No vastíssimo universo das criaturas monstruosas e assassinas faltavam os gafanhotos onívoros. Não faltam mais...
"La Nuée" (A Nuvem) nos mostra que uma mentira leva à outra e a ganância pode cegar o juízo e causar sérios estragos na vida.
O filme é um terror B - de baixo orçamento - com roteiro fraco e previsível. Talvez a trama desperte algum horror nas pessoas que não suportam ver insetos e seus detalhes anatômicos, mas está longe de causar algum outro tipo de emoção. O que mais assusta mesmo é imaginar que o filme pode ter uma sequência...
Terrence Malick tem uma forma única de contar suas histórias, presenteando-nos com filmes tão belos que poderiam ter os frames emoldurados em paredes de museu. O capricho com que conduz cada detalhe e elemento da narrativa, especialmente a fotografia, tornaram-se suas marcas registradas. Ele imprime um ritmo lento à trama, mas nunca enfadonho; detém-se em instantes, circunstâncias, fatos simples e aparentemente irrelevantes do cotidiano, mas que têm o efeito de contextualizar ou destacar o sentimento dos personagens, sem a necessidade de fazer uso do verbo.
Sob o seu olhar, "A Hidden Life" (Uma Vida Oculta) torna-se uma obra-prima. Apesar dos poucos diálogos, não há um momento sequer em que nada aconteça; a história é simples, fala de pessoas comuns, porém os cenários são tão grandiosos e espetaculares, que o olhar se perde e a mente voa junto com aqueles planos abertos, que não se repetem e, a cada sequência revelam um novo pedaço do paraíso.
O grande espetáculo deste filme é, sem dúvida, a fotografia. Malick passeia com a câmera nas mãos quando decide seguir os passos dos personagens e as fixa em closes extremos para retratar o que sentem. Também faz panorâmicas e incríveis altos e baixos (plongées) nos espaços internos suntuosos, demonstrando que ali dentro alguém exercerá um poder intimidador ou promoverá injustiças. Mas mesmo nas salas sombrias e cárceres, ele tem o cuidado de reservar uma passagem para a luz.
Essa luz torna-se mais quente e forte em meio às paisagens austríacas, e mais fria e azulada ao retratar a guerra e as cenas em que Franz (August Diehl) está sob o domínio do exército alemão. Mas há também uma luz branca e pura, numa alusão à religiosidade de Malick. Sim, Deus está presente o tempo inteiro nesta história, seja nos diálogos explícitos, como os do pintor da catedral (Johan Leysen), seja na fé expressa verbalmente por Franz e Fani (Valerie Pachner) ou nos passeios da câmera pelo firmamento, quase como se buscassem captar a imagem divina.
O filme - baseado em fatos reais - é uma homenagem aos heróis anônimos, um repúdio à insanidade da guerra, um clamor pelo direito à liberdade que foi brutalmente violado para aqueles que, como Franz, recusaram-se a ceder aos desmandos de um ditador sórdido. E ao final, a certeza de que um homem que se mantém firme às suas crenças e valores, caso permaneça vivo, torna-se ainda mais forte; e se morto, torna-se livre.
Uma aventura nas águas da Jamaica, é o que propõe o roteiro de "City Beneath the Sea" (Cidade Submersa), um filme de 1953 baseado no livro 'Port Royal: The Ghost City Beneath the Sea'. Nas décadas seguintes, os filmes sobre aventuras submarinas caíram no gosto dos produtores americanos, surgindo outras obras com a mesma proposta em 1967 e 1971 - mas com roteiros diferentes - e até uma série televisiva com o tema.
Apesar do título dar a impressão de que existe uma cidade submersa e de que haverá momentos de aventura e surpresas em meio às suas ruínas, lamento a decepção. A cidade submersa existe, mas apenas como cenário para o local onde se encontra o navio 'Lady Luck', naufragado com uma carga de barras de ouro. O objetivo dos mergulhadores Brad Carlton (Robert Ryan) e Tony Bartlett (Anthony Quinn) é encontrar o navio, resgatar a carga e dividi-la com o capitão Sorensen (George Mathews).
O filme tenta construir um clima de suspense em torno da existência da cidade, inserindo na narrativa uma crença vudu que amaldiçoa todos os que mergulham naquelas águas e ousam perturbar o sossego dos mortos da cidade submersa. Mas não vai além. Em paralelo, também são mostradas as investidas românticas dos dois mergulhadores, com as belas atrizes Mala Powers (Terry McBride) e Suzan Ball (Mary Lou Beetle). Romances, aliás, que se desenvolvem na velocidade da luz.
No mais, é uma produção com efeitos visuais precários e limitados, considerando-se os recursos da época em que foi feita. As cenas subaquáticas, por exemplo, são filmadas dentro de um grande tanque cenográfico, com blocos de pedra que representam a cidade submersa. Atualmente, este filme atrai mais os cinéfilos por causa dessas peculiaridades - e por tratar-se de um clássico - do que propriamente por outros méritos.
"Dois Córregos - Verdades Submersas no Tempo" é um filme que desperta uma sensação nostálgica, parecida com aquela dos livros e velhos romances que líamos na adolescência. O roteiro fala de ausências e das vidas que seguem por rumos separados, como os dois córregos do título... braços de rio que banham as terras da família de Ana Paula (Beth Goulart).
Com a morte dos pais, Ana Paula recebeu as terras e o sítio em herança. Ao visitar o lugar pela primeira vez, após tantos anos longe, o passado que ela havia esquecido toma-lhe pelas mãos e a leva de volta no tempo, num passeio cheio de lembranças e saudade.
A história é contada em flashback, quando Ana Paula - ainda adolescente - passou suas férias naquele lugar, em companhia de sua meia irmã Tereza (Ingra Liberato) e de sua amiga Lídia (Luciana Brasil). Foi também naquelas férias que ela conheceu seu tio Hermes (Carlos Alberto Riccelli), um homem atraente, culto, mas marcado pela melancolia e com um passado cheio de segredos.
Naquele tempo, naquele lugar, a paixão floresceu para as três jovens. Entretanto, pereceu com a mesma rapidez com que surgiu. Restaram as lembranças guardadas em uma pequena caixa, a recordação da despedida que os anos transformaram em lágrimas nos olhos de Ana e as cicatrizes da espera na vida de Tereza.
O filme tem muitas imperfeições técnicas, mas a nostalgia e a carga sentimental do enredo cativam e compensam um pouco as atuações sofríveis e carentes de espontaneidade. Os diálogos também são superficiais e, quase sempre, têm a tarefa de revelar detalhes do passado de Hermes. Não há surpresas nem reviravoltas na trama, o longa é um romance ameno com gosto de saudade.
Dentre os filmes da Trilogia Samurai, "Bushi no Ichibun" (Honra de Samurai) é o que traz um drama mais profundo. O roteiro, assim como os longas anteriores, tem como personagem central um samurai corajoso, digno e humilde, que recebeu severo treinamento mas nunca empunhou sua espada para matar outra pessoa. Os guerreiros de Yôji Yamada parecem ser virtuosos e pacíficos, dedicados à família e leais a seus amigos e aos clãs a que pertencem.
Neste longa será contada a história de Shinnojo Mimura (Takuya Kimura), um samurai que trabalha como provador de alimentos no castelo de seu senhorio. Um dia, ao ingerir uma refeição que continha um molusco venenoso, o efeito foi devastador e quase tirou-lhe a vida. Após ficar 3 dias desacordado e com febre alta, Shinnojo descobriu que havia perdido a visão. Para os samurais, a perda de um dos sentidos representa a inutilidade. Shinnojo entra em depressão, sabendo que não suportaria viver de favores e dependendo de sua esposa Kayo (Rei Dan).
Kayo, por sua vez, sofre por ver o marido naquela situação e busca ajuda com familiares, mas só encontra pelo caminho pessoas desprezíveis, que não se importam com seu sofrimento ou que se aproveitam de seu desespero. O que já era terrível fica ainda pior, trazendo graves consequências e injustiças para a vida do casal.
Havia veneno no molusco que tirou a visão de Shinnojo, mas o destino lhe reservou venenos ainda piores, como a maledicência e a difamação, traição e intriga. Shinnojo recebe um valioso ensinamento de seu velho mestre samurai: 'um guerreiro que luta sem temer a morte, torna-se imbatível'. Ele então precisará desafiar seus limites e buscar a superação para vingar sua honra e de sua esposa Kayo.
Logo de início, chama a atenção o título que o filme "Kakushi Ken Oni No Tsume" recebeu por aqui: "A Espada do Samurai", porque em uma tradução mais aproximada seria 'A Espada Oculta' - aliás, esse foi o título que o longa recebeu em inglês: 'The Hidden Blade'. Esse detalhe torna-se relevante porque 'espada oculta' é o nome de um golpe que o antigo mestre Kansai Toda (Min Tanaka) ensina ao seu discípulo, e que fará toda a diferença num embate em que ele irá matar ou morrer.
Este é o segundo longa da Trilogia Samurai, de Yôji Yamada e a trama guarda muitas semelhanças com o primeiro filme ('Samurai do Entardecer'). A história também é ambientada no Japão do século 19, e conta a trajetória de Katagiri (Masatoshi Nagase), um samurai de casta modesta, porém muito leal e digno, que nunca havia matado outro homem até o dia em que recebe ordens de seu clã para executar um grande amigo, que havia se rebelado e tornara-se um criminoso fugitivo.
Katagiri também viverá um romance silencioso com Kie (Takako Matsu), uma jovem que foi criada, desde os seus 16 anos pela mãe dele. O diferencial deste longa é que ele faz uma crítica, em humor sarcástico, a respeito da chegada das armas de fogo no Império Nipônico, o que gerou confusão entre os guerreiros e rupturas com os antigos costumes militares e treinamentos samurais.
"A Espada do Samurai" é uma obra de menor alcance se comparada a "O Samurai do Entardecer", que recebeu inúmeros prêmios e concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2004, mas tem seus méritos e nos permite conhecer um pouco mais do trabalho de Yôji Yamada.
Filmes sobre guerreiros samurais, em maioria, falam de lealdade e coragem, apresentam batalhas e lutas épicas, mas poucos nos mostram seu lado humano, suas dores, dúvidas e medos. "Tasogare Seibei" (O Samurai do Entardecer), de Yôji Yamada, é uma obra diferenciada, que recebeu inúmeros prêmios e concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2004.
Neste filme será contada a história de Iguchi (Erina Hashiguchi), um samurai pertencente a uma casta modesta, viúvo e que cuida sozinho de suas duas filhas e de sua mãe senil. A história se passa no Japão do século 19, período em que a Era dos samurais já entrava em declínio e eles se dedicavam mais aos trabalhos burocráticos e à proteção das terras de seus senhores, do que em participar de guerras. Iguchi era um camponês pobre, cujo salário não cobria as despesas de sua família, obrigando-o a complementar seu sustento com pequenos trabalhos artesanais.
Diante dessa realidade, Iguchi apresenta-se no trabalho sempre mal vestido, com roupas rasgadas, despenteado e, por vezes, cheirando mal. Essa má apresentação, na cultura japonesa, era considerada conduta desrespeitosa para um samurai. Ele ganhou então o apelido de 'samurai do entardecer' porque sempre voltava para casa ao final do expediente, recusando-se a sair com os companheiros para divertir-se ou beber.
O filme descreve um samurai diferente, sem posses, amante da paz e dedicado ao lar. Ao reencontrar a mulher que ama desde a juventude, Iguchi, em sua modéstia, julga-se indigno dela. Ele era um pai amoroso, que temia pelo futuro de suas filhas e um guerreiro que preferia não precisar empunhar sua espada, inclusive relutando em aceitar uma difícil missão que o clã dos samurais lhe impôs.
Naquele Japão feudal, onde se exaltavam os predicados varonis e os samurais orgulhavam-se de sua masculinidade, Iguchi valorizava e respeitava as mulheres com as quais convivia e cuidava, incentivava suas filhas a estudar, admirava e não se sobrepunha à mulher que amava. Esse discreto samurai, acredito, mostrou-se muito mais nobre, digno e heroico que outros retratados em filmes épicos.
Todo mundo sabe que os irmãos Coen (Joel e Ethan) são imensamente talentosos e já nos deram tantas obras-primas, que parece redundante falar de algum dos seus filmes, mas este me cativou de uma maneira diferente. Apesar do humor irônico estar muito presente nos seus roteiros, em "Barton Fink" (Barton Fink - Delírios de Hollywood) ele anda de mãos dadas com o drama, quase como se Joel e Ethan estivessem brincando um pouco para, então, falar de coisas mais sérias como a solidão, a decadência emocional, a vaidade intelectual, o sistema cruel das indústrias de Hollywood e tantos outros assuntos que surgem a cada vez que reassistirmos o filme.
Esta obra é considerada a mais autoral da dupla, por ter como personagem central um jovem dramaturgo judeu que começa a fazer sucesso nos teatros de Nova York e, de repente, recebe o convite de um importante estúdio de cinema para ser roteirista em Hollywood. Ele se vê, então, dividido entre a carreira que sonhou construir no teatro - a qual lhe permitia exprimir todas as suas ideias livremente - e o novo trabalho, que lhe traria maior compensação financeira e a possível fama no meio artístico criativo. Parece que, de alguma forma, esse enredo tem algo de verdadeiro, pois segundo notícias recentes (AGO 2021), apenas Joel continuará a escrever e dirigir filmes, enquanto Ethan se dedicará somente ao teatro.
"Barton Fink" é, afinal, uma obra aberta a inúmeras interpretações e repleta de simbolismos. Muitos mesmo. A história é ambientada no ano de 1941, pouco tempo antes da Segunda Guerra. Barton aceita a proposta, mas não quer se 'contaminar' com os ares de Hollywood, assim, escolhe hospedar-se em um Hotel modesto e antigo. O contraste com o esfuziante e glamoroso mundo de Hollywood é enorme. O Hotel Earle é sombrio, fantasmagórico e seus empregados parecem indiferentes e apáticos, como se a alma os tivesse abandonado há tempos. Os corredores infinitos e vazios parecem uma ratoeira humana, onde nunca se vê nenhum dos hóspedes. O único indício de que há vida naqueles quartos são os sapatos deixados nas soleiras das portas. Aliás, todos os sapatos são masculinos, numa mensagem sutil sobre esse tipo de solidão silenciosa, bem diferente da feminina, em certos aspectos.
O hotel inteiro está se deteriorando; há mosquitos e insetos por todo canto, suas paredes racham enquanto os papeis se desprendem em meio a um líquido gosmento. O ambiente parece estar em simbiose com as vidas que abriga em seus cômodos. À medida que os dias passam, é notória a decadência física e emocional que vai se abatendo sobre Barton, sua aparência e autoconfiança vão derretendo, como as paredes do hotel. Barton, entretanto, conserva uma vaidade típica dos que se julgam intelectuais e acreditam estar alguns degraus acima da humanidade. Quando ele se refere ao 'homem comum', deixa claro que não está incluído naquele contexto. É fantástica a habilidade dos Coen em mostrar o quanto isso é ilusório, especialmente ao colocar no filme um famoso e admirado roteirista que, além de alcóolatra, apropriava-se dos textos alheios.
"Barton Fink" tem um roteiro inteligente, com conteúdo inesgotável para reflexões. O elenco então, dispensa comentários, com os maravilhosos John Turturro e John Goodman. Esse é mais um trabalho fascinante dos irmãos Coen, em que sempre parece haver coisas novas a descobrir com o filme, pois ele deixa perguntas não respondidas e alguns mistérios para aguçar nossa curiosidade. Realmente genial.
Eis um filme em que o título é mais interessante que o roteiro.
"The Woman in Red" (A Mulher de Vermelho) é somente um drama romântico com enredo simplório. As tentativas de criar situações de tensão e suspense não surtem efeito, as reviravoltas da trama são previsíveis ou superficiais. Não há química entre o casal Barbara Stanwyck e Gene Raymond, fazendo o romance deles parecer forçado e inverossímil. Além disso, o personagem de Gene Raymond carece de maiores atrativos, pois é imaturo, preconceituoso e controlado pela família.
É um filme que tem como ponto positivo a presença e o talento de Barbara Stanwyck - sempre muito elegante. A história não cativa e chega a parecer longa para os 68 minutos de exibição.
"À Ma Soeur!" (Para Minha Irmã) é um drama carregado de situações que instigam uma reflexão sobre a psicologia humana: os padrões de beleza impostos, os desejos e traumas típicos da adolescência, a relação de amor e ódio que existe entre irmãos, a negligência dos pais em não dar a atenção devida para os problemas emocionais dos filhos ou, ainda pior, o tratamento diferenciado que dão a eles, estimulando comparações e rivalidades.
Elena (Roxane Mesquida) e Anaïs (Anaïs Reboux) são irmãs bastante diferentes na aparência. Enquanto Elena, a mais velha, é magra e muito bonita, Anaïs tem problemas com o excesso de peso, é introvertida e frequentemente alvo de comentários maldosos, tanto da irmã quanto dos pais. Ela se acostumou ao ostracismo diante da presença de Elena, que sempre atrai a atenção por sua desenvoltura e beleza.
O filme gasta quase todo o segundo ato com o relacionamento amoroso de Elena e Fernando (Libero De Rienzo), um rapaz que ela havia conhecido a pouco tempo, mas com quem tem sua primeira experiência sexual, inclusive com Anaïs testemunhando tudo involuntariamente.
Em muitos momentos, é impossível não sentir compaixão por Anaïs, mas é no desfecho do filme que isso adquire uma dimensão absurda. É extremamente chocante tudo o que ela vivencia e a sua reação é ainda mais impactante. Parece que ela já havia se acostumado a ser rechaçada e desprezada de tal forma, que compreende a violência como uma espécie de interesse e, numa cena dolorosa, abraça o seu agressor.
Um daqueles filmes que a gente não consegue mais esquecer.
Confesso que já faz um certo tempo que torço o nariz para o Nicolas Cage. Preconceito adquirido por alguns trabalhos dele, que achei questionáveis. Mas eu sempre fico feliz quando descubro que estava enganada... e foi isso que aconteceu quando assisti "Pig", o filme mais recente dele.
Não dá para afirmar que "Pig" tem um roteiro magnífico, aliás, é preciso uma certa abstração para ignorar algumas incoerências e situações forçadas da história, mas ao final, diante da atuação de Cage, o resultado acaba sendo emocionante.
A narrativa é lenta, cheia de camadas, e vai resgatando aos poucos o passado de Robin Feld (Nicolas Cage), um respeitado e renomado Chef da cidade de Portland que, por alguma razão, decidiu abandonar tudo e viver como ermitão, no meio da floresta de Oregon. Para sobreviver, ele colhe trufas com a ajuda de uma porquinha, vendendo-as para Amir (Alex Wolff), que as revende para os restaurantes da cidade.
Uma noite, sua cabana é violentamente invadida e sua porquinha é roubada. Ele fica bastante machucado, mas decide ir em busca do animal. Neste ponto, o filme vai se tornando mais profundo e nos permitindo conhecer um pouco daquele sisudo e solitário personagem. Contando com a ajuda de Amir, vemos que aquela breve convivência estreita o vínculo entre os dois, surgindo então uma amizade, nascida da admiração do rapaz por Robin Feld. Alex Wolff, aliás, também atuou com muito esmero neste filme.
"Pig" surpreende positivamente. Tem fotografia e trilha sonora caprichadas, é bem dirigido por Michael Sarnoski, sem exaltações à violência, sem tiros ou desforras, sem heróis e com um Nicolas Cage bastante diferente do que estamos acostumados, mas que foi capaz de emocionar e representar um grande personagem.
"Stoker" (Segredos de Sangue) é o primeiro filme de Park Chan-Wook em sua fase hollywoodiana. O roteiro não é dele, mas a forma como a história foi contada tem claramente as suas digitais. A cada novo filme ele vem aprimorando a noção de qualidade técnica, sem deixar de lado a preocupação com o desenvolvimento da narrativa. Talvez por isso ele consiga abordar temas tão espinhosos e abjetos, sem causar repulsa.
Este filme, por exemplo, tem um apuro estético irretocável, com fotografia delicada e quase íntima - em muitas sequências a câmera frontal fica tão próxima aos personagens, que nos dá a impressão de estar presentes na cena. A dinâmica de câmeras também foi cuidadosamente pensada, com a escolha da altura e distanciamento da filmagem nos momentos mais tensos. Talvez nisso tudo também esteja a mão de Ridley Scott.
O ponto fraco do filme ficou por conta do roteiro. Uma história que tinha a pretensão de abordar os transtornos psicológicos do trio de personagens Nicole Kidman, Mathew Goode e Mia Wasikowska, mas não chegou a lugar algum. Aqui não encontraremos os pontos fortes de Park Chan-Wook, que são a violência bruta e o humor cáustico. Restou-lhe apenas fazer um pouco de provocação com os assassinatos gratuitos de personagens bondosos e com as pervertidas relações incestuosas.
Eis um filme em que a vingança pode ser degustada em pequenos goles, como vinho. Aqui, a vingança não partirá de uma só pessoa, ela será compartilhada por todas as vítimas do transgressor. Seria esta uma forma de amenizar o possível sentimento de culpa que resulta de sujar as mãos com o sangue alheio? e, sendo tantas as vítimas, isso não torna o crime mais execrável e a vingança um ato ainda mais justo e justificável?
Acho realmente incríveis os roteiros dos três filmes sobre a vingança. Cada um deles a aborda de forma diferente e suscita novas reflexões sobre o tema. Neste filme, o papel principal é feminino. Será contada a trajetória de Geum-Ja (Yeong-Ae Lee), uma mulher que acaba de sair da prisão após cumprir pena de 13 anos e meio, pelo sequestro e assassinato de uma criança de 5 anos. Todo o elenco do filme está excelente, inclusive as presidiárias, que terão um pouco de suas histórias contadas, mas sem dúvida, o destaque é Yeong-Ae Lee que, além talentosa e bela, é também capaz de transmitir à personagem um misto de singeleza angelical com a dureza impiedosa da vingança e da desforra. Perfeita !
Neste filme, Park Chan-Wook buscou também a perfeição na fotografia, nos cenários e na trilha sonora - esta, aliás, contendo clássicos de Vivaldi, Paganini e, ao final, a linda canção Catalunha 'Mareta no'm faces plorar', na voz da saudosa Montserrat Figueras. Por tudo isto, "Sympathy for Lady Vengeance" (Lady Vingança) é o mais elegante da trilogia, encerrando-a com a delicadeza típica das mãos femininas, que trucidam sem perder a ternura.
"Oldeuboi" (Oldboy) é o segundo filme da Trilogia da Vingança. Seu roteiro é de uma crueldade diferente... letal e seca, sem pudor. As cenas de violência estão presentes sim, mas são as cenas de 'amor' que trazem consigo o pecado e o gosto de sangue.
Como Park Chan-Wook e seus roteiristas foram capazes de pensar num enredo como esse? E quando o filme chega ao fim, não há como afirmar se há vilões ou mocinhos, já que em suas tramas sempre existe um motivo forte para a vingança. Porém, desta vez fica claro que a vingança não resolve. Ela não apaga o passado de ninguém, não traz de volta o que se perdeu. Assim, é impossível que exista vingança perfeita.
À primeira vista, pode-se até acreditar que sim. No filme, por exemplo, Joo-Hwan (Dae-Han Ji) planejou meticulosamente sua vingança contra Oh Daesu (Choi Min Shik) e conseguiu o que queria. Apesar disso, descobriu que continuar apenas com suas lembranças, sem precisar mais do ódio contra o inimigo, fez com que tudo perdesse o sentido e ficasse insuportável viver. Afinal, durante anos, o ódio foi a sua fonte de energia e razão para continuar vivo.
Por outro lado, quando Oh Daesu descobriu a gravidade do que lhe aconteceu, compreendeu que nada que fizesse a Joo-Hwan bastaria ou resolveria. Não haveria nenhuma forma de vingar-se, nem sequer matando ou torturando o seu algoz. Para ele, da mesma forma, o simples fato de permanecer vivo e com suas lembranças tornara-se um fardo pesado demais.
Oh Daesu, porém, acreditou que a solução seria seguir em frente e tentar apagar suas lembranças. Seria esta a solução? A cena final responde.
Primeiro filme da Trilogia da Vingança, "Sympathy for Mister Vengeance" (Mr. Vingança) mostra uma violência crua despertada pela raiva e pela sede de fazer justiça com as próprias mãos. Há um forte motivo por trás de cada morte e, ao mesmo tempo em que consideramos abomináveis todas elas, não conseguimos execrar quem as executa.
Park Chan-Wook deixa sua mão pesada, porém muito segura, dirigir toda a trama. Aqui não há nenhuma cena onde ele queira se redimir e aliviar o horror e a tensão, ao contrário, a história se desenvolve sempre em um ritmo crescente, e o terceiro ato é o mais brutal.
Quando o filme acabou, só consegui pensar que o ódio não leva a lugar algum, por mais forte que seja sua motivação. A vingança nunca anda sozinha, ela faz parte de um ciclo interminável de dor, em que todos se tornam suas vítimas.
O cinema asiático não é nada convencional quando se trata de filmes de horror. Casas assombradas, entidades do mal, zumbis e bruxas caíram em total desuso há tempos, por lá. Para eles o horror está presente aqui mesmo, entre os vivos! As situações violentas, gratuitas e visceralmente cruéis que eles trazem para a tela são capazes não somente de assustar, mas de chocar e tirar o sono, por serem bem concretas e possíveis.
Uma amostra desse conteúdo pode ser vista em "Three...Extremes" (Três... Extremos), um longa metragem composto por três contos de horror genuínos, dirigidos por três diretores bastante conceituados: Takashi Miike (Japão), Fruit Chan (Hong Kong) e Park Chan-Wook (Coréia do Sul). Cada história falará de uma situação em que os protagonistas são levados ao extremo (como o título indica), cruzando um limiar a partir do qual os atos e sentimentos já não são mais racionais e, portanto, trazem consequências adversas ainda piores e mais dramáticas.
O primeiro conto 'Dumplings' (Bolinhos) é assinado por Fruit Chan Kwoh e expõe toda a insegurança feminina diante do envelhecimento, demonstrando o desespero em busca da juventude e tudo o que algumas mulheres seriam capazes de fazer pela vaidade. Neste episódio são abordados temas horríveis como o abuso sexual, incesto e aborto. Os efeitos sonoros são perturbadores e funcionam como elemento extra para despertar a repulsa e destacar o grotesco.
Em 'Cut' (Corta) temos uma história absurda e magistral de Park Chan-Wook, com toda a carga de violência, crueldade, confusão e sarcasmo já típicas das obras desse cineasta. O conto é sobre a inveja, a raiva, revolta e loucura. A linha da sanidade será rompida várias vezes pelos personagens, que vomitarão literal e simbolicamente uma maldade desesperada, vingativa e contundente. Destaque para os cenários e fotografia, carregada nas cores preto, branco e vermelho.
O último conto, 'Box' (A Caixa) é dirigido por Takashi Miike. Esteticamente belo e com uma trama surreal e fantasmagórica, sua narrativa é mais lenta, como a representação de um sonho ruim. Aqui a inveja também estará presente na vida das personagens, mas junto com ela estão também o ciúme, pedofilia, culpa, remorso e morte. Às vezes, a punição é continuar viva, aprisionada e sufocada pelos seus tormentos e lembranças.
Nunca o horror e o desespero foram tão bem representados e traduzidos, como no cinema asiático.
Toda a essência de Park Chan-Wook está contida neste filme. "Thirst" (Sede de Sangue) é uma história que mescla o sobrenatural com o humor sarcástico do diretor e, ao mesmo tempo, deixa uma sutil mensagem sobre culpa, pecado e punição. Seus filmes são sempre repletos de cenas de sexo, violência ou sequências meio repugnantes mesmo, por isso a necessidade de fazer esse contraponto com o engraçado, com o inusitado.
O protagonista é o padre Sang-Hyun (Song Kang-Ho), que faz trabalhos religiosos nos hospitais. Ele decide voluntariar-se para um estudo sobre um novo tipo de doença contagiosa e extremamente letal. Durante o tratamento, ele contrai o vírus e fica em estado grave, precisando submeter-se a transfusões de sangue. Dentre os 500 voluntários, ele é o único que consegue sobreviver, possivelmente devido ao tipo de sangue que recebeu. Algum tempo depois, ele descobre que ficou dependente de doses extras de sangue para aplacar os sintomas da doença, como se fosse uma espécie de vampiro.
Começa então o seu conflito interior, pois sabe que necessita de sangue humano, mas recusa-se a matar pessoas para consegui-lo. Ele também se percebe mais vulnerável aos desejos mundanos. Sua pulsão só aumenta, principalmente quando está próximo de Tae-Ju (Ok-Bin Kim), a esposa de seu amigo de infância Kang-Woo (Ha-Kyun Shin). À medida que tudo começa a sair do controle, o peso da culpa passa a persegui-lo constantemente, até que ele percebe já não ser possível continuar nos caminhos da religião.
Um filme de vampiros com dilemas existenciais e os toques de originalidade do cinema sul-coreano.
"The Handmaiden" (A Criada), filme dirigido por Park Chan-Wook tem uma linda fotografia. É ambientado na Coreia do Sul, na década de 30. O roteiro é uma adaptação do romance 'Fingersmith' escrito por Sarah Waters e, basicamente, é um suspense erótico envolvendo duas mulheres, uma delas de origem nobre (Kim Min-Hee, como Lady Hideko) e a outra, sua criada pessoal (Kim Tae-Ri, como Sook-Hee).
O filme traz uma história pesada, que envolve pedofilia, abusos sexuais feitos pelo próprio tio da vítima, sexualização precoce, maus-tratos, agressões, torturas psicológicas, cárcere privado, traições, mentiras, vinganças... enfim... diante de tal cenário dantesco seria quase impossível imaginar que nessa trama houvesse algum romantismo, entretanto... há. O roteiro tem tantas reviravoltas que acaba havendo espaço para quase tudo.
Sim, é uma trama interessante e bem dirigida. A narrativa prende a atenção totalmente, porém, nas cenas de sexo não dá para fingir que não houve a objetificação do corpo feminino. Falando claramente: as duas belíssimas mulheres protagonizam várias cenas sensuais e sexuais, entretanto, totalmente filmadas conforme a cartilha do cinema privê tradicional: em ângulos e movimentos feitos para o fetiche e a apreciação masculinos. Que ninguém se engane achando que o filme é um marco LGBTQIAP+.
É uma produção ousada e diferente do que se costuma ver no cinema sul-coreano. E não se trata de um filme enfadonho, com certeza.
"Scarlet Street" (Almas Perversas) é a refilmagem do clássico de Jean Renoir 'La Chienne'. Esta versão é dirigida pelo não menos conhecido Fritz Lang. O roteiro de 1931 sofreu pequenas alterações, mas manteve a maior parte da história original, contudo, o filme tem sérios problemas na construção dos personagens, que perderam profundidade e sofreram modificações em seus perfis.
O gigolô Johnny (Byron Foulger) no filme original era um odioso cafajeste, cheio de esperteza, frio e violento, envolvido com prostituição, jogatina e todo tipo de trambicagens. Nesta refilmagem, passa-se apenas por um mero malandro aproveitador. Até as cenas em que bate em Kitty ficam meio gratuitas e fora de contexto.
Kitty (Joan Bennett) é encantadora e tem uma beleza clássica, mas sua postura é forte, decidida, ficando difícil de acreditar que tal mulher aceitasse apanhar de alguém como Johnny. Já a personagem do filme original era insegura, tinha pouca autoestima e não era muito inteligente, sendo um pouco mais lógico que caísse nas mãos de um canalha que a explorava.
O velho Chris (Edward G. Robinson), na versão original, era um bobalhão, alvo de piadas no trabalho, permanentemente maltratado pela mulher, humilhado por todos que o conheciam e que teve um arco dramático com final muito mais interessante que o da versão de Fritz Lang.
"Almas Perversas" não consegue criar a mesma atmosfera do filme de Jean Renoir, talvez pela sua maior preocupação estética e pouco realista. Aliás, o realismo é o que mais choca em 'La Chienne'. O desfecho escolhido para esta versão também foi mal construído, parecendo querer reforçar que há sempre uma punição letal para quem cometeu um crime, desconsiderando a trajetória anterior do personagem, marcada por todo tipo de humilhação. Para ele, a própria vida era a punição.
Certos filmes são como Whiskies: os originais são os melhores.
O cineasta Jean Renoir fez parte de um movimento artístico conhecido como Realismo Poético Francês, quando a arte passou a se inspirar nos fatos normais e rotineiros da vida, em pessoas reais com suas misérias, defeitos e pecados, retratando-os de um modo que despertava identificação, raiva ou compaixão pela proximidade como representavam os dilemas de cada um de nós.
É isto que encontramos no filme "La Chienne" (A Cadela), de 1931. Um drama onde todos os personagens estão aprisionados a idealizações, relacionamentos tóxicos permeados de humilhações, traições, exploração financeira e emocional. Todos convivem com o sofrimento que mina sua autoestima e a dignidade, mas não conseguem libertar-se de suas doentias dependências, degradando-se a ponto de aceitarem passivamente as sucessivas agressões moral e física.
Dói pensar que tantas pessoas realmente vivem relacionamentos abusivos que, aos poucos, vão injustamente destruindo sua felicidade e sonhos, restando a amargura ou desespero que, na maioria dos casos, nunca leva a um final feliz para ninguém.
Ouvir música clássica é uma experiência quase espiritual. Não se pode definir toda a gama de sensações e emoções que afloram de tais acordes, mas uma certeza persevera através do tempo: os clássicos são imortais, atemporais, e seus efeitos terapêuticos sobre o bem-estar das espécies já foram comprovados nos três reinos.
A proposta (inteligente) dos estúdios Disney com o filme "Fantasia" foi unir os benefícios da música clássica com a experiência visual, semelhante ao que nos propicia a audiência de uma ária. Ao combinar os sentidos da audição e visão, deu "vida e movimento" à música com o uso cores, luzes, sombras e animações variadas, proporcionando uma viagem incrível pelos vales de nossa imaginação. Ao combiná-la com ilustrações lúdicas, tornou-a leve e acessível a todos os públicos, especialmente o infantil. Coisa de gênio.
No segundo ato do filme, começam a ser contadas fábulas sonorizadas pela orquestra. A primeira é a do aprendiz de feiticeiro, 'interpretado' pelo carismático ratinho Mickey. Depois, outras histórias passam a ser contadas com ilustrações oníricas que dançam em harmonia com o ritmo, como as do planeta Terra nas eras pré-cambriana e cenozóica, ou como as representações de frequências sonoras emitidas pelos instrumentos musicais, a personificação de divindades, a criativa dança das horas ou o emocionante desfecho do profano contra o sagrado, ao som da Ave Maria de Schubert.
O filme inteiro é como uma grande e bela pintura musical.
Às vezes fica complicado avaliar um filme antigo, porque todo o contexto era outro. A forma como as pessoas imaginavam o sucesso e o poder vinculado aos bens materiais, ou o autoritarismo masculino exercido sobre as mulheres costumavam embasar naturalmente os roteiros do início do século passado. Por isso, assistir a "Serpente de Luxo" (Baby Face) com foco nos dias atuais, causa desconforto e uma vontade de reprovar tudo o que ele sugere.
Todavia, na época de seu lançamento (1933) foi uma obra de vanguarda, surpreendente e ousada por desafiar o rígido Código Hays, retratando uma mulher que, valendo-se de serviços sexuais, teve todos os homens a seus pés. Interessante que a protagonista Lily (Barbara Stanwyck), moça de origem humilde, passou a agir dessa forma depois de receber conselhos de um homem mais velho, a quem ela respeitava. O tal senhor, sob o argumento de estar interpretando a filosofia de Nietzsche, lançou as primeiras sementes da ambição na mente da jovem.
É muito incômoda a ideia de que uma mulher possa alcançar o poder rapidamente pela via sexual, ainda mais se a protagonista demonstra ter inteligência e ser trabalhadora. Pior ainda ver que, mesmo bem sucedida nos seus métodos, humilha-se pedindo a um homem que case-se com ela. E como desgraça pouca é bobagem, depois de tudo o que ela passou, ainda precisa fazer uma difícil opção em nome do... amor (?!). Mas, se conseguirmos esquecer que vivemos neste século e nos transportarmos para 1933, o filme deve ter sido um enorme afronte.
Apreciemos então a divina Barbara Stanwyck, uma atriz bem à frente de seu tempo. E uma curiosidade: John Wayne, antes de tornar-se famoso, aparece irreconhecível no filme, fazendo uma pontinha como McCoy - um dos colegas de trabalho de Lily.
O que parecia difícil aconteceu: uma sequência tão boa quanto o filme original! "A Quiet Place - Part II" (Um Lugar Silencioso - Parte II) mantém o mesmo nível de suspense - diria até que o eleva em alguns momentos - deixando-nos sem piscar e com o coração na mão até os instantes finais.
Esta sequência preenche as lacunas deixadas pelo primeiro filme, e também dá seguimento à saga de Evelyn pela sobrevivência do que restou de sua família. Há passagens igualmente marcantes, sustos reais e aquela mesma sensação desconfortável de alerta constante. Um novo elemento, não menos horroroso, surge nesta sequência: numa situação já tão ruim quanto aquela, descobrir que o homem pode tornar-se também um cruel inimigo de sua própria espécie é, realmente, o fim do mundo.
Acredito que esta sequência deixou um certa esperança no ar, uma sutil mensagem de que pode haver uma saída, por pior que seja o cenário. Também ficaram várias pontas a serem resolvidas com uma terceira parte. E, por fim, reforcei as certezas de que se trata de um dos melhores filmes de suspense/horror - até o momento - e que John Krasinski arrasa muito!
Antes de assistir a sequência, decidi rever o primeiro filme "A Quiet Place" (Um Lugar Silencioso), por saber que a história de ambos seguiria diferentes linhas temporais. Queria relembrar os trechos principais, prestar mais atenção aos ganchos que o diretor iria deixar para o filme posterior. E o que me deixou admirada é que, mesmo não sendo a primeira vez a ter contato com a história, ela me pareceu ainda mais assustadora, mais incrível e diferente de tudo o que já assisti no gênero do suspense/horror.
Destaco duas das cenas que achei mais horríveis e marcantes neste filme: o momento em que o pequeno filho do casal aciona o aviãozinho de brinquedo e, depois, toda a sequência do parto de Evelyn (Emily Blunt). Aquele silêncio constante, o prenúncio e iminência do perigo real, juntamente com a ameaça de que, com um simples movimento errado o pior acontecesse, fez com que o clima de suspense se mantivesse praticamente durante toda a exibição do longa.
Esse estado de alerta deixa uma estranha fadiga quando tudo termina. Incrível, porque há tempos vejo filmes de suspense ou horror, mas não havia percebido algo semelhante antes, ainda mais porque tive a mesma sensação ao reassisti-lo. Talvez esse seja um indicativo de que a história é realmente boa e bem contada!
Sem dúvida, este é um dos melhores filmes do gênero. Direção magnífica de John Krasinski, que também interpreta Lee Abbott - o marido de Evelyn. O trabalho de efeitos sonoros é algo fabuloso, pois na maior parte do longa há ausência de diálogos, mas permanecem audíveis os pequenos ruídos, tão agradáveis quanto os estímulos ASMR e, talvez por isso, quando interrompidos causem enorme desconforto e medo.
A Nuvem
2.7 233 Assista AgoraNo vastíssimo universo das criaturas monstruosas e assassinas faltavam os gafanhotos onívoros.
Não faltam mais...
"La Nuée" (A Nuvem) nos mostra que uma mentira leva à outra e a ganância pode cegar o juízo e causar sérios estragos na vida.
O filme é um terror B - de baixo orçamento - com roteiro fraco e previsível. Talvez a trama desperte algum horror nas pessoas que não suportam ver insetos e seus detalhes anatômicos, mas está longe de causar algum outro tipo de emoção. O que mais assusta mesmo é imaginar que o filme pode ter uma sequência...
Uma Vida Oculta
3.9 154Terrence Malick tem uma forma única de contar suas histórias, presenteando-nos com filmes tão belos que poderiam ter os frames emoldurados em paredes de museu. O capricho com que conduz cada detalhe e elemento da narrativa, especialmente a fotografia, tornaram-se suas marcas registradas. Ele imprime um ritmo lento à trama, mas nunca enfadonho; detém-se em instantes, circunstâncias, fatos simples e aparentemente irrelevantes do cotidiano, mas que têm o efeito de contextualizar ou destacar o sentimento dos personagens, sem a necessidade de fazer uso do verbo.
Sob o seu olhar, "A Hidden Life" (Uma Vida Oculta) torna-se uma obra-prima. Apesar dos poucos diálogos, não há um momento sequer em que nada aconteça; a história é simples, fala de pessoas comuns, porém os cenários são tão grandiosos e espetaculares, que o olhar se perde e a mente voa junto com aqueles planos abertos, que não se repetem e, a cada sequência revelam um novo pedaço do paraíso.
O grande espetáculo deste filme é, sem dúvida, a fotografia. Malick passeia com a câmera nas mãos quando decide seguir os passos dos personagens e as fixa em closes extremos para retratar o que sentem. Também faz panorâmicas e incríveis altos e baixos (plongées) nos espaços internos suntuosos, demonstrando que ali dentro alguém exercerá um poder intimidador ou promoverá injustiças. Mas mesmo nas salas sombrias e cárceres, ele tem o cuidado de reservar uma passagem para a luz.
Essa luz torna-se mais quente e forte em meio às paisagens austríacas, e mais fria e azulada ao retratar a guerra e as cenas em que Franz (August Diehl) está sob o domínio do exército alemão. Mas há também uma luz branca e pura, numa alusão à religiosidade de Malick. Sim, Deus está presente o tempo inteiro nesta história, seja nos diálogos explícitos, como os do pintor da catedral (Johan Leysen), seja na fé expressa verbalmente por Franz e Fani (Valerie Pachner) ou nos passeios da câmera pelo firmamento, quase como se buscassem captar a imagem divina.
O filme - baseado em fatos reais - é uma homenagem aos heróis anônimos, um repúdio à insanidade da guerra, um clamor pelo direito à liberdade que foi brutalmente violado para aqueles que, como Franz, recusaram-se a ceder aos desmandos de um ditador sórdido. E ao final, a certeza de que um homem que se mantém firme às suas crenças e valores, caso permaneça vivo, torna-se ainda mais forte; e se morto, torna-se livre.
Cidade submersa
3.2 3 Assista AgoraUma aventura nas águas da Jamaica, é o que propõe o roteiro de "City Beneath the Sea" (Cidade Submersa), um filme de 1953 baseado no livro 'Port Royal: The Ghost City Beneath the Sea'. Nas décadas seguintes, os filmes sobre aventuras submarinas caíram no gosto dos produtores americanos, surgindo outras obras com a mesma proposta em 1967 e 1971 - mas com roteiros diferentes - e até uma série televisiva com o tema.
Apesar do título dar a impressão de que existe uma cidade submersa e de que haverá momentos de aventura e surpresas em meio às suas ruínas, lamento a decepção. A cidade submersa existe, mas apenas como cenário para o local onde se encontra o navio 'Lady Luck', naufragado com uma carga de barras de ouro. O objetivo dos mergulhadores Brad Carlton (Robert Ryan) e Tony Bartlett (Anthony Quinn) é encontrar o navio, resgatar a carga e dividi-la com o capitão Sorensen (George Mathews).
O filme tenta construir um clima de suspense em torno da existência da cidade, inserindo na narrativa uma crença vudu que amaldiçoa todos os que mergulham naquelas águas e ousam perturbar o sossego dos mortos da cidade submersa. Mas não vai além. Em paralelo, também são mostradas as investidas românticas dos dois mergulhadores, com as belas atrizes Mala Powers (Terry McBride) e Suzan Ball (Mary Lou Beetle). Romances, aliás, que se desenvolvem na velocidade da luz.
No mais, é uma produção com efeitos visuais precários e limitados, considerando-se os recursos da época em que foi feita. As cenas subaquáticas, por exemplo, são filmadas dentro de um grande tanque cenográfico, com blocos de pedra que representam a cidade submersa. Atualmente, este filme atrai mais os cinéfilos por causa dessas peculiaridades - e por tratar-se de um clássico - do que propriamente por outros méritos.
Dois Córregos: Verdades Submersas no Tempo
3.4 20"Dois Córregos - Verdades Submersas no Tempo" é um filme que desperta uma sensação nostálgica, parecida com aquela dos livros e velhos romances que líamos na adolescência. O roteiro fala de ausências e das vidas que seguem por rumos separados, como os dois córregos do título... braços de rio que banham as terras da família de Ana Paula (Beth Goulart).
Com a morte dos pais, Ana Paula recebeu as terras e o sítio em herança. Ao visitar o lugar pela primeira vez, após tantos anos longe, o passado que ela havia esquecido toma-lhe pelas mãos e a leva de volta no tempo, num passeio cheio de lembranças e saudade.
A história é contada em flashback, quando Ana Paula - ainda adolescente - passou suas férias naquele lugar, em companhia de sua meia irmã Tereza (Ingra Liberato) e de sua amiga Lídia (Luciana Brasil). Foi também naquelas férias que ela conheceu seu tio Hermes (Carlos Alberto Riccelli), um homem atraente, culto, mas marcado pela melancolia e com um passado cheio de segredos.
Naquele tempo, naquele lugar, a paixão floresceu para as três jovens. Entretanto, pereceu com a mesma rapidez com que surgiu. Restaram as lembranças guardadas em uma pequena caixa, a recordação da despedida que os anos transformaram em lágrimas nos olhos de Ana e as cicatrizes da espera na vida de Tereza.
O filme tem muitas imperfeições técnicas, mas a nostalgia e a carga sentimental do enredo cativam e compensam um pouco as atuações sofríveis e carentes de espontaneidade. Os diálogos também são superficiais e, quase sempre, têm a tarefa de revelar detalhes do passado de Hermes. Não há surpresas nem reviravoltas na trama, o longa é um romance ameno com gosto de saudade.
Honra de Samurai
4.4 15Dentre os filmes da Trilogia Samurai, "Bushi no Ichibun" (Honra de Samurai) é o que traz um drama mais profundo. O roteiro, assim como os longas anteriores, tem como personagem central um samurai corajoso, digno e humilde, que recebeu severo treinamento mas nunca empunhou sua espada para matar outra pessoa. Os guerreiros de Yôji Yamada parecem ser virtuosos e pacíficos, dedicados à família e leais a seus amigos e aos clãs a que pertencem.
Neste longa será contada a história de Shinnojo Mimura (Takuya Kimura), um samurai que trabalha como provador de alimentos no castelo de seu senhorio. Um dia, ao ingerir uma refeição que continha um molusco venenoso, o efeito foi devastador e quase tirou-lhe a vida. Após ficar 3 dias desacordado e com febre alta, Shinnojo descobriu que havia perdido a visão. Para os samurais, a perda de um dos sentidos representa a inutilidade. Shinnojo entra em depressão, sabendo que não suportaria viver de favores e dependendo de sua esposa Kayo (Rei Dan).
Kayo, por sua vez, sofre por ver o marido naquela situação e busca ajuda com familiares, mas só encontra pelo caminho pessoas desprezíveis, que não se importam com seu sofrimento ou que se aproveitam de seu desespero. O que já era terrível fica ainda pior, trazendo graves consequências e injustiças para a vida do casal.
Havia veneno no molusco que tirou a visão de Shinnojo, mas o destino lhe reservou venenos ainda piores, como a maledicência e a difamação, traição e intriga. Shinnojo recebe um valioso ensinamento de seu velho mestre samurai: 'um guerreiro que luta sem temer a morte, torna-se imbatível'. Ele então precisará desafiar seus limites e buscar a superação para vingar sua honra e de sua esposa Kayo.
A Espada do Samurai
4.4 12Logo de início, chama a atenção o título que o filme "Kakushi Ken Oni No Tsume" recebeu por aqui: "A Espada do Samurai", porque em uma tradução mais aproximada seria 'A Espada Oculta' - aliás, esse foi o título que o longa recebeu em inglês: 'The Hidden Blade'. Esse detalhe torna-se relevante porque 'espada oculta' é o nome de um golpe que o antigo mestre Kansai Toda (Min Tanaka) ensina ao seu discípulo, e que fará toda a diferença num embate em que ele irá matar ou morrer.
Este é o segundo longa da Trilogia Samurai, de Yôji Yamada e a trama guarda muitas semelhanças com o primeiro filme ('Samurai do Entardecer'). A história também é ambientada no Japão do século 19, e conta a trajetória de Katagiri (Masatoshi Nagase), um samurai de casta modesta, porém muito leal e digno, que nunca havia matado outro homem até o dia em que recebe ordens de seu clã para executar um grande amigo, que havia se rebelado e tornara-se um criminoso fugitivo.
Katagiri também viverá um romance silencioso com Kie (Takako Matsu), uma jovem que foi criada, desde os seus 16 anos pela mãe dele. O diferencial deste longa é que ele faz uma crítica, em humor sarcástico, a respeito da chegada das armas de fogo no Império Nipônico, o que gerou confusão entre os guerreiros e rupturas com os antigos costumes militares e treinamentos samurais.
"A Espada do Samurai" é uma obra de menor alcance se comparada a "O Samurai do Entardecer", que recebeu inúmeros prêmios e concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2004, mas tem seus méritos e nos permite conhecer um pouco mais do trabalho de Yôji Yamada.
O Samurai do Entardecer
4.4 47Filmes sobre guerreiros samurais, em maioria, falam de lealdade e coragem, apresentam batalhas e lutas épicas, mas poucos nos mostram seu lado humano, suas dores, dúvidas e medos. "Tasogare Seibei" (O Samurai do Entardecer), de Yôji Yamada, é uma obra diferenciada, que recebeu inúmeros prêmios e concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2004.
Neste filme será contada a história de Iguchi (Erina Hashiguchi), um samurai pertencente a uma casta modesta, viúvo e que cuida sozinho de suas duas filhas e de sua mãe senil. A história se passa no Japão do século 19, período em que a Era dos samurais já entrava em declínio e eles se dedicavam mais aos trabalhos burocráticos e à proteção das terras de seus senhores, do que em participar de guerras. Iguchi era um camponês pobre, cujo salário não cobria as despesas de sua família, obrigando-o a complementar seu sustento com pequenos trabalhos artesanais.
Diante dessa realidade, Iguchi apresenta-se no trabalho sempre mal vestido, com roupas rasgadas, despenteado e, por vezes, cheirando mal. Essa má apresentação, na cultura japonesa, era considerada conduta desrespeitosa para um samurai. Ele ganhou então o apelido de 'samurai do entardecer' porque sempre voltava para casa ao final do expediente, recusando-se a sair com os companheiros para divertir-se ou beber.
O filme descreve um samurai diferente, sem posses, amante da paz e dedicado ao lar. Ao reencontrar a mulher que ama desde a juventude, Iguchi, em sua modéstia, julga-se indigno dela. Ele era um pai amoroso, que temia pelo futuro de suas filhas e um guerreiro que preferia não precisar empunhar sua espada, inclusive relutando em aceitar uma difícil missão que o clã dos samurais lhe impôs.
Naquele Japão feudal, onde se exaltavam os predicados varonis e os samurais orgulhavam-se de sua masculinidade, Iguchi valorizava e respeitava as mulheres com as quais convivia e cuidava, incentivava suas filhas a estudar, admirava e não se sobrepunha à mulher que amava. Esse discreto samurai, acredito, mostrou-se muito mais nobre, digno e heroico que outros retratados em filmes épicos.
Barton Fink, Delírios de Hollywood
4.0 174 Assista AgoraTodo mundo sabe que os irmãos Coen (Joel e Ethan) são imensamente talentosos e já nos deram tantas obras-primas, que parece redundante falar de algum dos seus filmes, mas este me cativou de uma maneira diferente. Apesar do humor irônico estar muito presente nos seus roteiros, em "Barton Fink" (Barton Fink - Delírios de Hollywood) ele anda de mãos dadas com o drama, quase como se Joel e Ethan estivessem brincando um pouco para, então, falar de coisas mais sérias como a solidão, a decadência emocional, a vaidade intelectual, o sistema cruel das indústrias de Hollywood e tantos outros assuntos que surgem a cada vez que reassistirmos o filme.
Esta obra é considerada a mais autoral da dupla, por ter como personagem central um jovem dramaturgo judeu que começa a fazer sucesso nos teatros de Nova York e, de repente, recebe o convite de um importante estúdio de cinema para ser roteirista em Hollywood. Ele se vê, então, dividido entre a carreira que sonhou construir no teatro - a qual lhe permitia exprimir todas as suas ideias livremente - e o novo trabalho, que lhe traria maior compensação financeira e a possível fama no meio artístico criativo. Parece que, de alguma forma, esse enredo tem algo de verdadeiro, pois segundo notícias recentes (AGO 2021), apenas Joel continuará a escrever e dirigir filmes, enquanto Ethan se dedicará somente ao teatro.
"Barton Fink" é, afinal, uma obra aberta a inúmeras interpretações e repleta de simbolismos. Muitos mesmo. A história é ambientada no ano de 1941, pouco tempo antes da Segunda Guerra. Barton aceita a proposta, mas não quer se 'contaminar' com os ares de Hollywood, assim, escolhe hospedar-se em um Hotel modesto e antigo. O contraste com o esfuziante e glamoroso mundo de Hollywood é enorme. O Hotel Earle é sombrio, fantasmagórico e seus empregados parecem indiferentes e apáticos, como se a alma os tivesse abandonado há tempos. Os corredores infinitos e vazios parecem uma ratoeira humana, onde nunca se vê nenhum dos hóspedes. O único indício de que há vida naqueles quartos são os sapatos deixados nas soleiras das portas. Aliás, todos os sapatos são masculinos, numa mensagem sutil sobre esse tipo de solidão silenciosa, bem diferente da feminina, em certos aspectos.
O hotel inteiro está se deteriorando; há mosquitos e insetos por todo canto, suas paredes racham enquanto os papeis se desprendem em meio a um líquido gosmento. O ambiente parece estar em simbiose com as vidas que abriga em seus cômodos. À medida que os dias passam, é notória a decadência física e emocional que vai se abatendo sobre Barton, sua aparência e autoconfiança vão derretendo, como as paredes do hotel. Barton, entretanto, conserva uma vaidade típica dos que se julgam intelectuais e acreditam estar alguns degraus acima da humanidade. Quando ele se refere ao 'homem comum', deixa claro que não está incluído naquele contexto. É fantástica a habilidade dos Coen em mostrar o quanto isso é ilusório, especialmente ao colocar no filme um famoso e admirado roteirista que, além de alcóolatra, apropriava-se dos textos alheios.
"Barton Fink" tem um roteiro inteligente, com conteúdo inesgotável para reflexões. O elenco então, dispensa comentários, com os maravilhosos John Turturro e John Goodman. Esse é mais um trabalho fascinante dos irmãos Coen, em que sempre parece haver coisas novas a descobrir com o filme, pois ele deixa perguntas não respondidas e alguns mistérios para aguçar nossa curiosidade. Realmente genial.
A Mulher de Vermelho
3.2 2Eis um filme em que o título é mais interessante que o roteiro.
"The Woman in Red" (A Mulher de Vermelho) é somente um drama romântico com enredo simplório. As tentativas de criar situações de tensão e suspense não surtem efeito, as reviravoltas da trama são previsíveis ou superficiais. Não há química entre o casal Barbara Stanwyck e Gene Raymond, fazendo o romance deles parecer forçado e inverossímil. Além disso, o personagem de Gene Raymond carece de maiores atrativos, pois é imaturo, preconceituoso e controlado pela família.
É um filme que tem como ponto positivo a presença e o talento de Barbara Stanwyck - sempre muito elegante. A história não cativa e chega a parecer longa para os 68 minutos de exibição.
Para Minha Irmã
3.3 111"À Ma Soeur!" (Para Minha Irmã) é um drama carregado de situações que instigam uma reflexão sobre a psicologia humana: os padrões de beleza impostos, os desejos e traumas típicos da adolescência, a relação de amor e ódio que existe entre irmãos, a negligência dos pais em não dar a atenção devida para os problemas emocionais dos filhos ou, ainda pior, o tratamento diferenciado que dão a eles, estimulando comparações e rivalidades.
Elena (Roxane Mesquida) e Anaïs (Anaïs Reboux) são irmãs bastante diferentes na aparência. Enquanto Elena, a mais velha, é magra e muito bonita, Anaïs tem problemas com o excesso de peso, é introvertida e frequentemente alvo de comentários maldosos, tanto da irmã quanto dos pais. Ela se acostumou ao ostracismo diante da presença de Elena, que sempre atrai a atenção por sua desenvoltura e beleza.
O filme gasta quase todo o segundo ato com o relacionamento amoroso de Elena e Fernando (Libero De Rienzo), um rapaz que ela havia conhecido a pouco tempo, mas com quem tem sua primeira experiência sexual, inclusive com Anaïs testemunhando tudo involuntariamente.
Em muitos momentos, é impossível não sentir compaixão por Anaïs, mas é no desfecho do filme que isso adquire uma dimensão absurda. É extremamente chocante tudo o que ela vivencia e a sua reação é ainda mais impactante. Parece que ela já havia se acostumado a ser rechaçada e desprezada de tal forma, que compreende a violência como uma espécie de interesse e, numa cena dolorosa, abraça o seu agressor.
Um daqueles filmes que a gente não consegue mais esquecer.
Pig: A Vingança
3.5 305Confesso que já faz um certo tempo que torço o nariz para o Nicolas Cage. Preconceito adquirido por alguns trabalhos dele, que achei questionáveis. Mas eu sempre fico feliz quando descubro que estava enganada... e foi isso que aconteceu quando assisti "Pig", o filme mais recente dele.
Não dá para afirmar que "Pig" tem um roteiro magnífico, aliás, é preciso uma certa abstração para ignorar algumas incoerências e situações forçadas da história, mas ao final, diante da atuação de Cage, o resultado acaba sendo emocionante.
A narrativa é lenta, cheia de camadas, e vai resgatando aos poucos o passado de Robin Feld (Nicolas Cage), um respeitado e renomado Chef da cidade de Portland que, por alguma razão, decidiu abandonar tudo e viver como ermitão, no meio da floresta de Oregon. Para sobreviver, ele colhe trufas com a ajuda de uma porquinha, vendendo-as para Amir (Alex Wolff), que as revende para os restaurantes da cidade.
Uma noite, sua cabana é violentamente invadida e sua porquinha é roubada. Ele fica bastante machucado, mas decide ir em busca do animal. Neste ponto, o filme vai se tornando mais profundo e nos permitindo conhecer um pouco daquele sisudo e solitário personagem. Contando com a ajuda de Amir, vemos que aquela breve convivência estreita o vínculo entre os dois, surgindo então uma amizade, nascida da admiração do rapaz por Robin Feld. Alex Wolff, aliás, também atuou com muito esmero neste filme.
"Pig" surpreende positivamente. Tem fotografia e trilha sonora caprichadas, é bem dirigido por Michael Sarnoski, sem exaltações à violência, sem tiros ou desforras, sem heróis e com um Nicolas Cage bastante diferente do que estamos acostumados, mas que foi capaz de emocionar e representar um grande personagem.
Segredos de Sangue
3.5 1,2K Assista Agora"Stoker" (Segredos de Sangue) é o primeiro filme de Park Chan-Wook em sua fase hollywoodiana. O roteiro não é dele, mas a forma como a história foi contada tem claramente as suas digitais. A cada novo filme ele vem aprimorando a noção de qualidade técnica, sem deixar de lado a preocupação com o desenvolvimento da narrativa. Talvez por isso ele consiga abordar temas tão espinhosos e abjetos, sem causar repulsa.
Este filme, por exemplo, tem um apuro estético irretocável, com fotografia delicada e quase íntima - em muitas sequências a câmera frontal fica tão próxima aos personagens, que nos dá a impressão de estar presentes na cena. A dinâmica de câmeras também foi cuidadosamente pensada, com a escolha da altura e distanciamento da filmagem nos momentos mais tensos. Talvez nisso tudo também esteja a mão de Ridley Scott.
O ponto fraco do filme ficou por conta do roteiro. Uma história que tinha a pretensão de abordar os transtornos psicológicos do trio de personagens Nicole Kidman, Mathew Goode e Mia Wasikowska, mas não chegou a lugar algum. Aqui não encontraremos os pontos fortes de Park Chan-Wook, que são a violência bruta e o humor cáustico. Restou-lhe apenas fazer um pouco de provocação com os assassinatos gratuitos de personagens bondosos e com as pervertidas relações incestuosas.
Lady Vingança
4.0 456Eis um filme em que a vingança pode ser degustada em pequenos goles, como vinho. Aqui, a vingança não partirá de uma só pessoa, ela será compartilhada por todas as vítimas do transgressor. Seria esta uma forma de amenizar o possível sentimento de culpa que resulta de sujar as mãos com o sangue alheio? e, sendo tantas as vítimas, isso não torna o crime mais execrável e a vingança um ato ainda mais justo e justificável?
Acho realmente incríveis os roteiros dos três filmes sobre a vingança. Cada um deles a aborda de forma diferente e suscita novas reflexões sobre o tema. Neste filme, o papel principal é feminino. Será contada a trajetória de Geum-Ja (Yeong-Ae Lee), uma mulher que acaba de sair da prisão após cumprir pena de 13 anos e meio, pelo sequestro e assassinato de uma criança de 5 anos. Todo o elenco do filme está excelente, inclusive as presidiárias, que terão um pouco de suas histórias contadas, mas sem dúvida, o destaque é Yeong-Ae Lee que, além talentosa e bela, é também capaz de transmitir à personagem um misto de singeleza angelical com a dureza impiedosa da vingança e da desforra. Perfeita !
Neste filme, Park Chan-Wook buscou também a perfeição na fotografia, nos cenários e na trilha sonora - esta, aliás, contendo clássicos de Vivaldi, Paganini e, ao final, a linda canção Catalunha 'Mareta no'm faces plorar', na voz da saudosa Montserrat Figueras. Por tudo isto, "Sympathy for Lady Vengeance" (Lady Vingança) é o mais elegante da trilogia, encerrando-a com a delicadeza típica das mãos femininas, que trucidam sem perder a ternura.
Oldboy
4.3 2,3K Assista Agora"Oldeuboi" (Oldboy) é o segundo filme da Trilogia da Vingança. Seu roteiro é de uma crueldade diferente... letal e seca, sem pudor. As cenas de violência estão presentes sim, mas são as cenas de 'amor' que trazem consigo o pecado e o gosto de sangue.
Como Park Chan-Wook e seus roteiristas foram capazes de pensar num enredo como esse? E quando o filme chega ao fim, não há como afirmar se há vilões ou mocinhos, já que em suas tramas sempre existe um motivo forte para a vingança. Porém, desta vez fica claro que a vingança não resolve. Ela não apaga o passado de ninguém, não traz de volta o que se perdeu. Assim, é impossível que exista vingança perfeita.
À primeira vista, pode-se até acreditar que sim. No filme, por exemplo, Joo-Hwan (Dae-Han Ji) planejou meticulosamente sua vingança contra Oh Daesu (Choi Min Shik) e conseguiu o que queria. Apesar disso, descobriu que continuar apenas com suas lembranças, sem precisar mais do ódio contra o inimigo, fez com que tudo perdesse o sentido e ficasse insuportável viver. Afinal, durante anos, o ódio foi a sua fonte de energia e razão para continuar vivo.
Por outro lado, quando Oh Daesu descobriu a gravidade do que lhe aconteceu, compreendeu que nada que fizesse a Joo-Hwan bastaria ou resolveria. Não haveria nenhuma forma de vingar-se, nem sequer matando ou torturando o seu algoz. Para ele, da mesma forma, o simples fato de permanecer vivo e com suas lembranças tornara-se um fardo pesado demais.
Oh Daesu, porém, acreditou que a solução seria seguir em frente e tentar apagar suas lembranças. Seria esta a solução?
A cena final responde.
Mr. Vingança
4.0 408Primeiro filme da Trilogia da Vingança, "Sympathy for Mister Vengeance" (Mr. Vingança) mostra uma violência crua despertada pela raiva e pela sede de fazer justiça com as próprias mãos. Há um forte motivo por trás de cada morte e, ao mesmo tempo em que consideramos abomináveis todas elas, não conseguimos execrar quem as executa.
Park Chan-Wook deixa sua mão pesada, porém muito segura, dirigir toda a trama. Aqui não há nenhuma cena onde ele queira se redimir e aliviar o horror e a tensão, ao contrário, a história se desenvolve sempre em um ritmo crescente, e o terceiro ato é o mais brutal.
Quando o filme acabou, só consegui pensar que o ódio não leva a lugar algum, por mais forte que seja sua motivação. A vingança nunca anda sozinha, ela faz parte de um ciclo interminável de dor, em que todos se tornam suas vítimas.
Três... Extremos
3.7 99O cinema asiático não é nada convencional quando se trata de filmes de horror. Casas assombradas, entidades do mal, zumbis e bruxas caíram em total desuso há tempos, por lá. Para eles o horror está presente aqui mesmo, entre os vivos! As situações violentas, gratuitas e visceralmente cruéis que eles trazem para a tela são capazes não somente de assustar, mas de chocar e tirar o sono, por serem bem concretas e possíveis.
Uma amostra desse conteúdo pode ser vista em "Three...Extremes" (Três... Extremos), um longa metragem composto por três contos de horror genuínos, dirigidos por três diretores bastante conceituados: Takashi Miike (Japão), Fruit Chan (Hong Kong) e Park Chan-Wook (Coréia do Sul). Cada história falará de uma situação em que os protagonistas são levados ao extremo (como o título indica), cruzando um limiar a partir do qual os atos e sentimentos já não são mais racionais e, portanto, trazem consequências adversas ainda piores e mais dramáticas.
O primeiro conto 'Dumplings' (Bolinhos) é assinado por Fruit Chan Kwoh e expõe toda a insegurança feminina diante do envelhecimento, demonstrando o desespero em busca da juventude e tudo o que algumas mulheres seriam capazes de fazer pela vaidade. Neste episódio são abordados temas horríveis como o abuso sexual, incesto e aborto. Os efeitos sonoros são perturbadores e funcionam como elemento extra para despertar a repulsa e destacar o grotesco.
Em 'Cut' (Corta) temos uma história absurda e magistral de Park Chan-Wook, com toda a carga de violência, crueldade, confusão e sarcasmo já típicas das obras desse cineasta. O conto é sobre a inveja, a raiva, revolta e loucura. A linha da sanidade será rompida várias vezes pelos personagens, que vomitarão literal e simbolicamente uma maldade desesperada, vingativa e contundente. Destaque para os cenários e fotografia, carregada nas cores preto, branco e vermelho.
O último conto, 'Box' (A Caixa) é dirigido por Takashi Miike. Esteticamente belo e com uma trama surreal e fantasmagórica, sua narrativa é mais lenta, como a representação de um sonho ruim. Aqui a inveja também estará presente na vida das personagens, mas junto com ela estão também o ciúme, pedofilia, culpa, remorso e morte. Às vezes, a punição é continuar viva, aprisionada e sufocada pelos seus tormentos e lembranças.
Nunca o horror e o desespero foram tão bem representados e traduzidos, como no cinema asiático.
Sede de Sangue
3.7 338Toda a essência de Park Chan-Wook está contida neste filme. "Thirst" (Sede de Sangue) é uma história que mescla o sobrenatural com o humor sarcástico do diretor e, ao mesmo tempo, deixa uma sutil mensagem sobre culpa, pecado e punição. Seus filmes são sempre repletos de cenas de sexo, violência ou sequências meio repugnantes mesmo, por isso a necessidade de fazer esse contraponto com o engraçado, com o inusitado.
O protagonista é o padre Sang-Hyun (Song Kang-Ho), que faz trabalhos religiosos nos hospitais. Ele decide voluntariar-se para um estudo sobre um novo tipo de doença contagiosa e extremamente letal. Durante o tratamento, ele contrai o vírus e fica em estado grave, precisando submeter-se a transfusões de sangue. Dentre os 500 voluntários, ele é o único que consegue sobreviver, possivelmente devido ao tipo de sangue que recebeu. Algum tempo depois, ele descobre que ficou dependente de doses extras de sangue para aplacar os sintomas da doença, como se fosse uma espécie de vampiro.
Começa então o seu conflito interior, pois sabe que necessita de sangue humano, mas recusa-se a matar pessoas para consegui-lo. Ele também se percebe mais vulnerável aos desejos mundanos. Sua pulsão só aumenta, principalmente quando está próximo de Tae-Ju (Ok-Bin Kim), a esposa de seu amigo de infância Kang-Woo (Ha-Kyun Shin). À medida que tudo começa a sair do controle, o peso da culpa passa a persegui-lo constantemente, até que ele percebe já não ser possível continuar nos caminhos da religião.
Um filme de vampiros com dilemas existenciais e os toques de originalidade do cinema sul-coreano.
A Criada
4.4 1,3K Assista Agora"The Handmaiden" (A Criada), filme dirigido por Park Chan-Wook tem uma linda fotografia. É ambientado na Coreia do Sul, na década de 30. O roteiro é uma adaptação do romance 'Fingersmith' escrito por Sarah Waters e, basicamente, é um suspense erótico envolvendo duas mulheres, uma delas de origem nobre (Kim Min-Hee, como Lady Hideko) e a outra, sua criada pessoal (Kim Tae-Ri, como Sook-Hee).
O filme traz uma história pesada, que envolve pedofilia, abusos sexuais feitos pelo próprio tio da vítima, sexualização precoce, maus-tratos, agressões, torturas psicológicas, cárcere privado, traições, mentiras, vinganças... enfim... diante de tal cenário dantesco seria quase impossível imaginar que nessa trama houvesse algum romantismo, entretanto... há. O roteiro tem tantas reviravoltas que acaba havendo espaço para quase tudo.
Sim, é uma trama interessante e bem dirigida. A narrativa prende a atenção totalmente, porém, nas cenas de sexo não dá para fingir que não houve a objetificação do corpo feminino. Falando claramente: as duas belíssimas mulheres protagonizam várias cenas sensuais e sexuais, entretanto, totalmente filmadas conforme a cartilha do cinema privê tradicional: em ângulos e movimentos feitos para o fetiche e a apreciação masculinos. Que ninguém se engane achando que o filme é um marco LGBTQIAP+.
É uma produção ousada e diferente do que se costuma ver no cinema sul-coreano.
E não se trata de um filme enfadonho, com certeza.
Almas Perversas
4.2 76 Assista Agora"Scarlet Street" (Almas Perversas) é a refilmagem do clássico de Jean Renoir 'La Chienne'. Esta versão é dirigida pelo não menos conhecido Fritz Lang. O roteiro de 1931 sofreu pequenas alterações, mas manteve a maior parte da história original, contudo, o filme tem sérios problemas na construção dos personagens, que perderam profundidade e sofreram modificações em seus perfis.
O gigolô Johnny (Byron Foulger) no filme original era um odioso cafajeste, cheio de esperteza, frio e violento, envolvido com prostituição, jogatina e todo tipo de trambicagens. Nesta refilmagem, passa-se apenas por um mero malandro aproveitador. Até as cenas em que bate em Kitty ficam meio gratuitas e fora de contexto.
Kitty (Joan Bennett) é encantadora e tem uma beleza clássica, mas sua postura é forte, decidida, ficando difícil de acreditar que tal mulher aceitasse apanhar de alguém como Johnny. Já a personagem do filme original era insegura, tinha pouca autoestima e não era muito inteligente, sendo um pouco mais lógico que caísse nas mãos de um canalha que a explorava.
O velho Chris (Edward G. Robinson), na versão original, era um bobalhão, alvo de piadas no trabalho, permanentemente maltratado pela mulher, humilhado por todos que o conheciam e que teve um arco dramático com final muito mais interessante que o da versão de Fritz Lang.
"Almas Perversas" não consegue criar a mesma atmosfera do filme de Jean Renoir, talvez pela sua maior preocupação estética e pouco realista. Aliás, o realismo é o que mais choca em 'La Chienne'. O desfecho escolhido para esta versão também foi mal construído, parecendo querer reforçar que há sempre uma punição letal para quem cometeu um crime, desconsiderando a trajetória anterior do personagem, marcada por todo tipo de humilhação. Para ele, a própria vida era a punição.
Certos filmes são como Whiskies: os originais são os melhores.
A Cadela
3.9 29O cineasta Jean Renoir fez parte de um movimento artístico conhecido como Realismo Poético Francês, quando a arte passou a se inspirar nos fatos normais e rotineiros da vida, em pessoas reais com suas misérias, defeitos e pecados, retratando-os de um modo que despertava identificação, raiva ou compaixão pela proximidade como representavam os dilemas de cada um de nós.
É isto que encontramos no filme "La Chienne" (A Cadela), de 1931. Um drama onde todos os personagens estão aprisionados a idealizações, relacionamentos tóxicos permeados de humilhações, traições, exploração financeira e emocional. Todos convivem com o sofrimento que mina sua autoestima e a dignidade, mas não conseguem libertar-se de suas doentias dependências, degradando-se a ponto de aceitarem passivamente as sucessivas agressões moral e física.
Dói pensar que tantas pessoas realmente vivem relacionamentos abusivos que, aos poucos, vão injustamente destruindo sua felicidade e sonhos, restando a amargura ou desespero que, na maioria dos casos, nunca leva a um final feliz para ninguém.
Fantasia
4.1 299 Assista AgoraOuvir música clássica é uma experiência quase espiritual. Não se pode definir toda a gama de sensações e emoções que afloram de tais acordes, mas uma certeza persevera através do tempo: os clássicos são imortais, atemporais, e seus efeitos terapêuticos sobre o bem-estar das espécies já foram comprovados nos três reinos.
A proposta (inteligente) dos estúdios Disney com o filme "Fantasia" foi unir os benefícios da música clássica com a experiência visual, semelhante ao que nos propicia a audiência de uma ária. Ao combinar os sentidos da audição e visão, deu "vida e movimento" à música com o uso cores, luzes, sombras e animações variadas, proporcionando uma viagem incrível pelos vales de nossa imaginação. Ao combiná-la com ilustrações lúdicas, tornou-a leve e acessível a todos os públicos, especialmente o infantil. Coisa de gênio.
No segundo ato do filme, começam a ser contadas fábulas sonorizadas pela orquestra. A primeira é a do aprendiz de feiticeiro, 'interpretado' pelo carismático ratinho Mickey. Depois, outras histórias passam a ser contadas com ilustrações oníricas que dançam em harmonia com o ritmo, como as do planeta Terra nas eras pré-cambriana e cenozóica, ou como as representações de frequências sonoras emitidas pelos instrumentos musicais, a personificação de divindades, a criativa dança das horas ou o emocionante desfecho do profano contra o sagrado, ao som da Ave Maria de Schubert.
O filme inteiro é como uma grande e bela pintura musical.
Serpente de Luxo
4.0 42Às vezes fica complicado avaliar um filme antigo, porque todo o contexto era outro. A forma como as pessoas imaginavam o sucesso e o poder vinculado aos bens materiais, ou o autoritarismo masculino exercido sobre as mulheres costumavam embasar naturalmente os roteiros do início do século passado. Por isso, assistir a "Serpente de Luxo" (Baby Face) com foco nos dias atuais, causa desconforto e uma vontade de reprovar tudo o que ele sugere.
Todavia, na época de seu lançamento (1933) foi uma obra de vanguarda, surpreendente e ousada por desafiar o rígido Código Hays, retratando uma mulher que, valendo-se de serviços sexuais, teve todos os homens a seus pés. Interessante que a protagonista Lily (Barbara Stanwyck), moça de origem humilde, passou a agir dessa forma depois de receber conselhos de um homem mais velho, a quem ela respeitava. O tal senhor, sob o argumento de estar interpretando a filosofia de Nietzsche, lançou as primeiras sementes da ambição na mente da jovem.
É muito incômoda a ideia de que uma mulher possa alcançar o poder rapidamente pela via sexual, ainda mais se a protagonista demonstra ter inteligência e ser trabalhadora. Pior ainda ver que, mesmo bem sucedida nos seus métodos, humilha-se pedindo a um homem que case-se com ela. E como desgraça pouca é bobagem, depois de tudo o que ela passou, ainda precisa fazer uma difícil opção em nome do... amor (?!). Mas, se conseguirmos esquecer que vivemos neste século e nos transportarmos para 1933, o filme deve ter sido um enorme afronte.
Apreciemos então a divina Barbara Stanwyck, uma atriz bem à frente de seu tempo. E uma curiosidade: John Wayne, antes de tornar-se famoso, aparece irreconhecível no filme, fazendo uma pontinha como McCoy - um dos colegas de trabalho de Lily.
Um Lugar Silencioso - Parte II
3.6 1,2K Assista AgoraO que parecia difícil aconteceu: uma sequência tão boa quanto o filme original! "A Quiet Place - Part II" (Um Lugar Silencioso - Parte II) mantém o mesmo nível de suspense - diria até que o eleva em alguns momentos - deixando-nos sem piscar e com o coração na mão até os instantes finais.
Esta sequência preenche as lacunas deixadas pelo primeiro filme, e também dá seguimento à saga de Evelyn pela sobrevivência do que restou de sua família. Há passagens igualmente marcantes, sustos reais e aquela mesma sensação desconfortável de alerta constante. Um novo elemento, não menos horroroso, surge nesta sequência: numa situação já tão ruim quanto aquela, descobrir que o homem pode tornar-se também um cruel inimigo de sua própria espécie é, realmente, o fim do mundo.
Acredito que esta sequência deixou um certa esperança no ar, uma sutil mensagem de que pode haver uma saída, por pior que seja o cenário. Também ficaram várias pontas a serem resolvidas com uma terceira parte. E, por fim, reforcei as certezas de que se trata de um dos melhores filmes de suspense/horror - até o momento - e que John Krasinski arrasa muito!
Um Lugar Silencioso
4.0 3,0K Assista AgoraAntes de assistir a sequência, decidi rever o primeiro filme "A Quiet Place" (Um Lugar Silencioso), por saber que a história de ambos seguiria diferentes linhas temporais. Queria relembrar os trechos principais, prestar mais atenção aos ganchos que o diretor iria deixar para o filme posterior. E o que me deixou admirada é que, mesmo não sendo a primeira vez a ter contato com a história, ela me pareceu ainda mais assustadora, mais incrível e diferente de tudo o que já assisti no gênero do suspense/horror.
Destaco duas das cenas que achei mais horríveis e marcantes neste filme: o momento em que o pequeno filho do casal aciona o aviãozinho de brinquedo e, depois, toda a sequência do parto de Evelyn (Emily Blunt). Aquele silêncio constante, o prenúncio e iminência do perigo real, juntamente com a ameaça de que, com um simples movimento errado o pior acontecesse, fez com que o clima de suspense se mantivesse praticamente durante toda a exibição do longa.
Esse estado de alerta deixa uma estranha fadiga quando tudo termina. Incrível, porque há tempos vejo filmes de suspense ou horror, mas não havia percebido algo semelhante antes, ainda mais porque tive a mesma sensação ao reassisti-lo. Talvez esse seja um indicativo de que a história é realmente boa e bem contada!
Sem dúvida, este é um dos melhores filmes do gênero. Direção magnífica de John Krasinski, que também interpreta Lee Abbott - o marido de Evelyn. O trabalho de efeitos sonoros é algo fabuloso, pois na maior parte do longa há ausência de diálogos, mas permanecem audíveis os pequenos ruídos, tão agradáveis quanto os estímulos ASMR e, talvez por isso, quando interrompidos causem enorme desconforto e medo.
Filmaço!