor. Mas quando o diretor apresenta a escritora como alguém sério, erudito e feminista (defendendo com muito conhecimento de causa o movimento #MeToo), o filme cresce bastante. Os episódios 1 e 3 são irritantes e decepcionantes, mas as concepções culturais da entrevistada, as reflexões sobre as questões geracionais, as suas opiniões sobre os males da paixão por dinheiro e, principalmente, a exposição de sua vasta biblioteca são fascinantes. Ao desfecho, senti que o filme funcionou bastante, ainda que eu não tenha gostado tanto do conjunto. Por mais sagaz e divertida que seja a personagem real, conviver com ela deve ser difícil: as seqüências em que ela é mostrada passeando mal-humorada pelas ruas são agressivas, julgamentais, não provocaram-me bons sentimentos. Imaginei, por vezes, o Woody Allen dirigindo este filme. Gostei das contradições trazidas à tona no bate-papo com o Spike Lee. Há muito a ser lembrado e comentado sobre este documentário, mas gostar da Fran, enquanto humorista, não parece tarefa fácil. Fiquei com vontade (não agora) de ler algum de seus livros. E tenho medo de parecer tão elitista quanto ela neste comentário: na pior das hipóteses, o filme funciona enquanto contra-exemplo. "Olha só como é complicado ser um intelectual". Voltarei a ele, certeza! (WPC>)
Há muito tempo que anseio por descobrir esta minissérie maravilhosa: desde que o saudoso Arlindo Machado a elegeu como o trabalho televisivo mais importante de todos os tempos que nutro curiosidade, inclusive porque Peter Greenaway era um dos cineastas favoritos de minha infância. Fez jus ao meu favoritismo passional aqui: a montagem é maravilhosa e a poesia é apresentada com um didatismo mui aplaudível. Li o livro original faz muito tempo, e apressadamente, de modo que achei tudo muito hermético. Nesta versão, tal impressão é corrigida pelas explicações mui pertinazes dos especialistas acadêmicos. John Gielgud é um Virgílio sublime (quem me dera conhecê-lo algum dia) e a direção de arte é esplendorosa, repleto das pessoas nuas que o diretor tanto aprecia. Adorei! (WPC>)
A protagonista é maravilhosa: fiquei apaixonado pela personagem-título e pelo modo desenvolto como as situações ocorrem ao redor dela. As interpretações são muito espontâneas e, apesar da situação de opressão enfrentada por Gilda, o tratamento do roteiro é leve, agradável, inebriante... Até que a metade final do terceiro episódio modifica bruscamente a história, e entrega um desenvolvimento que diz muito sobre a situação atual das milícias cariocas e sobre o desgoverno brasileiro como um todo. O radical antibolsonarismo do diretor - de toda a equipe do filme, em verdade - é sobremaneira evidente, mas não gostei muito da (necessária) metáfora final de empoderamento feminino. Pareceu-me um anticlímax utópico, com uma envergadura discursiva mais explícita e distante da naturalidade que associo ao ótimo cinema deste diretor. Seja como for, uma minissérie muito contundente e sensual, repleta de ternura (vide os momentos familiares no capítulo 3). Muito, muito bonito: por mais que eu tenha frustrado-me um tantinho no derradeiro capítulo, fiquei apaixonado por Gilda. Eis o que sempre quis ser: espero estar chegando ao menos perto! <3 (WPC>)
Incrível, incrível, incrível! Demorei bastante para assistir à minissérie em sua integralidade e, a despeito de aceitá-la como longuíssima-metragem, precisei obedecer à estrutura capitular e respirar: as tragédias e clímaces acontecem de meia em meia-hora. O elenco está irrepreensível (todo ele!) e a trilha musical de Henry Mancini gruda em nossos corações. Incomodei-me com o início do arco narrativo envolvendo a personagem de Mare Winningham, mas foi justamete ela quem fez-me chorar! Jean Simmons está sublime e Barbara Stanwyck está divina (ou demoníaca?). Richard Chamberlain talvez esteja hiperestimado, mas dá muito bem conta do recado, ao contrário de Rachel Ward, que talvez seja a interpretação que menos cativou-me. Fiquei pensando em muitas questões éticas ao longo da audiência:
será que a paixão de Ralph por Maggie não envolveria também questões pedofílicas, afinal manifestas numa seqüência posterior de comunhão da Hóstia consagrada? Por que os irmãos de Maggie nunca casaram? Frank foi esquecido na prisão, de fato, até morrer?
Há muita coisa nas entrelinhas tramáticas e é realmente impressionante como não há tempos mortos na narrativa: são oito horas de ação (melo)dramática intensiva. Adorei com a vida! Quase fiquei com vontade de ler o romance original: deve ser imeeeeeenso! (risos) - WPC>
Fiquei destroçado por causa da telessérie e adentrei a sessão deste episódio especial - praticamente um média-metragem - tendendo a achá-lo oportunista. De fato, pode ser conferido por quem não conferiu o restante dos episódios, ainda que a primeira metade faça referência explícita a outros personagens. De repente, há uma telefonema, a audição a uma canção que veio numa mensagem de WhatsApp... e, meu Deus, quanta dramaticidade! Os dois atores estão ótimos, sendo que Zendaya é pura força da natureza. Além de linda e muito expressiva. Não obstante certa teatralidade de alguns momentos, o filme não é cansativo: os diálogos são maravilhosos, ainda que careçam recorrer à inevitabilidade aconselhadora do tom de autoajuda. Que chega-nos no melhor momento. No mais oportuno deles, para desconfirmar a minha impressão inicial. Muito bom! Há algo de forçado na execução da "Ave Maria", mas é compreensível que ela surja ali... (WPC>)
Ainda que tenha sido lançado como minissérie televisiva, os méritos cinematográficos são imensos. Por algum motivo, não sabia de sua feitura e o encontrei casualmente numa transmissão do Canal Brasil, numa madrugada aleatória. Fiquei deslumbrado: o roteiro é ótimo, os diálogos impressionam, a composição dos personagens é intensa e algumas interpretações chamam a atenção pelo vigor eminentemente nordestino (Alberto Pires é um vilão monstruoso e hipnótico; Marcélia Cartaxo demora para aparecer em cena, mas, quando o faz, brilha; e Jesuíta Barbosa convence bastante e, felizmente, tira muito a roupa!). Em termos técnicos, o filme é deslumbrante, com ênfase elogiosa para a soberba trilha musical de Dj Dolores. Não dá para saber onde um e outro diretor tomam controle das situações filmadas, mas gosto bem mais do Hilton Lacerda que do Lírio Ferreira, e atribuo ao primeiro os melhores momentos do telefilme. O entrelaçamento de diversos contos de autores diferentes num mesmo enredo foi um detalhe genial, apresentando sintomas de incoesão apenas no quarto episódio, lamentavelmente inferior aos demais, como se estivesse apenas entulhando seqüências isoladas que enfadam pelo excesso, o ritmo se esvai... No primeiro episódio, o tom de apresentação narrativa e a adoção de um benfazejo realismo mágico; no segundo, meu favorito, a grandiloqüência do sexo enquanto tônico vital e desencadeador de tragédias; no terceiro, adaptado do sergipano Antônio Carlos Viana, meu genial conterrâneo falecido há alguns anos, o deslumbramento da crônica rural, em termos nordestinamente autocríticos; em relação à decepção no quarto episódio, já falei algo; e, quanto ao epílogo, a reiteração de alguns filosofemas anteriores (agora melhor justificados nos mantras desobedientes dos personagens) e o desfecho em aberto, como ocorre nos bons contos brasileiros. Uma gratíssima surpresa esta minissérie: que seja mais conhecida daqui por diante. Está disponível via GloboPlay! (WPC>)
Num primeiro momento, pensei em analisar cada projeto autoral isoladamente, mas logo compreendi que a análise funciona melhor levando-se em consideração o caráter de filme em episódios. Por conta da ansiedade, vi o curtinha da Naomi Kawase antes, mas não se sustenta isoladamente. Em conjunto, por sua vez, o impacto foi redimensionado!
A grande maioria dos curtinhas não funciona, mas os acertos funcionam. Amei o episódio musical do Sebastián Lelio (sobre "tédio e masturbação" e aquilo que fazemos para sobreviver: é preciso cantar!) e apaixonei-me pela multiplicação de afazeres do Sebastian Schipper e pelo enfrentamento apocalíptico proposto pela Maggie Gyllenhaal. Identifiquei-me, no pior sentido do termo, com a aflição insone da Kristen Stewart e apreciei muito o realismo mágico do Antonio Campos (ainda que seja o que menos tem a ver com o projeto). O questionamento sobre essencialidade do David Mackenzie é ótimo e a (re)descoberta da vida familiar via filhos da Gurinder Chadha encanta-nos. O episódio de Rungano Nyoni é cansativo, mas tem muito a ver com o nosso dia a dia virtual, e Johnny Ma acerta em cheio no compartilhamento da receita dos bolinhos de sua avó (além de ele em si ser muito bonito). Paolo Sorretino usa um humor tautológico para lidar com o enfado e Pablo Larraín subverte cômica e cinicamente os reencontros remotos de amor eterno. A filha de Natalia Beristain é fofíssima e a filha de Nadine Labaki e Khaled Mouzannar é uma artista nata e multilíngue (impressionante, que imaginação!). Ladj Ly foi inventivo na ampliação protestante da cena-chave de seu recente longa-metragem e Rachel Morrison instaurou-me um ódio intensificado contra a sua litania sobre a necessidade de reconhecer os privilégios classistas, urgh! O episódio de Ana Lily Amirpour é ingênuo e deslumbrado, mas dá um fecho legal ao conjunto coeso, felizmente. Ao final, é uma experiência bacana de audiência relativamente especular sobre o mal-estar contemporâneo coletivamente enfrentado! (WPC>)
Não confio na Netflix. Tenho problemas morais de larga escala em relação às suas produções originais e, como tal, passei muito tempo até mergulhar neste excelente documentário. Graças a uma madrugada insone, vi o primeiro episódio e fiquei absolutamente encantado!
Desenvolvo uma relação ambígua com os filmes da série "Por que Lutamos" há muito tempo, mas não sabia que apenas sete deles estão vinculados a esta categorização. Os demais são obras independentes, conforme aprendi no documentário, que é igualmente histórico, cinefílico e mui emocionante. Senti falta de menções ao Anatole Litvak, mas, venhamos e convenhamos, ele não se compara à gradeza oscarizável dos cinco cineastas abordados.
Achei magnífico o recurso escolhido para narração compartilhada de impressões sobre os cineastas: diretores contemporâneos louvam os méritos do passado. Lawrence Kasdan e Francis Ford Coppola são bastante respeitosos em relação ao George Stevens e John Huston, respectivamente. Mas quem nos impressiona pela pujança de suas falas são: a identificação transversal de Guillermo Del Toro em relação às peripécias imigrantes do ambíguo democrata Frank Capra; a criticidade consciente de Paul Greengrass em relação ao gênio forte de John Ford; e, sobretudo, a emoção suprema dos traços em comum entre Steven Spielberg e o lendário William Wyler.
Há muitas anedotas de produção e bastidores hollywoodianos desvendadas no filme e cenas maravilhosas de grandes clássicos utilizadas para demonstrar a habilidade superior dos cineastas em pauta. Fiquei encantado ao longo das mais de três horas fluídas deste belíssimo filme. Quiçá a melhor e mais apaixonante produção original Netflix. Amei! (WPC>)
Começa muitíssimo bem: Matheus Nachtergaele está soberbo como o protagonista (inúmeras vezes esqueci que era ele quem estava em cena) e a química entre os coadjuvantes é magistral, emulando o espírito de camaradagem existente entre os abnegados cinematográficos da Boca do Lixo. Para que conhece pouco sobre o personagem real, é uma ótima biografia, mas, para quem sabe um pouco mais sobre a sua trajetória intermitente de sucessos decepciona o inexplicável sobejo de condensações de personagens e situações ao redor do protagonista, que não é higienizado, conforme acontece tipicamente em biografias, ainda que as supressões factuais sejam horrendas. O que fazem com a primeira esposa do Mojica (anulada por completo), com os cineastas famosos que o apoiaram (Person, Reichenbach, Glauber) e com a cronologia (o pai não morre, a disputa política é antecipada, etc.) estraga o que poderia ser um magnífico exemplar do subgênero no Brasil, quiçá a cinebiografia mais digna realizada nos últimos anos. Elenco, direção, trilha musical e intenções excelentes, mas o roteiro duvidoso estraga o resultado final, sumamente incoerente do meio para o final... (WPC>)
Em mais de um momento, a trilha musical badalamentiana conduz-nos ao choro - ou a algo próximo dele. As seqüências de descoberta/comunicação da morte de Laura Paulmer são dramaticamente intensas, pungentes ao extremo. Mas o filme (refiro-me ao piloto da série) ainda tem suspense e muito senso de humor.
Elenco impecável, composição de personagens idem. É difícil escolher um favorito, de tão entrosado que todo mundo está. Mas... Como não torcer pela Donna? Como não surtar junto à Grace Zabriskie?
Genial ponto de partida para uma série irregular, mas genial enquanto proposta! (WPC>)
Há muito que amigos confiáveis e mui queridos insistiam para que eu conferisse este anime. Cedi finalmente às pressões positivas e, desde o primeiro episódio, apreciei bastante o que vi. Demorei um pouco para juntar os dados e tentar compreender a situação científica que motivava os embates entre EVAs e Anjos. Mas logo constatei que isso era o de menos, mero 'mcguffin' hipnótico para as gerações desavisadas: trata-se de um verdadeiro tratado de socialização adolescente, uma abordagem magnífica dos substratos depressivos em diferentes escalas, todas influenciadas pelas pressões atrozes do capitalismo. Shiji é um personagem mui gracioso e Misato é um ideal a ser seguido. Asuka é insuportável desde a primeira aparição, mas possui uma função bem definida na narrativa, enquanto Mei angustia-nos por sua perene postura merencória. Os companheiros de descola de Shinji ão divertidos e verossímeis e a surpresa escandalosa dos dois episódios finais deixou-me em estado de choque: absolutamente genial! É óbvio que o diretor aprecia cineastas como Jean-Luc Godard e Andrei Tarkovski. São nítidas as influências estilísticas no tom de ficção científica existencial do 'anime'. Mas nada preparou-me para o sobejo de magistralidade e emoção contido no personagem Kaworu: apaixonei-me por ele de imediato. uau! Montagem, roteiro, trilha musical, tudo é perfeito nesta verdadeira obra-prima 'pop' de final de século. Um único porém talvez esteja no aspecto redundante das batalhas, que, desviantes ou não, sempre causam um suspense previsível: são resolvidas nos derradeiros instantes, o que cansa um pouco quanto maratonamos a série, como eu fiz. seja como for, para mim, é um filmaço. Fiquei deslumbrado: este diretor é um gênio da psicanálise cotidiana. Que aula de enfrentamento íntimo da depressão e da sexualidade incontida. Genial! (WPC>)
Desconfiei da precoce canonização militante desta diretora desde que ela tornou-se conhecida por uma cinebiografia que incomoda pelo tom condescendente e para-hagiográfico. Em sua incursão documental, o didatismo de cariz estatístico incomoda também, ainda que ela obtenha êxito na comunicação de seus propósitos discursivos em larga escala. Quando soube de todo o auê crítico concedido a esta minissérie - ainda não vi o filme de ficção científica que todos odeiam! - desconfiei ainda mais. Porém, a trama era ótima, resolvi arriscar: e não me decepcionei. Começa um tanto piegas - ainda que justificadamente - e possui um segundo capítulo que repete todos os esperados clichês de "filmes de tribunal", mas é sempre agradável de ser visto, por mais que a trama seja atroz em seu realismo desolador. Entretanto, é nos terceiro e quarto capítulos que a cineasta mereceu a minha adesão espectatorial efusiva: as elipses impressionantes em relação ao convívio prisional dos cinco rapazes demonstrou uma segurança impressionante enquanto condução roteirística de um projeto muito pessoal. A Ava sabia minuciosamente o que queria atingir e provocar aqui - e consegue! Fiquei atordoado, baqueado, chocado com o testemunho de injustiça - infelizmente, comum - apresentado melodramaticamente (mas não apenas). Ótimo. Não obstante ser classificada como minissérie, o marcarei como filme mesmo - e periga estar entre os melhores lançamentos de 2019, uau! (WPC>)
Já tinha tentando ver este filme inúmeras vezes, mas o ritmo moroso e a narração empostada incomodavam-me. Possuo o livro e gosto bastante: inclusive, aplaudo de pé a sua verve contra-hegemônica, que acrescenta dados omitidos ideologicamente à saga diacrônica da Sétima Arte. No filme, entretanto, as omissões prejudicam o resultado final (Maya Deren, Takeshi Kitano, Blake Edwards, Carlos Saura e Ruy Guerra são alguns dos ignorados, apenas para ficar em nomes que aprecio mui pessoalmente). Algumas entrevistas são excessivamente longas (Baz Luhrmann, Paul Schrader, Robert Towne e Lars von Trier, principalmente) e o diretor insiste em estragar interpretativamente os finais de diversos filmes: soa obsessivo, em dado momento.
O epílogo é vexatório, a insistência em falar sobre "o gorila da inovação" soou forçada, bem como a nostalgia hierarquizante do celulóide, mas é inegável que o filme é precioso enquanto relato, principalmente no capítulo em que aborda o Terceiro Cinema de maneira enfática ou quando deslumbra-se pela militância cotidiana do cinema oitentista. Mas a pendenga mal-resolvida do diretor em relação ao cinema hollywoodiano prejudica a apreciação geral (sua definição de "clássico" nem sempre funciona).
Seja como for, é obrigatório tanto para calouros quanto para veteranos, para iniciantes e iniciados, para amantes da Sétima Arte em todo e qualquer grau: valeu muitíssimo a pena ao final - e o melhor: estive sublimemente acompanhado ao longo das cinco sessões de três exibidas publicamente, na Universidade em que estudo. Foi lindo!
(quase o favoritei, mas o desfecho tacanho realmente pôs muita coisa a perder - chuif!) - WPC>
100 Anos da Warner Bros.
3.7 9 Assista AgoraÉ interessante como, apesar das quatro horas de duração, percebemos muito mais as ausências que as presenças: é um filme que passa muito rapidamente por períodos e títulos, encontrando um bom rumo descritivo na metade final, quando insere não apenas filmes, mas também jogos, séries e programas de TV. Assisti aos quatro capítulos em dias distintos, para respeitar a divisão dos episódios: o primeiro é o mais problemático, em termos de celeridade do registro, de condensação exagerada dos eventos; o segundo promete mais do que cumpre, mas é bacana em sua exposição de projetos autorais relacionados aos estúdios, sendo que a biografia dos fundadores não recai na exposição "chapa-branca", seus erros e pecadilhos são comentados pelo narrador Morgan Freeman; o terceiro episódio talvez seja o meu favorito, no que tange à consciência de que "os tempos mudaram" e de que uma nova configuração corporativa é exigida para a sobrevivência da empresa; e o quarto é uma continuação direta dessa percepção, de modo que ficamos querendo saber mais, ver mais, assistir a tudo o que é mencionado (acerca de algumas séries, por exemplo, apesar da menção elogiosa enquanto sucesso, eu sequer ouvira falar!). É menos um documentário cinéfilo que uma homenagem conscienciosa a uma grande empresa de produção audiovisual. Serve, mas acho que eu queria mais... (WPC>)
História(s) do Cinema
4.2 19Há décadas que anseio por ver este filme, mas, por algum motivo, não o conseguia encontrar em meios acessíveis (não consigo baixar, dependo de plataformas específicas). Um amigo disse que seu pai havia-lhe comprado um DVD lusitano. Perguntei se ele emprestava e, de repente, estava com esse tesouro em minha casa, às vésperas de um feriado prolongado. Mergulhei fervorosamente!
Apaixonado pelo Godard que sou, não concordo que esse seja o seu melhor trabalho - no sentido de que vários deles o são: como trata-se de uma cinessérie produzida ao longo de vários anos, as diferenças de contexto de produção e época estão evidentes, principalmente na passagem do capítulo 1B (que quase envereda pelo didatismo) para o 2A (que aborda precisamente o projeto, enquanto motivação de continuidade). sendo bastante sincero, assustei-me no começo, tamanha a pletora de informações superpostas. Não conseguia reconhecer todas as cenas, diálogos, músicas... Pouco a pouco, comecei a perceber como funcionava a indexação directiva. E o gozo fluiu, arrebatou-me. Ao final, quis mais!
No primeiro díptico, toda a cinefilia do diretor é assumida, em viés mui personalístico; no segundo, o diretor coteja as suas intenções com as suas possibilidades de financiamento; no terceiro, ele expõe uma tese, faz um intervenção mais ostensivamente política (e mui reconhecível, no que tange a tópicos anteriormente citados); e, no quarto, a assunção da devoção hitchcockiana, "o maior criador de formas do Século XX". Extraordinário! (WPC>)
O Reino Exodus
3.5 10 Assista AgoraNão sou o maior dos admiradores das duas primeiras temporadas, mas fiquei muito empolgado quando soube desta terceira temporada temporã, assumindo mais uma conexão (positivamente) imitativa em relação ao cânone singular estabelecido por "Twin Peaks". E fiquei deslumbrando frente à acurácia do cineasta na abordagem de temas contemporâneos. na discussão de vícios esquerdistas, na crítica à burocracia institucional e, claro, na guinada surrealista do terror. A entrega de Mikael Pesbrandt ao seu personagem é o carro-chefe de um elenco que não tem medo da caricaturização voluntária: diverti-me bastante com as cenas recorrentes e repetitivas, como as aparições do advogado sueco no banheiro (risos). Durante os quatro primeiros episódios, esta minissérie fílmica assumiu o posto de melhor produção de 2022, mas o desfecho é mui decepcionante, no sentido de que entrega-se a uma linearidade tramática até então ausente (e fraquíssima). A própria inserção do cineasta como partícipe justifica as suas intenções, que sabemos pervertidas há muito tempo. "Apesar de eu inclinar-me para a direita, não sugiro aos espectadores ainda acordados que façam o mesmo", diz o próprio Lars von Trier. E eu gargalhava, antes de deparar-me com aquele "tudo é roubado" preguiçoso, que trai a sua fonte lynchiana, fechando portas tramáticas, ao invés de mantê-las perene e interessantemente em aberto, como sempre foi feito. Como emocionou-me o surgimento do Irmãozão, afogando-se em suas lágrimas. Como chega em excelente momento aquela reunião satírica sobre o "processo de eluficação". Brilhante, apesar do peido na farofa derradeiro! (WPC>)
Crise em Seis Cenas
3.5 61 Assista AgoraTratar este filme como minissérie é um engodo que cineasta e empresa produtora tentaram nos empurrar, mas que não funciona na classificação deste formato seriado, visto que sequer as "seis cenas" prometidas no título são confirmadas: temos uma estória quase integralmente contígua, com uma ou outra passagem de tempo. Ou seja, a divisão em episódios não se sustenta, tem-se que ver tudo de vez, configurando o filme mais longo da carreira de Woody Allen, portanto. E, como tal, possui os defeitos característicos da fase contemporânea do cineasta: é irregular, frouxo, pouco inspirado em muitas situações e inegavelmente cansado. Mas não é ruim, não. Contrariando as previsões alarmistas, gostei tanto da participação de Miley Cyrus que até senti que ela estava improvisando os seus diálogos, de tão espontânea que a mesma parecia. Elaine May também está maravilhosa, desencadeando o núcleo mais engraçado, que é o das velhinhas burguesas do Clube do Livro que tornam-se marxistas tão afoitas quanto equivocadas (o episódio 4, neste sentido, é um primor!). O desfecho possui todas as marcas registradas do diretor-roteirista, que zomba de si mesmo em cena. Só não entendi o porquê de situar a trama na década de 1960: parecia que estávamos em cenário contemporâneo, sendo a direção de arte pouco inspirada enquanto reconstituição de época (ainda que casando-se bem com a fotografia arquetípica dos filmes do cineasta). Não cheguei a me decepcionar, já que não esperava quase nada: não apenas gargalhei eventualmente, como acho que tem muito a ver com a conjuntura política da atualidade (risos). Despretensiosamente, vale a pena! (WPC>)
A Macabra Biblioteca do Dr. Lucchetti
3.1 3Apesar das interpretações um tanto exageradas (de propósito, tudo indica) e do roteiro composto por mera colagem enciclopédica de mitos de terror, este filme é uma fofurinha: o visual é maneiro, em sua emulação frank-milleriana, e as homenagens ao personagem real mencionado no título são mui justificadas. Curti as brincadeiras com os cacoetes do 'noir' estadunidense e as imitações tarantinianas, bem adaptadas para o contexto brasileiro. Fiquei curioso para conferir a peça original, inclusive. É um filme com identidade apaixonada, que diverte bastante durante a sessão, que nos leva a querer mais (a formatação enquanto telessérie foi sagaz). Agradou-me, portanto. E não vou mentir: ri do modo como os caracteres climáticos (e aterrorizantes) de Curitiba são apresentados! (WPC>)
Cenas de um Casamento
4.3 198 Assista AgoraAntes da sessão, o pré-repúdio de praxe: para que regravar o que já era ótimo e muito contundente?!
Por mais que eu confiasse no talento dessa extraordinária dupla de atores, achei desnecessária a regravação. O mergulho no primeiro episódio, entretanto, confirmou-me que o diretor e roteirista israelense foi muito hábil na atualização: inverteu os papéis de gênero (em relação à trama anterior) e atualizou inúmeros aspectos. O amor (ou a perda dela) é secundário: o que importa mesmo são as conseqüências da submissão ao cotidiano empresarial 'high tech'. Jessica Chastain está soberba, mas há algo que dificulta a imersão no centro exato da minissérie, visto que fica a impressão de que sua personagem é comportamentalmente julgada. Mas tudo se resolve brilhantemente no derradeiro episódio: a adoção dos recursos metalingüísticos é absolutamente genial!
Meu episódio favorito foi o segundo. O terceiro e o quarto enfadam um pouco pela condução um tanto monocórdica, mas a qualidade dos diálogos é sempre superlativa e a montagem entre as "cenas" é muito coesa. Regravação de primeiríssimo quilate, quase invalidando a comparação com a obra original: são percursos radicalmente distintos, ambos maravilhosos! (WPC>)
O Decálogo
4.7 108Gosto de pensar nesta cinessérie como um conjunto de dez telefilmes, cada um com especificidades que merecem ser isoladamente julgadas. Revi o capítulo 8 na madrugada, tachado pela Crítica como o mais fraco, e gostei muito. Confesso que, sim, a trama é um tanto vaga, elidida, mas é tudo intencional: a protagonista idosa é excelente, a trilha musical de Zbigniew Preisner pontua tudo com a sutileza de sempre e as correlações com os demais episódios é ótima (a anedota moral do segundo, as conversas com o filatelista do décimo, etc.). Para quem gosta da obra de Hannah Arendt, esse filme é um primor: há muitas semelhanças com a personagem principal. E os encontros fortuitos? Maravilhosos! Amei o diálogo com o contorcionista e o angustiante plano final do (re)encontro! - WPC>
Missa da Meia-Noite
3.9 730Noutro contexto (a respeito de outro filme), comentei precipitadamente que o diretor Mike Flanagan seria medíocre, e fui corrigido por diversos amigos - e, apesar de já ter me retratado, preciso declarar aqui o meu embasbacamento: o que este cara faz no segundo capítulo desta minissérie é genial! Plano-seqüência de abertura brilhante e desenvolvimento dos personagens certeiro. Achei mui aplaudível e audaciosa a estratégia de construir diálogos tão longos (afinal, necessários e justificados, conforme percebemos na atitude final de Erin, com aquela faca), mas incomodei-me - no mau sentido - com a concessão ao xaroposo nas emulações do romance platônico entre o casal central. Na verdade, achei o personagem Riley muito chato, não obstante o seu arco moral de redenção ser precioso enquanto discurso (e que se reflete em mais de um personagem). Exceto nestes momentos citados, a trilha musical é esplêndida no modo como acentua as tensões. O personagem do padre é sobremaneira complexo (evita-se por muito tempo a lógica da vilanização) e só perde um pouco de seu interesse quando estranhamente alia-se à estereotipada e malevolente Beverly. Isso estraga um pouco o ritmo dos penúltimos capítulos, mas o desfecho é bonito, a mensagem crente é transmitida. As demoradas seqüências das missas são primorosas (dá até vontade de assistir novamente) e os acertos do roteiro e da direção são numerosos. Após muita originalidade na distribuição das relações entre os ilhéus, a minissérie (ou filme de sete horas) cede às convenções 'pop' do gênero. Mas já era tarde: gostei muitíssimo, aplaudo de pé. O personagem do xerife é muito, muito importante. Ótimo. Elenco muitíssimo bem escolhido e adequado! (WPC>)
Profecia do Inferno (1ª Temporada)
3.6 172 Assista AgoraNão sabia que o diretor/idealizador era o mesmo camarada responsável pelo ótimo INVASÃO ZUMBI (e por sua difamada continuação, que ainda não vi). Isso explica o padrão mui qualitativo do roteiro e a tendência exacerbada ao melodrama, dentro do contexto de terror. Achei as situações de tortura fortíssimas e os dilemas institucionais e políticos muito assemelhados à situação desastrosa que vivemos aqui no Brasil. Perdi recentemente um amigo para a Igreja Universal e achei o processo de lavagem cerebral mostrado nesta minissérie muito semelhante ao que testemunhei pessoalmente, o que depõe em favor deste ótimo produto audiovisual. Pena que o derradeiro capítulo seja tão inferior: depois de erigir cenas muito intensas de violência e tensão, o desfecho desanda para a estereotipia vilanesca, com uma resolução previsível em muitos aspectos, ainda que moralmente acalentadora. Seja como for, gostei bastante e recomendo enfaticamente! (WPC>)
Round 6 (1ª Temporada)
4.0 1,2K Assista AgoraDepois de perceber-me cercado por apreciadores obsessivos desta minissérie, resolvi ceder: convidei a minha mãe para assistir aos nove capítulos ao meu lado (um por dia, claro) e admito, é muito boa. Tem alguns momentos irregulares, quando cede à chantagem emocional recorrente - sob o âmbito familiar, claro - e a um humor eventualmente inconveniente. O protagonista é insuportável e, infelizmente, o seu arco (ou melhor, ciclo) narrativo é previsível. Os demais personagens são muito bem constituídos, não obstante redundarem num discurso niilista ou forçadamente pessimista: San-Woo é fascinante na maior parte do tempo, o policial é belíssimo e a norte-coreana mereceu a minha torcida. Ok, o velhinho e o paquistanês são personagens simpáticos e extraem boas emoções no sétimo episódio. Achei o desfecho decepcionante, mas o roteiro é coeso e, como todos os episódios foram escritos e dirigidos pela mesma pessoa, considerarei esta minissérie como filme mesmo. Mesmo quando irregular, o ritmo é atrativo e os clímaces de violência são impactantes: a longa seqüência da ponte, caramba! Serei sincero: vale a pena! (WPC>)
O Gambito da Rainha
4.4 931 Assista AgoraSou muito desconfiado quanto à produção de sucessos da Netflix e evito conferir muitas produções que destacam-se pelo excesso de auê. Esperei quase um ano antes de mergulhar nessa trama seriada (vencedora de importantes prêmios Emmy - o que influenciou-me definitivamente, confesso) e não decepcionei-me: ouso concordar que, de fato, é um dos melhores e mais coesos trabalhos da plataforma. Exceto por uma deixa entre o primeiro e o segundo episódios, a narrativa evolui de maneira sutil, graciosa, sem muitos arroubos A protagonista está excelente, o trabalho de coadjuvação de Marielle Heller é sublime e o roteiro é repleto de acertos, no sentido de que a minissérie serve a diversos intentos simultâneos: para quem gosta (ou não) de xadrez, para quem é depressivo, para quem tem tendência ao alcoolismo, para quem é feminista, para quem se interessa pela história da Guerra Fria, para quem já se sentiu abandonado, para quem amou e não foi amado... A trilha musical original de Carlos Rafael Rivera é linda e composta por variações antológicas de acompanhamento tensional/emocional. Os encontros masculinos da protagonista são decisivos e os relacionamentos que ela estabelece são primorosos. Cheguei a lacrimejar num momento decisivo do derradeiro episódio. Muitíssimo bem dirigida e encantadora em sua simplicidade evocada - ainda que não seja o caso, em termos produtivos. Uma aula de dedicação e afeto. Superação! (WPC>)
Faz de Conta que NY é uma Cidade
4.2 30 Assista AgoraNo início, eu estava tão incomodado com o filme que precisei perguntar a um amigo fã do diretor se a obra tinha funcionado com ele. A resposta: "é um filme de butique, Wesley!". Apesar de ser lançado como minissérie e de ter três horas e meia de duração, é tudo tão coeso e coerente que a classificação adequada é essa mesma: filme. Mas a divisão em episódios é necessária: há algo de tão problemático nas declarações politicamente incorretas da Fran Lebowitz que precisamos respirar entre um capítulo e outro. O modo como ela fala sobre a cidade titular resvala em xenofobia e presunções classistas. O modo como ela refere-se à classe operária é hediondo. As gargalhadas de Martin Scorsese durante os seus chistes espirituosos e misantropos beiram o constrangedor. Mas quando o diretor apresenta a escritora como alguém sério, erudito e feminista (defendendo com muito conhecimento de causa o movimento #MeToo), o filme cresce bastante. Os episódios 1 e 3 são irritantes e decepcionantes, mas as concepções culturais da entrevistada, as reflexões sobre as questões geracionais, as suas opiniões sobre os males da paixão por dinheiro e, principalmente, a exposição de sua vasta biblioteca são fascinantes. Ao desfecho, senti que o filme funcionou bastante, ainda que eu não tenha gostado tanto do conjunto. Por mais sagaz e divertida que seja a personagem real, conviver com ela deve ser difícil: as seqüências em que ela é mostrada passeando mal-humorada pelas ruas são agressivas, julgamentais, não provocaram-me bons sentimentos. Imaginei, por vezes, o Woody Allen dirigindo este filme. Gostei das contradições trazidas à tona no bate-papo com o Spike Lee. Há muito a ser lembrado e comentado sobre este documentário, mas gostar da Fran, enquanto humorista, não parece tarefa fácil. Fiquei com vontade (não agora) de ler algum de seus livros. E tenho medo de parecer tão elitista quanto ela neste comentário: na pior das hipóteses, o filme funciona enquanto contra-exemplo. "Olha só como é complicado ser um intelectual". Voltarei a ele, certeza! (WPC>)
A TV Dante
4.2 5Há muito tempo que anseio por descobrir esta minissérie maravilhosa: desde que o saudoso Arlindo Machado a elegeu como o trabalho televisivo mais importante de todos os tempos que nutro curiosidade, inclusive porque Peter Greenaway era um dos cineastas favoritos de minha infância. Fez jus ao meu favoritismo passional aqui: a montagem é maravilhosa e a poesia é apresentada com um didatismo mui aplaudível. Li o livro original faz muito tempo, e apressadamente, de modo que achei tudo muito hermético. Nesta versão, tal impressão é corrigida pelas explicações mui pertinazes dos especialistas acadêmicos. John Gielgud é um Virgílio sublime (quem me dera conhecê-lo algum dia) e a direção de arte é esplendorosa, repleto das pessoas nuas que o diretor tanto aprecia. Adorei! (WPC>)
Os Últimos Dias de Gilda
4.0 22 Assista AgoraA protagonista é maravilhosa: fiquei apaixonado pela personagem-título e pelo modo desenvolto como as situações ocorrem ao redor dela. As interpretações são muito espontâneas e, apesar da situação de opressão enfrentada por Gilda, o tratamento do roteiro é leve, agradável, inebriante... Até que a metade final do terceiro episódio modifica bruscamente a história, e entrega um desenvolvimento que diz muito sobre a situação atual das milícias cariocas e sobre o desgoverno brasileiro como um todo. O radical antibolsonarismo do diretor - de toda a equipe do filme, em verdade - é sobremaneira evidente, mas não gostei muito da (necessária) metáfora final de empoderamento feminino. Pareceu-me um anticlímax utópico, com uma envergadura discursiva mais explícita e distante da naturalidade que associo ao ótimo cinema deste diretor. Seja como for, uma minissérie muito contundente e sensual, repleta de ternura (vide os momentos familiares no capítulo 3). Muito, muito bonito: por mais que eu tenha frustrado-me um tantinho no derradeiro capítulo, fiquei apaixonado por Gilda. Eis o que sempre quis ser: espero estar chegando ao menos perto! <3 (WPC>)
Pássaros Feridos
4.1 83Incrível, incrível, incrível! Demorei bastante para assistir à minissérie em sua integralidade e, a despeito de aceitá-la como longuíssima-metragem, precisei obedecer à estrutura capitular e respirar: as tragédias e clímaces acontecem de meia em meia-hora. O elenco está irrepreensível (todo ele!) e a trilha musical de Henry Mancini gruda em nossos corações. Incomodei-me com o início do arco narrativo envolvendo a personagem de Mare Winningham, mas foi justamete ela quem fez-me chorar! Jean Simmons está sublime e Barbara Stanwyck está divina (ou demoníaca?). Richard Chamberlain talvez esteja hiperestimado, mas dá muito bem conta do recado, ao contrário de Rachel Ward, que talvez seja a interpretação que menos cativou-me. Fiquei pensando em muitas questões éticas ao longo da audiência:
será que a paixão de Ralph por Maggie não envolveria também questões pedofílicas, afinal manifestas numa seqüência posterior de comunhão da Hóstia consagrada? Por que os irmãos de Maggie nunca casaram? Frank foi esquecido na prisão, de fato, até morrer?
Euphoria: Trouble Don't Last Always
4.3 154Fiquei destroçado por causa da telessérie e adentrei a sessão deste episódio especial - praticamente um média-metragem - tendendo a achá-lo oportunista. De fato, pode ser conferido por quem não conferiu o restante dos episódios, ainda que a primeira metade faça referência explícita a outros personagens. De repente, há uma telefonema, a audição a uma canção que veio numa mensagem de WhatsApp... e, meu Deus, quanta dramaticidade! Os dois atores estão ótimos, sendo que Zendaya é pura força da natureza. Além de linda e muito expressiva. Não obstante certa teatralidade de alguns momentos, o filme não é cansativo: os diálogos são maravilhosos, ainda que careçam recorrer à inevitabilidade aconselhadora do tom de autoajuda. Que chega-nos no melhor momento. No mais oportuno deles, para desconfirmar a minha impressão inicial. Muito bom! Há algo de forçado na execução da "Ave Maria", mas é compreensível que ela surja ali... (WPC>)
Fim do Mundo
3.8 8Ainda que tenha sido lançado como minissérie televisiva, os méritos cinematográficos são imensos. Por algum motivo, não sabia de sua feitura e o encontrei casualmente numa transmissão do Canal Brasil, numa madrugada aleatória. Fiquei deslumbrado: o roteiro é ótimo, os diálogos impressionam, a composição dos personagens é intensa e algumas interpretações chamam a atenção pelo vigor eminentemente nordestino (Alberto Pires é um vilão monstruoso e hipnótico; Marcélia Cartaxo demora para aparecer em cena, mas, quando o faz, brilha; e Jesuíta Barbosa convence bastante e, felizmente, tira muito a roupa!). Em termos técnicos, o filme é deslumbrante, com ênfase elogiosa para a soberba trilha musical de Dj Dolores. Não dá para saber onde um e outro diretor tomam controle das situações filmadas, mas gosto bem mais do Hilton Lacerda que do Lírio Ferreira, e atribuo ao primeiro os melhores momentos do telefilme. O entrelaçamento de diversos contos de autores diferentes num mesmo enredo foi um detalhe genial, apresentando sintomas de incoesão apenas no quarto episódio, lamentavelmente inferior aos demais, como se estivesse apenas entulhando seqüências isoladas que enfadam pelo excesso, o ritmo se esvai... No primeiro episódio, o tom de apresentação narrativa e a adoção de um benfazejo realismo mágico; no segundo, meu favorito, a grandiloqüência do sexo enquanto tônico vital e desencadeador de tragédias; no terceiro, adaptado do sergipano Antônio Carlos Viana, meu genial conterrâneo falecido há alguns anos, o deslumbramento da crônica rural, em termos nordestinamente autocríticos; em relação à decepção no quarto episódio, já falei algo; e, quanto ao epílogo, a reiteração de alguns filosofemas anteriores (agora melhor justificados nos mantras desobedientes dos personagens) e o desfecho em aberto, como ocorre nos bons contos brasileiros. Uma gratíssima surpresa esta minissérie: que seja mais conhecida daqui por diante. Está disponível via GloboPlay! (WPC>)
Feito em Casa
3.3 12Num primeiro momento, pensei em analisar cada projeto autoral isoladamente, mas logo compreendi que a análise funciona melhor levando-se em consideração o caráter de filme em episódios. Por conta da ansiedade, vi o curtinha da Naomi Kawase antes, mas não se sustenta isoladamente. Em conjunto, por sua vez, o impacto foi redimensionado!
A grande maioria dos curtinhas não funciona, mas os acertos funcionam. Amei o episódio musical do Sebastián Lelio (sobre "tédio e masturbação" e aquilo que fazemos para sobreviver: é preciso cantar!) e apaixonei-me pela multiplicação de afazeres do Sebastian Schipper e pelo enfrentamento apocalíptico proposto pela Maggie Gyllenhaal. Identifiquei-me, no pior sentido do termo, com a aflição insone da Kristen Stewart e apreciei muito o realismo mágico do Antonio Campos (ainda que seja o que menos tem a ver com o projeto). O questionamento sobre essencialidade do David Mackenzie é ótimo e a (re)descoberta da vida familiar via filhos da Gurinder Chadha encanta-nos. O episódio de Rungano Nyoni é cansativo, mas tem muito a ver com o nosso dia a dia virtual, e Johnny Ma acerta em cheio no compartilhamento da receita dos bolinhos de sua avó (além de ele em si ser muito bonito). Paolo Sorretino usa um humor tautológico para lidar com o enfado e Pablo Larraín subverte cômica e cinicamente os reencontros remotos de amor eterno. A filha de Natalia Beristain é fofíssima e a filha de Nadine Labaki e Khaled Mouzannar é uma artista nata e multilíngue (impressionante, que imaginação!). Ladj Ly foi inventivo na ampliação protestante da cena-chave de seu recente longa-metragem e Rachel Morrison instaurou-me um ódio intensificado contra a sua litania sobre a necessidade de reconhecer os privilégios classistas, urgh! O episódio de Ana Lily Amirpour é ingênuo e deslumbrado, mas dá um fecho legal ao conjunto coeso, felizmente. Ao final, é uma experiência bacana de audiência relativamente especular sobre o mal-estar contemporâneo coletivamente enfrentado! (WPC>)
Cinco que Voltaram
4.5 35 Assista AgoraNão confio na Netflix. Tenho problemas morais de larga escala em relação às suas produções originais e, como tal, passei muito tempo até mergulhar neste excelente documentário. Graças a uma madrugada insone, vi o primeiro episódio e fiquei absolutamente encantado!
Desenvolvo uma relação ambígua com os filmes da série "Por que Lutamos" há muito tempo, mas não sabia que apenas sete deles estão vinculados a esta categorização. Os demais são obras independentes, conforme aprendi no documentário, que é igualmente histórico, cinefílico e mui emocionante. Senti falta de menções ao Anatole Litvak, mas, venhamos e convenhamos, ele não se compara à gradeza oscarizável dos cinco cineastas abordados.
Achei magnífico o recurso escolhido para narração compartilhada de impressões sobre os cineastas: diretores contemporâneos louvam os méritos do passado. Lawrence Kasdan e Francis Ford Coppola são bastante respeitosos em relação ao George Stevens e John Huston, respectivamente. Mas quem nos impressiona pela pujança de suas falas são: a identificação transversal de Guillermo Del Toro em relação às peripécias imigrantes do ambíguo democrata Frank Capra; a criticidade consciente de Paul Greengrass em relação ao gênio forte de John Ford; e, sobretudo, a emoção suprema dos traços em comum entre Steven Spielberg e o lendário William Wyler.
Há muitas anedotas de produção e bastidores hollywoodianos desvendadas no filme e cenas maravilhosas de grandes clássicos utilizadas para demonstrar a habilidade superior dos cineastas em pauta. Fiquei encantado ao longo das mais de três horas fluídas deste belíssimo filme. Quiçá a melhor e mais apaixonante produção original Netflix. Amei! (WPC>)
Zé do Caixão
4.0 52Começa muitíssimo bem: Matheus Nachtergaele está soberbo como o protagonista (inúmeras vezes esqueci que era ele quem estava em cena) e a química entre os coadjuvantes é magistral, emulando o espírito de camaradagem existente entre os abnegados cinematográficos da Boca do Lixo. Para que conhece pouco sobre o personagem real, é uma ótima biografia, mas, para quem sabe um pouco mais sobre a sua trajetória intermitente de sucessos decepciona o inexplicável sobejo de condensações de personagens e situações ao redor do protagonista, que não é higienizado, conforme acontece tipicamente em biografias, ainda que as supressões factuais sejam horrendas. O que fazem com a primeira esposa do Mojica (anulada por completo), com os cineastas famosos que o apoiaram (Person, Reichenbach, Glauber) e com a cronologia (o pai não morre, a disputa política é antecipada, etc.) estraga o que poderia ser um magnífico exemplar do subgênero no Brasil, quiçá a cinebiografia mais digna realizada nos últimos anos. Elenco, direção, trilha musical e intenções excelentes, mas o roteiro duvidoso estraga o resultado final, sumamente incoerente do meio para o final... (WPC>)
Twin Peaks (1ª Temporada)
4.5 523Quanto mais eu revejo, mais eu fico encantado...
Em mais de um momento, a trilha musical badalamentiana conduz-nos ao choro - ou a algo próximo dele. As seqüências de descoberta/comunicação da morte de Laura Paulmer são dramaticamente intensas, pungentes ao extremo. Mas o filme (refiro-me ao piloto da série) ainda tem suspense e muito senso de humor.
Elenco impecável, composição de personagens idem.
É difícil escolher um favorito, de tão entrosado que todo mundo está. Mas... Como não torcer pela Donna? Como não surtar junto à Grace Zabriskie?
Genial ponto de partida para uma série irregular, mas genial enquanto proposta! (WPC>)
Neon Genesis Evangelion
4.5 328 Assista AgoraHá muito que amigos confiáveis e mui queridos insistiam para que eu conferisse este anime. Cedi finalmente às pressões positivas e, desde o primeiro episódio, apreciei bastante o que vi. Demorei um pouco para juntar os dados e tentar compreender a situação científica que motivava os embates entre EVAs e Anjos. Mas logo constatei que isso era o de menos, mero 'mcguffin' hipnótico para as gerações desavisadas: trata-se de um verdadeiro tratado de socialização adolescente, uma abordagem magnífica dos substratos depressivos em diferentes escalas, todas influenciadas pelas pressões atrozes do capitalismo. Shiji é um personagem mui gracioso e Misato é um ideal a ser seguido. Asuka é insuportável desde a primeira aparição, mas possui uma função bem definida na narrativa, enquanto Mei angustia-nos por sua perene postura merencória. Os companheiros de descola de Shinji ão divertidos e verossímeis e a surpresa escandalosa dos dois episódios finais deixou-me em estado de choque: absolutamente genial! É óbvio que o diretor aprecia cineastas como Jean-Luc Godard e Andrei Tarkovski. São nítidas as influências estilísticas no tom de ficção científica existencial do 'anime'. Mas nada preparou-me para o sobejo de magistralidade e emoção contido no personagem Kaworu: apaixonei-me por ele de imediato. uau! Montagem, roteiro, trilha musical, tudo é perfeito nesta verdadeira obra-prima 'pop' de final de século. Um único porém talvez esteja no aspecto redundante das batalhas, que, desviantes ou não, sempre causam um suspense previsível: são resolvidas nos derradeiros instantes, o que cansa um pouco quanto maratonamos a série, como eu fiz. seja como for, para mim, é um filmaço. Fiquei deslumbrado: este diretor é um gênio da psicanálise cotidiana. Que aula de enfrentamento íntimo da depressão e da sexualidade incontida. Genial! (WPC>)
Olhos que Condenam
4.7 680 Assista AgoraDesconfiei da precoce canonização militante desta diretora desde que ela tornou-se conhecida por uma cinebiografia que incomoda pelo tom condescendente e para-hagiográfico. Em sua incursão documental, o didatismo de cariz estatístico incomoda também, ainda que ela obtenha êxito na comunicação de seus propósitos discursivos em larga escala. Quando soube de todo o auê crítico concedido a esta minissérie - ainda não vi o filme de ficção científica que todos odeiam! - desconfiei ainda mais. Porém, a trama era ótima, resolvi arriscar: e não me decepcionei. Começa um tanto piegas - ainda que justificadamente - e possui um segundo capítulo que repete todos os esperados clichês de "filmes de tribunal", mas é sempre agradável de ser visto, por mais que a trama seja atroz em seu realismo desolador. Entretanto, é nos terceiro e quarto capítulos que a cineasta mereceu a minha adesão espectatorial efusiva: as elipses impressionantes em relação ao convívio prisional dos cinco rapazes demonstrou uma segurança impressionante enquanto condução roteirística de um projeto muito pessoal. A Ava sabia minuciosamente o que queria atingir e provocar aqui - e consegue! Fiquei atordoado, baqueado, chocado com o testemunho de injustiça - infelizmente, comum - apresentado melodramaticamente (mas não apenas). Ótimo. Não obstante ser classificada como minissérie, o marcarei como filme mesmo - e periga estar entre os melhores lançamentos de 2019, uau! (WPC>)
A História do Cinema: Uma Odisseia
4.7 54Quinze horas depois, missão cumprida!
Já tinha tentando ver este filme inúmeras vezes, mas o ritmo moroso e a narração empostada incomodavam-me. Possuo o livro e gosto bastante: inclusive, aplaudo de pé a sua verve contra-hegemônica, que acrescenta dados omitidos ideologicamente à saga diacrônica da Sétima Arte. No filme, entretanto, as omissões prejudicam o resultado final (Maya Deren, Takeshi Kitano, Blake Edwards, Carlos Saura e Ruy Guerra são alguns dos ignorados, apenas para ficar em nomes que aprecio mui pessoalmente). Algumas entrevistas são excessivamente longas (Baz Luhrmann, Paul Schrader, Robert Towne e Lars von Trier, principalmente) e o diretor insiste em estragar interpretativamente os finais de diversos filmes: soa obsessivo, em dado momento.
O epílogo é vexatório, a insistência em falar sobre "o gorila da inovação" soou forçada, bem como a nostalgia hierarquizante do celulóide, mas é inegável que o filme é precioso enquanto relato, principalmente no capítulo em que aborda o Terceiro Cinema de maneira enfática ou quando deslumbra-se pela militância cotidiana do cinema oitentista. Mas a pendenga mal-resolvida do diretor em relação ao cinema hollywoodiano prejudica a apreciação geral (sua definição de "clássico" nem sempre funciona).
Seja como for, é obrigatório tanto para calouros quanto para veteranos, para iniciantes e iniciados, para amantes da Sétima Arte em todo e qualquer grau: valeu muitíssimo a pena ao final - e o melhor: estive sublimemente acompanhado ao longo das cinco sessões de três exibidas publicamente, na Universidade em que estudo. Foi lindo!
(quase o favoritei, mas o desfecho tacanho realmente pôs muita coisa a perder - chuif!) - WPC>