Joe Wright, que já vinha de produções como 'Desejo e Reparação' e 'Orgulho e Preconceito', fez uma escolha ousada e original ao decidir recontar uma história já bastante conhecida, tanto por leitores de clássicos quanto por amantes do cinema: "Anna Karenina", a personagem que dá título ao livro de Leo Tolstói já foi vista nas telonas incontáveis vezes, interpretada por atrizes renomadas como Greta Garbo, Vivien Leigh e Tatyana Samoylova, para citar algumas.
Mas Joe Wright resolveu inovar justamente na forma de contar novamente a mesma história. Com um design de produção inspirado na linguagem teatral, seu filme torna-se impactante e genial. É fascinante poder acompanhar as composições cênicas, as mudanças de cenários e iluminação feitas em tempo real, vendo os atores transitando entre diferentes ambientes, o que confere uma atmosfera de fábula ao enredo marcado por dramas e tribulações.
Cada detalhe demonstra o cuidado e o alto investimento que a produção mereceu, seja pela escolha do elenco, pelos elegantes figurinos, pela clássica trilha sonora ou pelos ricos cenários que, muitas vezes, emolduram as cenas como se estivéssemos diante de belas pinturas. Por tantos acertos, talvez o filme futuramente mereça um melhor reconhecimento, embora tenha recebido muitos prêmios, especialmente pelo figurino (Oscar - 2013) e direção de arte.
Joe Wright também optou por investir novamente na parceria com Keira Knightley, uma atriz perfeita para personagens de época. Temos também os ótimos Jude Law (Alexei Karenin) e Domhnall Gleeson (Konstantin Levin), embora a escolha de Aaron Taylor-Johnson para o Conde Vronsky não tenha me convencido muito. A ambientação da trama remonta ao início do século passado, mas sua narrativa foi modernizada em muitos trechos e algumas passagens do livro foram suprimidas, talvez por serem difíceis de compreender atualmente, como por exemplo, a exigência do Conde Vronsky para que Anna abandone seu filho, ou o momento em que Anna afirma temer os castigos do marido.
Outro ponto deve ser ressaltado: assim como aconteceu em adaptações anteriores, o enredo pode tornar-se confuso para aqueles que ainda não conhecem a história dos personagens. Com a estética e a linguagem teatral deste filme, pode ser que a imersão fique prejudicada para algumas pessoas. Entretanto, aqueles que já se emocionaram antes com esta protagonista tão apaixonada e atormentada, provavelmente irão gostar de ver Anna Karenina em grande estilo, uma vez mais.
Este longa dirigido por Aleksandr Zarkhi talvez seja a versão mais completa da obra de Leon Tolstói, "Anna Karenina". Apesar do elenco um tanto fraco e de algumas falhas na edição, que tornam a história meio confusa para quem a desconhece, o filme conservou uma dramaticidade regrada, sem muitos exageros. Deu ênfase à maneira diversa como a sociedade encara as traições feminina e masculina, e não se preocupou muito em reverenciar a maternidade ou a paternidade.
As características que distinguem o cinema soviético do cinema europeu e americano se fizeram perceber com bastante clareza na construção da narrativa. Diferente dos filmes anteriores, Anna Karenina não foi retratada como uma vítima desesperada e sujeita a relacionamentos abusivos, ao contrário, por vezes assumiu friamente as consequências de seus atos e mostrou-se uma mulher segura, provocante e ciente de seu poder de sedução.
Interessante também notar que os personagens masculinos perderam destaque e força, se comparados às suas versões ocidentais. O esposo de Anna, antes interpretado como um homem indiferente, cruel e autoritário, neste filme mostrou-se quase derrotado ou destruído emocionalmente, solitário e suscetível ao sofrimento causado pela separação. O Conde Vronsky tornou-se um mero coadjuvante, figura pouco expressiva e sem a aura de fascínio que exercia sobre o público feminino.
Talvez seja este o efeito do famoso realismo soviético, lembrando-nos que a vida continua seguindo seus rumos, a despeito das aflições.
"Malignant" (Maligno) é o novo filme de terror do super roteirista e diretor James Wan. O mesmo de 'Anabelle', 'A Freira', 'Jogos Mortais' e até 'Aquaman'... ou seja, ele já provou ser bastante original. Mesmo assim, não deve ser fácil ser roteirista de filmes de terror e precisar inovar, beber de novas fontes... já que praticamente todo tipo de aberração já foi imaginada para despertar o medo e deixar o público com a respiração presa.
Desta vez, a criatividade para desenvolver uma criatura maligna diferente surpreendeu mesmo. Mas a surpresa se deu pela impossibilidade de que a tal anomalia (se podemos classificar assim) pudesse apresentar o resultado mostrado da tela. Para aqueles mais curiosos, que se aventurarem a pesquisar um pouco nos compêndios da medicina acerca da explicação fornecida no filme, a decepção será certa, pois o nível de imaginação usado na trama foi superlativo, ou seja, seriam necessários alguns tonéis de maionese para fazer aquela viagem ter algum sentido.
Bem, vê-se que a explicação para a origem da criatura é algo impossível. Agora, passemos para o próximo estágio: - como explicar a sua conexão com a energia elétrica? hum... isso não foi nem mencionado; - e quanto à velha e manjada resistência que essas criaturas têm às balas? sim, elas são quase imortais; - e de onde vem sua enorme força física? não sabemos.
Pois é... com tantas perguntas, os filmes de terror poderiam ser divididos em duas partes: a primeira, quando ainda não sabemos de nada e apenas ficamos tensos e levamos uma série de sustos na nossa cadeira; e a segunda parte, quando algumas das perguntas começam a ser explicadas ou respondidas, fazendo com que a monstruosidade faça algum sentido. É nessa hora que tudo pode ir por água abaixo: quando desnudamos e encaramos a criatura olhos nos olhos, pois alguns monstros são mais assustadores enquanto desconhecidos ou não personificados. Principalmente se o terror é do tipo psicológico.
Assim sendo, com relação à primeira parte (os sustos), o filme é bem bacana, diferente e criativo. Já em relação à segunda, posso estar sendo muito crítica... mas achei fraco.
Esta versão de "Anna Karenina" é estrelada por Vivien Leigh, que já vinha de uma carreira de sucesso no cinema, inclusive tendo recebido um Oscar de Melhor Atriz em 1940, pelo seu papel no filme '... E o Vento Levou'.
Esta também foi uma produção grandiosa, com investimentos vultosos em cenários e figurinos, mas não alcançou o sucesso esperado pela 20th Century Fox. O enredo, baseado no romance de Leon Tolstói já havia sido muito explorado em filmes anteriores, e parece não ter atraído a atenção do público.
Neste filme, dirigido por Julien Duvivier, a narrativa se alonga numa necessidade de explicar detalhes e minúcias da história, incluindo cenas supérfluas que, se suprimidas, não causariam nenhum impacto à trama e deixariam o filme mais enxuto. Apesar disso, o longa mantém a mensagem primordial do clássico de Tolstói, que é a crítica social, o equívoco em confundir-se a paixão com o amor e a crescente instabilidade emocional diante de tão efêmero sentimento.
O último ato inclui um voice over de Vivien Leigh (sim, este recurso é horrível) que demonstra toda a perturbação e inferno interior carregado pela personagem. A transformação em seu olhar, do tormento à resignação, é arrebatadora.
O filme "Anna Karenina" é baseado no romance do escritor russo Leon Tolstói, uma história trágica e realista ambientada na Rússia do início do século XX e que detalha os crueis efeitos da paixão, do adultério e da hipocrisia nas convenções sociais da época - permissivas com os homens e intolerantes com as mulheres.
A dramática e trágica história de Anna Karenina já havia sido levada às telas 7 vezes antes desta versão de 1935. Aliás, uma dessas versões ('Love', de 1927) também traz Greta Garbo no papel principal, embora Greta não tenha sido a melhor Anna Karenina do cinema, pois essa personagem precisava de um lado frágil, submisso e apaixonado, ao contrário de Greta, uma diva do cinema que já havia firmado seu nome no rol da fama e construído em torno de si uma imagem forte, um tanto gélida e inatingível.
Apesar disso, Greta Garbo sozinha já conseguiria tornar qualquer filme especial; mais ainda ao lado de um premiado galã, como Fredric March. Esta produção também procurou ser fiel à obra de Tolstói e, sob a direção competente de Clarece Brown, não poupou o público da melancólica fatalidade.
O filme custou alguns milhões de dólares aos estúdios da MGM. Os cenários são grandiosos, aristocráticos; a direção de arte escolheu cada detalhe da ambientação prezando pelo luxo e elegância. Os figurinos também estão primorosos e a fotografia impecável. Certamente um clássico do cinema que, apesar de trazer uma história já conhecida do público, destaca-se pela qualidade técnica e pelo seu elenco ilustre.
"Love" é uma das várias adaptações feitas para o cinema, do romance Anna Karenina, escrito por Leon Tolstói. Esta versão não sonorizada, traz Greta Garbo no papel principal, o mesmo que ela interpretaria 8 anos depois (1935) em outro filme intitulado 'Anna Karenina'.
O enredo conta a trágica vida amorosa de Anna Karenina, uma mulher casada com um homem influente e poderoso, com quem vivia em meio à riqueza e aristocracia, porém num relacionamento sem amor e cercado de indiferença. Anna tinha um filho ainda pequeno, a quem se dedicava com afinco e, assim, suportava sua vida solitária e vazia. Um dia ela conhece o Conde Vronsky (John Gilbert) e apaixona-se perdidamente por ele, sendo plenamente correspondida nesse romance proibido.
Entretanto, o alerta de mau presságio surge logo no início da trama. Anna se vê obrigada a fazer uma dura escolha, na qual sairia prejudicada em qualquer das decisões. Ela escolhe aquela que aparentemente lhe traria mais felicidade, mas descobre que a realidade pode ser muito mais cruel que as perdas, julgamentos e preconceitos que terá de enfrentar.
O enredo é extremamente realista e demonstra claramente como a sociedade sempre impôs regras e viveu de hipocrisias e aparências, pouco se preocupando com a infelicidade alheia, especialmente das mulheres. Estas, quando casadas, sujeitavam-se a convenções bastante permissivas e condescendentes com as aventuras masculinas, porém severas e intolerantes com as necessidades femininas. E assim, muitas mulheres eram submetidas ao menosprezo ou aprisionavam-se a relacionamentos frios e abusivos, sob as bênçãos daquela estrutura machista.
A direção de Edmund Goulding é segura e precisa o tempo todo. Mesmo não dispondo do som, conseguiu transmitir a forte e contundente mensagem da trama - apesar de que esta versão não foi muito fiel à obra literária. As modificações no desfecho serviram para amenizar consideravelmente o trágico destino de Anna Karenina, deixando no ar um resquício de esperança inexistente no realismo de Tolstói.
"Doctor Zhivago" (Doutor Jivago) é um filme britânico baseado no romance de Boris Pasternak, dirigido por David Lean, um cineasta premiado com dois Oscar por seus grandes épicos 'A Ponte do Rio Kwai' (1957) e 'Lawrence da Arábia' (1962). O filme Lawrence da Arábia, inclusive, revelou o ator Omar Shariff e rendeu-lhe o Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar como Ator Coadjuvante.
"Doutor Jivago" traz um romance ambientado na Rússia, aproximadamente de 1905 a 1929, quando ocorrem eventos turbulentos como a revolução Bolchevique, o assassinato da família do Czar Nicolau Romanov, a primeira guerra mundial e a tomada do governo soviético por Lenin, seguido por Stalin. Na obra de Pasternak, o romance vivido por Jivago (Omar Shariff) e Lara (Julie Christie) não tem a mesma relevância do filme, ao contrário, o livro é um relato realista do autor, que vivenciou aquele período de conflitos e agitações sociais. O filme, por outro lado, usa esses eventos para emoldurar a história de Jivago, mostrando as consequências daqueles severos acontecimentos na vida pessoal, profissional e amorosa dos personagens.
Com certeza o filme se passaria de maneira totalmente diferente, caso tivesse sido dirigido por um cineasta russo adepto do realismo independente. David Lean e Omar Shariff construíram um Zhivago altruísta, sensível, que vivia com os olhos marejados de lágrimas. Um médico dedicado e um poeta apaixonado. A carga dramática do filme é tanta, que vai além da interpretação do elenco e invade a fotografia e a trilha sonora.
As tentativas constantes de trazer emoção ao público, tornaram a história ainda mais melodramática. Claro que estamos falando de um grande filme, um clássico incensado por cineastas e estudiosos, mas acredito que merecia uma fotografia melhor, sem os exagerados artifícios de luz e sombra sobre o rosto dos personagens - e com menos ênfase na música incessantemente executada durante o filme, a qual acabou ficando conhecida como 'Tema de Lara'. Escutá-la durante as mais de 3 horas de exibição do filme deixa qualquer um incomodado, realmente.
O filme continua grandioso e com um valor histórico relevante, para compreendermos um pouco do que foi o começo do século passado, com suas revoluções, guerras e transformações sociais e políticas.
Assim como 'A Balada do Soldado', este não é um filme sobre a guerra, embora tenha como ambientação o período em que o exército soviético participou do conflito. "The Cranes are Flying" (Quando Voam as Cegonhas) é uma verdadeira joia cinematográfica, ganhadora de importantes prêmios e totalmente restaurada - com imagem e som digitais - pela produtora Mosfilm, no ano de 1973. Dirigido por Mikhail Kalatozov, o roteiro é uma adaptação do espetáculo teatral 'Eternamente Vivos' do dramaturgo Viktor Rozov, com fotografia de Sergey Urusevsky - considerado um dos melhores cinegrafistas de todos os tempos.
A fotografia de Urusevsky é espetacular. Além da elegância do preto e branco, em várias cenas ele faz uso da iluminação tanto para aumentar a carga dramática, quanto para destacar o fulgor dos apaixonados. Os closes no belo rosto de Tatjana Samojlova são quase etéreos. Algumas sequências, por outro lado, são vertiginosas, com movimentos acelerados, ângulos e giros capazes de traduzir com exatidão toda a urgência e desespero dos personagens. Pura maestria.
O roteiro nos fala sobre os hiatos e desgraças resultantes da guerra, mas também aborda o heroísmo anônimo daqueles jovens que, não suportando ver seu povo e sua terra ameaçados, tornaram-se voluntários e arriscaram suas vidas pela pátria. Para muitos daqueles rapazes - e para quem eles deixaram para trás - essa escolha resultou em amores interrompidos, sonhos nunca realizados, longas esperas e perdas dolorosas, capazes de apagar o brilho do olhar, arrancar o sorriso do rosto e consumir para sempre as esperanças de seus corações.
O filme é lindo e confirma o potencial e a importância das produções soviéticas/russas na história do cinema mundial.
"The Invisible Ghost" (O Fantasma Invisível) é um filme de terror de apenas 64 minutos, estrelado pelo ator Bela Lugosi que, algum tempo depois, se tornaria o mais conhecido e longevo Drácula do cinema. O que tem de surreal neste filme é o seu roteiro, totalmente improvável e desafiador dos limites de bom senso, entretanto, capaz de (pelo menos em uma das cenas) causar um susto genuíno e um arrepio gelado.
O filme foi feito com baixo orçamento. Nos seus aspectos técnicos, chamam a atenção o posicionamento das câmeras, os cenários vazados e a iluminação reversa, muito usada naquela época para gerar sombras assustadoras no rosto dos personagens.
Assistir aos filmes antigos é sempre um prazer. Imaginar as dificuldades e limitações técnicas da época em que foram feitos os tornam ainda mais especiais e únicos. Porém, a falta de cuidado com as tramas - como acontece neste filme - é notória. A maneira como são conduzidas as investigações de crimes, por exemplo, a forma de obtenção das provas, as conclusões precipitadas da polícia e a falta de fundamento com que são condenados os réus são mais assustadores do que a temática de terror.
Me pergunto se naquela época a polícia e a justiça se comportavam realmente da forma como mostram os filmes, ou se os roteiristas eram apenas ruins, mesmo.
Quando se trata de ilustrar as tragédias ou dramas humanos, com pessoas comuns, o cinema russo é insuperável. E ainda faz isso com as doses certas de realismo e sensibilidade. No filme "Vor" (O Ladrão), há um conjunto de elementos que resultam em emoção e perfeição. Dirigido por Pavel Chukhraj, o longa foi um dos 5 indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1998.
Começando pelo roteiro, o filme narra a história de um menino cujo pai foi gravemente ferido na guerra e faleceu 6 meses antes de seu nascimento. A ausência e a constante busca pela figura paterna irão acompanhá-lo durante a vida inteira. Mesmo sem ter conhecido o pai, Sanja (Mikhail Filipchuk) consegue materializá-lo em sua imaginação, mas sempre de forma distante, contemplativa. Quando sua mãe conhece Toljan (Vladimir Mashkov) e decide ir morar com ele, Sanja é orientado a chamá-lo de pai.
Nesse ponto, a trama vai traçando claramente um paradoxo: de um lado, o pai desconhecido e idealizado, um herói ausente. Do outro, um larápio mentiroso e sedutor que, meio às avessas, ensina a Sanja os primeiros passos na vida. Toljan o protege, ao mesmo tempo em que o agride; é a única figura masculina que Sanja conhece, um arremedo paterno que não merece sua admiração mas que, ainda assim, consegue despertar no coração dele um amor genuíno.
O pequeno ator que interpreta Sanja é simplesmente perfeito. Com um olhar profundamente expressivo, ele consegue transmitir toda a força de seus sentimentos: medo, raiva, indignação, amor e dor. É maravilhoso vê-lo atuando e apreciar, com a ajuda da câmera de Vladimir Klimov, os detalhes de seu rosto belo e angelical. Aliás, são impecáveis a fotografia, o figurino e a direção de arte, contribuindo para que este se torne mais um clássico do cinema.
"Ballada o Soldatje" (A Balada do Soldado) é um clássico do cinema russo. Um filme poético, com uma fotografia deslumbrante. Não se trata de um relato sobre a guerra, e sim sobre os 6 dias de licença em que o soldado Alyosha (Vladimir Ivashov) se ausenta do front para visitar sua mãe.
Alyosha é um filho amoroso, um jovem prestativo e ingênuo. Na guerra, era o encarregado do posto de observação. Um dia, sob ataque, Alyosha consegue abater dois tanques alemães e torna-se herói de guerra. Mas, ao invés de receber a condecoração, ele pede ao General para deixá-lo ver sua mãe. Durante essa viagem, ele irá se deparar com pessoas que necessitarão de sua ajuda, mas também encontrará o seu primeiro amor.
Tudo no filme é magnífico. A fotografia, em preto e branco, prima pela perfeição tanto nos planos abertos, quanto ao aproximar-se do rosto dos personagens, revelando seus belos detalhes. Impossível não se encantar também com a narrativa, principalmente nos momentos em que a câmera acompanha a solidão dos personagens. Quase podemos sentir sua dor.
Uma direção precisa e zelosa, de Grigoriy Chukhrai. Lendo um pouco sobre ele, descubro que foi voluntário e também serviu durante a segunda guerra. Seu filho, Pavel Chukhrai, seguiu sua paixão pelo cinema, é cineasta e já teve um filme indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro ('O Ladrão' - 1997).
O cinema tcheco nos deixou este tesouro, que parece não ter sofrido a ação do tempo. Uma fábula que permanece atual e perfeitamente aplicável a qualquer sociedade, em qualquer momento. "The Cassandra Cat" (Um Dia, Um Gato) foi lançado em 1963, contendo uma crítica social e política corajosa de Vojtěch Jasný, visto que a República Tcheca vivia um período conturbado, sob o domínio da União soviética.
O filme é, à primeira vista, uma fábula singela contada 'com mais verdade que fantasia', como informa um velho senhor do alto da torre do relógio, que tem uma vista panorâmica do vilarejo. O contador de histórias chama-se Oliva (Jan Werich) e, num tom brincalhão, nos lembra a máxima: 'vê melhor quem vê de cima'. Em seguida, ele passa a apresentar um a um, os personagens da trama.
Entre os habitantes do vilarejo estão o professor Robert (Vlastimil Brodský) e o diretor da escola (Jiří Sovák), que representarão metaforicamente a divisão entre o autoritarismo e a liberdade. Um dia, chega à cidade uma trupe circense com um gato peculiar. Ele tem o poder de revelar os defeitos e virtudes das pessoas, atribuindo-lhes determinadas cores. Assim, o animal torna-se um perigo e uma ameaça a todos - exceto às crianças, que o adoram.
O tema do filme parece extremamente atual, bastando substituir o gato pelas tecnologias que permitem a quebra da privacidade e intimidade, tão comuns hoje em dia. Na internet, por exemplo, basta um instante para que se retire o véu e se desnudem os alvos, seja a contragosto, por distração ou exibicionismo. O fato é que, dificilmente alguém estaria imune aos efeitos do tal olhar felino, sujeitando-se a arcar com as perdas e julgamentos (ou cancelamentos, para ser mais atual).
O filme é maravilhoso e memorável. Além da crítica social, o enredo mostra uma revolução interessante e pacífica, promovida pelas crianças do vilarejo. Imagine falar sobre isso num período político em que a Tchecoslováquia vivia sob regime soviético...
Sem dúvida, é uma obra que merece visibilidade e destaque. A fotografia apresenta as limitações da época, mas ainda é capaz de impressionar cor suas cores vivas e saturadas, conferindo um ar surrealista para a trama. Puro cinema de arte!
"Marrowbone" (O Segredo de Marrowbone) é um terror psicológico fraquinho, que vai muito bem até o segundo ato, mas tem uma conclusão estapafúrdia, que mais parece querer colocar em prática os devaneios de um roteirista que insiste num plot twist a qualquer custo.
Sergio G. Sánchez tem bons títulos no currículo. São dele os roteiros de 'O Orfanato', 'Fim dos Tempos' e 'O Impossível', mas é que a temática deste "Marrowbone" merecia um pouco mais de atenção. A história tinha, sim, muitos elementos ricos e que poderiam ter sido melhor explorados, aprofundados, ao invés da aposta na reviravolta súbita, típica de finais impactantes mas que, às vezes, tem efeito oposto.
Tudo bem que em filmes de terror o que menos importa é a motivação. Em geral, os serial killers e psicopatas simplesmente começam a matar e pronto. Mas havia neste filme o cuidado e a vontade de torná-lo diferente, isso é notório. Não se trata aqui de um mero filme de terror. Então, o esmero em tornar a trama mais densa, investir em mais camadas, talvez tivesse feito mais justiça com toda aquela produção.
O temido assassino, por exemplo, não passa de uma sombra, um borrão no canto de uma tela... seus atos brutais foram informados en passant na trama, por meio de imagens de velhos jornais. Só isso. O arco do personagem Jack (George MacKay) também é muito louco (sem trocadilhos), dando a entender que o problema dele foi desencadeado após o reaparecimento terrível do pai e da violência que se seguiu. Não muito convincente. Parece mesmo roteiro de série televisiva, onde tudo é possível, ainda que não faça sentido.
Por outro lado, o elenco é bastante competente. O filme conta com atores jovens cujo talento é bem reconhecido, como Anya Taylor-Joy, George MacKay e Charlie Heaton. A fotografia também é perfeita. Ou seja, um filme tecnicamente bem feito, mas atrapalhado pelo desfecho.
Como contar uma história cercada de mistérios, envolvendo paranormalidade e uma intrincada teia de acontecimentos que mais parecem um caleidoscópio temporal? O diretor Nicolas Roeg conseguiu essa façanha ao desenvolver a trama de "Don't Look Now" (Inverno de Sangue em Veneza) de uma forma que deixa o público tão perdido e atônito quanto o personagem John Baxter (Donald Sutherland). Desde as primeiras cenas e diálogos, o diretor vai deixando indícios e sinais que só farão sentido - ou serão percebidos - quando se assiste ao filme novamente.
O próprio título original já dá uma grande pista, indicando que o presente não é para ser olhado, mas 'enxergado'. Logo nos primeiros diálogos com sua esposa Laura (Julie Christie), John Baxter afirma que "nem tudo é o que parece" mas, infelizmente, ele se esquece disso mais adiante, quando persegue o que imagina estar vendo, pelos túneis de Veneza. A dor da perda turvou seu raciocínio e a sensação da culpa selou seu destino.
O roteiro e a forma escolhida para a narrativa do filme são extremamente inteligentes, instigando-nos a imaginar se haveria como impedir uma tragédia antecipada, se o dom de antever os acontecimentos seria suficiente para evitá-los. Ou se já estamos tão enredados pelo destino, que de nada adiantaria... como aconteceu com John Baxter, que ao visualizar o futuro não o compreendeu - e o confundiu com o presente.
Este filme até hoje é consagrado como um dos melhores do gênero, um suspense psicológico perfeito. A atmosfera é sombria, mostrando uma Veneza escura, deserta, banhada por águas infectadas por ratos e vielas ameaçadoras. Um clássico!
"Dragonwyck" (O Solar de Dragonwyck) marca a estreia de Joseph Mankiewicz (Mank) como diretor e roteirista em um mesmo filme. Antes, Mank alternava essas funções, ora dirigindo, roteirizando ou produzindo. A história do longa é uma adaptação do livro 'Dragonwyck', escrito por Anya Seton, e lembra um pouco o enredo de Rebecca, filme que Alfred Hitchcock levara às telas de cinema 6 anos antes.
Em "Dragonwyck" o protagonista é interpretado por Vincent Price, um ator que, anos mais tarde viria a tornar-se o vilão dos filmes de Roger Corman. Vincent tinha uma performance teatral poderosa e, neste filme, transpõe apenas com sua voz e expressões do rosto as fronteiras entre o perverso e o sedutor, o louco e o tirano. Seu personagem, um rico herdeiro de terras - Nicholas Van Ryn - é o espelho de uma aristocracia doente, envaidecida pelas riquezas que mantém devido à exploração da força de trabalho alheia.
Talvez Mank quisesse registrar uma crítica social, visto que destaca a humilhação sofrida pelos trabalhadores e mostra como eles se insurgem contra Nicholas, reivindicando o direito ao que cultivam. Foi válido destacar esses absurdos, ainda mais considerando-se a época em que filme foi lançado (logo após o término da guerra), mas o problema de muitos enredos é a construção da personalidade do anti-herói calcada em características estereotipadas, como a do ateu preconceituoso. Afinal, nem todo religioso é bom; e nem todo ateu é mau.
Destaco também o pomposo cenário construído para o filme, que deve ter custado alguns milhões de dólares à Twentieth Century Fox.
"Terapia do Medo" é uma aposta do cinema nacional para ingressar em novos gêneros, como os filmes de terror e suspense. Dirigido e roteirizado por Roberto Moreira, o longa tem a participação de Cléo Pires e Sérgio Guizé.
É um filme de baixo orçamento, com alguns problemas de qualidade, como as tomadas aéreas feitas com drone e as interpretações extremamente engessadas e sem naturalidade, que falham na criação de uma atmosfera de medo ou terror.
O roteiro merecia ser melhor trabalhado, ganhando em profundidade e ritmo, e também com elementos que lhe conferissem um pouco mais de coerência. Entretanto, considerando as inúmeras limitações que o cinema nacional enfrenta, a produção garante um bom entretenimento. Vale conferir, sem muitas expectativas.
"Thirteen at Dinner" (Treze à Mesa) é uma adaptação do livro homônimo de Agatha Christie, famosa escritora britânica de contos policiais, nos quais o assassino dificilmente era descoberto antes do final da história.
Nos livros, seu personagem principal - e também neste filme - é Hercule Poirot, um experiente detetive que não se deixa enganar por falsos indícios e que, ao final, sempre desvenda o mistério e revela os verdadeiros culpados pelos crimes.
Um filme antigo com sabor de sessão da tarde. Divertido, mas sem muita qualidade técnica. O elenco conta com os ótimos Faye Dunaway e Peter Ustinov. Ustinov, aliás, interpreta o detetive Poirot em outras adaptações feitas pela Warner Bros Inc. e que integram a coletânea intitulada 'The Agatha Christie Collection'.
Entre os 16 e 17 anos, a juventude tem força e intensidade para atravessar o universo. Realmente, a sensação é de que somos infinitos e alvorecemos a cada dia. Todas as emoções são superlativas, tanto as boas quanto as ruins; é o momento em que abraça-se o mundo acreditando que ele irá retribuir.
Mas a vida está lá para lembrar que as dores existem, que a euforia termina e a tristeza se instala; e a parte ruim é que ainda não houve tempo suficiente para esquecer os traumas da infância e poder, assim, suportar com tenacidade todos os desafios do presente.
É sobre essa época intensa, linda e profunda na vida de um grupo de adolescentes, que se desdobrará a trama de "The Perks of Being a Wallflower" (As Vantagens de Ser Invisível). Pelo começo do filme, o roteiro parece que vai caminhar para um drama romântico teen - e na verdade é isso mesmo - mas à medida que vão se revelando as camadas de cada personagem, são abordados temas importantes, como a solidão, a falta de amigos, o suicídio, o abuso infantil e os relacionamentos tóxicos.
A trilha sonora é perfeita, entretanto, as interpretações estão apenas satisfatórias, sem muita carga dramática nos momentos mais intensos, apesar do elenco trazer nomes de peso, como Emma Watson, Joan Cusack, Nina Dobrev e Paul Rudd. É um filme bonito, e que ainda reserva um desfecho inesperado.
O filme "Girl, Interrupted" (Garota, Interrompida) tem um roteiro que hoje pode ser considerado comum, abordando casos de pessoas que, em um momento de dor ou desespero, cometeram atos de desatino e acabaram recebendo o diagnóstico de portadoras de distúrbios psiquiátricos graves.
A consequência, muitas vezes, são as internações em centros de tratamento para doenças mentais, levando-as a conviver com outros pacientes e outros tipos de transtornos, o que pode agravar ou até desencadear problemas reais em quem apenas passava por um momento de desorientação.
Basicamente esse é o enredo central do longa, que vai contar a história da jovem Susanna (Winona Rider), uma garota que se sente deslocada e perdida, sem planos para o futuro. Em um momento de desespero, ela comete um ato que a levará a uma clínica de tratamento psiquiátrico. Nesse ponto, o roteiro se fragmenta e insere outros personagens e subtramas, para emoldurar a história de Susanna.
O filme, apesar de conseguir segurar nossa atenção (em parte pelo brilhante elenco), é mediano e não justifica a sua longa duração. Whoopi Goldberg e Vanessa Redgrave sempre maravilhosas, mas quem rouba a cena mesmo é Angelina Jolie, que está perfeita e implacável no papel da agressiva Lisa Rowe.
Para um filme longo, o desfecho também parece fraco e apressado, sem profundidade. Apenas mais do mesmo.
"Corações Sujos", um filme do diretor Vicente Amorim, conta um pouco da história da colônia japonesa que havia se instalado no interior de São Paulo, antes da segunda guerra. Em 1945, quando o Japão foi derrotado e o imperador Hiroito assinou sua rendição, parte dos japoneses que viviam aqui (os nacionalistas) não acreditavam na derrota de seu país, e achavam que essa suposta 'desonra' era uma mentira e uma estratégia dos aliados.
Os nacionalistas criaram então uma organização terrorista chamada Shindo Renmei, composta por fanáticos que cometiam violentos assassinatos contra japoneses que tentavam alertar ou falar a verdade sobre a guerra. Quem ousasse mencionar isso, seria considerado um traidor e ganhava o apelido de 'coração sujo', colocando sua vida em risco imediatamente. Naquela época, mais de 300 japoneses foram assassinados e, até hoje, seus descendentes guardam na lembrança esse passado doloroso.
No elenco temos Eduardo Moscovis e vários atores já reconhecidos do cinema japonês, que entregam um trabalho excelente. Um filme que dignifica o cinema nacional e volta o olhar para a nossa história. Embora seja difícil para um brasileiro compreender o que significou para o povo nipônico a derrota de seu país, o roteiro choca pela revelação de um passado de violência crua, que muitos desconheciam.
Na fotografia de "About Endlessness" encontra-se uma estética comparável à das obras de arte, onde todos os elementos se complementam - figurinos, cenários e pessoas - de uma forma tão harmônica que despertam uma agradável sensação de sossego, de refinamento sem excessos. A paleta de cores é delicada, em tons suaves de azul, verde e sépia, complementando-se ao cinza, branco e grafite, resultando numa experiência visual única, bela, semelhante a de quem repousa o olhar numa pintura em movimento.
A narrativa do filme é feita em 'off', por uma voz feminina que não é identificada na trama. A voz vai descrevendo diversas passagens na vida de diferentes pessoas, sem contudo emitir nenhum juízo de valor sobre elas. Tudo pode ser relevante, desde as situações mais banais (um carro quebrado), trágicas (a guerra, ou uma tragédia familiar) e sentimentais (a perda de um filho, ou o primeiro amor), porque o objetivo do filme é demonstrar, através de cada uma dessas vivências, o quanto a vida se complementa e se conecta. Essa, talvez, seja a expressão de uma visão metafísica ou quântica que Andersson tem do mundo e da existência.
Então, assim como o título entrega, o filme fala sobre o que não se extingue, o que é eterno. Num dos diálogos da trama - entre um casal de namorados - é explicada uma das leis da termodinâmica, segundo a qual tudo o que existe no universo é energia, inclusive nós. Essa energia é interminável e não pode ser destruída, apenas transformada. Sendo assim, podemos inferir que Andersson, um diretor já em sua maturidade, compartilhou conosco o seu pensamento sobre vida e morte.
Nessa visão metafísica, matéria e consciência são manifestações do todo. E nós, somos parte de tudo... Lembremo-nos disso ao pensar na morte, pois nossa centelha jamais se apagará. Lembremo-nos disso ao mudar algo em nós, pois estaremos mudando o mundo.
"A Pigeon Sat on a Branch Reflecting on Existence" (Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência) é um título esquisito para um filme que também parece esquisito. Este longa, dirigido por Roy Andersson, ganhou vários prêmios e foi indicado para representar a Suécia no Oscar de 2016, na categoria Melhor Filme Estrangeiro, mas não ficou entre os selecionados.
Apesar da aceitação pelo público e crítica, é bom lembrar que este longa integra uma trilogia e que seu conteúdo é melhor aproveitado quando se assiste aos dois filmes anteriores ('Canções do Segundo Andar' e 'Vocês, Os Vivos'), pois o cineasta propõe uma série de situações existenciais diferentes e deixa boas mensagens em cada obra. Com os três filmes, fica claro o quanto Andersson é um filósofo sarcástico e brincalhão, do tipo que usa os absurdos para falar sobre a inconveniente realidade.
A sensação incômoda vai diminuindo à medida que nos familiarizamos com sua linguagem diferente, já que a primeira impressão é de que tudo parece excessivamente depressivo - a começar pelos personagens pálidos e apáticos - por vezes imóveis - pela fotografia e figurino de cores quase sem tons, pelas locações antigas e claustrofóbicas... enfim, um mundo tedioso e desprovido de vigor e alegria. Tão sisudo e triste quanto os dois personagens que vendem produtos para 'entreter e divertir'.
É bem verdade que este filme não tem a mesma carga de humor dos anteriores. Ele já começa com 3 contos sobre a morte: o primeiro nos lembra que ela chega assim, do nada; o segundo, mais engraçado, mostra o quanto algumas pessoas se apegam aos seus bens, até o fim; e o terceiro, onde o humor negro mais se pronuncia, um homem morre num self-service e deixa paga uma refeição que ninguém quer dividir.
Neste longa, Andersson também foi mais crítico e ácido. Na forte cena sobre a escravidão, ele volta a quebrar a 4ª parede quase querendo nos indagar se entendemos bem a mensagem. Enfim, vale muito a pena assistir toda a trilogia. É um cinema interessante, com linguagem inovadora e inteligente.
A paleta de cores que Roy Andersson escolheu para retratar o cotidiano em "Du Levande"(Vocês, Os Vivos) é cinza, branca e grafite. Não por acaso, pois a apatia que essas cores transmitem combina com a arrastada melancolia de personagens cansados e entristecidos com suas rotinas. Entretanto, Andersson não constrói um universo dramático, ao contrário, ele extrai um humor meio irônico e sutil das situações humanas. A fleuma do povo sueco fica muito engraçada em situações que beiram o ridículo, o surreal. Rir de nossas falhas, pedir o perdão divino, discutir por coisas banais e sonhar com mudanças fazem parte da vida de todo mundo. E é sobre isso que ele fala, de uma maneira às vezes brincalhona, às vezes não.
Andersson retrata, em maioria, casais na meia idade levando a vida no automático. O sexo é desprovido de erotismo ou envolvimento, não há sorrisos ou beijos apaixonados, apenas uma espécie de resignação e desinteresse, só quebrados em raros momentos onde os personagens começam a perturbar o silêncio uns dos outros, ou quebrar a rotina de alguma forma. As mulheres, por outro lado, também entediadas, gritam, reclamam incessantemente de suas vidas, mas não fazem nenhum esforço para mudar algo.
É um filme onde até os animais não expressam vivacidade. Também há raríssimas crianças no filme, mas sem nenhum papel relevante. Há apenas uma jovem, Anna (Jessica Lundberg) que parece ter sonhos e expectativas ao se apaixonar por Micke (Eric Bäckman) um cantor da banda 'Black Devils', com quem ela se encontrou uma única vez, mas começa a idealizá-lo como uma típica fã de artista, sonhando casar-se com ele. Aliás, Anna é a única com um pouco de cor no vestuário. O longa dá um destaque aos sonhos (bons e maus), como se fossem uma janela que a mente tem para se aventurar e quebrar o marasmo.
O filme, assim como o anterior ('Canções do Segundo Andar'), coloca o ser humano em apartamentos minimalistas, que parecem caixotes numa cidade cinzenta e individualista, onde as pessoas olham mais para o vazio do que para o outro. Uma tempestade fortíssima é mais capaz de chamar a atenção de todos, do que um homem tendo um AVC em frente aos seus empregados. Estamos mesmo vivos? É uma das perguntas que ficam reverberando. Andersson, às vezes, quebra a 4ª parede parecendo querer falar conosco: 'o que estão olhando? por que não cuidam de suas próprias vidas?'.
O longa tem um desfecho bem significativo. Os personagens costumam dirigir seu olhar para cima, como se almejassem ou dirigissem suas esperanças para a providência divina. Mas do céu, o próprio homem nos faz lembrar o quando a vida pode ser frágil e pouco importante.
Melhor tentarmos reagir o quanto antes, e buscar a felicidade por nossos próprios meios.
Este é o primeiro filme que assisto do diretor sueco Roy Andersson. Recentemente, descobri sua 'Trilogia do Ser Humano' e fiquei bastante curiosa para conhecer essas obras. O primeiro deles chama-se "Sånger Från Andra Våningen" (Canções do Segundo Andar), uma comédia dramática dividida em contos, cada um mostrando personagens que enfrentam momentos extremos de suas vidas.
São situações drásticas que beiram o absurdo, o ridículo e o constrangedor, mas narradas de uma forma tão diferente que a sensação de estranhamento demora a passar. Só depois que conseguimos realmente imergir naquele universo esquisito, é que tudo começa a fazer sentido. A trama, a princípio, parece seguir por caminhos sóbrios e pesados, mas depois torna-se deliciosamente nonsense e engraçada, com aquele humor sutil e inteligente. À medida que o filme caminha para seu terço final é que as histórias vão fazendo sentido e aí fica bem claro o que o filme queria nos dizer. E são muitas, muitas mensagens mesmo!
Um trabalho de direção primoroso, pois não é tarefa fácil montar um roteiro onde tudo parece um grande quebra-cabeças, e cada peça tem sua função e se encaixa perfeitamente. Não é por acaso que o filme faz uso constante da profundidade de campos, onde mais de uma história estará sendo contada ao mesmo tempo, num mesmo plano.
O filme nos mostra pessoas por volta da meia idade, uma época da vida em que já não dá mais pra mudar muitas coisas e que seremos forçados seguir com a velhice sob o peso de nossas escolhas. Explora uma desconfortável nudez madura, sem potencial erótico e parecendo até contribuir para a carga dramática. Aliás, é como se essa fase da vida fosse marcada pelo patético, pelo ridículo risível, mas também pela inutilidade e invisibilidade.
A crítica ao sistema corporativo está fortemente presente no filme, mas sempre com um toque de humor ou ironia - como em uma reunião de trabalho em que está presente uma vidente e sua bola de cristal. Mas há também mensagens relevantes, lembrando que dívidas, culpas e erros do passado podem assombrar o futuro; que num mundo desprovido de sensibilidade, as pessoas que amam ou sofrem demais correm o risco de ser consideradas loucas; que confiar demais nas pessoas erradas pode ferir e até matar; que não adianta juntar muita bagagem, porque depois não vai dar para carregá-la; que todos merecem ser amados e que, no fim, todos são iguais e a fama ou bens materiais não servirão para nada.
São muitas histórias que, certamente, vão despertar valiosas reflexões. O filme todo é memorável, mas há três contos que merecem destaque: o velho general, que completa 101 anos; a menina com a venda nos olhos, que caminha para o despenhadeiro; e o homem que banaliza e comercializa os símbolos religiosos.
Anna Karenina
3.7 1,2K Assista AgoraJoe Wright, que já vinha de produções como 'Desejo e Reparação' e 'Orgulho e Preconceito', fez uma escolha ousada e original ao decidir recontar uma história já bastante conhecida, tanto por leitores de clássicos quanto por amantes do cinema: "Anna Karenina", a personagem que dá título ao livro de Leo Tolstói já foi vista nas telonas incontáveis vezes, interpretada por atrizes renomadas como Greta Garbo, Vivien Leigh e Tatyana Samoylova, para citar algumas.
Mas Joe Wright resolveu inovar justamente na forma de contar novamente a mesma história. Com um design de produção inspirado na linguagem teatral, seu filme torna-se impactante e genial. É fascinante poder acompanhar as composições cênicas, as mudanças de cenários e iluminação feitas em tempo real, vendo os atores transitando entre diferentes ambientes, o que confere uma atmosfera de fábula ao enredo marcado por dramas e tribulações.
Cada detalhe demonstra o cuidado e o alto investimento que a produção mereceu, seja pela escolha do elenco, pelos elegantes figurinos, pela clássica trilha sonora ou pelos ricos cenários que, muitas vezes, emolduram as cenas como se estivéssemos diante de belas pinturas. Por tantos acertos, talvez o filme futuramente mereça um melhor reconhecimento, embora tenha recebido muitos prêmios, especialmente pelo figurino (Oscar - 2013) e direção de arte.
Joe Wright também optou por investir novamente na parceria com Keira Knightley, uma atriz perfeita para personagens de época. Temos também os ótimos Jude Law (Alexei Karenin) e Domhnall Gleeson (Konstantin Levin), embora a escolha de Aaron Taylor-Johnson para o Conde Vronsky não tenha me convencido muito. A ambientação da trama remonta ao início do século passado, mas sua narrativa foi modernizada em muitos trechos e algumas passagens do livro foram suprimidas, talvez por serem difíceis de compreender atualmente, como por exemplo, a exigência do Conde Vronsky para que Anna abandone seu filho, ou o momento em que Anna afirma temer os castigos do marido.
Outro ponto deve ser ressaltado: assim como aconteceu em adaptações anteriores, o enredo pode tornar-se confuso para aqueles que ainda não conhecem a história dos personagens. Com a estética e a linguagem teatral deste filme, pode ser que a imersão fique prejudicada para algumas pessoas. Entretanto, aqueles que já se emocionaram antes com esta protagonista tão apaixonada e atormentada, provavelmente irão gostar de ver Anna Karenina em grande estilo, uma vez mais.
Anna Karenina
4.0 15Este longa dirigido por Aleksandr Zarkhi talvez seja a versão mais completa da obra de Leon Tolstói, "Anna Karenina". Apesar do elenco um tanto fraco e de algumas falhas na edição, que tornam a história meio confusa para quem a desconhece, o filme conservou uma dramaticidade regrada, sem muitos exageros. Deu ênfase à maneira diversa como a sociedade encara as traições feminina e masculina, e não se preocupou muito em reverenciar a maternidade ou a paternidade.
As características que distinguem o cinema soviético do cinema europeu e americano se fizeram perceber com bastante clareza na construção da narrativa. Diferente dos filmes anteriores, Anna Karenina não foi retratada como uma vítima desesperada e sujeita a relacionamentos abusivos, ao contrário, por vezes assumiu friamente as consequências de seus atos e mostrou-se uma mulher segura, provocante e ciente de seu poder de sedução.
Interessante também notar que os personagens masculinos perderam destaque e força, se comparados às suas versões ocidentais. O esposo de Anna, antes interpretado como um homem indiferente, cruel e autoritário, neste filme mostrou-se quase derrotado ou destruído emocionalmente, solitário e suscetível ao sofrimento causado pela separação. O Conde Vronsky tornou-se um mero coadjuvante, figura pouco expressiva e sem a aura de fascínio que exercia sobre o público feminino.
Talvez seja este o efeito do famoso realismo soviético, lembrando-nos que a vida continua seguindo seus rumos, a despeito das aflições.
Maligno
3.3 1,2K"Malignant" (Maligno) é o novo filme de terror do super roteirista e diretor James Wan. O mesmo de 'Anabelle', 'A Freira', 'Jogos Mortais' e até 'Aquaman'... ou seja, ele já provou ser bastante original. Mesmo assim, não deve ser fácil ser roteirista de filmes de terror e precisar inovar, beber de novas fontes... já que praticamente todo tipo de aberração já foi imaginada para despertar o medo e deixar o público com a respiração presa.
Desta vez, a criatividade para desenvolver uma criatura maligna diferente surpreendeu mesmo. Mas a surpresa se deu pela impossibilidade de que a tal anomalia (se podemos classificar assim) pudesse apresentar o resultado mostrado da tela. Para aqueles mais curiosos, que se aventurarem a pesquisar um pouco nos compêndios da medicina acerca da explicação fornecida no filme, a decepção será certa, pois o nível de imaginação usado na trama foi superlativo, ou seja, seriam necessários alguns tonéis de maionese para fazer aquela viagem ter algum sentido.
Bem, vê-se que a explicação para a origem da criatura é algo impossível. Agora, passemos para o próximo estágio:
- como explicar a sua conexão com a energia elétrica? hum... isso não foi nem mencionado;
- e quanto à velha e manjada resistência que essas criaturas têm às balas? sim, elas são quase imortais;
- e de onde vem sua enorme força física? não sabemos.
Pois é... com tantas perguntas, os filmes de terror poderiam ser divididos em duas partes: a primeira, quando ainda não sabemos de nada e apenas ficamos tensos e levamos uma série de sustos na nossa cadeira; e a segunda parte, quando algumas das perguntas começam a ser explicadas ou respondidas, fazendo com que a monstruosidade faça algum sentido. É nessa hora que tudo pode ir por água abaixo: quando desnudamos e encaramos a criatura olhos nos olhos, pois alguns monstros são mais assustadores enquanto desconhecidos ou não personificados. Principalmente se o terror é do tipo psicológico.
Assim sendo, com relação à primeira parte (os sustos), o filme é bem bacana, diferente e criativo. Já em relação à segunda, posso estar sendo muito crítica... mas achei fraco.
Anna Karenina
3.9 28Esta versão de "Anna Karenina" é estrelada por Vivien Leigh, que já vinha de uma carreira de sucesso no cinema, inclusive tendo recebido um Oscar de Melhor Atriz em 1940, pelo seu papel no filme '... E o Vento Levou'.
Esta também foi uma produção grandiosa, com investimentos vultosos em cenários e figurinos, mas não alcançou o sucesso esperado pela 20th Century Fox. O enredo, baseado no romance de Leon Tolstói já havia sido muito explorado em filmes anteriores, e parece não ter atraído a atenção do público.
Neste filme, dirigido por Julien Duvivier, a narrativa se alonga numa necessidade de explicar detalhes e minúcias da história, incluindo cenas supérfluas que, se suprimidas, não causariam nenhum impacto à trama e deixariam o filme mais enxuto. Apesar disso, o longa mantém a mensagem primordial do clássico de Tolstói, que é a crítica social, o equívoco em confundir-se a paixão com o amor e a crescente instabilidade emocional diante de tão efêmero sentimento.
O último ato inclui um voice over de Vivien Leigh (sim, este recurso é horrível) que demonstra toda a perturbação e inferno interior carregado pela personagem. A transformação em seu olhar, do tormento à resignação, é arrebatadora.
Anna Karenina
3.9 32 Assista AgoraO filme "Anna Karenina" é baseado no romance do escritor russo Leon Tolstói, uma história trágica e realista ambientada na Rússia do início do século XX e que detalha os crueis efeitos da paixão, do adultério e da hipocrisia nas convenções sociais da época - permissivas com os homens e intolerantes com as mulheres.
A dramática e trágica história de Anna Karenina já havia sido levada às telas 7 vezes antes desta versão de 1935. Aliás, uma dessas versões ('Love', de 1927) também traz Greta Garbo no papel principal, embora Greta não tenha sido a melhor Anna Karenina do cinema, pois essa personagem precisava de um lado frágil, submisso e apaixonado, ao contrário de Greta, uma diva do cinema que já havia firmado seu nome no rol da fama e construído em torno de si uma imagem forte, um tanto gélida e inatingível.
Apesar disso, Greta Garbo sozinha já conseguiria tornar qualquer filme especial; mais ainda ao lado de um premiado galã, como Fredric March. Esta produção também procurou ser fiel à obra de Tolstói e, sob a direção competente de Clarece Brown, não poupou o público da melancólica fatalidade.
O filme custou alguns milhões de dólares aos estúdios da MGM. Os cenários são grandiosos, aristocráticos; a direção de arte escolheu cada detalhe da ambientação prezando pelo luxo e elegância. Os figurinos também estão primorosos e a fotografia impecável. Certamente um clássico do cinema que, apesar de trazer uma história já conhecida do público, destaca-se pela qualidade técnica e pelo seu elenco ilustre.
Love
3.7 7"Love" é uma das várias adaptações feitas para o cinema, do romance Anna Karenina, escrito por Leon Tolstói. Esta versão não sonorizada, traz Greta Garbo no papel principal, o mesmo que ela interpretaria 8 anos depois (1935) em outro filme intitulado 'Anna Karenina'.
O enredo conta a trágica vida amorosa de Anna Karenina, uma mulher casada com um homem influente e poderoso, com quem vivia em meio à riqueza e aristocracia, porém num relacionamento sem amor e cercado de indiferença. Anna tinha um filho ainda pequeno, a quem se dedicava com afinco e, assim, suportava sua vida solitária e vazia. Um dia ela conhece o Conde Vronsky (John Gilbert) e apaixona-se perdidamente por ele, sendo plenamente correspondida nesse romance proibido.
Entretanto, o alerta de mau presságio surge logo no início da trama. Anna se vê obrigada a fazer uma dura escolha, na qual sairia prejudicada em qualquer das decisões. Ela escolhe aquela que aparentemente lhe traria mais felicidade, mas descobre que a realidade pode ser muito mais cruel que as perdas, julgamentos e preconceitos que terá de enfrentar.
O enredo é extremamente realista e demonstra claramente como a sociedade sempre impôs regras e viveu de hipocrisias e aparências, pouco se preocupando com a infelicidade alheia, especialmente das mulheres. Estas, quando casadas, sujeitavam-se a convenções bastante permissivas e condescendentes com as aventuras masculinas, porém severas e intolerantes com as necessidades femininas. E assim, muitas mulheres eram submetidas ao menosprezo ou aprisionavam-se a relacionamentos frios e abusivos, sob as bênçãos daquela estrutura machista.
A direção de Edmund Goulding é segura e precisa o tempo todo. Mesmo não dispondo do som, conseguiu transmitir a forte e contundente mensagem da trama - apesar de que esta versão não foi muito fiel à obra literária. As modificações no desfecho serviram para amenizar consideravelmente o trágico destino de Anna Karenina, deixando no ar um resquício de esperança inexistente no realismo de Tolstói.
Doutor Jivago
4.2 312 Assista Agora"Doctor Zhivago" (Doutor Jivago) é um filme britânico baseado no romance de Boris Pasternak, dirigido por David Lean, um cineasta premiado com dois Oscar por seus grandes épicos 'A Ponte do Rio Kwai' (1957) e 'Lawrence da Arábia' (1962). O filme Lawrence da Arábia, inclusive, revelou o ator Omar Shariff e rendeu-lhe o Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar como Ator Coadjuvante.
"Doutor Jivago" traz um romance ambientado na Rússia, aproximadamente de 1905 a 1929, quando ocorrem eventos turbulentos como a revolução Bolchevique, o assassinato da família do Czar Nicolau Romanov, a primeira guerra mundial e a tomada do governo soviético por Lenin, seguido por Stalin. Na obra de Pasternak, o romance vivido por Jivago (Omar Shariff) e Lara (Julie Christie) não tem a mesma relevância do filme, ao contrário, o livro é um relato realista do autor, que vivenciou aquele período de conflitos e agitações sociais. O filme, por outro lado, usa esses eventos para emoldurar a história de Jivago, mostrando as consequências daqueles severos acontecimentos na vida pessoal, profissional e amorosa dos personagens.
Com certeza o filme se passaria de maneira totalmente diferente, caso tivesse sido dirigido por um cineasta russo adepto do realismo independente. David Lean e Omar Shariff construíram um Zhivago altruísta, sensível, que vivia com os olhos marejados de lágrimas. Um médico dedicado e um poeta apaixonado. A carga dramática do filme é tanta, que vai além da interpretação do elenco e invade a fotografia e a trilha sonora.
As tentativas constantes de trazer emoção ao público, tornaram a história ainda mais melodramática. Claro que estamos falando de um grande filme, um clássico incensado por cineastas e estudiosos, mas acredito que merecia uma fotografia melhor, sem os exagerados artifícios de luz e sombra sobre o rosto dos personagens - e com menos ênfase na música incessantemente executada durante o filme, a qual acabou ficando conhecida como 'Tema de Lara'. Escutá-la durante as mais de 3 horas de exibição do filme deixa qualquer um incomodado, realmente.
O filme continua grandioso e com um valor histórico relevante, para compreendermos um pouco do que foi o começo do século passado, com suas revoluções, guerras e transformações sociais e políticas.
Quando Voam as Cegonhas
4.3 72Assim como 'A Balada do Soldado', este não é um filme sobre a guerra, embora tenha como ambientação o período em que o exército soviético participou do conflito. "The Cranes are Flying" (Quando Voam as Cegonhas) é uma verdadeira joia cinematográfica, ganhadora de importantes prêmios e totalmente restaurada - com imagem e som digitais - pela produtora Mosfilm, no ano de 1973. Dirigido por Mikhail Kalatozov, o roteiro é uma adaptação do espetáculo teatral 'Eternamente Vivos' do dramaturgo Viktor Rozov, com fotografia de Sergey Urusevsky - considerado um dos melhores cinegrafistas de todos os tempos.
A fotografia de Urusevsky é espetacular. Além da elegância do preto e branco, em várias cenas ele faz uso da iluminação tanto para aumentar a carga dramática, quanto para destacar o fulgor dos apaixonados. Os closes no belo rosto de Tatjana Samojlova são quase etéreos. Algumas sequências, por outro lado, são vertiginosas, com movimentos acelerados, ângulos e giros capazes de traduzir com exatidão toda a urgência e desespero dos personagens. Pura maestria.
O roteiro nos fala sobre os hiatos e desgraças resultantes da guerra, mas também aborda o heroísmo anônimo daqueles jovens que, não suportando ver seu povo e sua terra ameaçados, tornaram-se voluntários e arriscaram suas vidas pela pátria. Para muitos daqueles rapazes - e para quem eles deixaram para trás - essa escolha resultou em amores interrompidos, sonhos nunca realizados, longas esperas e perdas dolorosas, capazes de apagar o brilho do olhar, arrancar o sorriso do rosto e consumir para sempre as esperanças de seus corações.
O filme é lindo e confirma o potencial e a importância das produções soviéticas/russas na história do cinema mundial.
O Fantasma Invisível
3.0 20 Assista Agora"The Invisible Ghost" (O Fantasma Invisível) é um filme de terror de apenas 64 minutos, estrelado pelo ator Bela Lugosi que, algum tempo depois, se tornaria o mais conhecido e longevo Drácula do cinema. O que tem de surreal neste filme é o seu roteiro, totalmente improvável e desafiador dos limites de bom senso, entretanto, capaz de (pelo menos em uma das cenas) causar um susto genuíno e um arrepio gelado.
O filme foi feito com baixo orçamento. Nos seus aspectos técnicos, chamam a atenção o posicionamento das câmeras, os cenários vazados e a iluminação reversa, muito usada naquela época para gerar sombras assustadoras no rosto dos personagens.
Assistir aos filmes antigos é sempre um prazer. Imaginar as dificuldades e limitações técnicas da época em que foram feitos os tornam ainda mais especiais e únicos. Porém, a falta de cuidado com as tramas - como acontece neste filme - é notória. A maneira como são conduzidas as investigações de crimes, por exemplo, a forma de obtenção das provas, as conclusões precipitadas da polícia e a falta de fundamento com que são condenados os réus são mais assustadores do que a temática de terror.
Me pergunto se naquela época a polícia e a justiça se comportavam realmente da forma como mostram os filmes, ou se os roteiristas eram apenas ruins, mesmo.
O Ladrão
3.8 22Quando se trata de ilustrar as tragédias ou dramas humanos, com pessoas comuns, o cinema russo é insuperável. E ainda faz isso com as doses certas de realismo e sensibilidade. No filme "Vor" (O Ladrão), há um conjunto de elementos que resultam em emoção e perfeição. Dirigido por Pavel Chukhraj, o longa foi um dos 5 indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1998.
Começando pelo roteiro, o filme narra a história de um menino cujo pai foi gravemente ferido na guerra e faleceu 6 meses antes de seu nascimento. A ausência e a constante busca pela figura paterna irão acompanhá-lo durante a vida inteira. Mesmo sem ter conhecido o pai, Sanja (Mikhail Filipchuk) consegue materializá-lo em sua imaginação, mas sempre de forma distante, contemplativa. Quando sua mãe conhece Toljan (Vladimir Mashkov) e decide ir morar com ele, Sanja é orientado a chamá-lo de pai.
Nesse ponto, a trama vai traçando claramente um paradoxo: de um lado, o pai desconhecido e idealizado, um herói ausente. Do outro, um larápio mentiroso e sedutor que, meio às avessas, ensina a Sanja os primeiros passos na vida. Toljan o protege, ao mesmo tempo em que o agride; é a única figura masculina que Sanja conhece, um arremedo paterno que não merece sua admiração mas que, ainda assim, consegue despertar no coração dele um amor genuíno.
O pequeno ator que interpreta Sanja é simplesmente perfeito. Com um olhar profundamente expressivo, ele consegue transmitir toda a força de seus sentimentos: medo, raiva, indignação, amor e dor. É maravilhoso vê-lo atuando e apreciar, com a ajuda da câmera de Vladimir Klimov, os detalhes de seu rosto belo e angelical. Aliás, são impecáveis a fotografia, o figurino e a direção de arte, contribuindo para que este se torne mais um clássico do cinema.
A Balada do Soldado
4.3 48 Assista Agora"Ballada o Soldatje" (A Balada do Soldado) é um clássico do cinema russo. Um filme poético, com uma fotografia deslumbrante. Não se trata de um relato sobre a guerra, e sim sobre os 6 dias de licença em que o soldado Alyosha (Vladimir Ivashov) se ausenta do front para visitar sua mãe.
Alyosha é um filho amoroso, um jovem prestativo e ingênuo. Na guerra, era o encarregado do posto de observação. Um dia, sob ataque, Alyosha consegue abater dois tanques alemães e torna-se herói de guerra. Mas, ao invés de receber a condecoração, ele pede ao General para deixá-lo ver sua mãe. Durante essa viagem, ele irá se deparar com pessoas que necessitarão de sua ajuda, mas também encontrará o seu primeiro amor.
Tudo no filme é magnífico. A fotografia, em preto e branco, prima pela perfeição tanto nos planos abertos, quanto ao aproximar-se do rosto dos personagens, revelando seus belos detalhes. Impossível não se encantar também com a narrativa, principalmente nos momentos em que a câmera acompanha a solidão dos personagens. Quase podemos sentir sua dor.
Uma direção precisa e zelosa, de Grigoriy Chukhrai. Lendo um pouco sobre ele, descubro que foi voluntário e também serviu durante a segunda guerra. Seu filho, Pavel Chukhrai, seguiu sua paixão pelo cinema, é cineasta e já teve um filme indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro ('O Ladrão' - 1997).
Um Dia, Um Gato
4.0 81 Assista AgoraO cinema tcheco nos deixou este tesouro, que parece não ter sofrido a ação do tempo. Uma fábula que permanece atual e perfeitamente aplicável a qualquer sociedade, em qualquer momento. "The Cassandra Cat" (Um Dia, Um Gato) foi lançado em 1963, contendo uma crítica social e política corajosa de Vojtěch Jasný, visto que a República Tcheca vivia um período conturbado, sob o domínio da União soviética.
O filme é, à primeira vista, uma fábula singela contada 'com mais verdade que fantasia', como informa um velho senhor do alto da torre do relógio, que tem uma vista panorâmica do vilarejo. O contador de histórias chama-se Oliva (Jan Werich) e, num tom brincalhão, nos lembra a máxima: 'vê melhor quem vê de cima'. Em seguida, ele passa a apresentar um a um, os personagens da trama.
Entre os habitantes do vilarejo estão o professor Robert (Vlastimil Brodský) e o diretor da escola (Jiří Sovák), que representarão metaforicamente a divisão entre o autoritarismo e a liberdade. Um dia, chega à cidade uma trupe circense com um gato peculiar. Ele tem o poder de revelar os defeitos e virtudes das pessoas, atribuindo-lhes determinadas cores. Assim, o animal torna-se um perigo e uma ameaça a todos - exceto às crianças, que o adoram.
O tema do filme parece extremamente atual, bastando substituir o gato pelas tecnologias que permitem a quebra da privacidade e intimidade, tão comuns hoje em dia. Na internet, por exemplo, basta um instante para que se retire o véu e se desnudem os alvos, seja a contragosto, por distração ou exibicionismo. O fato é que, dificilmente alguém estaria imune aos efeitos do tal olhar felino, sujeitando-se a arcar com as perdas e julgamentos (ou cancelamentos, para ser mais atual).
O filme é maravilhoso e memorável. Além da crítica social, o enredo mostra uma revolução interessante e pacífica, promovida pelas crianças do vilarejo. Imagine falar sobre isso num período político em que a Tchecoslováquia vivia sob regime soviético...
Sem dúvida, é uma obra que merece visibilidade e destaque. A fotografia apresenta as limitações da época, mas ainda é capaz de impressionar cor suas cores vivas e saturadas, conferindo um ar surrealista para a trama. Puro cinema de arte!
O Segredo de Marrowbone
3.7 436 Assista Agora"Marrowbone" (O Segredo de Marrowbone) é um terror psicológico fraquinho, que vai muito bem até o segundo ato, mas tem uma conclusão estapafúrdia, que mais parece querer colocar em prática os devaneios de um roteirista que insiste num plot twist a qualquer custo.
Sergio G. Sánchez tem bons títulos no currículo. São dele os roteiros de 'O Orfanato', 'Fim dos Tempos' e 'O Impossível', mas é que a temática deste "Marrowbone" merecia um pouco mais de atenção. A história tinha, sim, muitos elementos ricos e que poderiam ter sido melhor explorados, aprofundados, ao invés da aposta na reviravolta súbita, típica de finais impactantes mas que, às vezes, tem efeito oposto.
Tudo bem que em filmes de terror o que menos importa é a motivação. Em geral, os serial killers e psicopatas simplesmente começam a matar e pronto. Mas havia neste filme o cuidado e a vontade de torná-lo diferente, isso é notório. Não se trata aqui de um mero filme de terror. Então, o esmero em tornar a trama mais densa, investir em mais camadas, talvez tivesse feito mais justiça com toda aquela produção.
O temido assassino, por exemplo, não passa de uma sombra, um borrão no canto de uma tela... seus atos brutais foram informados en passant na trama, por meio de imagens de velhos jornais. Só isso. O arco do personagem Jack (George MacKay) também é muito louco (sem trocadilhos), dando a entender que o problema dele foi desencadeado após o reaparecimento terrível do pai e da violência que se seguiu. Não muito convincente. Parece mesmo roteiro de série televisiva, onde tudo é possível, ainda que não faça sentido.
Por outro lado, o elenco é bastante competente. O filme conta com atores jovens cujo talento é bem reconhecido, como Anya Taylor-Joy, George MacKay e Charlie Heaton. A fotografia também é perfeita. Ou seja, um filme tecnicamente bem feito, mas atrapalhado pelo desfecho.
Inverno de Sangue em Veneza
3.6 209Como contar uma história cercada de mistérios, envolvendo paranormalidade e uma intrincada teia de acontecimentos que mais parecem um caleidoscópio temporal? O diretor Nicolas Roeg conseguiu essa façanha ao desenvolver a trama de "Don't Look Now" (Inverno de Sangue em Veneza) de uma forma que deixa o público tão perdido e atônito quanto o personagem John Baxter (Donald Sutherland). Desde as primeiras cenas e diálogos, o diretor vai deixando indícios e sinais que só farão sentido - ou serão percebidos - quando se assiste ao filme novamente.
O próprio título original já dá uma grande pista, indicando que o presente não é para ser olhado, mas 'enxergado'. Logo nos primeiros diálogos com sua esposa Laura (Julie Christie), John Baxter afirma que "nem tudo é o que parece" mas, infelizmente, ele se esquece disso mais adiante, quando persegue o que imagina estar vendo, pelos túneis de Veneza. A dor da perda turvou seu raciocínio e a sensação da culpa selou seu destino.
O roteiro e a forma escolhida para a narrativa do filme são extremamente inteligentes, instigando-nos a imaginar se haveria como impedir uma tragédia antecipada, se o dom de antever os acontecimentos seria suficiente para evitá-los. Ou se já estamos tão enredados pelo destino, que de nada adiantaria... como aconteceu com John Baxter, que ao visualizar o futuro não o compreendeu - e o confundiu com o presente.
Este filme até hoje é consagrado como um dos melhores do gênero, um suspense psicológico perfeito. A atmosfera é sombria, mostrando uma Veneza escura, deserta, banhada por águas infectadas por ratos e vielas ameaçadoras.
Um clássico!
O Solar de Dragonwyck
3.5 12"Dragonwyck" (O Solar de Dragonwyck) marca a estreia de Joseph Mankiewicz (Mank) como diretor e roteirista em um mesmo filme. Antes, Mank alternava essas funções, ora dirigindo, roteirizando ou produzindo. A história do longa é uma adaptação do livro 'Dragonwyck', escrito por Anya Seton, e lembra um pouco o enredo de Rebecca, filme que Alfred Hitchcock levara às telas de cinema 6 anos antes.
Em "Dragonwyck" o protagonista é interpretado por Vincent Price, um ator que, anos mais tarde viria a tornar-se o vilão dos filmes de Roger Corman. Vincent tinha uma performance teatral poderosa e, neste filme, transpõe apenas com sua voz e expressões do rosto as fronteiras entre o perverso e o sedutor, o louco e o tirano. Seu personagem, um rico herdeiro de terras - Nicholas Van Ryn - é o espelho de uma aristocracia doente, envaidecida pelas riquezas que mantém devido à exploração da força de trabalho alheia.
Talvez Mank quisesse registrar uma crítica social, visto que destaca a humilhação sofrida pelos trabalhadores e mostra como eles se insurgem contra Nicholas, reivindicando o direito ao que cultivam. Foi válido destacar esses absurdos, ainda mais considerando-se a época em que filme foi lançado (logo após o término da guerra), mas o problema de muitos enredos é a construção da personalidade do anti-herói calcada em características estereotipadas, como a do ateu preconceituoso. Afinal, nem todo religioso é bom; e nem todo ateu é mau.
Destaco também o pomposo cenário construído para o filme, que deve ter custado alguns milhões de dólares à Twentieth Century Fox.
Terapia do Medo
2.5 71"Terapia do Medo" é uma aposta do cinema nacional para ingressar em novos gêneros, como os filmes de terror e suspense. Dirigido e roteirizado por Roberto Moreira, o longa tem a participação de Cléo Pires e Sérgio Guizé.
É um filme de baixo orçamento, com alguns problemas de qualidade, como as tomadas aéreas feitas com drone e as interpretações extremamente engessadas e sem naturalidade, que falham na criação de uma atmosfera de medo ou terror.
O roteiro merecia ser melhor trabalhado, ganhando em profundidade e ritmo, e também com elementos que lhe conferissem um pouco mais de coerência. Entretanto, considerando as inúmeras limitações que o cinema nacional enfrenta, a produção garante um bom entretenimento.
Vale conferir, sem muitas expectativas.
Treze à Mesa
3.1 8"Thirteen at Dinner" (Treze à Mesa) é uma adaptação do livro homônimo de Agatha Christie, famosa escritora britânica de contos policiais, nos quais o assassino dificilmente era descoberto antes do final da história.
Nos livros, seu personagem principal - e também neste filme - é Hercule Poirot, um experiente detetive que não se deixa enganar por falsos indícios e que, ao final, sempre desvenda o mistério e revela os verdadeiros culpados pelos crimes.
Um filme antigo com sabor de sessão da tarde. Divertido, mas sem muita qualidade técnica. O elenco conta com os ótimos Faye Dunaway e Peter Ustinov.
Ustinov, aliás, interpreta o detetive Poirot em outras adaptações feitas pela Warner Bros Inc. e que integram a coletânea intitulada 'The Agatha Christie Collection'.
As Vantagens de Ser Invisível
4.2 6,9K Assista AgoraEntre os 16 e 17 anos, a juventude tem força e intensidade para atravessar o universo. Realmente, a sensação é de que somos infinitos e alvorecemos a cada dia. Todas as emoções são superlativas, tanto as boas quanto as ruins; é o momento em que abraça-se o mundo acreditando que ele irá retribuir.
Mas a vida está lá para lembrar que as dores existem, que a euforia termina e a tristeza se instala; e a parte ruim é que ainda não houve tempo suficiente para esquecer os traumas da infância e poder, assim, suportar com tenacidade todos os desafios do presente.
É sobre essa época intensa, linda e profunda na vida de um grupo de adolescentes, que se desdobrará a trama de "The Perks of Being a Wallflower" (As Vantagens de Ser Invisível). Pelo começo do filme, o roteiro parece que vai caminhar para um drama romântico teen - e na verdade é isso mesmo - mas à medida que vão se revelando as camadas de cada personagem, são abordados temas importantes, como a solidão, a falta de amigos, o suicídio, o abuso infantil e os relacionamentos tóxicos.
A trilha sonora é perfeita, entretanto, as interpretações estão apenas satisfatórias, sem muita carga dramática nos momentos mais intensos, apesar do elenco trazer nomes de peso, como Emma Watson, Joan Cusack, Nina Dobrev e Paul Rudd. É um filme bonito, e que ainda reserva um desfecho inesperado.
Garota, Interrompida
4.1 1,9K Assista AgoraO filme "Girl, Interrupted" (Garota, Interrompida) tem um roteiro que hoje pode ser considerado comum, abordando casos de pessoas que, em um momento de dor ou desespero, cometeram atos de desatino e acabaram recebendo o diagnóstico de portadoras de distúrbios psiquiátricos graves.
A consequência, muitas vezes, são as internações em centros de tratamento para doenças mentais, levando-as a conviver com outros pacientes e outros tipos de transtornos, o que pode agravar ou até desencadear problemas reais em quem apenas passava por um momento de desorientação.
Basicamente esse é o enredo central do longa, que vai contar a história da jovem Susanna (Winona Rider), uma garota que se sente deslocada e perdida, sem planos para o futuro. Em um momento de desespero, ela comete um ato que a levará a uma clínica de tratamento psiquiátrico. Nesse ponto, o roteiro se fragmenta e insere outros personagens e subtramas, para emoldurar a história de Susanna.
O filme, apesar de conseguir segurar nossa atenção (em parte pelo brilhante elenco), é mediano e não justifica a sua longa duração. Whoopi Goldberg e Vanessa Redgrave sempre maravilhosas, mas quem rouba a cena mesmo é Angelina Jolie, que está perfeita e implacável no papel da agressiva Lisa Rowe.
Para um filme longo, o desfecho também parece fraco e apressado, sem profundidade. Apenas mais do mesmo.
Corações Sujos
3.6 264 Assista Agora"Corações Sujos", um filme do diretor Vicente Amorim, conta um pouco da história da colônia japonesa que havia se instalado no interior de São Paulo, antes da segunda guerra. Em 1945, quando o Japão foi derrotado e o imperador Hiroito assinou sua rendição, parte dos japoneses que viviam aqui (os nacionalistas) não acreditavam na derrota de seu país, e achavam que essa suposta 'desonra' era uma mentira e uma estratégia dos aliados.
Os nacionalistas criaram então uma organização terrorista chamada Shindo Renmei, composta por fanáticos que cometiam violentos assassinatos contra japoneses que tentavam alertar ou falar a verdade sobre a guerra. Quem ousasse mencionar isso, seria considerado um traidor e ganhava o apelido de 'coração sujo', colocando sua vida em risco imediatamente. Naquela época, mais de 300 japoneses foram assassinados e, até hoje, seus descendentes guardam na lembrança esse passado doloroso.
No elenco temos Eduardo Moscovis e vários atores já reconhecidos do cinema japonês, que entregam um trabalho excelente. Um filme que dignifica o cinema nacional e volta o olhar para a nossa história. Embora seja difícil para um brasileiro compreender o que significou para o povo nipônico a derrota de seu país, o roteiro choca pela revelação de um passado de violência crua, que muitos desconheciam.
Sobre a Eternidade
3.6 22Na fotografia de "About Endlessness" encontra-se uma estética comparável à das obras de arte, onde todos os elementos se complementam - figurinos, cenários e pessoas - de uma forma tão harmônica que despertam uma agradável sensação de sossego, de refinamento sem excessos. A paleta de cores é delicada, em tons suaves de azul, verde e sépia, complementando-se ao cinza, branco e grafite, resultando numa experiência visual única, bela, semelhante a de quem repousa o olhar numa pintura em movimento.
A narrativa do filme é feita em 'off', por uma voz feminina que não é identificada na trama. A voz vai descrevendo diversas passagens na vida de diferentes pessoas, sem contudo emitir nenhum juízo de valor sobre elas. Tudo pode ser relevante, desde as situações mais banais (um carro quebrado), trágicas (a guerra, ou uma tragédia familiar) e sentimentais (a perda de um filho, ou o primeiro amor), porque o objetivo do filme é demonstrar, através de cada uma dessas vivências, o quanto a vida se complementa e se conecta. Essa, talvez, seja a expressão de uma visão metafísica ou quântica que Andersson tem do mundo e da existência.
Então, assim como o título entrega, o filme fala sobre o que não se extingue, o que é eterno. Num dos diálogos da trama - entre um casal de namorados - é explicada uma das leis da termodinâmica, segundo a qual tudo o que existe no universo é energia, inclusive nós. Essa energia é interminável e não pode ser destruída, apenas transformada. Sendo assim, podemos inferir que Andersson, um diretor já em sua maturidade, compartilhou conosco o seu pensamento sobre vida e morte.
Nessa visão metafísica, matéria e consciência são manifestações do todo. E nós, somos parte de tudo...
Lembremo-nos disso ao pensar na morte,
pois nossa centelha jamais se apagará.
Lembremo-nos disso ao mudar algo em nós,
pois estaremos mudando o mundo.
Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência
3.6 267 Assista Agora"A Pigeon Sat on a Branch Reflecting on Existence" (Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência) é um título esquisito para um filme que também parece esquisito. Este longa, dirigido por Roy Andersson, ganhou vários prêmios e foi indicado para representar a Suécia no Oscar de 2016, na categoria Melhor Filme Estrangeiro, mas não ficou entre os selecionados.
Apesar da aceitação pelo público e crítica, é bom lembrar que este longa integra uma trilogia e que seu conteúdo é melhor aproveitado quando se assiste aos dois filmes anteriores ('Canções do Segundo Andar' e 'Vocês, Os Vivos'), pois o cineasta propõe uma série de situações existenciais diferentes e deixa boas mensagens em cada obra. Com os três filmes, fica claro o quanto Andersson é um filósofo sarcástico e brincalhão, do tipo que usa os absurdos para falar sobre a inconveniente realidade.
A sensação incômoda vai diminuindo à medida que nos familiarizamos com sua linguagem diferente, já que a primeira impressão é de que tudo parece excessivamente depressivo - a começar pelos personagens pálidos e apáticos - por vezes imóveis - pela fotografia e figurino de cores quase sem tons, pelas locações antigas e claustrofóbicas... enfim, um mundo tedioso e desprovido de vigor e alegria. Tão sisudo e triste quanto os dois personagens que vendem produtos para 'entreter e divertir'.
É bem verdade que este filme não tem a mesma carga de humor dos anteriores. Ele já começa com 3 contos sobre a morte: o primeiro nos lembra que ela chega assim, do nada; o segundo, mais engraçado, mostra o quanto algumas pessoas se apegam aos seus bens, até o fim; e o terceiro, onde o humor negro mais se pronuncia, um homem morre num self-service e deixa paga uma refeição que ninguém quer dividir.
Neste longa, Andersson também foi mais crítico e ácido. Na forte cena sobre a escravidão, ele volta a quebrar a 4ª parede quase querendo nos indagar se entendemos bem a mensagem. Enfim, vale muito a pena assistir toda a trilogia. É um cinema interessante, com linguagem inovadora e inteligente.
Vocês, Os Vivos
3.9 74 Assista AgoraA paleta de cores que Roy Andersson escolheu para retratar o cotidiano em "Du Levande"(Vocês, Os Vivos) é cinza, branca e grafite. Não por acaso, pois a apatia que essas cores transmitem combina com a arrastada melancolia de personagens cansados e entristecidos com suas rotinas. Entretanto, Andersson não constrói um universo dramático, ao contrário, ele extrai um humor meio irônico e sutil das situações humanas. A fleuma do povo sueco fica muito engraçada em situações que beiram o ridículo, o surreal. Rir de nossas falhas, pedir o perdão divino, discutir por coisas banais e sonhar com mudanças fazem parte da vida de todo mundo. E é sobre isso que ele fala, de uma maneira às vezes brincalhona, às vezes não.
Andersson retrata, em maioria, casais na meia idade levando a vida no automático. O sexo é desprovido de erotismo ou envolvimento, não há sorrisos ou beijos apaixonados, apenas uma espécie de resignação e desinteresse, só quebrados em raros momentos onde os personagens começam a perturbar o silêncio uns dos outros, ou quebrar a rotina de alguma forma. As mulheres, por outro lado, também entediadas, gritam, reclamam incessantemente de suas vidas, mas não fazem nenhum esforço para mudar algo.
É um filme onde até os animais não expressam vivacidade. Também há raríssimas crianças no filme, mas sem nenhum papel relevante. Há apenas uma jovem, Anna (Jessica Lundberg) que parece ter sonhos e expectativas ao se apaixonar por Micke (Eric Bäckman) um cantor da banda 'Black Devils', com quem ela se encontrou uma única vez, mas começa a idealizá-lo como uma típica fã de artista, sonhando casar-se com ele. Aliás, Anna é a única com um pouco de cor no vestuário. O longa dá um destaque aos sonhos (bons e maus), como se fossem uma janela que a mente tem para se aventurar e quebrar o marasmo.
O filme, assim como o anterior ('Canções do Segundo Andar'), coloca o ser humano em apartamentos minimalistas, que parecem caixotes numa cidade cinzenta e individualista, onde as pessoas olham mais para o vazio do que para o outro. Uma tempestade fortíssima é mais capaz de chamar a atenção de todos, do que um homem tendo um AVC em frente aos seus empregados. Estamos mesmo vivos? É uma das perguntas que ficam reverberando. Andersson, às vezes, quebra a 4ª parede parecendo querer falar conosco: 'o que estão olhando? por que não cuidam de suas próprias vidas?'.
O longa tem um desfecho bem significativo. Os personagens costumam dirigir seu olhar para cima, como se almejassem ou dirigissem suas esperanças para a providência divina. Mas do céu, o próprio homem nos faz lembrar o quando a vida pode ser frágil e pouco importante.
Melhor tentarmos reagir o quanto antes,
e buscar a felicidade por nossos próprios meios.
Canções do Segundo Andar
4.1 67Este é o primeiro filme que assisto do diretor sueco Roy Andersson. Recentemente, descobri sua 'Trilogia do Ser Humano' e fiquei bastante curiosa para conhecer essas obras. O primeiro deles chama-se "Sånger Från Andra Våningen" (Canções do Segundo Andar), uma comédia dramática dividida em contos, cada um mostrando personagens que enfrentam momentos extremos de suas vidas.
São situações drásticas que beiram o absurdo, o ridículo e o constrangedor, mas narradas de uma forma tão diferente que a sensação de estranhamento demora a passar. Só depois que conseguimos realmente imergir naquele universo esquisito, é que tudo começa a fazer sentido. A trama, a princípio, parece seguir por caminhos sóbrios e pesados, mas depois torna-se deliciosamente nonsense e engraçada, com aquele humor sutil e inteligente. À medida que o filme caminha para seu terço final é que as histórias vão fazendo sentido e aí fica bem claro o que o filme queria nos dizer. E são muitas, muitas mensagens mesmo!
Um trabalho de direção primoroso, pois não é tarefa fácil montar um roteiro onde tudo parece um grande quebra-cabeças, e cada peça tem sua função e se encaixa perfeitamente. Não é por acaso que o filme faz uso constante da profundidade de campos, onde mais de uma história estará sendo contada ao mesmo tempo, num mesmo plano.
O filme nos mostra pessoas por volta da meia idade, uma época da vida em que já não dá mais pra mudar muitas coisas e que seremos forçados seguir com a velhice sob o peso de nossas escolhas. Explora uma desconfortável nudez madura, sem potencial erótico e parecendo até contribuir para a carga dramática. Aliás, é como se essa fase da vida fosse marcada pelo patético, pelo ridículo risível, mas também pela inutilidade e invisibilidade.
A crítica ao sistema corporativo está fortemente presente no filme, mas sempre com um toque de humor ou ironia - como em uma reunião de trabalho em que está presente uma vidente e sua bola de cristal. Mas há também mensagens relevantes, lembrando que dívidas, culpas e erros do passado podem assombrar o futuro; que num mundo desprovido de sensibilidade, as pessoas que amam ou sofrem demais correm o risco de ser consideradas loucas; que confiar demais nas pessoas erradas pode ferir e até matar; que não adianta juntar muita bagagem, porque depois não vai dar para carregá-la; que todos merecem ser amados e que, no fim, todos são iguais e a fama ou bens materiais não servirão para nada.
São muitas histórias que, certamente, vão despertar valiosas reflexões. O filme todo é memorável, mas há três contos que merecem destaque: o velho general, que completa 101 anos; a menina com a venda nos olhos, que caminha para o despenhadeiro; e o homem que banaliza e comercializa os símbolos religiosos.
Roy Andersson é, sem dúvida, uma grata surpresa.