"Dark Horse" (Surpresas Convencionais) tem um humor zombeteiro e um enredo daquele tipo que faz a gente rir de nervoso pois, apesar de ficcional e já estar completando quase 90 anos, a história guarda uma certa semelhança com fatos que vivenciamos ainda hoje em dia, aqui no nosso país. Dirigido por Alfred Green e estrelado por Warren William e Bette Davis (em sua fase platinada, aos 24 anos de idade), o filme é bem provocador e espirituoso.
A trama mostra os bastidores de uma campanha eleitoral acirrada para governador de um Estado americano que, apesar de não mencionado, poderia ser a Califórnia - uma vez que o filme faz alusão à antiga Vila de Menifee localizada naquela região. O título do filme, 'Dark Horse', é uma expressão americana que significa 'fator surpresa' ou 'algo inesperado'. No longa, o fator surpresa é a indicação de um candidato desconhecido e não ligado à política, para concorrer àquela disputada vaga.
A partir disso, começa a parte mais interessante e curiosa do filme, mostrando como será trabalhada a imagem daquele 'candidato' para a conquista dos eleitores. O problema é que o tal homem é desprovido de inteligência, não consegue responder às perguntas que lhe fazem, não possui o dom da oratória e nenhuma proposta de governo. A solução para tal impasse, então, fica nas mãos de um habilidoso estrategista (Warren William), um marketeiro político astuto, com enorme poder de convencimento.
O filme tem um roteiro dinâmico, com subtramas também interessantes. A narrativa acerta na medida em seu humor cáustico, deixando claro que na política tudo é cuidadosamente pensado para envolver e convencer o eleitorado (considerado estúpido). Ah... e tem um desfecho já bastante conhecido por aqui...
"Up" (Up: Altas Aventuras) é mais uma animação da Pixar, com direção de Pete Docter, que também participa do roteiro. A qualidade gráfica deste filme é impressionante. As paisagens encantam, tamanho seu realismo e detalhamento. A trama aborda assuntos complexos, bem ao estilo de Pete Docter (vide 'Soul' e 'Divertida Mente') e a colorização ficou incrível.
O primeiro terço do longa é carregado de emoção. De uma maneira leve, aborda a passagem do tempo, a velhice e a morte. Fala de sonhos que são deixados para trás e acabam não sendo realizados. Apesar disso, "Up" não tem uma narrativa triste, ao contrário, já em seu segundo terço indica que nunca é tarde para correr atrás desses sonhos, que não se deve medir esforços quando há um motivo para viver.
Faço uma ressalva apenas para a trama construída em torno do vilão e da ave, que tornou-se muito longa. Parece até que a animação perdeu o trilho. O garotinho poderia ser menos irritante e as cenas com os cachorros poderiam ser mais curtas. Acredito que isso contribuiu para deixar o enredo chato.
O desfecho enfatiza a mensagem da amizade e da lealdade. Realmente, as aventuras se tornam melhores quando temos amigos por perto, para compartilhar cada momento.
"Inside Out" (Divertida Mente) é uma das animações mais incríveis que já assisti. Com um roteiro extremamente inteligente, consegue ilustrar de maneira simples e lúdica toda a complexidade de mecanismos e programações que movimentam a mente dos viventes. É quase um manual sobre memórias, pensamentos e sonhos... E mais, de que forma todas essas 'engrenagens' nos transformam em quem realmente somos e como elas afetam nosso presente e futuro. Simplesmente espetacular!
Nós, humanos, estamos sempre em busca da felicidade, embora a tristeza viva nos lembrando que ainda não a alcançamos. Nem por isso deixamos de lado nossa alegria de viver. Fica claro que essas duas emoções se complementam: a alegria só existe porque conhecemos a tristeza - e a tristeza necessita da alegria, senão vira depressão. Também sentimos raiva, medo e nojo, mas essas sozinhas não nos controlam sempre; são úteis, mas assessórias para os momentos de necessidade.
O filme nos mostra que tudo acontece de dentro para fora. Nossa forma de enxergar o mundo e de reagir aos imprevistos da vida fazem a realidade ser o que é. Todas as emoções têm sua importância na formação de nossa personalidade, nos ajudam a construir nossas memórias afetivas, firmam os alicerces para as 'ilhas' da amizade, da honestidade, da família, das bobagens e muitas outras que fazem de cada um de nós seres únicos.
Termino, destacando uma passagem do filme que me pareceu muito importante, porque vivemos no tempo da "positividade tóxica": Não se deve ignorar a tristeza, ela faz parte da vida, da realidade! Muitas vezes, basta termos mais empatia por quem está sofrendo - ouvir e acolher até que as coisas melhorem, em vez de impor sempre um otimismo negacionista.
"Cat People" (A Marca da Pantera) é uma refilmagem, lançada em 1982, do filme de mesmo título, exibido em 1942. Esta nova versão ficou bastante conhecida pela presença da linda Nastassja Kinski (com 21 anos) e pela impactante canção tema, composta por Giorgio Moroder e David Bowie.
O novo roteiro modernizou e inseriu elementos que não existiam na história original, como Paul Gallier, irmão de Irena (Nastassja Kinski), interpretado pelo excelente e esquisito Malcolm McDowell. Também foram incluídas cenas e informações sobre os antepassados dos homens-pantera. Aliás, a trama focou mais nesse aspecto, diminuindo a relevância do romance entre Irena e Oliver (John Heard) e deixando a personagem Alice (Annette O'Toole) como mera coadjuvante.
No longa também foram incluídas cenas de transmutação dos humanos para os felinos - algo arriscado, pois qualquer deslize nesses momentos pode estragar o resultado, despertando o riso em lugar do terror. No caso deste filme, achei desnecessário e sem qualidade técnica. Alguns diretores experientes até preferem evitá-las e substituí-las pelo uso conjunto de sombras, sons e sugestionamentos, deixando que o público, com seu medo, imagine e dê forma à monstruosidade - uma técnica mais efetiva.
Esta versão também investiu bastante no erotismo - favorecido pela beleza e sensualidade de Nastassja. Mirou também nas relações incestuosas (sem chegar a concretizá-las), como algo natural e permissível no reino animal. Enfim, na década de 80 era quase obrigatório que os filmes trouxessem cenas de sexo ou nudez, ainda mais com uma atriz considerada símbolo sexual.
Concluindo... Apesar dos recursos escassos, o filme original ainda é melhor que seu remake.
"The Curse of the Cat People" (A Maldição do Sangue da Pantera), lançado em 1944, é uma suposta continuação do filme 'Cat People' exibido dois anos antes pelos Estúdios RKO. Entretanto, não há quase nada nesta sequência que a remeta ao roteiro original, a não ser a escalação dos 3 atores principais para interpretar os mesmos personagens: Irena (Simone Simon), Oliver (Kent Smith) e Alice (Jane Randolph).
O sucesso alcançado pelo filme de 1942 (Cat People) aguçou o interesses dos estúdios RKO para uma nova investida, mas o curioso é que, apesar do título, não há neste novo filme nenhuma alusão à maldição da pantera, ou ainda, não há ninguém que sequer faça alguma referência àquela lenda, ou que porventura transforme-se em um felino. As meras aparições de Irena para a pequena Amy (Ann Carter), filha de Oliver e Alice, nada têm de malévolas ou perigosas para que se configurem uma maldição.
A misteriosa mulher que aborda Irena no primeiro filme, reaparece nesta sequência como Bárbara (Elizabeth Russell), a suposta filha de uma velha senhora (Julia Dean) que mora próximo à casa de Oliver, mas as duas personagens não têm relevância alguma na trama. Para usar de franqueza, essa sequência nem deveria ter existido, pois 'Cat People' tem um roteiro fechado, coeso, e o arco dramático de seus personagens foi perfeitamente concluído no primeiro filme.
O filme "Cat People" (Sangue de Pantera) é um dos pioneiros no gênero do terror psicológico, dirigido por Jacques Tourneur em 1942. Nas décadas anteriores, os seres sobrenaturais como vampiros, monstros e mortos-vivos eram os principais protagonistas desses tipos de produções. Por isso, trata-se de uma obra inovadora em vários aspectos, e aqui falaremos de alguns deles, a começar pela fotografia.
O filme tem uma atmosfera 'noir', com imagens em preto e branco e pouca iluminação, muitas cenas quase na penumbra mesmo. Foi muito utilizada a técnica de iluminação reversa: de baixo para cima, que deixa o rosto dos personagens meio encoberto e amplifica os espaços onde eles se encontram. Esse tipo de fotografia enriquece a narrativa e torna o uso de sombras e vultos ainda mais ameaçador, pois a sensação de medo que o filme propõe é sobre o que não é visto - somente pressentido e imaginado. Para complementar a sombria ambientação, foram utilizados ruídos e sons externos, com passos, miados e rugidos.
Eram realmente técnicas inovadoras para época, mas estavam atendendo a uma outra necessidade, visto que se tratava de um filme de baixo orçamento e os estúdios RKO enfrentavam sérias dificuldades financeiras. O sucesso foi tão estrondoso que salvou o RKO da falência e deu origem a uma sequência, em 1944: 'The Curse of the Cat People' na tentativa de prolongar o roteiro original, cujo desfecho havia sido perfeitamente conclusivo.
O enredo deste longa, aliás, provoca reflexões bem complexas. Por exemplo, a protagonista Irena (Simone Simon) não é americana, mas Sérvia - talvez uma americana não deva ser vítima de maldições. Ela apaixona-se e casa-se com Oliver (Kent Smith). Um dia, conta para ele a lenda de que seu povo enfrentou, no passado, uma 'maldição'. E, apesar do enredo não explicar mais detalhadamente, a tal praga recaiu sobre as mulheres que, ao serem submetidas a fortes emoções transformavam-se em predadores felinos. Assim, não podiam sequer ter contato físico com aqueles a quem amavam, sob o revés de vir a destroçá-los. ** ** Alguma semelhança com a velha fábula que liga o feminino ao perigo e ao pecado, tentando, por meio da submissão a algo maior, mantê-lo sob controle? ** **
A protagonista é então submetida a um tratamento psiquiátrico. E aqui abro um parêntesis para o revoltante tratamento. O médico, Dr. Judd (Tom Conway), é considerado o melhor especialista no assunto, no entanto, comenta com terceiros o tema das sessões, chama a paciente de louca, faz pouco caso do que ela lhe relata e, como se não fosse suficiente, ainda a assedia sexualmente. ** Passada...
Finalizo mencionando uma adaptação, vagamente inspirada neste filme, feita em 1982: 'A Marca da Pantera'. Porém, com outros elementos narrativos e maior carga erótica.
O filme "Mikra Anglia" (Little England) impressiona de imediato pelas lindas paisagens da Grécia. A fotografia é incrível, delicada e ensolarada. Os planos abertos oferecem passeios sobre a privilegiada geografia grega, captam a exuberância do mar mediterrâneo, a beleza das antigas edificações e campos floridos daquela região. Em contraponto, os closes são lentos, sutis e quase íntimos, às vezes seguindo o olhar ou o trajeto das mãos dos personagens, permitindo-nos compartilhar de suas impressões e carícias.
A história também é de uma beleza trágica, um drama emocionante. O filme foi escolhido para representar a Grécia no Oscar de 2014, embora não tenha sido selecionado entre os cinco finalistas. A fotografia é de Simos Sarketzis, direção de Pantelis Voulgaris e o roteiro é baseado no romance homônimo, escrito por Ioanna Karystiani.
O enredo contará aproximadamente 20 anos (1930 a 1950) da vida das duas irmãs, Orsa (Pinelopi Tsilika) e Moscha (Sofia Kokkali), que vivem na Ilha de Andros, na Grécia. É um filme sobre distâncias e longas esperas, sobre amores e infortúnios. O destino dessas duas irmãs está interligado por uma mesma paixão e pela injustiça.
Submetidas às escolhas ambiciosas de sua mãe, elas se tornam vítimas de uma repressão feminina bastante comum à época, e que as conduz a um futuro infeliz. Porém, se não houvesse tantos segredos e silêncios entre ambas, talvez seus caminhos tivessem sido outros.
Comparar o ótimo filme finlandês "Dogs Don't Wear Pants" (Cachorros Não Usam Calças) com a trilogia 'Cinquenta Tons de Cinza' (como li num artigo sobre cinema), além do despropósito e da injustiça, indica certa superficialidade de análise e pouca compreensão da trama. O filme realmente aborda o tema BDSM, mas de uma forma completamente diferente da trilogia de E.L. James. Neste filme, o fetiche tem uma explicação e uma finalidade bem diferentes da mera criação de uma atmosfera erótica ou romântica.
O filme começa mostrando Juha (Pekka Strangv) com sua esposa e a pequena filha Elli num chalé às margens de um belo lago. Numa tarde, subitamente ocorre uma tragédia e, ao tentar salvar sua esposa de um afogamento, Juha acaba também ficando sem ar e perdendo a consciência por alguns momentos. Nesse estado de quase morte, ele se conecta à imagem da esposa, como se ela ainda estivesse viva.
Após um corte temporal, a história continua muitos anos depois, quando Elli (Ilona Huhta) já é uma adolescente. Ao levar a filha num estúdio de tatuagem para colocação de um piercing, ele acaba conhecendo Mona (Krista Kosonen), uma Dominatrix que dali em diante modificará completamente a vida de Juha.
Algumas práticas BDSM são mostradas no filme, mas Juha acaba ficando fascinado pela bondage, devido à privação de oxigênio que o deixa num estado de semiconsciência semelhante àquele que quase o matara, e que o faz ver novamente a imagem de sua esposa. Isso, inicialmente, o deixa muito feliz e serve como motivação para que retorne outras vezes. Para ele, a dor e o sofrimento eram apenas um meio de alcançar o prazer de estar junto à sua amada - uma solução momentânea para seus conflitos psíquicos insuportáveis.
Mas à medida que essas práticas vão se tornando constantes, adquirem um significado diferente, com severas consequências na conduta social e profissional de Juha. Talvez as mais graves sejam a postura negligente que passa a ter com sua filha e com sua própria vida. A experiência desses encontros também se reflete em Mona e, em vez de afastá-los, aproxima-os cada vez mais e os leva a desafiarem limites cada vez mais perigosos.
Um filme que dificilmente leva ao consenso, mas nos faz pensar sobre os tabus, o direito às diferenças e as múltiplas expressões da sexualidade humana.
"Fear Street: 1666" (Rua do Medo: 1666 - Parte 3), em tese, é o último da trilogia. O filme começa com um flashback de 1666, contando como originou-se a maldição em Shadyside.
Este primeiro ato é ótimo. Ambientação bem feita, fotografia maravilhosa, trama interessante, detalhando todas as circunstâncias que envolvem a história de Sarah Fier, os motivos que a levaram a ser condenada e de que forma a maldição se perpetuou somente em Shadyside, não atingindo Sunnyvale. Também serão apresentados os antepassados dos personagens mais relevantes, inclusive Solomon Goode (Ashley Zukerman), o primogênito na árvore genealógica do Delegado Nick Goode.
A narrativa segue interessante durante todo o corte temporal, inclusive com um bom plot twist. Porém, a partir do segundo ato, a história retorna ao ano de 1994 para atar as pontas que ficaram soltas no filme anterior... E então, voltamos ao slasher teen chatinho, apesar dos litros de sangue derramados, ossos quebrados, cérebros retalhados, membros amputados e todo o cardápio já usual de assassinatos em filmes do gênero.
O longa segue rigorosamente essa cartilha até seu desfecho. E então sugere, nas cenas pós-créditos, que a história pode não ter terminado ali. (!)
Enfim, a sensação de estar assistindo a uma série teen torna-se realidade.
"Fear Street: 1978" (Rua do Medo: 1978 - Parte 2) vem contando a história da maldição que recaiu sobre a cidade de Shadyside depois que a bruxa Sarah Fier foi enforcada ali. Numa linha temporal reversa, que iniciou em 1994 e agora remonta ao ano de 1978, esta sequência narra os terríveis assassinatos cometidos por Tommy Slater (McCabe Slye) no Acampamento Nightwing.
Como seria de se esperar, o filme é protagonizado somente por adolescentes e, portanto, não tem muito a acrescentar na trama anterior, somente reforça a calamidade que é viver numa terra condenada por uma bruxa maneta, colérica e sedenta por vingança. O filme de 1978 mostra as agruras das irmãs Ziggie (Sadie Elizabeth Sink) e Cindy Berman (Emily Rudd), que tentam sobreviver à matança generalizada. Uma delas conseguirá, como vimos no primeiro filme.
Neste longa também será contada a história do jovem Nick Goode (Ted Sutherland), que aparece no primeiro filme em sua versão adulta como o xerife de Sunnyvale. No mais, talvez este slasher também decepcione por parecer uma série teen da Netflix, mas pelo menos tem uma trilha sonora bacana.
E seguimos para a última parte... Pelas cenas antecipadas, parece ser o melhor filme da trilogia.
Acredito que a intenção da trilogia "Fear Street" é recriar a atmosfera dos filmes de terror dos anos 80 e 90. Esse desafio é maior do que parece, pois parte do encantamento daquele tipo de filmes era a novidade, afinal, o público não estava acostumado a tomar sustos com mortes brutais e a ver serial killers que sobreviviam ao final de cada filme, para voltar plenos na próxima continuação. Depois, os slashers viraram alvo de piadas ótimas, em outras franquias que se especializaram em ridicularizá-los.
E o fato é que hoje em dia ninguém os leva a sério. Entretanto, "Fear Street: 1994" (Rua do Medo: 1994 - Parte 1) quer ser levado a sério.
O enredo parte de uma história meio non-sense para explicar a chacina que acontece de tempos em tempos na pequena cidade de Shadyside. Na franquia será encontrado um pouco de tudo, como quem joga na panela todo tipo de condimento esperando que a comida dê certo. Há a maldição da bruxa, os assassinos do passado que transformaram-se em uma espécie de escravos da bruxa e garantem os banhos de sangue, os adolescentes corajosos que, com seus planos inteligentes tentam derrotar o mal. Há também os policiais atrapalhados, que não conseguem sequer notar quando sua arma é roubada, e uma escassez de outros personagens adultos relevantes.
Apesar do cardápio de mortes bizarras, o filme é fraco, chato e carregado de clichês. E pelas cenas antecipadas, sua continuação parece tão entediante quanto... Veremos.
O cinema francês não costuma usar muitos artifícios, especialmente para os dramas. Opta pela linguagem crua para mostrar uma realidade sem filtros. Isso às vezes incomoda ou causa certa estranheza, como acontece em "Willy 1er" (Willy I). O filme é dirigido por 4 jovens cineastas e inspira-se na vida do ator Daniel Vennet, que interpreta aqui os irmãos gêmeos Willy e Michel.
O ator, assim como seus personagens, morou com a família até os 50 anos de idade. Por isso, o roteiro aproxima-se mais da comédia dramática do que da fantasia quando fala sobre a difícil adaptação a perdas ou rupturas causadas pela morte e pelas mudanças de vida, principalmente quando ocorrem na meia idade.
O filme começa mostrando a brusca separação dos gêmeos Michel e Willy, resultante do suicídio de Michel. Os dois eram fisicamente idênticos e companheiros inseparáveis, mas bastante diferentes na maneira como percebiam a vida e a realidade. Michel tinha mais consciência da estagnação e da falta de perspectivas em que viviam. Já Willy, era sonhador e parecia não se preocupar com o fato de que ambos já tinham chegado aos 50 anos sem nunca ter saído da casa dos pais.
Com a morte de Michel, Willy revolta-se e decide pôr em prática seu antigo sonho de morar só e mudar-se para a cidade vizinha de Caudebec, ter um apartamento, uma Scooter e muitos amigos. O problema é que Willy não estava preparado para sobreviver nesse novo mundo ameaçador. Seus problemas psíquicos o tornam agressivo e dificultam o processo de socialização. E assim, acompanhamos toda a difícil jornada de Willy rumo à sua independência tardia.
O ator Daniel Vannet (Willy/Michel) personifica magnificamente a confusão e desespero na mente de um adulto que não amadureceu. Interessante destacar que os diretores fazem um bom uso do simbolismo para demonstrar sua solidão e saudade, inserindo na trama os personagens falecidos, num formato fantasmagórico visível apenas pelo espectador. Há somente uma cena em que Willy parece dirigir-se retoricamente ao fantasma do irmão, compartilhando com ele sua liberdade e, assim, libertando-o também.
O que torna um filme inesquecível? Talvez a beleza e a poesia extraídas de seu roteiro, talvez porque fale diretamente de sentimentos extremos que tocam nossa alma ou, acima de tudo, pela atuação forte e emocionante que um personagem exige de um ator. Por qualquer desses motivos, afirmo que "J'enrage de son Absence" (Na Sua Ausência) ocupa um bom lugar na galeria de filmes muito especiais. O enredo narra um drama profundo, monotônico, que já se encontra em seu nível mais agudo, semelhante à última puxada de ar de um náufrago.
Inegável minha admiração e apreço por William Hurt, um ator capaz de falar tudo apenas com o olhar, que imprime delicadeza e sensibilidade aos seus personagens, mesmo aqueles sujeitos às provas mais duras da vida.
Neste longa ele interpreta Jacques, um pai que carrega dores insustentáveis para qualquer mortal: o luto pela morte de Mathieu (seu único filho), a culpa por pensar que foi o responsável por isso, e a ruptura de seu casamento com a mulher que amava (Alexandra Lamy), por não conseguirem lidar com a infelicidade da perda.
Sua ex-esposa, Mado, reconstruiu sua vida, casou-se novamente e teve outro filho, mas Jacques deixou-se morrer junto com Mathieu. Sua existência perdeu o sentido. Oito anos depois, ele reencontra Mado e lhe pede que o apresente a seu filho Paul (Jalil Mehenni), que está com 7 anos. Nasce entre ele e o pequeno garoto uma relação de amizade e afeto mútuo; e uma centelha volta a aquecer o solitário coração de Jacques.
A partir de então, o filme apresenta uma metáfora que descreve com perfeição a existência de Jacques. O porão frio e escuro que ele passa a ocupar clandestinamente é quase um sepulcro, como se ele já estivesse enterrado vivo. Ele já não tem história, apenas passa a ser um espectador silencioso da vida alheia.
A cada cena percebemos a enorme ferida que ele guarda no peito, a decadência existencial e emocional que o abate, a passividade muda que brota da sua total desesperança.
O desfecho é quase insuportável, assim como o último acorde de uma ópera linda, mas terrivelmente dolorosa. Aquele olhar, de um azul profundo, atravessa a carne como faca... e ficou gravado na minha memória.
"Arrival" (A Chegada) é um filme mind-blowing do diretor Denis Villeneuve. Adianto que o roteiro engana bastante. Ele nos entregará muito mais do que uma história de invasão alienígena. Aliás, os visitantes serão apenas os instrumentos para todo o arsenal psicológico que receberemos em seguida.
Desta vez não haverá guerras, ameaças ao planeta ou aos humanos - a temática deste filme está centrada na temporalidade e na existência, mas Villeneuve só nos deixará perceber isso após uma lenta e suave incursão na história da Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma renomada linguista convocada pelos militares americanos para tentar compreender e comunicar-se com os alienígenas. Caberá a ela descobrir qual o propósito da chegada deles ao nosso planeta.
Logo de cara, a Dra. Louise nos apresenta teorias linguísticas muito interessantes e, ao longo do filme, ela mostrará toda a complexidade envolvida no processo de comunicação - que vai além do conhecimento de um idioma - e que inclui o contato direto com o outro para compreensão de sua realidade. Algumas cenas deixam isso bem claro, por exemplo: durante quase todo o tempo, enxergamos apenas uma parte do corpo dos alienígenas e acreditamos que eles são daquele jeito (assemelhando-se a polvos com 7 tentáculos), mas quando Louise decide entrar na nave sem o traje espacial e livre do vidro que a separa deles, vemos o quanto são diferentes do que imaginávamos. Nós, humanos, construímos uma realidade muito limitada, condicionada ao tempo e aos sentidos.
Desse encontro extrairemos reflexões profundas e valiosas sobre a necessidade de ajuda mútua, sobre não estarmos sozinhos, sobre a importância de não julgar o outro a partir de nossas próprias atitudes. No longa, aqueles seres não tinham interesse em invadir, ameaçar ou subjugar. Ao contrário, nos deixam um presente, algo que muda nossa percepção sobre a vida. Estamos atrelados à ideia linear de temporalidade, acreditando no imprevisível. Mas, e se o futuro fosse apenas uma percepção incorreta do tempo e pudéssemos ver nossa vida inteira... mudaríamos seu rumo? evitaríamos passar por algumas experiências?
As mensagens que o filme nos deixa são inúmeras. É uma trama que nos acompanha até o travesseiro. E vale ressaltar que Amy Adams faz uma atuação impressionante, nos confundindo até o terceiro ato, quando finalmente encontramos todas as respostas.
Prepare-se porque o que há de pior na natureza humana será encontrado nas cenas de "Bedevilled". O filme é quase totalmente protagonizado por seres abjetos, capazes de abusar, violentar, humilhar, espancar, matar ou se omitir de falar a verdade.
É mais uma ótima produção do cinema sul-coreano. Um filme surpreendente, muito bem dirigido e que não se prende a um gênero específico, podendo ser classificado como drama, suspense ou horror, dependendo do momento da trama. Uma certeza é que a narrativa não será óbvia e nem seguirá o caminho dos clichês, ao contrário, pode ser até que o desfecho desagrade muita gente.
Repleto de cenas que causam indignação pela violência contra as mulheres, incluindo estupro, abuso de menores, agressão física e verbal, o filme insinua que a maldade habita a mente humana, não importa o padrão social que o indivíduo ocupe. Mostra uma crueldade ainda maior: a aceitação de que a selvageria possa ser considerada natural, uma regra contra a qual nem se cogita rebelar.
Há sequências em que fica até difícil assistir, pois a brutalidade causa um tipo de horror real, simplesmente por sabermos que ela ocorre verdadeiramente com milhares de mulheres mundo afora. Então, assim como a vida, o desfecho pode deixar um certo gosto de injustiça, mas quando o cinema decide aproximar-se da vida real, o 'happy ending' nem sempre acontece.
"Kubo and the two Strings" (Kubo e as Cordas Mágicas) é uma impressionante animação feita pelos estúdios Laika, em stop motion e com uma história poderosa e emocionante sobre bravura, laços familiares, perdas, memórias e como tudo isso pode se transformar em força para sobreviver. Os estúdios Laika levaram dez anos para produzir Kubo, dado o altíssimo nível de complexidade e detalhamento visual, atrelado a um roteiro tocante que resultou numa beleza próxima da perfeição.
Nas primeiras cenas, uma mulher está num pequeno barco em meio a uma tempestade em alto mar, com um bebê preso às costas. A narração em off, é feita em primeira pessoa por Kubo, o bebê que sobrevive graças à coragem de sua mãe. Ele estará predestinado a enfrentar a crueldade de seu avô materno, que arrancou um de seu olhos quando ainda era um recém-nascido, e também das duas irmãs de sua mãe que desejam matá-lo. Ele é filho do bravo guerreiro Hanzo, morto pelo avô perverso. Na trajetória de Kubo não faltará magia, perigos e muita aventura.
As fábulas e lendas sobre os heroicos guerreiros samurais fazem parte da cultura oriental, inspirando contos como este, cheios de ação e encantamento, sempre embasados na honra e na honestidade. Kubo segue esse mesmo caminho, mas tem elementos que tornam a história sombria e diferente: seus maiores inimigos são sua própria família, fria e perversa, totalmente desumana. A vida mostrou-se difícil para ele desde muito cedo, quando precisou cuidar de sua mãe fraca e doente, vendo-a perder aos poucos a memória. Ele também se ressente de não ter conhecido o pai. Sua solidão corta o coração, especialmente numa sequência em que faz uma oração perante um altar fúnebre, na esperança de ver o espírito de Hanzo.
Sem dúvida, é uma animação inesquecível que falará diretamente com o público adulto e que certamente o emocionará. É possível que alguns se comovam com o desfecho e não segurem as lágrimas - meu caso - ainda mais com a encantadora voz de Regina Spektor cantando 'While My Guitar Gently Weeps', dos Beatles. Então, ao assistir o filme, siga o conselho de Kubo: “se precisa piscar, faça isso agora”...
O assassinato da jovem Elizabeth Short, apelidada de Dália Negra, que permanecia sem solução há até poucos anos, é um dos crimes mais famosos da história dos Estados Unidos, tendo inspirado vários filmes e obras literárias, como é o caso deste "The Black Dahlia" (Dália Negra) do talentoso diretor Brian De Palma - que tem o prestígio de ser considerado o sucessor de Hitchcock.
Este filme, entretanto, é baseado no romance escrito por James Ellroy e apenas usa o crime de Elizabeth Short como pano de fundo para a intrincada trama policial vivida por Josh Hartnett (Dwight Bucky Bleichert), Aaron Eckhart (Lee Blanchard), Hilary Swank (Madeleine Linscott) e Scarlett Johansson (Kay Lake).
O roteiro é daquele tipo cheio de reviravoltas e informações paralelas, até porque tem que encaixar muitas tramas secundárias para contar a história dos policiais Bucky e Blanchard, seu triângulo amoroso com Kay Lake, um pouco da vida de Elizabeth short, as motivações para o crime e quem é Madeleine Linscott. Apesar das várias camadas, o enredo passa longe do extraordinário. Teria sido muito mais interessante se o longa relatasse as circunstâncias do crime e os trabalhos investigativos que se seguiram ao longo de décadas.
O filme é ambientado na cidade de Los Angeles dos anos 40, e conta com a fotografia primorosa de Vilmos Zsigmond, conhecido como 'poeta mágico'. Ele construiu uma bela atmosfera noir para a época e recebeu indicação ao Oscar de Melhor Fotografia em 2007, mas perdeu para Guillermo Navarro, com 'O Labirinto do Fauno'.
"The Black Dahlia" é um bom filme de suspense policial, mas não o melhor de Brian De Palma.
"The Blue Dahlia" (A Dália Azul) tem como protagonista o belo casal Veronica Lake e Alan Ladd. É um filme policial, no estilo noir, dirigido por George Marshall e com roteiro de Raymond Chandler, famoso por seus romances e contos policiais.
Apesar do enredo um pouco datado, o filme mostra certa vanguarda para a época. Um veterano de guerra (Alan Ladd), retorna para casa e encontra a esposa (Doris Dowling) em um caso extraconjugal. Ainda assim, ele parece disposto a superar o ocorrido, mas no meio de uma acalorada discussão, a esposa confessa que havia mentido sobre a morte do filho deles. Ela revela que estava alcoolizada e que causou o acidente que o matou. Não suportando tal confissão, ele a abandona.
No dia seguinte, a moça que faz a limpeza da casa a encontra morta. O revólver do marido está jogado no chão, à sua frente.
A partir do segundo ato do filme, inicia-se a investigação policial com o intuito de descobrir quem é o assassino.
O filme tem uma trama meio confusa, com várias ramificações para tentar despistar o público. Entretanto, se comparada aos suspenses policiais atuais, a história nos parece extremamente inocente, por vezes até óbvia, já que é quase possível antecipar alguns dos acontecimentos posteriores. Mas os filmes antigos devem ser apreciados pelo seu charme e por representarem uma outra época, bem diferente da nossa.
O roteiro de "The Witch" (A Bruxa) é baseado em vários contos do folclore inglês e também uma compilação das histórias e antigos documentos ou relatos sobre a existência de bruxas que habitavam as florestas e bosques daquela região. Portanto, não é um enredo original ou muito diferente do que já se assistiu em outros filmes com a mesma temática.
Talvez o mérito desta obra, em específico, seja destacar como o feminino sempre foi alvo de desconfianças e receios. Ao longo de séculos as mulheres foram acusadas de feitiçarias e pactos com o demônio. As bruxas eram retratadas como seres horríveis, mas que se transformavam em mulheres jovens e sedutoras para atrair suas vítimas. Hoje em dia é simples imaginarmos a raiz de todas essas crenças, mas antigamente tudo o que havia era a fuga para a religiosidade extremada. E em nome desses dogmas muitas mulheres morreram queimadas.
O medo despertado por este filme é o psicológico, resultante em grande parte da imaginação, daquilo que não é explicado ou que é pouco mostrado. Já sabemos que a sugestão é uma ferramenta bastante efetiva em filmes de terror, pois tememos muito mais o que não vemos ou apenas pressentimos. É como aquele calafrio que vem ao escutarmos um barulho no meio da noite, por exemplo.
Portanto, é um enredo sem novidades - não é ruim, somente mediano. A produção é bem feita, a fotografia é elegante e sombria, em tons terrosos. O elenco cumpre bem o seu papel. Filme bom pra assistir com a pipoca do lado.
Alguns atrevimentos e ousadias a mais ou a menos, quando bem dirigidos, podem fazer a diferença num roteiro, mesmo que ele não seja tão bom. Mas se o enredo for fraco, então, é preciso redobrar os cuidados com eles.
O filme "Tatuagem" tem um enredo que caberia num curta-metragem, mas não é isso que o prejudica. Na intenção de retratar a rebeldia que se contrapunha ao chamado período da ditadura (que aliás passa ao largo de ser contextualizado no filme), o roteiro faz uso demasiado de nudez, palavrões e coreografias sexuais.
Acontece que tudo isso usado ao mesmo tempo, de forma desconexa e, às vezes banal, fez com que o filme se despedisse da arte e se equilibrasse num liame entre o mau gosto e a pornografia. Peitos, bundas, sexo e palavrões não são irreverências, não compensam um enredo anêmico e nem tornam um filme memorável.
Salva-se apenas a história de amor entre Clécio (Irandhir Santos) e Fininha (Jesuíta Barbosa). Ah... e não se trata aqui de levantar bandeiras de moralidade, apenas de lembrar que todo excesso pode ser perverso.
O cinema é capaz de proporcionar experiências inimagináveis. É preciso ter a mente e o coração abertos, pois assim a surpresa pode chegar sem medo, de repente... arrancar um sorriso inesperado ou alguma lágrima que esteja guardada há muito tempo, esquecida no fundo do peito. Assim foi feito.
O filme "Inferninho", de Guto Parente e Pedro Diógenes nem parece ser do tamanho que é, não anuncia o poder que tem e nem revela sua beleza logo de início. É preciso ir sorvendo, acreditando instante a instante naquela viagem surreal, cheia de super heróis destruídos pela vida, pelos fracassos e sonhos desfeitos. A cada gole mais a gente se acostuma com aquele universo burlesco, com a voz desafinada de Luiziane (Samya De Lavor), com as letras bregas das músicas que ela canta. Nosso ouvido, a certa altura, não reclama mais daquele ritmo batido e constante do órgão eletrônico, nem nossa mente questiona mais se tudo aquilo faz sentido ou não.
Incrível é pensar que em meio àquela atmosfera pesada, deteriorada, pode brotar amizade, amor, lealdade ou honestidade. E também o riso, pois mesmo na desgraça é possível descobrir alguma graça (ainda que o trocadilho seja tosco). Impossível não se apaixonar por cada um dos personagens do filme, não torcer para que tudo dê certo para Deusimar (Yuri Yamamoto). Impossível não se emocionar e chorar com as palavras do Coelho (Rafael Martins). Desejei até ter um Coelho ao meu lado também...
Filme lindo, com som, cor e sabor diferentes. Como pimenta que arde, mas depois a gente acostuma. Como a claridade que bate no olho e incomoda, ou como o álcool que trava na língua, mas depois a gente relaxa. O Bar chamado Inferninho talvez seja o último refúgio para aqueles que não encontraram seus lugares na vida - ou no coração de alguém.
"O Assalto ao Trem Pagador" é um filme que não envelheceu. Completará 60 anos fazendo uma crítica social atual, ainda com força suficiente para nos levar a uma reflexão sobre os porquês de nosso país continuar o mesmo para determinados segmentos da população.
O filme é baseado no roubo ocorrido em 1960, quando uma quadrilha explodiu os trilhos da Estação de Ferro Central do Brasil e levou o dinheiro que havia dentro de um trem postal. Porém, o roubo é apenas a contextualização para a trama que se desenvolve depois. O filme trata, na verdade, das consequências que essa ação representará na vida dos integrantes da quadrilha.
Com o dinheiro do roubo já dividido entre todos, o pacto era não gastarem mais que 10% do montante, para não levantarem suspeitas. Não deveriam ostentar riquezas e, se alguém fosse preso, seria executado para não dar informações à polícia. Entretanto, com o decorrer do filme, o personagem de Reginaldo Farias assume um discurso que ainda hoje reverbera nos jornais e noticiários verdadeiros, deixando claro a quem realmente eram direcionadas aquelas regras, escancarando o preconceito social e racial que corrói e marginaliza nosso povo.
O filme tem defeitos sim; seus diálogos parecem dublagem de filmes estrangeiros, cheios de clichês e frases feitas. As interpretações, em certos momentos, também parecem exageradas, mas são apenas pequenos desacertos que não comprometem a relevância da obra. Um ponto positivo é a humanização dos personagens, todos com qualidades e defeitos. No filme ninguém é totalmente bom ou mau, nem os bandidos, nem os policiais. O roteiro é bem contado e o final é satisfatório.
"A Hora da Estrela" é uma adaptação do livro homônimo escrito por Clarice Lispector. A história de Macabéa foi o último romance que ela escreveu, e diz muito sobre a fase da vida em que a autora se encontrava.
Macabéa (Marcélia Cartaxo) era uma menina-moça, humilde, virgem, nordestina que imigrou para a cidade do Rio de Janeiro e conseguiu um emprego como datilógrafa mas, ironicamente, tinha muita dificuldade com as palavras; aliás, desconhecia a maioria delas.
O longa é bastante fiel ao livro, com uma protagonista que facilmente passaria desapercebida pelo mundo, anônima e invisível. Macabéa tem o estereótipo dos retirantes: ingênua e quase analfabeta, desprovida de beleza ou quaisquer outros atrativos, sem família, sem pertences ou planos de futuro. Um dia, ela passou a sonhar com o amor quando conheceu Olímpio de Jesus (José Dumont), mas ele, um homem rude e ignorante, foi mais um a menosprezá-la.
Li o romance de Clarice há mais de 20 anos, mas Macabéa nunca me saiu da lembrança. A força e o significado do título (A Hora da Estrela) também me emocionam até hoje. Sua simplicidade extrema, a dor existencial que a tomava por inteiro e que ela queria curar com aspirina, reverberam na minha mente.
O consolo é saber que, ao menos, Madame Carlota - interpretada pela magnífica Fernanda Montenegro - ao ver o que o futuro reservava à Macabéa, decidiu guardar para si e, ao contrário, enchê-la de esperança. Apesar de Macabéa ser uma ficção, há muitas delas por aí, esperando o dia em que a vida lhes acene com um sorriso.
O filme "Quanto Vale ou é por Quilo?" é um drama brasileiro dirigido por Sérgio Bianchi, com roteiro de Eduardo Benaim. O longa aborda assuntos considerados delicados no Brasil: a escravidão e o racismo. No filme é feito um paralelo entre o comércio de escravos que ocorria na época do Brasil Colônia e o que ocorre com os negros nos tempos atuais, mostrando um pouco do preconceito que ainda existe, as formas como são mantidos e explorados em sua miséria e as sutis e novas formas de escravidão a que estão sujeitos.
A narrativa divide-se em duas linhas temporais: o passado escravagista, contendo casos reais, ocorridos na época do Brasil Colônia e extraídos de pesquisas aos documentos do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro; e o presente ficcional, mostrando a corrupção que permeia o funcionamentos de algumas entidades assistenciais, os ganhos que os ricos auferem participando de projetos sociais, a manipulação das empresas de marketing para tornar vendável a caridade e, o mais cruel, o interesse na manutenção da miséria como geradora dos recursos que serão desviados e nunca alcançarão os desfavorecidos.
É um retrato duro, cruel, mas verdadeiro do Brasil. Duas estratégias narrativas poderosas são usadas no filme: 1- Alguns atores participam de períodos diferentes da história, mas sem que haja correlação entre seus papéis, o que acaba destacando ângulos e roupagens diferentes para os mesmos problemas, ao longo do tempo; 2- A finalização das cenas mais pesadas com uma singela fotografia, onde o agente explorador está junto aos explorados, exibindo amplo sorriso.
Este filme tem sido assistido em escolas e universidades, tem suscitado discussões e teses acadêmicas, o que demonstra sua relevância entre os estudiosos, mas seria muito bom que ele chegasse também às casas simples do povo brasileiro. As favelas são as novas senzalas, a criminalidade e o subemprego são novas formas de escravidão. As entidades beneficentes precisam da pobreza e da miséria para continuarem existindo. É duro constatar como a caridade e a benevolência não resolvem os problemas de quem precisa, e ainda ocultam outras finalidades nada nobres.
Filme essencial e obrigatório, para ser visto e compartilhado.
Surpresas Convencionais
3.0 10"Dark Horse" (Surpresas Convencionais) tem um humor zombeteiro e um enredo daquele tipo que faz a gente rir de nervoso pois, apesar de ficcional e já estar completando quase 90 anos, a história guarda uma certa semelhança com fatos que vivenciamos ainda hoje em dia, aqui no nosso país. Dirigido por Alfred Green e estrelado por Warren William e Bette Davis (em sua fase platinada, aos 24 anos de idade), o filme é bem provocador e espirituoso.
A trama mostra os bastidores de uma campanha eleitoral acirrada para governador de um Estado americano que, apesar de não mencionado, poderia ser a Califórnia - uma vez que o filme faz alusão à antiga Vila de Menifee localizada naquela região. O título do filme, 'Dark Horse', é uma expressão americana que significa 'fator surpresa' ou 'algo inesperado'. No longa, o fator surpresa é a indicação de um candidato desconhecido e não ligado à política, para concorrer àquela disputada vaga.
A partir disso, começa a parte mais interessante e curiosa do filme, mostrando como será trabalhada a imagem daquele 'candidato' para a conquista dos eleitores. O problema é que o tal homem é desprovido de inteligência, não consegue responder às perguntas que lhe fazem, não possui o dom da oratória e nenhuma proposta de governo. A solução para tal impasse, então, fica nas mãos de um habilidoso estrategista (Warren William), um marketeiro político astuto, com enorme poder de convencimento.
O filme tem um roteiro dinâmico, com subtramas também interessantes. A narrativa acerta na medida em seu humor cáustico, deixando claro que na política tudo é cuidadosamente pensado para envolver e convencer o eleitorado (considerado estúpido). Ah... e tem um desfecho já bastante conhecido por aqui...
Up: Altas Aventuras
4.3 3,8K Assista Agora"Up" (Up: Altas Aventuras) é mais uma animação da Pixar, com direção de Pete Docter, que também participa do roteiro. A qualidade gráfica deste filme é impressionante. As paisagens encantam, tamanho seu realismo e detalhamento. A trama aborda assuntos complexos, bem ao estilo de Pete Docter (vide 'Soul' e 'Divertida Mente') e a colorização ficou incrível.
O primeiro terço do longa é carregado de emoção. De uma maneira leve, aborda a passagem do tempo, a velhice e a morte. Fala de sonhos que são deixados para trás e acabam não sendo realizados. Apesar disso, "Up" não tem uma narrativa triste, ao contrário, já em seu segundo terço indica que nunca é tarde para correr atrás desses sonhos, que não se deve medir esforços quando há um motivo para viver.
Faço uma ressalva apenas para a trama construída em torno do vilão e da ave, que tornou-se muito longa. Parece até que a animação perdeu o trilho. O garotinho poderia ser menos irritante e as cenas com os cachorros poderiam ser mais curtas. Acredito que isso contribuiu para deixar o enredo chato.
O desfecho enfatiza a mensagem da amizade e da lealdade. Realmente, as aventuras se tornam melhores quando temos amigos por perto, para compartilhar cada momento.
Divertida Mente
4.3 3,2K Assista Agora"Inside Out" (Divertida Mente) é uma das animações mais incríveis que já assisti. Com um roteiro extremamente inteligente, consegue ilustrar de maneira simples e lúdica toda a complexidade de mecanismos e programações que movimentam a mente dos viventes. É quase um manual sobre memórias, pensamentos e sonhos... E mais, de que forma todas essas 'engrenagens' nos transformam em quem realmente somos e como elas afetam nosso presente e futuro.
Simplesmente espetacular!
Nós, humanos, estamos sempre em busca da felicidade, embora a tristeza viva nos lembrando que ainda não a alcançamos. Nem por isso deixamos de lado nossa alegria de viver. Fica claro que essas duas emoções se complementam: a alegria só existe porque conhecemos a tristeza - e a tristeza necessita da alegria, senão vira depressão. Também sentimos raiva, medo e nojo, mas essas sozinhas não nos controlam sempre; são úteis, mas assessórias para os momentos de necessidade.
O filme nos mostra que tudo acontece de dentro para fora. Nossa forma de enxergar o mundo e de reagir aos imprevistos da vida fazem a realidade ser o que é. Todas as emoções têm sua importância na formação de nossa personalidade, nos ajudam a construir nossas memórias afetivas, firmam os alicerces para as 'ilhas' da amizade, da honestidade, da família, das bobagens e muitas outras que fazem de cada um de nós seres únicos.
Termino, destacando uma passagem do filme que me pareceu muito importante, porque vivemos no tempo da "positividade tóxica": Não se deve ignorar a tristeza, ela faz parte da vida, da realidade! Muitas vezes, basta termos mais empatia por quem está sofrendo - ouvir e acolher até que as coisas melhorem, em vez de impor sempre um otimismo negacionista.
A Marca da Pantera
3.2 138"Cat People" (A Marca da Pantera) é uma refilmagem, lançada em 1982, do filme de mesmo título, exibido em 1942. Esta nova versão ficou bastante conhecida pela presença da linda Nastassja Kinski (com 21 anos) e pela impactante canção tema, composta por Giorgio Moroder e David Bowie.
O novo roteiro modernizou e inseriu elementos que não existiam na história original, como Paul Gallier, irmão de Irena (Nastassja Kinski), interpretado pelo excelente e esquisito Malcolm McDowell. Também foram incluídas cenas e informações sobre os antepassados dos homens-pantera. Aliás, a trama focou mais nesse aspecto, diminuindo a relevância do romance entre Irena e Oliver (John Heard) e deixando a personagem Alice (Annette O'Toole) como mera coadjuvante.
No longa também foram incluídas cenas de transmutação dos humanos para os felinos - algo arriscado, pois qualquer deslize nesses momentos pode estragar o resultado, despertando o riso em lugar do terror. No caso deste filme, achei desnecessário e sem qualidade técnica. Alguns diretores experientes até preferem evitá-las e substituí-las pelo uso conjunto de sombras, sons e sugestionamentos, deixando que o público, com seu medo, imagine e dê forma à monstruosidade - uma técnica mais efetiva.
Esta versão também investiu bastante no erotismo - favorecido pela beleza e sensualidade de Nastassja. Mirou também nas relações incestuosas (sem chegar a concretizá-las), como algo natural e permissível no reino animal. Enfim, na década de 80 era quase obrigatório que os filmes trouxessem cenas de sexo ou nudez, ainda mais com uma atriz considerada símbolo sexual.
Concluindo... Apesar dos recursos escassos, o filme original ainda é melhor que seu remake.
A Maldição do Sangue da Pantera
3.6 18"The Curse of the Cat People" (A Maldição do Sangue da Pantera), lançado em 1944, é uma suposta continuação do filme 'Cat People' exibido dois anos antes pelos Estúdios RKO. Entretanto, não há quase nada nesta sequência que a remeta ao roteiro original, a não ser a escalação dos 3 atores principais para interpretar os mesmos personagens: Irena (Simone Simon), Oliver (Kent Smith) e Alice (Jane Randolph).
O sucesso alcançado pelo filme de 1942 (Cat People) aguçou o interesses dos estúdios RKO para uma nova investida, mas o curioso é que, apesar do título, não há neste novo filme nenhuma alusão à maldição da pantera, ou ainda, não há ninguém que sequer faça alguma referência àquela lenda, ou que porventura transforme-se em um felino. As meras aparições de Irena para a pequena Amy (Ann Carter), filha de Oliver e Alice, nada têm de malévolas ou perigosas para que se configurem uma maldição.
A misteriosa mulher que aborda Irena no primeiro filme, reaparece nesta sequência como Bárbara (Elizabeth Russell), a suposta filha de uma velha senhora (Julia Dean) que mora próximo à casa de Oliver, mas as duas personagens não têm relevância alguma na trama. Para usar de franqueza, essa sequência nem deveria ter existido, pois 'Cat People' tem um roteiro fechado, coeso, e o arco dramático de seus personagens foi perfeitamente concluído no primeiro filme.
Sangue de Pantera
3.7 100O filme "Cat People" (Sangue de Pantera) é um dos pioneiros no gênero do terror psicológico, dirigido por Jacques Tourneur em 1942. Nas décadas anteriores, os seres sobrenaturais como vampiros, monstros e mortos-vivos eram os principais protagonistas desses tipos de produções. Por isso, trata-se de uma obra inovadora em vários aspectos, e aqui falaremos de alguns deles, a começar pela fotografia.
O filme tem uma atmosfera 'noir', com imagens em preto e branco e pouca iluminação, muitas cenas quase na penumbra mesmo. Foi muito utilizada a técnica de iluminação reversa: de baixo para cima, que deixa o rosto dos personagens meio encoberto e amplifica os espaços onde eles se encontram. Esse tipo de fotografia enriquece a narrativa e torna o uso de sombras e vultos ainda mais ameaçador, pois a sensação de medo que o filme propõe é sobre o que não é visto - somente pressentido e imaginado. Para complementar a sombria ambientação, foram utilizados ruídos e sons externos, com passos, miados e rugidos.
Eram realmente técnicas inovadoras para época, mas estavam atendendo a uma outra necessidade, visto que se tratava de um filme de baixo orçamento e os estúdios RKO enfrentavam sérias dificuldades financeiras. O sucesso foi tão estrondoso que salvou o RKO da falência e deu origem a uma sequência, em 1944: 'The Curse of the Cat People' na tentativa de prolongar o roteiro original, cujo desfecho havia sido perfeitamente conclusivo.
O enredo deste longa, aliás, provoca reflexões bem complexas. Por exemplo, a protagonista Irena (Simone Simon) não é americana, mas Sérvia - talvez uma americana não deva ser vítima de maldições. Ela apaixona-se e casa-se com Oliver (Kent Smith). Um dia, conta para ele a lenda de que seu povo enfrentou, no passado, uma 'maldição'. E, apesar do enredo não explicar mais detalhadamente, a tal praga recaiu sobre as mulheres que, ao serem submetidas a fortes emoções transformavam-se em predadores felinos. Assim, não podiam sequer ter contato físico com aqueles a quem amavam, sob o revés de vir a destroçá-los.
** **
Alguma semelhança com a velha fábula que liga o feminino ao perigo e ao pecado, tentando, por meio da submissão a algo maior, mantê-lo sob controle?
** **
A protagonista é então submetida a um tratamento psiquiátrico. E aqui abro um parêntesis para o revoltante tratamento. O médico, Dr. Judd (Tom Conway), é considerado o melhor especialista no assunto, no entanto, comenta com terceiros o tema das sessões, chama a paciente de louca, faz pouco caso do que ela lhe relata e, como se não fosse suficiente, ainda a assedia sexualmente.
** Passada...
Finalizo mencionando uma adaptação, vagamente inspirada neste filme, feita em 1982: 'A Marca da Pantera'. Porém, com outros elementos narrativos e maior carga erótica.
Little England
3.8 22O filme "Mikra Anglia" (Little England) impressiona de imediato pelas lindas paisagens da Grécia. A fotografia é incrível, delicada e ensolarada. Os planos abertos oferecem passeios sobre a privilegiada geografia grega, captam a exuberância do mar mediterrâneo, a beleza das antigas edificações e campos floridos daquela região. Em contraponto, os closes são lentos, sutis e quase íntimos, às vezes seguindo o olhar ou o trajeto das mãos dos personagens, permitindo-nos compartilhar de suas impressões e carícias.
A história também é de uma beleza trágica, um drama emocionante. O filme foi escolhido para representar a Grécia no Oscar de 2014, embora não tenha sido selecionado entre os cinco finalistas. A fotografia é de Simos Sarketzis, direção de Pantelis Voulgaris e o roteiro é baseado no romance homônimo, escrito por Ioanna Karystiani.
O enredo contará aproximadamente 20 anos (1930 a 1950) da vida das duas irmãs, Orsa (Pinelopi Tsilika) e Moscha (Sofia Kokkali), que vivem na Ilha de Andros, na Grécia. É um filme sobre distâncias e longas esperas, sobre amores e infortúnios. O destino dessas duas irmãs está interligado por uma mesma paixão e pela injustiça.
Submetidas às escolhas ambiciosas de sua mãe, elas se tornam vítimas de uma repressão feminina bastante comum à época, e que as conduz a um futuro infeliz. Porém, se não houvesse tantos segredos e silêncios entre ambas, talvez seus caminhos tivessem sido outros.
Dogs Don’t Wear Pants
3.7 90 Assista AgoraComparar o ótimo filme finlandês "Dogs Don't Wear Pants" (Cachorros Não Usam Calças) com a trilogia 'Cinquenta Tons de Cinza' (como li num artigo sobre cinema), além do despropósito e da injustiça, indica certa superficialidade de análise e pouca compreensão da trama. O filme realmente aborda o tema BDSM, mas de uma forma completamente diferente da trilogia de E.L. James. Neste filme, o fetiche tem uma explicação e uma finalidade bem diferentes da mera criação de uma atmosfera erótica ou romântica.
O filme começa mostrando Juha (Pekka Strangv) com sua esposa e a pequena filha Elli num chalé às margens de um belo lago. Numa tarde, subitamente ocorre uma tragédia e, ao tentar salvar sua esposa de um afogamento, Juha acaba também ficando sem ar e perdendo a consciência por alguns momentos. Nesse estado de quase morte, ele se conecta à imagem da esposa, como se ela ainda estivesse viva.
Após um corte temporal, a história continua muitos anos depois, quando Elli (Ilona Huhta) já é uma adolescente. Ao levar a filha num estúdio de tatuagem para colocação de um piercing, ele acaba conhecendo Mona (Krista Kosonen), uma Dominatrix que dali em diante modificará completamente a vida de Juha.
Algumas práticas BDSM são mostradas no filme, mas Juha acaba ficando fascinado pela bondage, devido à privação de oxigênio que o deixa num estado de semiconsciência semelhante àquele que quase o matara, e que o faz ver novamente a imagem de sua esposa. Isso, inicialmente, o deixa muito feliz e serve como motivação para que retorne outras vezes. Para ele, a dor e o sofrimento eram apenas um meio de alcançar o prazer de estar junto à sua amada - uma solução momentânea para seus conflitos psíquicos insuportáveis.
Mas à medida que essas práticas vão se tornando constantes, adquirem um significado diferente, com severas consequências na conduta social e profissional de Juha. Talvez as mais graves sejam a postura negligente que passa a ter com sua filha e com sua própria vida. A experiência desses encontros também se reflete em Mona e, em vez de afastá-los, aproxima-os cada vez mais e os leva a desafiarem limites cada vez mais perigosos.
Um filme que dificilmente leva ao consenso, mas nos faz pensar sobre os tabus, o direito às diferenças e as múltiplas expressões da sexualidade humana.
Rua do Medo: 1666 - Parte 3
3.5 513 Assista Agora"Fear Street: 1666" (Rua do Medo: 1666 - Parte 3), em tese, é o último da trilogia. O filme começa com um flashback de 1666, contando como originou-se a maldição em Shadyside.
Este primeiro ato é ótimo. Ambientação bem feita, fotografia maravilhosa, trama interessante, detalhando todas as circunstâncias que envolvem a história de Sarah Fier, os motivos que a levaram a ser condenada e de que forma a maldição se perpetuou somente em Shadyside, não atingindo Sunnyvale. Também serão apresentados os antepassados dos personagens mais relevantes, inclusive Solomon Goode (Ashley Zukerman), o primogênito na árvore genealógica do Delegado Nick Goode.
A narrativa segue interessante durante todo o corte temporal, inclusive com um bom plot twist. Porém, a partir do segundo ato, a história retorna ao ano de 1994 para atar as pontas que ficaram soltas no filme anterior... E então, voltamos ao slasher teen chatinho, apesar dos litros de sangue derramados, ossos quebrados, cérebros retalhados, membros amputados e todo o cardápio já usual de assassinatos em filmes do gênero.
O longa segue rigorosamente essa cartilha até seu desfecho. E então sugere, nas cenas pós-créditos, que a história pode não ter terminado ali. (!)
Enfim, a sensação de estar assistindo a uma série teen torna-se realidade.
Rua do Medo: 1978 - Parte 2
3.5 549 Assista Agora"Fear Street: 1978" (Rua do Medo: 1978 - Parte 2) vem contando a história da maldição que recaiu sobre a cidade de Shadyside depois que a bruxa Sarah Fier foi enforcada ali. Numa linha temporal reversa, que iniciou em 1994 e agora remonta ao ano de 1978, esta sequência narra os terríveis assassinatos cometidos por Tommy Slater (McCabe Slye) no Acampamento Nightwing.
Como seria de se esperar, o filme é protagonizado somente por adolescentes e, portanto, não tem muito a acrescentar na trama anterior, somente reforça a calamidade que é viver numa terra condenada por uma bruxa maneta, colérica e sedenta por vingança. O filme de 1978 mostra as agruras das irmãs Ziggie (Sadie Elizabeth Sink) e Cindy Berman (Emily Rudd), que tentam sobreviver à matança generalizada. Uma delas conseguirá, como vimos no primeiro filme.
Neste longa também será contada a história do jovem Nick Goode (Ted Sutherland), que aparece no primeiro filme em sua versão adulta como o xerife de Sunnyvale. No mais, talvez este slasher também decepcione por parecer uma série teen da Netflix, mas pelo menos tem uma trilha sonora bacana.
E seguimos para a última parte...
Pelas cenas antecipadas, parece ser o melhor filme da trilogia.
Rua do Medo: 1994 - Parte 1
3.1 773 Assista AgoraAcredito que a intenção da trilogia "Fear Street" é recriar a atmosfera dos filmes de terror dos anos 80 e 90. Esse desafio é maior do que parece, pois parte do encantamento daquele tipo de filmes era a novidade, afinal, o público não estava acostumado a tomar sustos com mortes brutais e a ver serial killers que sobreviviam ao final de cada filme, para voltar plenos na próxima continuação. Depois, os slashers viraram alvo de piadas ótimas, em outras franquias que se especializaram em ridicularizá-los.
E o fato é que hoje em dia ninguém os leva a sério.
Entretanto, "Fear Street: 1994" (Rua do Medo: 1994 - Parte 1) quer ser levado a sério.
O enredo parte de uma história meio non-sense para explicar a chacina que acontece de tempos em tempos na pequena cidade de Shadyside. Na franquia será encontrado um pouco de tudo, como quem joga na panela todo tipo de condimento esperando que a comida dê certo. Há a maldição da bruxa, os assassinos do passado que transformaram-se em uma espécie de escravos da bruxa e garantem os banhos de sangue, os adolescentes corajosos que, com seus planos inteligentes tentam derrotar o mal. Há também os policiais atrapalhados, que não conseguem sequer notar quando sua arma é roubada, e uma escassez de outros personagens adultos relevantes.
Apesar do cardápio de mortes bizarras, o filme é fraco, chato e carregado de clichês. E pelas cenas antecipadas, sua continuação parece tão entediante quanto...
Veremos.
Willy I
3.5 3 Assista AgoraO cinema francês não costuma usar muitos artifícios, especialmente para os dramas. Opta pela linguagem crua para mostrar uma realidade sem filtros. Isso às vezes incomoda ou causa certa estranheza, como acontece em "Willy 1er" (Willy I). O filme é dirigido por 4 jovens cineastas e inspira-se na vida do ator Daniel Vennet, que interpreta aqui os irmãos gêmeos Willy e Michel.
O ator, assim como seus personagens, morou com a família até os 50 anos de idade. Por isso, o roteiro aproxima-se mais da comédia dramática do que da fantasia quando fala sobre a difícil adaptação a perdas ou rupturas causadas pela morte e pelas mudanças de vida, principalmente quando ocorrem na meia idade.
O filme começa mostrando a brusca separação dos gêmeos Michel e Willy, resultante do suicídio de Michel. Os dois eram fisicamente idênticos e companheiros inseparáveis, mas bastante diferentes na maneira como percebiam a vida e a realidade. Michel tinha mais consciência da estagnação e da falta de perspectivas em que viviam. Já Willy, era sonhador e parecia não se preocupar com o fato de que ambos já tinham chegado aos 50 anos sem nunca ter saído da casa dos pais.
Com a morte de Michel, Willy revolta-se e decide pôr em prática seu antigo sonho de morar só e mudar-se para a cidade vizinha de Caudebec, ter um apartamento, uma Scooter e muitos amigos. O problema é que Willy não estava preparado para sobreviver nesse novo mundo ameaçador. Seus problemas psíquicos o tornam agressivo e dificultam o processo de socialização. E assim, acompanhamos toda a difícil jornada de Willy rumo à sua independência tardia.
O ator Daniel Vannet (Willy/Michel) personifica magnificamente a confusão e desespero na mente de um adulto que não amadureceu. Interessante destacar que os diretores fazem um bom uso do simbolismo para demonstrar sua solidão e saudade, inserindo na trama os personagens falecidos, num formato fantasmagórico visível apenas pelo espectador. Há somente uma cena em que Willy parece dirigir-se retoricamente ao fantasma do irmão, compartilhando com ele sua liberdade e, assim, libertando-o também.
Um filme diferente, que vale a pena conferir.
Na Sua Ausência
3.7 7O que torna um filme inesquecível? Talvez a beleza e a poesia extraídas de seu roteiro, talvez porque fale diretamente de sentimentos extremos que tocam nossa alma ou, acima de tudo, pela atuação forte e emocionante que um personagem exige de um ator. Por qualquer desses motivos, afirmo que "J'enrage de son Absence" (Na Sua Ausência) ocupa um bom lugar na galeria de filmes muito especiais. O enredo narra um drama profundo, monotônico, que já se encontra em seu nível mais agudo, semelhante à última puxada de ar de um náufrago.
Inegável minha admiração e apreço por William Hurt, um ator capaz de falar tudo apenas com o olhar, que imprime delicadeza e sensibilidade aos seus personagens, mesmo aqueles sujeitos às provas mais duras da vida.
Neste longa ele interpreta Jacques, um pai que carrega dores insustentáveis para qualquer mortal: o luto pela morte de Mathieu (seu único filho), a culpa por pensar que foi o responsável por isso, e a ruptura de seu casamento com a mulher que amava (Alexandra Lamy), por não conseguirem lidar com a infelicidade da perda.
Sua ex-esposa, Mado, reconstruiu sua vida, casou-se novamente e teve outro filho, mas Jacques deixou-se morrer junto com Mathieu. Sua existência perdeu o sentido. Oito anos depois, ele reencontra Mado e lhe pede que o apresente a seu filho Paul (Jalil Mehenni), que está com 7 anos. Nasce entre ele e o pequeno garoto uma relação de amizade e afeto mútuo; e uma centelha volta a aquecer o solitário coração de Jacques.
A partir de então, o filme apresenta uma metáfora que descreve com perfeição a existência de Jacques. O porão frio e escuro que ele passa a ocupar clandestinamente é quase um sepulcro, como se ele já estivesse enterrado vivo. Ele já não tem história, apenas passa a ser um espectador silencioso da vida alheia.
A cada cena percebemos a enorme ferida que ele guarda no peito, a decadência existencial e emocional que o abate, a passividade muda que brota da sua total desesperança.
O desfecho é quase insuportável, assim como o último acorde de uma ópera linda, mas terrivelmente dolorosa. Aquele olhar, de um azul profundo, atravessa a carne como faca... e ficou gravado na minha memória.
A Chegada
4.2 3,4K Assista Agora"Arrival" (A Chegada) é um filme mind-blowing do diretor Denis Villeneuve. Adianto que o roteiro engana bastante. Ele nos entregará muito mais do que uma história de invasão alienígena. Aliás, os visitantes serão apenas os instrumentos para todo o arsenal psicológico que receberemos em seguida.
Desta vez não haverá guerras, ameaças ao planeta ou aos humanos - a temática deste filme está centrada na temporalidade e na existência, mas Villeneuve só nos deixará perceber isso após uma lenta e suave incursão na história da Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma renomada linguista convocada pelos militares americanos para tentar compreender e comunicar-se com os alienígenas. Caberá a ela descobrir qual o propósito da chegada deles ao nosso planeta.
Logo de cara, a Dra. Louise nos apresenta teorias linguísticas muito interessantes e, ao longo do filme, ela mostrará toda a complexidade envolvida no processo de comunicação - que vai além do conhecimento de um idioma - e que inclui o contato direto com o outro para compreensão de sua realidade. Algumas cenas deixam isso bem claro, por exemplo: durante quase todo o tempo, enxergamos apenas uma parte do corpo dos alienígenas e acreditamos que eles são daquele jeito (assemelhando-se a polvos com 7 tentáculos), mas quando Louise decide entrar na nave sem o traje espacial e livre do vidro que a separa deles, vemos o quanto são diferentes do que imaginávamos. Nós, humanos, construímos uma realidade muito limitada, condicionada ao tempo e aos sentidos.
Desse encontro extrairemos reflexões profundas e valiosas sobre a necessidade de ajuda mútua, sobre não estarmos sozinhos, sobre a importância de não julgar o outro a partir de nossas próprias atitudes. No longa, aqueles seres não tinham interesse em invadir, ameaçar ou subjugar. Ao contrário, nos deixam um presente, algo que muda nossa percepção sobre a vida. Estamos atrelados à ideia linear de temporalidade, acreditando no imprevisível. Mas, e se o futuro fosse apenas uma percepção incorreta do tempo e pudéssemos ver nossa vida inteira... mudaríamos seu rumo? evitaríamos passar por algumas experiências?
As mensagens que o filme nos deixa são inúmeras. É uma trama que nos acompanha até o travesseiro. E vale ressaltar que Amy Adams faz uma atuação impressionante, nos confundindo até o terceiro ato, quando finalmente encontramos todas as respostas.
Endemoniada
4.0 316 Assista AgoraPrepare-se porque o que há de pior na natureza humana será encontrado nas cenas de "Bedevilled". O filme é quase totalmente protagonizado por seres abjetos, capazes de abusar, violentar, humilhar, espancar, matar ou se omitir de falar a verdade.
É mais uma ótima produção do cinema sul-coreano. Um filme surpreendente, muito bem dirigido e que não se prende a um gênero específico, podendo ser classificado como drama, suspense ou horror, dependendo do momento da trama. Uma certeza é que a narrativa não será óbvia e nem seguirá o caminho dos clichês, ao contrário, pode ser até que o desfecho desagrade muita gente.
Repleto de cenas que causam indignação pela violência contra as mulheres, incluindo estupro, abuso de menores, agressão física e verbal, o filme insinua que a maldade habita a mente humana, não importa o padrão social que o indivíduo ocupe. Mostra uma crueldade ainda maior: a aceitação de que a selvageria possa ser considerada natural, uma regra contra a qual nem se cogita rebelar.
Há sequências em que fica até difícil assistir, pois a brutalidade causa um tipo de horror real, simplesmente por sabermos que ela ocorre verdadeiramente com milhares de mulheres mundo afora. Então, assim como a vida, o desfecho pode deixar um certo gosto de injustiça, mas quando o cinema decide aproximar-se da vida real, o 'happy ending' nem sempre acontece.
Um filme excelente, sem dúvida.
Kubo e as Cordas Mágicas
4.2 635 Assista Agora"Kubo and the two Strings" (Kubo e as Cordas Mágicas) é uma impressionante animação feita pelos estúdios Laika, em stop motion e com uma história poderosa e emocionante sobre bravura, laços familiares, perdas, memórias e como tudo isso pode se transformar em força para sobreviver. Os estúdios Laika levaram dez anos para produzir Kubo, dado o altíssimo nível de complexidade e detalhamento visual, atrelado a um roteiro tocante que resultou numa beleza próxima da perfeição.
Nas primeiras cenas, uma mulher está num pequeno barco em meio a uma tempestade em alto mar, com um bebê preso às costas. A narração em off, é feita em primeira pessoa por Kubo, o bebê que sobrevive graças à coragem de sua mãe. Ele estará predestinado a enfrentar a crueldade de seu avô materno, que arrancou um de seu olhos quando ainda era um recém-nascido, e também das duas irmãs de sua mãe que desejam matá-lo. Ele é filho do bravo guerreiro Hanzo, morto pelo avô perverso. Na trajetória de Kubo não faltará magia, perigos e muita aventura.
As fábulas e lendas sobre os heroicos guerreiros samurais fazem parte da cultura oriental, inspirando contos como este, cheios de ação e encantamento, sempre embasados na honra e na honestidade. Kubo segue esse mesmo caminho, mas tem elementos que tornam a história sombria e diferente: seus maiores inimigos são sua própria família, fria e perversa, totalmente desumana. A vida mostrou-se difícil para ele desde muito cedo, quando precisou cuidar de sua mãe fraca e doente, vendo-a perder aos poucos a memória. Ele também se ressente de não ter conhecido o pai. Sua solidão corta o coração, especialmente numa sequência em que faz uma oração perante um altar fúnebre, na esperança de ver o espírito de Hanzo.
Sem dúvida, é uma animação inesquecível que falará diretamente com o público adulto e que certamente o emocionará. É possível que alguns se comovam com o desfecho e não segurem as lágrimas - meu caso - ainda mais com a encantadora voz de Regina Spektor cantando 'While My Guitar Gently Weeps', dos Beatles. Então, ao assistir o filme, siga o conselho de Kubo: “se precisa piscar, faça isso agora”...
Dália Negra
3.0 277 Assista AgoraO assassinato da jovem Elizabeth Short, apelidada de Dália Negra, que permanecia sem solução há até poucos anos, é um dos crimes mais famosos da história dos Estados Unidos, tendo inspirado vários filmes e obras literárias, como é o caso deste "The Black Dahlia" (Dália Negra) do talentoso diretor Brian De Palma - que tem o prestígio de ser considerado o sucessor de Hitchcock.
Este filme, entretanto, é baseado no romance escrito por James Ellroy e apenas usa o crime de Elizabeth Short como pano de fundo para a intrincada trama policial vivida por Josh Hartnett (Dwight Bucky Bleichert), Aaron Eckhart (Lee Blanchard), Hilary Swank (Madeleine Linscott) e Scarlett Johansson (Kay Lake).
O roteiro é daquele tipo cheio de reviravoltas e informações paralelas, até porque tem que encaixar muitas tramas secundárias para contar a história dos policiais Bucky e Blanchard, seu triângulo amoroso com Kay Lake, um pouco da vida de Elizabeth short, as motivações para o crime e quem é Madeleine Linscott. Apesar das várias camadas, o enredo passa longe do extraordinário. Teria sido muito mais interessante se o longa relatasse as circunstâncias do crime e os trabalhos investigativos que se seguiram ao longo de décadas.
O filme é ambientado na cidade de Los Angeles dos anos 40, e conta com a fotografia primorosa de Vilmos Zsigmond, conhecido como 'poeta mágico'. Ele construiu uma bela atmosfera noir para a época e recebeu indicação ao Oscar de Melhor Fotografia em 2007, mas perdeu para Guillermo Navarro, com 'O Labirinto do Fauno'.
"The Black Dahlia" é um bom filme de suspense policial, mas não o melhor de Brian De Palma.
A Dália Azul
3.4 11"The Blue Dahlia" (A Dália Azul) tem como protagonista o belo casal Veronica Lake e Alan Ladd. É um filme policial, no estilo noir, dirigido por George Marshall e com roteiro de Raymond Chandler, famoso por seus romances e contos policiais.
Apesar do enredo um pouco datado, o filme mostra certa vanguarda para a época.
Um veterano de guerra (Alan Ladd), retorna para casa e encontra a esposa (Doris Dowling) em um caso extraconjugal. Ainda assim, ele parece disposto a superar o ocorrido, mas no meio de uma acalorada discussão, a esposa confessa que havia mentido sobre a morte do filho deles. Ela revela que estava alcoolizada e que causou o acidente que o matou. Não suportando tal confissão, ele a abandona.
No dia seguinte, a moça que faz a limpeza da casa a encontra morta.
O revólver do marido está jogado no chão, à sua frente.
A partir do segundo ato do filme, inicia-se a investigação policial com o intuito de descobrir quem é o assassino.
O filme tem uma trama meio confusa, com várias ramificações para tentar despistar o público. Entretanto, se comparada aos suspenses policiais atuais, a história nos parece extremamente inocente, por vezes até óbvia, já que é quase possível antecipar alguns dos acontecimentos posteriores. Mas os filmes antigos devem ser apreciados pelo seu charme e por representarem uma outra época, bem diferente da nossa.
A Bruxa
3.6 3,4K Assista AgoraO roteiro de "The Witch" (A Bruxa) é baseado em vários contos do folclore inglês e também uma compilação das histórias e antigos documentos ou relatos sobre a existência de bruxas que habitavam as florestas e bosques daquela região. Portanto, não é um enredo original ou muito diferente do que já se assistiu em outros filmes com a mesma temática.
Talvez o mérito desta obra, em específico, seja destacar como o feminino sempre foi alvo de desconfianças e receios. Ao longo de séculos as mulheres foram acusadas de feitiçarias e pactos com o demônio. As bruxas eram retratadas como seres horríveis, mas que se transformavam em mulheres jovens e sedutoras para atrair suas vítimas. Hoje em dia é simples imaginarmos a raiz de todas essas crenças, mas antigamente tudo o que havia era a fuga para a religiosidade extremada. E em nome desses dogmas muitas mulheres morreram queimadas.
O medo despertado por este filme é o psicológico, resultante em grande parte da imaginação, daquilo que não é explicado ou que é pouco mostrado. Já sabemos que a sugestão é uma ferramenta bastante efetiva em filmes de terror, pois tememos muito mais o que não vemos ou apenas pressentimos. É como aquele calafrio que vem ao escutarmos um barulho no meio da noite, por exemplo.
Portanto, é um enredo sem novidades - não é ruim, somente mediano. A produção é bem feita, a fotografia é elegante e sombria, em tons terrosos. O elenco cumpre bem o seu papel.
Filme bom pra assistir com a pipoca do lado.
Tatuagem
4.2 923 Assista AgoraAlguns atrevimentos e ousadias a mais ou a menos, quando bem dirigidos, podem fazer a diferença num roteiro, mesmo que ele não seja tão bom. Mas se o enredo for fraco, então, é preciso redobrar os cuidados com eles.
O filme "Tatuagem" tem um enredo que caberia num curta-metragem, mas não é isso que o prejudica. Na intenção de retratar a rebeldia que se contrapunha ao chamado período da ditadura (que aliás passa ao largo de ser contextualizado no filme), o roteiro faz uso demasiado de nudez, palavrões e coreografias sexuais.
Acontece que tudo isso usado ao mesmo tempo, de forma desconexa e, às vezes banal, fez com que o filme se despedisse da arte e se equilibrasse num liame entre o mau gosto e a pornografia. Peitos, bundas, sexo e palavrões não são irreverências, não compensam um enredo anêmico e nem tornam um filme memorável.
Salva-se apenas a história de amor entre Clécio (Irandhir Santos) e Fininha (Jesuíta Barbosa). Ah... e não se trata aqui de levantar bandeiras de moralidade, apenas de lembrar que todo excesso pode ser perverso.
Inferninho
3.7 83O cinema é capaz de proporcionar experiências inimagináveis. É preciso ter a mente e o coração abertos, pois assim a surpresa pode chegar sem medo, de repente... arrancar um sorriso inesperado ou alguma lágrima que esteja guardada há muito tempo, esquecida no fundo do peito.
Assim foi feito.
O filme "Inferninho", de Guto Parente e Pedro Diógenes nem parece ser do tamanho que é, não anuncia o poder que tem e nem revela sua beleza logo de início. É preciso ir sorvendo, acreditando instante a instante naquela viagem surreal, cheia de super heróis destruídos pela vida, pelos fracassos e sonhos desfeitos. A cada gole mais a gente se acostuma com aquele universo burlesco, com a voz desafinada de Luiziane (Samya De Lavor), com as letras bregas das músicas que ela canta. Nosso ouvido, a certa altura, não reclama mais daquele ritmo batido e constante do órgão eletrônico, nem nossa mente questiona mais se tudo aquilo faz sentido ou não.
Incrível é pensar que em meio àquela atmosfera pesada, deteriorada, pode brotar amizade, amor, lealdade ou honestidade. E também o riso, pois mesmo na desgraça é possível descobrir alguma graça (ainda que o trocadilho seja tosco). Impossível não se apaixonar por cada um dos personagens do filme, não torcer para que tudo dê certo para Deusimar (Yuri Yamamoto). Impossível não se emocionar e chorar com as palavras do Coelho (Rafael Martins). Desejei até ter um Coelho ao meu lado também...
Filme lindo, com som, cor e sabor diferentes. Como pimenta que arde, mas depois a gente acostuma. Como a claridade que bate no olho e incomoda, ou como o álcool que trava na língua, mas depois a gente relaxa. O Bar chamado Inferninho talvez seja o último refúgio para aqueles que não encontraram seus lugares na vida - ou no coração de alguém.
O Assalto ao Trem Pagador
4.1 91"O Assalto ao Trem Pagador" é um filme que não envelheceu. Completará 60 anos fazendo uma crítica social atual, ainda com força suficiente para nos levar a uma reflexão sobre os porquês de nosso país continuar o mesmo para determinados segmentos da população.
O filme é baseado no roubo ocorrido em 1960, quando uma quadrilha explodiu os trilhos da Estação de Ferro Central do Brasil e levou o dinheiro que havia dentro de um trem postal. Porém, o roubo é apenas a contextualização para a trama que se desenvolve depois. O filme trata, na verdade, das consequências que essa ação representará na vida dos integrantes da quadrilha.
Com o dinheiro do roubo já dividido entre todos, o pacto era não gastarem mais que 10% do montante, para não levantarem suspeitas. Não deveriam ostentar riquezas e, se alguém fosse preso, seria executado para não dar informações à polícia. Entretanto, com o decorrer do filme, o personagem de Reginaldo Farias assume um discurso que ainda hoje reverbera nos jornais e noticiários verdadeiros, deixando claro a quem realmente eram direcionadas aquelas regras, escancarando o preconceito social e racial que corrói e marginaliza nosso povo.
O filme tem defeitos sim; seus diálogos parecem dublagem de filmes estrangeiros, cheios de clichês e frases feitas. As interpretações, em certos momentos, também parecem exageradas, mas são apenas pequenos desacertos que não comprometem a relevância da obra. Um ponto positivo é a humanização dos personagens, todos com qualidades e defeitos. No filme ninguém é totalmente bom ou mau, nem os bandidos, nem os policiais. O roteiro é bem contado e o final é satisfatório.
Uma relíquia do cinema brasileiro.
A Hora da Estrela
3.9 517"A Hora da Estrela" é uma adaptação do livro homônimo escrito por Clarice Lispector. A história de Macabéa foi o último romance que ela escreveu, e diz muito sobre a fase da vida em que a autora se encontrava.
Macabéa (Marcélia Cartaxo) era uma menina-moça, humilde, virgem, nordestina que imigrou para a cidade do Rio de Janeiro e conseguiu um emprego como datilógrafa mas, ironicamente, tinha muita dificuldade com as palavras; aliás, desconhecia a maioria delas.
O longa é bastante fiel ao livro, com uma protagonista que facilmente passaria desapercebida pelo mundo, anônima e invisível. Macabéa tem o estereótipo dos retirantes: ingênua e quase analfabeta, desprovida de beleza ou quaisquer outros atrativos, sem família, sem pertences ou planos de futuro. Um dia, ela passou a sonhar com o amor quando conheceu Olímpio de Jesus (José Dumont), mas ele, um homem rude e ignorante, foi mais um a menosprezá-la.
Li o romance de Clarice há mais de 20 anos, mas Macabéa nunca me saiu da lembrança. A força e o significado do título (A Hora da Estrela) também me emocionam até hoje. Sua simplicidade extrema, a dor existencial que a tomava por inteiro e que ela queria curar com aspirina, reverberam na minha mente.
O consolo é saber que, ao menos, Madame Carlota - interpretada pela magnífica Fernanda Montenegro - ao ver o que o futuro reservava à Macabéa, decidiu guardar para si e, ao contrário, enchê-la de esperança. Apesar de Macabéa ser uma ficção, há muitas delas por aí, esperando o dia em que a vida lhes acene com um sorriso.
Quanto Vale ou É por Quilo?
4.0 253O filme "Quanto Vale ou é por Quilo?" é um drama brasileiro dirigido por Sérgio Bianchi, com roteiro de Eduardo Benaim. O longa aborda assuntos considerados delicados no Brasil: a escravidão e o racismo. No filme é feito um paralelo entre o comércio de escravos que ocorria na época do Brasil Colônia e o que ocorre com os negros nos tempos atuais, mostrando um pouco do preconceito que ainda existe, as formas como são mantidos e explorados em sua miséria e as sutis e novas formas de escravidão a que estão sujeitos.
A narrativa divide-se em duas linhas temporais: o passado escravagista, contendo casos reais, ocorridos na época do Brasil Colônia e extraídos de pesquisas aos documentos do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro; e o presente ficcional, mostrando a corrupção que permeia o funcionamentos de algumas entidades assistenciais, os ganhos que os ricos auferem participando de projetos sociais, a manipulação das empresas de marketing para tornar vendável a caridade e, o mais cruel, o interesse na manutenção da miséria como geradora dos recursos que serão desviados e nunca alcançarão os desfavorecidos.
É um retrato duro, cruel, mas verdadeiro do Brasil. Duas estratégias narrativas poderosas são usadas no filme: 1- Alguns atores participam de períodos diferentes da história, mas sem que haja correlação entre seus papéis, o que acaba destacando ângulos e roupagens diferentes para os mesmos problemas, ao longo do tempo; 2- A finalização das cenas mais pesadas com uma singela fotografia, onde o agente explorador está junto aos explorados, exibindo amplo sorriso.
Este filme tem sido assistido em escolas e universidades, tem suscitado discussões e teses acadêmicas, o que demonstra sua relevância entre os estudiosos, mas seria muito bom que ele chegasse também às casas simples do povo brasileiro. As favelas são as novas senzalas, a criminalidade e o subemprego são novas formas de escravidão. As entidades beneficentes precisam da pobreza e da miséria para continuarem existindo. É duro constatar como a caridade e a benevolência não resolvem os problemas de quem precisa, e ainda ocultam outras finalidades nada nobres.
Filme essencial e obrigatório, para ser visto e compartilhado.