um tour pela paisagem ainda bucólica do Leblon e de Ipanema conduzido pelo corpo esquálido de Paulo José com direito às imagens do Palácio Monroe e das construções modernistas (Conjunto Pedregulho?), além da relíquia da apresentação de Paulinho da Viola no ap da Marialva e no Aeroporto Santos Dumont.
a poesia se insurge contra os grunhidos das armas: nesta obra, as únicas vozes que transcendem a repetição da canção é o poema inicial e os berros ininteligíveis do ditador Narciso.
Estou até agora perturbado pelos ângulos de câmera do pássaro-fera entre os móveis, pela paisagem nebulosa do bosque e pela repetição do borbulhar do pântano na mansão.
Confesso que não suporto o ritmo dos filmes de Pedro Costa e tive uma experiência mal sucedida com Ossos, onde o que corresponde ao meu desgosto é o que as pessoas apreciam: a mise en scène arrastada onde a decadência dos personagens contamina a direção, as escolhas, a direção de arte e a fotografia viscosa.
Mas neste,aqueles princípios costianos impressionistas, onde é impossível separar a concepção estética adotada no filme do estado mental e das situações dos personagens deram absurdamente certo, mesmo com o sofrimento e o esforço de seguir o ritmo viscoso de sua narrativa.
Foi uma surpresa descobrir Os Tubarões - "Alto Cutelo" e as fotografias de Jacob Riis (e redescobrir a profundidade de cada plano magnificamente escuro e suas composições de cor).
Narrativa caótica que reflete a época das metáforas do colonialismo e da avacalhação teatral do cinema novo e marginal, mas com uma beleza plástica incomensurável que faz lembrar a direção de arte/figurino/ cenografia de um Pasolini inspirado da trilogia da vida
Hitmasuri é um filme de imersão etnográfica e ambiental no contexto das montanhas de Kumano (sul de Osaka) que certamente vai agradar aos fãs de Naomi Kawase.
O melhor giallo já feito fora da Itália, com direito a todos os clichês do gênero, mulheres paranóicas, closes faciais e trilhas sonoras envolventes, mas com o diferencial de ter uma brasilidade soft incorporada às mulheres e ao personagem do pescador que testemunha a bizarrice burguesa.
Um documentário obrigatório para refletir a história do cinema brasileiro e sua relação com o contexto político de produção dos filmes, desde o cinema novo, passando pela Embrafilme, a retomada e a criação da Ancine (um monstro de sete cabeças surgido na catástrofe do 11 de setembro, segundo LCB) em 2001 e durante o lulismo.
Além da dimensão pública, curiosidades da esfera dos bastidores do fotojornalismo como a relação entre Assis Chateaubriand e Getúlio Vargas e da produção dos filmes como a relação da cachorra Baleia de Vidas Secas com a família Barreto e do ex-presidente Fernando Collor como assistente de direção de Cacá Diegues em Joanna Francesa, revelam a importância da figura de Barretão enquanto patrimônio vivo da imagem do tempo e do movimento da Terra Brasilis.
Esse documentário demonstra que o nazismo e o pensamento de Hitler foram uma reação à modernidade e uma tentativa de estetizar o mundo partindo de uma perspectiva de retorno à Antiguidade greco-romana.
Hitler usou na exposição arte degenerada formulações de um teórico que associavam a arte moderna com deformações corporais, em seus discursos pregava a higienização pela eugenia usando a escultura Discóbolo de Mirón pra associar as anomalias e doenças mentais à modernidade e à sociedade miscigenada.
Ou seja, não foi a arte moderna ou mesmo as vanguardas (excetuando o futurismo) que faziam uma crítica ao racionalismo ocidental e buscavam métodos primitivos pela aproximação com a arte étnica que inspiraram o nazismo ou mesmo o stalinismo que perseguiu as vanguardas russas. Mas justamente essa romantização do renascimento e da antiguidade e o antissemitismo de Wagner que inspiraram Hitler e o nazismo.
O nazismo foi uma reivindicação de uma superioridade étnica da Alemanha aos moldes do imperialismo romano (Hitler ordenou que fossem noticiadas na imprensa as batalhas da segunda guerra como as Guerras Púnicas), uma acirramento e reavivamento étnico germânico que usou os judeus como referência negativa de unidade etnica e nacional. Justamente o oposto ao paradigma racional do iluminismo e do Estado Nação burguês. Não foi a racionalidade das repúblicas romanas e gregas que inspiraram Hitler, mas puramente o funcionalismo estético e figurativo, ja que era um artista frustrado e foi recusado na escola de belas artes de Viena . Toda a identidade visual dos estandartes nazistas e arquitetura das arenas eram projeto elaborados pelo próprio Hitler.
É a caricatura da antiguidade, da comunidade, de uma suposta harmonia e integração perdida na modernidade e todos os clichês associados, a imposição de um purismo étnico que motivou o nazismo e a estética hitlerista, que neste caso, foi uma arquitetura da destruição encenada por uma ópera de Wagner, Rienzi, cujo personagem queria trazer de volta o antigo regime em Roma e fracassou. Assim como Hitler, que se assumidamente se inspirou na composição wagneriana em seu pensamento mórbido.
Essa caricatura dos laços comunitários antigos e a rejeição da modernidade e da arte abstrata é justamente o que motivou Hitler e Stálin a perseguir artistas que não eram do gosto do seu partido. É o que anima o pensamento reacionária da direita principalmente e da esquerda em alguns casos.
A obra é genial em suas metáforas antropofágicas do integralismo cruzado com os anseios liberais da classe média, as imagens do Brasil carnavalesco e da crítica à classe média e à cordialidade brasileira, o apartamento atulhado de brasis místicos e crus. Como disse Glauber Rocha, referindo-se ao filme: "a Senzala invade a Casa Grande sob os olhos agitados da Varanda" . Entretanto, a mise-en-scène teatral e rodrigueana desvia toda a relevância da dimensão fílmica para a especificidade textual e dramática e o filme aproveita muito da claustrofobia de um apartamento reduzido a um espaço sufocante sempre apinhado de gente, o que funciona melhor na ribalta.
Como em O segredo das Águas, Vision reflete sobre a integração com a natureza e a temporalidade cíclica das vidas humanas. O quadro do templo da vila corresponde ao momento de liberação dos esporos alucinógenos a cada 997 anos, tal ocorrência é o pano de fundo das várias temporalidades que se intercalam na história, da botânica francesa, do lenhador solitário, do jovem Rin, da senhora cega conhecedora das ervas. Uma pista para entender e sentir o filme é sua menção ao junípero, árvore popular dos bonsais, da qual se extrai o zimbro, princípio do gin e que possui uma alta longevidade.
Sinônimos é uma mistura de náusea e delírio que evoca o imaginário camusiano na persona do estrangeiro, em busca do exílio e do reino, o mal estar regido por uma indiferença que oscila em tormentas inexplicáveis.
O erotismo-devir que estaciona numa potência granular de desejo entre os personagens masculinos jovens, Yoav, Emile, Michel e Yaron: uma libido que permeia o refinamento da mise en scène mas que não se realiza e perturba imensamente os personagens, excitados o tempo todo. Vivem de fruir o ódio xenófobo dos nazistas franceses, permanentemente imantados para a guerra ou para o sexo ou noutra interação violenta.
O protagonista Yoav como a persona do absurdo camusiano, se imanta numa consciência da revolta que o impulsiona para a negação do passado israelita e sua vida como soldado no exército israelense. Tenta enxergar cultura na bárbarie da civilização parisiense pela morte do amigo Michel, tenta fugir do oriente médio bélico, tenta viver a vida moderna de um casal à la nouvelle vague, mas suas raízes judias o perturbam. Nesta confusão de referências e raízes culturais o personagem flana na cidade luz, mas se debate como inseto , vaga-lume contra as fontes do esclarecimento, apenas guiado pela hesitação e pelo desejo que desperta nos outros.
Um manifesto visual de beleza acachapante mas que oscila em torno da mediocridade humana tanto na atuação de alguns atores, quanto na apropriação desta atuação para uma espécie de pretensão narrativa que funciona como amostra da irregularidade do comportamento banal e lacunar do elenco restante em detrimento de uma aterradora grandiosidade presente na atuação de Everaldo Pontes e sua interpretação do velho cego.
A grandiosidade desta interpretação e o seu destaque na mise-en-scène, mediante uma elaborada construção visual e espacial, tanto no uso da fotografia em P&B, quanto numa coreografia visual concebida para a interação do velho com a gaiola do hamster Borges, que demonstra um filtro das grades e uma clausura metafórica para a perda da visão. Tal complexidade ambiental do personagem, além da pretensão da direção, se ilustra pela própria atuação destruidora de Everaldo Pontes, que mostra um velho cego, louco e lúcido que se comporta como um deus consciente de tudo e que joga com os outros personagens, como se fossem seus títeres.
O uso de Jorge Luís Borges como elemento condutor da narrativa ou do absurdo kafkiano enquanto referência para mobilizar a ação dos personagens revela a própria alegoria do contraste do papel do escritor enquanto deus de uma mise-en-scene de controle do destino dos outros sujeitos da trama e que estão dissolvidos na mediocridade banal. O que me incomoda no filme é justamente as atuações pífias do restante do elenco que parecem propositalmente desencaixadas do contexto da narrativa ou como libelo do vazio existencial das personagens; em alguns momentos os diálogos entre Romão e Yara se demonstram grandes equívocos do roteiro ou falas propositadamente reveladoras de uma mediocridade dos sujeitos perante o universo grandioso do velho cego e como demonstração de suas existências débeis. Quando o personagem do colega de quarto de Romão tenta influencia-lo para furtar o suposto livro de Borges e se apropriar do universo do velho, o personagem de Romão recusa ser mais um participante da manobra literária dos escritores e intelectuais, resultando aí o único momento forte deste personagem no filme e uma insurgência da banalidade pelo direito de existir por si mesma.
Um relato sensorialmente perturbador que literalmente descortina a decadência da Alemanha pós-Segunda-Guerra, conforme entrevista do diretor ao jornal Estado de Minas (18/072019). Descortina, pois exibe o que o proprietário do pub e a sociedade não querem que seja visto: pessoas velhas, decadentes, a classe operária alemã traumatizada da guerra, gente adoecida, que esqueceram da própria humanidade, mas ainda possuem uma graça, uma ingenuidade patética que o olhar do diretor conseguiu captar na construção dramática dos habitantes do bar luva dourada: esses personagens com seus apelidos extremamente orgânicos e as putas velhas com suas reflexões e diálogos extremamente profundos e amargos traduzem uma atmosfera impregnada de fumaça etílica e de uma pulsação de vida que insiste em permanecer apesar do trauma do mundo. A construção do serial killer também é impecável e profundamente abjeta, mas de uma abjeção orgânica, que cabe no contexto biográfico do Fritz Honka e do elemento trágico e patético que envolve o bar luva dourada.
O Homem Nu
3.2 25um tour pela paisagem ainda bucólica do Leblon e de Ipanema conduzido pelo corpo esquálido de Paulo José com direito às imagens do Palácio Monroe e das construções modernistas (Conjunto Pedregulho?), além da relíquia da apresentação de Paulinho da Viola no ap da Marialva e no Aeroporto Santos Dumont.
Estação do Diabo
3.6 7a poesia se insurge contra os grunhidos das armas: nesta obra, as únicas vozes que transcendem a repetição da canção é o poema inicial e os berros ininteligíveis do ditador Narciso.
A Bela e a Fera
4.0 17Estou até agora perturbado pelos ângulos de câmera do pássaro-fera entre os móveis, pela paisagem nebulosa do bosque e pela repetição do borbulhar do pântano na mansão.
Cavalo Dinheiro
3.9 15 Assista AgoraConfesso que não suporto o ritmo dos filmes de Pedro Costa e tive uma experiência mal sucedida com Ossos, onde o que corresponde ao meu desgosto é o que as pessoas apreciam: a mise en scène arrastada onde a decadência dos personagens contamina a direção, as escolhas, a direção de arte e a fotografia viscosa.
Mas neste,aqueles princípios costianos impressionistas, onde é impossível separar a concepção estética adotada no filme do estado mental e das situações dos personagens deram absurdamente certo, mesmo com o sofrimento e o esforço de seguir o ritmo viscoso de sua narrativa.
Foi uma surpresa descobrir Os Tubarões - "Alto Cutelo" e as fotografias de Jacob Riis (e redescobrir a profundidade de cada plano magnificamente escuro e suas composições de cor).
Jessica Forever
2.7 11 Assista Agorao que salva essa distopia juvenil é Jesu, " the great levellers"
Beco
4.5 3"você está no mundo pra duas coisas: sofrer e fazer os outros sofrer"
Casa
3.9 3arquivos implacáveis, a memória como analgesia e a morte como distanciamento.
Pindorama
2.7 7Narrativa caótica que reflete a época das metáforas do colonialismo e da avacalhação teatral do cinema novo e marginal, mas com uma beleza plástica incomensurável que faz lembrar a direção de arte/figurino/ cenografia de um Pasolini inspirado da trilogia da vida
Fire Festival
4.5 1Hitmasuri é um filme de imersão etnográfica e ambiental no contexto das montanhas de Kumano (sul de Osaka) que certamente vai agradar aos fãs de Naomi Kawase.
O Barato de Iacanga
4.2 77Neste filme há duas espécies de lombras: as lisérgicas (de DMT, LSD e THC) e as do ouvido absoluto de João Gilberto.
Excitação
3.6 29O melhor giallo já feito fora da Itália, com direito a todos os clichês do gênero, mulheres paranóicas, closes faciais e trilhas sonoras envolventes, mas com o diferencial de ter uma brasilidade soft incorporada às mulheres e ao personagem do pescador que testemunha a bizarrice burguesa.
Crônica da demolição
4.2 5Palácio Monroe, vulgo a eugenia predial de Lucio Costa.
Barretão
4.2 1Um documentário obrigatório para refletir a história do cinema brasileiro e sua relação com o contexto político de produção dos filmes, desde o cinema novo, passando pela Embrafilme, a retomada e a criação da Ancine (um monstro de sete cabeças surgido na catástrofe do 11 de setembro, segundo LCB) em 2001 e durante o lulismo.
Além da dimensão pública, curiosidades da esfera dos bastidores do fotojornalismo como a relação entre Assis Chateaubriand e Getúlio Vargas e da produção dos filmes como a relação da cachorra Baleia de Vidas Secas com a família Barreto e do ex-presidente Fernando Collor como assistente de direção de Cacá Diegues em Joanna Francesa, revelam a importância da figura de Barretão enquanto patrimônio vivo da imagem do tempo e do movimento da Terra Brasilis.
Arquitetura da Destruição
4.2 136 Assista AgoraEsse documentário demonstra que o nazismo e o pensamento de Hitler foram uma reação à modernidade e uma tentativa de estetizar o mundo partindo de uma perspectiva de retorno à Antiguidade greco-romana.
Hitler usou na exposição arte degenerada formulações de um teórico que associavam a arte moderna com deformações corporais, em seus discursos pregava a higienização pela eugenia usando a escultura Discóbolo de Mirón pra associar as anomalias e doenças mentais à modernidade e à sociedade miscigenada.
Ou seja, não foi a arte moderna ou mesmo as vanguardas (excetuando o futurismo) que faziam uma crítica ao racionalismo ocidental e buscavam métodos primitivos pela aproximação com a arte étnica que inspiraram o nazismo ou mesmo o stalinismo que perseguiu as vanguardas russas.
Mas justamente essa romantização do renascimento e da antiguidade e o antissemitismo de Wagner que inspiraram Hitler e o nazismo.
O nazismo foi uma reivindicação de uma superioridade étnica da Alemanha aos moldes do imperialismo romano (Hitler ordenou que fossem noticiadas na imprensa as batalhas da segunda guerra como as Guerras Púnicas), uma acirramento e reavivamento étnico germânico que usou os judeus como referência negativa de unidade etnica e nacional. Justamente o oposto ao paradigma racional do iluminismo e do Estado Nação burguês. Não foi a racionalidade das repúblicas romanas e gregas que inspiraram Hitler, mas puramente o funcionalismo estético e figurativo, ja que era um artista frustrado e foi recusado na escola de belas artes de Viena . Toda a identidade visual dos estandartes nazistas e arquitetura das arenas eram projeto elaborados pelo próprio Hitler.
É a caricatura da antiguidade, da comunidade, de uma suposta harmonia e integração perdida na modernidade e todos os clichês associados, a imposição de um purismo étnico que motivou o nazismo e a estética hitlerista, que neste caso, foi uma arquitetura da destruição encenada por uma ópera de Wagner, Rienzi, cujo personagem queria trazer de volta o antigo regime em Roma e fracassou. Assim como Hitler, que se assumidamente se inspirou na composição wagneriana em seu pensamento mórbido.
Essa caricatura dos laços comunitários antigos e a rejeição da modernidade e da arte abstrata é justamente o que motivou Hitler e Stálin a perseguir artistas que não eram do gosto do seu partido. É o que anima o pensamento reacionária da direita principalmente e da esquerda em alguns casos.
Tudo Bem
3.6 28A obra é genial em suas metáforas antropofágicas do integralismo cruzado com os anseios liberais da classe média, as imagens do Brasil carnavalesco e da crítica à classe média e à cordialidade brasileira, o apartamento atulhado de brasis místicos e crus. Como disse Glauber Rocha, referindo-se ao filme: "a Senzala invade a Casa Grande sob os olhos agitados da Varanda" . Entretanto, a mise-en-scène teatral e rodrigueana desvia toda a relevância da dimensão fílmica para a especificidade textual e dramática e o filme aproveita muito da claustrofobia de um apartamento reduzido a um espaço sufocante sempre apinhado de gente, o que funciona melhor na ribalta.
Vision
2.9 19Como em O segredo das Águas, Vision reflete sobre a integração com a natureza e a temporalidade cíclica das vidas humanas. O quadro do templo da vila corresponde ao momento de liberação dos esporos alucinógenos a cada 997 anos, tal ocorrência é o pano de fundo das várias temporalidades que se intercalam na história, da botânica francesa, do lenhador solitário, do jovem Rin, da senhora cega conhecedora das ervas. Uma pista para entender e sentir o filme é sua menção ao junípero, árvore popular dos bonsais, da qual se extrai o zimbro, princípio do gin e que possui uma alta longevidade.
O Demiurgo
3.8 12Um registro caseiro, berrado e improvisado de Mautner entupido de referências intelectuais. Vale apenas como documento do tropicalismo, para fãs.
Princesa do Sertão
4.6 3sua efígie me queima [soneto ao rei]
Sinônimos
3.4 50 Assista AgoraSinônimos é uma mistura de náusea e delírio que evoca o imaginário camusiano na persona do estrangeiro, em busca do exílio e do reino, o mal estar regido por uma indiferença que oscila em tormentas inexplicáveis.
O erotismo-devir que estaciona numa potência granular de desejo entre os personagens masculinos jovens, Yoav, Emile, Michel e Yaron: uma libido que permeia o refinamento da mise en scène mas que não se realiza e perturba imensamente os personagens, excitados o tempo todo. Vivem de fruir o ódio xenófobo dos nazistas franceses, permanentemente imantados para a guerra ou para o sexo ou noutra interação violenta.
O protagonista Yoav como a persona do absurdo camusiano, se imanta numa consciência da revolta que o impulsiona para a negação do passado israelita e sua vida como soldado no exército israelense. Tenta enxergar cultura na bárbarie da civilização parisiense pela morte do amigo Michel, tenta fugir do oriente médio bélico, tenta viver a vida moderna de um casal à la nouvelle vague, mas suas raízes judias o perturbam. Nesta confusão de referências e raízes culturais o personagem flana na cidade luz, mas se debate como inseto , vaga-lume contra as fontes do esclarecimento, apenas guiado pela hesitação e pelo desejo que desperta nos outros.
Azougue Nazaré
3.9 34Barachinha adulterado
Parasita
4.5 3,6K Assista AgoraNunca mais vou ver o código Morse da mesma maneira, novamente.
Onde Borges Tudo Vê
3.0 10Um manifesto visual de beleza acachapante mas que oscila em torno da mediocridade humana tanto na atuação de alguns atores, quanto na apropriação desta atuação para uma espécie de pretensão narrativa que funciona como amostra da irregularidade do comportamento banal e lacunar do elenco restante em detrimento de uma aterradora grandiosidade presente na atuação de Everaldo Pontes e sua interpretação do velho cego.
A grandiosidade desta interpretação e o seu destaque na mise-en-scène, mediante uma elaborada construção visual e espacial, tanto no uso da fotografia em P&B, quanto numa coreografia visual concebida para a interação do velho com a gaiola do hamster Borges, que demonstra um filtro das grades e uma clausura metafórica para a perda da visão. Tal complexidade ambiental do personagem, além da pretensão da direção, se ilustra pela própria atuação destruidora de Everaldo Pontes, que mostra um velho cego, louco e lúcido que se comporta como um deus consciente de tudo e que joga com os outros personagens, como se fossem seus títeres.
O uso de Jorge Luís Borges como elemento condutor da narrativa ou do absurdo kafkiano enquanto referência para mobilizar a ação dos personagens revela a própria alegoria do contraste do papel do escritor enquanto deus de uma mise-en-scene de controle do destino dos outros sujeitos da trama e que estão dissolvidos na mediocridade banal. O que me incomoda no filme é justamente as atuações pífias do restante do elenco que parecem propositalmente desencaixadas do contexto da narrativa ou como libelo do vazio existencial das personagens; em alguns momentos os diálogos entre Romão e Yara se demonstram grandes equívocos do roteiro ou falas propositadamente reveladoras de uma mediocridade dos sujeitos perante o universo grandioso do velho cego e como demonstração de suas existências débeis. Quando o personagem do colega de quarto de Romão tenta influencia-lo para furtar o suposto livro de Borges e se apropriar do universo do velho, o personagem de Romão recusa ser mais um participante da manobra literária dos escritores e intelectuais, resultando aí o único momento forte deste personagem no filme e uma insurgência da banalidade pelo direito de existir por si mesma.
Sol Alegria
3.2 25nunsploitation + lisergia + tropicalismo + john waters + road movies + anarquia udigrudi = sol alegria
O Bar Luva Dourada
3.5 341Um relato sensorialmente perturbador que literalmente descortina a decadência da Alemanha pós-Segunda-Guerra, conforme entrevista do diretor ao jornal Estado de Minas (18/072019). Descortina, pois exibe o que o proprietário do pub e a sociedade não querem que seja visto: pessoas velhas, decadentes, a classe operária alemã traumatizada da guerra, gente adoecida, que esqueceram da própria humanidade, mas ainda possuem uma graça, uma ingenuidade patética que o olhar do diretor conseguiu captar na construção dramática dos habitantes do bar luva dourada: esses personagens com seus apelidos extremamente orgânicos e as putas velhas com suas reflexões e diálogos extremamente profundos e amargos traduzem uma atmosfera impregnada de fumaça etílica e de uma pulsação de vida que insiste em permanecer apesar do trauma do mundo. A construção do serial killer também é impecável e profundamente abjeta, mas de uma abjeção orgânica, que cabe no contexto biográfico do Fritz Honka e do elemento trágico e patético que envolve o bar luva dourada.