"Eu não sou prostituta! Eu sou uma atriz!". A batalha diária, o pão de cada dia, a esperança de um lugar ao sol. Gustavo Pizzi fixa suas lentes em ângulos e closes, no exercício de câmera na mão, tornando a protagonista próxima de nós - uma Karine Teles despida em naturalidade, personificando o papel da mulher que quer não só se firmar como uma atriz sucedida, mas tem desejos e sonhos a serem vencidos na teia da sociedade-cão carioca. A narrativa assume o diálogo do realismo, com uma linguagem que se apropria do cotidiano e reflete o tom do "gente como a gente".
A trama que foca na trajetória da Bianca, tendo que vencer um dia de cada vez, que usa das máscaras e influências das divas de Hollywood - Marilyn Monroe e Bettie Page -, mas que, na verdade, usa suas imitações para trabalhar em eventos comuns - animadora de festas, intervenções em empresas, distribuindo panfletos. Como se sustentar e vencer com a arte que nem a valoriza? A ironia existe como significado: Em certo período narrativo, a personagem é convidada para um teste para um filme e recebe o convite para protagonizá-lo. O diretor se encanta com sua trajetória existencial e resolve trazê-la para dentro do filme. Temos, então, o filme da vida de Bianca - logo, há o "filme dentro do filme", que se inspiraria em sua biografia. Pizzi expõe a persistência humana de vencer no sistema social de forma clara e objetiva, além de expor como funciona um pouco os bastidores e indisposições do meio de ser um ator.
Revisto. Não lembrava o quanto é bem construído em termo de suspense, sensos policiais e formato narrativo em cima da figura de um serial-killer. A construção psicológica é contundente e de acordo com uma excelente direção que favorece a criação do medo e fragilidade em torno da ótima personagem de Sigourney Weaver - uma especialista criminal que orienta detetives a compreender e identificar um perfil de assassino cujos crimes imitam os de assassinatos famosos do passado. Entretanto, ela permanece confinada há um ano dentro de casa, com agorafobia, por conta de um trauma.
O roteiro se preocupa em tecer a sua construção e duela com os coadjuvantes Holly Hunter e Dermot Mulroney que fazem dois detetives do Departamento de Homicídios que a ajudam no encalço de um doentio psicótico que persegue e mata mulheres. Segue a cartilha de um roteiro que tenta desvendar a figura do killer enquanto também esmiúça as percepções da aparência, dos meandros da psicopatia, dos crimes contra as mulheres. O teor de suspense é gradual com algumas fórmulas de sustos e efeitos, mas funciona. Notável participação de Harry Connick, Jr. exercitando bem a caricatura de um indivíduo sem qualquer escrúpulos.
"Se pudéssemos recomeçar tudo desde o início, mas não podemos. Cada segundo deixa uma marca profunda em nossa existência. Encarávamos a vida como um rascunho, o qual era possível apagar e reescrever melhor, mais longo e mais forte, mas não. Só temos uma chance: a de escrever corretamente. Isso é aterrorizante, mas é o que dá grandeza à vida."
O aprendizado em aprender a ser. A dificuldade diante do corpo limitado. A alma trancafiada sem o exercício da liberdade. Uma mulher que precisa reaprender a viver de acordo com o estado doloroso de seu corpo enfraquecido. Após sofrer um derrame, vemos o confronto e transformação psicológica da persona, defendida por uma Isabelle Huppert sólida em cena, que passa a "enxergar o redor" com novas percepções.
É quando a direção de Catherine Breillat nos fornece maiores provocações ao colocar, dentro deste dramático cenário, nuances complexas: a inserção de outro elemento na narrativa, um homem (Kool Shen, dúbio e sexy) que vai amparar e também desestabilizar a personagem de Huppert. No filme, temos a cineasta que se submete aos comados estanhos e a um jogo de interesse. Ela aceita que um provável "ator" permaneça ao seu lado, onde se inicia uma dependência e também abuso - financeiro e emocional.
Daí o título original, "abuso de vulnerável”. A direção seca e ríspida, prefere manter o jogo cênico destes dois personagens sem colocar tramas secundárias, em planos mais intimistas e focados nas insinuações psicológicas. Perdas, desgastes e crises emocionais são efetuadas em cena. E vemos um retrato de uma condição que pode muito bem ocorrer com qualquer um, tamanho o senso naturalista promovido.
A inadequação juvenil ou o desconforto social que beira o caos da adolescência. Tal qual inúmeros personagens - ou mesmo "Carrie" de Stephen King, temos a protagonista que adentra ao novo universo de interação quando entra para a faculdade. A estranheza, a timidez, a fragilidade que se mescla à nova vivencia: proporciona crises internas e rachaduras emocionais. Não é a toa que a protagonista enfrenta suas transformações psicológicas que se exteriorizam em seu físico. É quando a narrativa assume o grotesco para falar sobre situações interiores: a jovem tem a fome carnal. Mas, o que é visto como canibalismo, poderia ser uma sede sexual ou a ansiedade crônica? Não importa. O que o roteiro de Julia Ducournau nos fornece, antes de tudo, é o estudo do desajuste e do desconforto juvenil.
Driblamos a nossa segurança com abusos constantes - os trotes constantes em que os jovens são submetidos acarretam a angústia e as mudanças emocionais. O filme não trata só do desejo pela carne, o discurso é também sobre o sexo e sobre o despertar por novos prazeres. Uma ode ao rito de passagem e à catarse de menina-para-mulher. O sangue que se escorre do corpo, tal qual o líquido da menstruação, são elementos simbólicos em cena. Justine (Garance Marillier, natural no tom) é a jovem virginal é vegetariana que se entrega às noções da libido e da necessidade de experiências em que a permita sair do próprio eixo da "normalidade social".
O senso do canibalismo nada mais é que metáfora para o desabrochar de prazeres mais instintivos e primitivos que permeia a escala de desorganização da protagonista para o encontro do seu novo ser. O quão podemos ser viscerais e imbuídos por fomes consideradas ocultas? Como mudamos quando damos vazão aos prazeres mais íntimos e que podem ser considerados mórbidos ao olhar alheio? Já vimos esses sentidos em outros filmes, inclusive americanos, ainda que este tenha atitude na concepção.
A linguagem aqui consegue ser mais norteadora na forma em que formata esse universo humano de buscas sexuais e dilemas juvenis que um exímio representante sobre canibal, afinal não há espaço pra "gore" gratuito ou insinuações explícitas, mas algumas camadas são colocadas em prática na subjetividade como trata a personalidade. E a trilha instrumental de Jim Williams, ainda que bem delineada, por vezes reduz o aspecto de um filme que poderia ser um pouco mais cru em suas cenas, sem a indução de uma sonoridade intrusiva demais que quer ditar o tom de um "aspecto de suspense". Mas, a mensagem da fita é clara e provocativa. Nada mais que uma ode às ebulições do processo de maturação. E é neste ponto que o filme consegue ser intrigante.
"Me sinto como se eu estivesse no mundo errado. Porque não pertenço a um mundo onde não terminamos juntos. Existem universos paralelos onde isso não aconteceu. Onde eu estou com você e você está comigo. E seja qual for esse universo, é nele que meu coração vai estar."
Irônico ver que um chaveiro não consegue achar a chave adequada para destrancar seus sentimentos. Al Pacino assume as vestes de um homem perdido em amarguras antigas e memórias de um passado que sempre busca reviver. Não deixa de ser uma representação, também, sobre as sombras da velhice. Acompanhamos esse solitário indivíduo com seu cotidiano aparentemente banal e seus diálogos silenciosos, na trajetória de um homem que parece se fechar para os seus dias finais - não é a toa que o roteiro o coloca em monólogos internos, espécie de narrações em off, em que pontuam suas sensações e exclamações emotivas para alguém que não sabemos ao certo. Mágoas, cicatrizes e indisposições antigas que permanecem mescladas ao seu modo atual de viver. Nem tudo é dito totalmente. Mas, imaginamos. A mensagem do filme é mais contundente que seu próprio formato e realização, assim como uma insinuação ou outra que fica subtendida. "Não quero ser eu mesmo, muito menos um vestígio de imagem. Eu quero assumir outras formas".
A perturbadora sequência de quase 20 minutos onde temos a tensão cortante, no qual o advogado vê sua família ser massacrada, é um contundente aspecto de violência social em que somos reféns e vitimados sem punição ou defesa. O filme trata da ironia: o idealista advogado que defende os criminosos e acham que devem ter direito de acolhimento no Direito Penal, mas que acaba por confrontar seus monstros internos e desconstrói suas perspectivas ao ser mais uma vítima do crime.
"Eu sou uma espécie de verme incoerente. Que apodrece todos que estão à minha volta!". Carlo Mossy personifica esse indivíduo - e também dirige e escreve esta fita -, o homem que abandona suas vestes e parte para a justiça com as próprias mãos ensanguentadas. Temos a transformação do homem que muda suas crenças e idealismos por conta de um trauma vivenciado. Como somos efeitos das dores de um sistema cruel? Perde-se as cascas, os receios, e permite-se aos instintos mais viscerais.
A tal violência que tanto combateu, contaminou suas direções. Interessante como vemos esse individuo mudar seus "ares sociais", adentrando a um submundo marginal e de pessoas fora do senso da classe-média, na zona obscura e desprovidos de acessos financeiros. A linguagem narrativa soa direta, assim como o aspecto cru de um filme que não envelheceu em sua mensagem. O propósito ainda é atual diante de situações ainda presentes e que ecoam em nossos meios sociais.
O processo do luto e também de dores internas. Através da voz e das percepções deste jovem protagonista hedonista - um Christopher Abbott em estado de força em cena -, vemos a sua trajetória que se resume em enfrentar a perda do pai e o desbotamento de sua mãe com câncer. Entre olhares íntimos e certo apreço pelo tom naturalista, a câmera de José Mond cola às faces e olhos marejados em desespero, através do sufoco e da aflição, de um indivíduo tão próximo de nós. A direção é firme e favorece o entrosamento dos atores em cena, em especial Cynthia Nixon que faz a mãe enfraquecida pela doença terminal e melancolia de vida. Assim temos um filme sobre o enfrentamento diário e da sobrevivência de levar um dia com mais esperança de prosperar. É, o mundo é mesmo ingrato.
Além de um intrigante estudo do medo e de elementos de obras oitentistas, referências do universo John Carpenter e pinceladas de Stephen King, temos uma trama que nos promove a alusão ao sexo em todo corpo do excelente roteiro. A insinuação à fragilidade juvenil que teme doenças transmissíveis ou mesmo a vulnerabilidade diante da perda da virgindade que se associa ao pânico. A criação do horror aqui volta-se a uma direção elegante e bastante cuidada, autoral e perceptiva de David Robert Mitchell que cria planos trabalhados e mise-en-scène pensada, com uma direção de arte que mais parece mesclar elementos da década de 80's em um tempo até indefinido, apesar de "atual" - as televisões de tubo que passam filmes antigos de terror é uma forma de ambientação. A criação da sensação de medo da protagonista (a ótima Maika Monroe, observe como ela nos transmite tudo pelos olhos) é violenta e realista, sem nunca soar artificial. Sob a trilha sonora de Disasterpeace que, desde já, é uma das maiores composições originais dos últimos dez anos - o trabalho de cenas e desenvolvimento de tensão surgem sob efeitos sonoros instrumentais que assumem importâncias assim como diálogos. Simbolismos e subjetividades são colocadas em reflexões em um filme que não quer padrões e respostas fáceis. A intenção é provocar mesmo pra nos deixar ruminando.
André Ristum utiliza de personagens que fizeram parte da construção e da socialização de uma Brasília recém-inaugurada. O lado humano mais à margem, sonhador e que busca na cidade uma oportunidade de integração e próspera satisfação financeira. Aí reside o aspecto sonhador do personagem de Eduardo Moscovis que surge como o símbolo de desejo da ascensão social. Entretanto, por mais que temos uma trajetória que faz parte da história do Brasil, o formato não deixa de sofrer problemas. A linguagem soa formulaica e com efeitos "melodramáticos". A trilha sonora parece adquirir maior força para potencializar uma emoção que vem artificial. O filme tenta explorar o lado do ativismo político e da luta dos trabalhadores daquele período, quando eclode a ditadura, mas peca pela narrativa televisiva e melosa em diversas passagens sob o olhar do filho mais velho do personagem de Moscovis, uma espécie de "observador" das situações de mundo e que eleva o sendo "lúdico" mais que o necessário. O resultado acaba sendo bem frágil.
Não só por expor as contradições e a crueldade que persiste por baixo do pano da poeira das estratificações sociais, mas temos um retrato naturalista sobre o confronto de realidades inesperadas. A carioca de classe média (Carla Ribas, maravilhosa defesa de personagem) que encontra as próprias reflexões de vida quando encontra duas crianças (Ygor Manoel e Rayane do Amaral, bem à vontade em foco) que são abandonadas pela mãe em sua porta.
Sandra Kogut não impede que sua visão crítica volte-se para o "olhar das duas crianças" que ditam e estabelecem as perspectivas das ações narrativas. A direção assume uma importância de quase documental tamanho o tom realista cênico.
A câmera colada à face dos infantis, em planos mais fechados, perscruta seus olhares e emoções em cena, em constantes molduras em close que definem que aí reside uma linguagem à favor de tais situações humanas: dois abandonados em uma teia urbana sem opções. Não há trilha sonora melodramática e espaço pra cenas com fórmulas, há uma narrativa mais "seca" e fria, que recria o aspecto cotidiano. Temos um filme que exibe não só as mazelas sociais como a desproteção materna, a negação da mãe diante do filho e o quanto inúmeras crianças são abandonadas ao crescente nível de desatenção.
Nesse panorama intimista, percebemos o quanto as crianças acabam por desconstruir as noções de sentimento desta mulher de outro lado social que passa a enxergar as suas noções particulares com um novo olhar - em especial a interação do menino que faz com que volte a habitar nela um lado sensível que parecia perdido. Inclusive, facilitando o diálogo dela com a filha única com a qual tinha uma relação conflituosa. Kogut com sua direção pontual e precisa exibe os contrastes nas relações que se estabelecem entre os palcos sociais - pobres versus classe média; ainda atingindo níveis maiores ao expor o quanto temos crianças sem chances de prosperar na selva brasileira.
E se a câmera procura os sentimentos dos meninos nos closes e nos personagens, por outro lado atinge tomadas onde faz panorâmicas ou estáticas isoladas de trânsito conturbado; lixo pelas ruas; lamas em asfalto; rios poluídos e sujeiras em zonas periféricas no intuito de construir essa noção de "bagunça" e desmazelo social no qual somos frutos, cada vez mais. Um Rio de Janeiro desordenado e como representação do caos urbano que reflete em estigmas humanos. Nítida crônica de nossa situação de mundo atual caótico.
A câmera que perscruta, indaga, vivencia e expõe a percepção de uma criança autista. Um filme com a visão de um menino - não é a toa que impressiona a encenação que cria alguns elementos: todo filmado em um plano-sequência de improvisação e ações onde os personagens transcorrem em cena, ora na frente do foco ou "por trás" das lentes, enquanto o personagem "invisível" filma as situações que vão desde diálogos sobre relações familiares e intimidades.
Eis o primeiro longa-metragem de Filipe Codeço, altamente experimental, revela ser um estudo sobre as noções e olhares de um autista diante do que está ao seu redor. O menino em questão vê o pai que retorna à casa dos familiares, junta com a sua mãe, para resolver questões sobre a morte do avô. É então que o único cenário, o interno da casa, se sustenta em verbos e colocações sobre luto, carência, afetos e rancores familiares vem à tona em cenas de intensas brigas entre quatro paredes.
A narrativa flui tal qual um modo-teatral já que não há interrupções, assim os personagens criam suas ações durante os 84 minutos de projeção. Há momentos em que a câmera enquadra as interações dos personagens; outros os diálogos se mesclam aos planos sem foco e em outros parece flutuar entre cenários como forma de também tornar a história mais detalhada - como a tomada em que a câmera percorre os quadros dos familiares nas paredes da sala. Codeço cria um cinema naturalista com propriedade.
Tece a problemática que é a situação de risco social diante da fragilidade infantil: quantas crianças continuarão entregues ao desaparecimento social? Como são as vítimas destes abalos e como os pais lidam com? Diante da pedofilia ou comércio infantil, a insegurança reina. E há também o preocupante dilema de quando há próprias crianças que acabam aliciando ou desvirtuando outras. Tais sensos são expostos, em um típico exercício de "Suspense a la Supercine", em que os personagens buscam desvendar os segredos e as rupturas antigas que deixaram marcas - em meio ao foco do sumiço de uma criança de 3 anos que coloca no centro algumas questões não solucionadas e resolvidas no passado. Amy Berg se esforça pra levar seu filme a um resultado melhor, ainda que o tom de detetive e quebra-cabeça de suspense que segue pistas e reviravoltas sejam evidentes - e previsíveis. A verdade é que temos um trabalho de roteiro ruim maquiado, genérico e já exercitado em vários outros trabalhos por aí.
Wim Wenders, um contador de histórias. Ou um indicador do cotidiano. Uma trama construída sobre princípios naturalistas. Observamos o olhar sobre o diálogo entre o aprendizado e interação de um jornalista que fica a cargo de proteger uma jovem abandonada pela mãe. Não é muito difícil ver o quanto Wenders aqui destranca a sua vocação sobre os dilemas familiares e, mais ainda, sobre a vocação paterna - o abandono representado das duas situações comuns.
Ele, impossibilitado de retornar à Alemanha pois perde o voo. Ela, vítima do descaso da mãe que a deixa com um estranho. O filme exibe essa aproximação gradual e melancólica entre os dois, sob uma fotografia granulada em preto e branco, enquanto descasca as personalidades tão peculiares de cada um. Grande charme da eficácia em cena, deve-se a ótima química entre Rüdiger Vogler e Yella Rottländer (que, infelizmente, não prosperou mais além que dois filmes na carreira).
A fita é o primeiro da trilogia de "Road movies" do diretor, seguido por "Movimento Falso" (1975) e "Reis da Estrada" (1976), todos com a contribuição de Vogler como personagem em destaque. Aqui vemos uma história que se preocupa em exibir a visão de Wenders sobre a América, sobre a solidão e sobre o encontro de dois seres humanos em busca de algum elo/carinho. Na jornada intimista do repórter que ajuda a menina de 9 anos a buscar sua mãe ou algum parente que a ampare, vemos o quanto ser responsável pelo outro acaba por ter conotações ainda mais complexas.
Em tempos de ativismo animal, combate à indústria alimentícia e adoção vegana por mais comunidades: a atitude de um formato cinematográfico que fecunda a reflexão. Chegamos ao ponto em que é preciso olhar o que permanece sócio e culturalmente, no qual a exploração de animais colocam à prova o nossa forma de subsistência. Não é pra tanto que em termos de linguagem, o disfarce perfeito de "fábula-lúdica", em prol de uma trama com efeitos emocionais, sejam, na realidade, artifícios concretos do que permeia todo o cerne do roteiro: Até quando teremos o olhar apropriado para essas práticas abusivas contra os animais descartados/abatidos? Como lidar com uma humanidade carnívora e acomodada em uma visão que permite o maus-tratos animais?
Sobrevivemos à custa da matança de seres vivos - ironicamente, a protagonista do filme é uma "superporca", a suína geneticamente modificada, criada como um cão, no afeto com uma garotinha (a ótima Ahn Seo-Hyun, observem o quanto ela fala com o olhar em cena!), é justamente ela que exibe o olhar que devemos ter peranta à situação. E o roteiro nos fornece uma crítica certeira ao modo automático, consumista e agressivo sobre o processo de "comida". O quanto tal meio situa corporações e viabiliza um modo indisolúvel: é preciso alimentar o ser humano, portanto a carne é um hábito sem precendentes, assim como a indústria que utilizam porcos (e tantos mais) como meios para a contínua matança que alimenta bocas e sustenta sistemas.
Bong Joon-ho prefere tecer seu tapa no público mesclando a narrativa num estilo singelo, por vezes delicado, mas que centra suas discussões, destrancando alguns indícios de uma trama panflentária, mas que não exagera. A linguagem acentua o tom que satiriza nosso universo - basta perceber os padrões estabelecidos pelos figurinos e diálogos e arquétipos de alguns personagens: Tilda Swinton robótica e mecânica como dono de uma multinacional disposta a lucrar com a matança dos porcos ou mesmo um Jake Gyllenhaal com trejeitos a ponto de demonstrar como temos figuras que são "televisadas" com aplaudes e símbolos midiáticos à favor desta manuntenção cruel para o paladar carnívoro da sociedade. Tanto Tilda quanto Jake parecem ser elementos satirizados e disformes, de uma sociedade fria e calculista, dissimuladas em suas intenções - tanto que em ambos, temos um tom "over" destacado, proposital.
E se Joon-ho coloca debates geopolíticos versus capitalismo versus ambientalismo-anarquista (Paul Dano simboliza aqui este senso, por sinal um dos poucos personagens que ali tem espaço pra ser mais "humano" e natural, em contraponto com os personagens da Tilda e Jake), é que tal foco precisa ser destacado em meio à aparente "beleza lúdica". Tanto que há momentos em que o filme deixa de brincar de algo mais "poético" para uma transposição da realidade - a sequência do matadouro é um exemplo, seco em sua forma, mas com o flerte no afável cinematográfico. Um filme que expõe o que sabemos, mas que é importante ser frisado - e ferido.
O cenário de insegurança que abala a estrutura da mulher que precisa entrar em ação de defesa. O olhar que centra as forças físicas - e também emocionais - de Jane (uma Portman maior que o filme) que entra em conflito, tendo que defender o marido da eminência da morte e do fim da proteção masculina que tinha até então. A discussão é colocar a força desta mulher diante da sociedade machista que tolhe e também a limita.
O roteiro redondo adorna situações características do senso "Western" e alguns diálogos até nos remete - vagamente, claro - aos filmes da era do John Ford. Neste cenário de defesa que a protagonista encontra espaço pra debater maternidade, liberdade feminina e busca por espaço de opinião em um momento delicado da época dos anos 1800.
Talvez, o grande atrativo em cena dramática seja a presença de Joel Edgerton que faz o ex-namorado de Jane, espécie de indivíduo que traz a sua força aparentemente perdida e que a coloca em estímulo de libido, já que ambos providenciam momentos de "romance" e tensão sexual.
E Gavin O'Connor - que já havia trabalhado com Edgerton em "Guerrreiro" - favorece a naturalidade e química em cena desse casal que precisa salvar a pele diante da gangue que será capaz de levá-la à desonra social. A direção permite algumas cenas bem interessantes - como Portman andando de preto, exigindo seu "luto melancólico", em oposição aos personagens masculinos que sempre tentam desrespeitá-la, como um Ewan McGregor sarcástico em foco - ou Rodrigo Santoro como um ser dotado de malícia e presunçoso em um momento de tensão no filme. E um filme que centra a posição de mulher contra o sistema, sempre vale a conferida.
Como mudar o destino do qual se condicionou a viver? O efeito social da criminalidade, através das perspectivas de dois homens que foram cultivos de um sistema agressivo e sem oportunidades. No crime encontram refúgio e estilo de vida. A narrativa que percorre a amizade e os laços afetivos de dois homens: Paulie (Hawke) e Brian (Ruffallo). Interessante que o centro de discussão seja mais no cotidiano de furtos, na interação de um com o outro e nas ações que caracterizam as situações do universo criminal que agem - ao invés de tecer um panorama maior sobre o meio "gângster" em que estão inseridos.
O corpo do roteiro reforça a personalidade e as atitudes destes dois homens que acabam por perceber que precisam refletir e encarar algumas decisões, antes que tal vida possa acabar em uma trágica condição. Há uma humanização nessas "transgressões" de ambos. Como abdicar de família? E é possível se livrar do crime em que sempre se meteram? A insegurança permeia os caminhos destes dois que necessitam rever a vida. E cada um acaba tendo que seguir um rumo, ainda que oposto.
Mesmo com uma direção sem muita ousadia, Brian Goodman permite o duelo interpretativo de Hawke que mantém uma excepcional química em cena com Ruffalo - naturalidade em diálogos e olhares sob uma câmera, muitas vezes à mão, que os valorizam e os tornam maior que o filme em si. São homens de carne e osso, reais e nítidos como a "história real" que é dita logo no prólogo do filme. Dão vazão à um meio em que o indivíduo permanece condicionado a uma situação do qual nem sempre quer, mas se permite por inúmeros fatores, uma bola de neve que tolhe e coloca-o à margem do que é visto como ético.
Não deixa de tecer um ponto crucial na trajetória histórica e construção social do senso americano: as agruras e situações das perspectivas sob o terreno político da Guerra do Vietnã - sob a estrutura familiar de três bases. A mãe (Connelly) que tenta firmar as bases de sua vida com a típica representação da "mulher perfeita" e prestativa; o marido presente é compreensivo, ainda que rigoroso, como um bom marido de classe média (McGregor) e a filha com problemas emocionais por conta da gagueira que tem (Fanning) que acaba por se render às práticas libertárias e terroristas contra o sistema. A metáfora é evidente: uma jovem com problemas de dicção, quer dar vazão ao que pensa e age? Quer se comunicar perante um mundo opressor e caos de uma liberdade tolhida.
Nada mais é que um modo de desconstruir o sentido do "American Way Of Life" daquele período formal que se rendeu às transformações extremistas e de conturbações tão evidentes, agitando uma sociedade enraizada em padrões - e também convicções. Ainda que o roteiro coloque vozes nos diálogos sobre aquelas motivações do momento da década de 60 - inclusive com entrecortes televisivos e "clipagens" visuais de jornais e locuções, para formular um tom histórico mais verossímil, a direção do próprio McGregor soa quadrada e até engessada em algumas cenas que mais parecem um episódio de série televisiva sob uma trilha sonora discreta, mas pontual de Alexander Desplat.
Os momentos mais interessantes ficam quando seu personagem dribla a filha e ambos fecundam diálogos e embates sobre posicionamentos idealistas e divergências de personalidades. Ele se incomoda com os protestos da filha rebelde - nisso o argumento soa bem pertinente. Mas, o que poderia ser contestador como roteiro, permanece ameno. Por vezes, Fanning parece apática demais em cena e nem sua personagem transmite força na caracterização, mesmo sendo a figura mais complexa da trama - onde reside as cicatrizes e traumas de um período de dor da história dos EUA.
Por trás das aparências. Ou quando depositamos na pessoa algo que projetamos. Um filme que dialoga sobre o quanto desconhecemos sobre os ímpetos e a natureza humana alheia, ainda que nossa visão passional romântica não nos permita ter uma visão mais nítida. Aqui temos Molly Ringwald - expressiva e sincera em cena - na personificação de uma jovem que não é tudo que vemos de imediato. Quando o ricaço Andrew McCarthy sai da sua bolha de relações superficiais, percebe que existe um desejo voltado a essa garota com quem mantém uma afinidade (interessante ver os dois em cena depois da parceria em "A Garota de Rosa Shocking" dois anos antes) - só que por trás da aparente harmonia e carisma da jovem, há algumas situações mais obscuras. A direção correta de David Anspaugh se aproveita da boa defesa do casal protagonista - além de Ben Stiller que faz o melhor amigo do personagem do McCarthy, criando bons diálogos sobre relações e exposições sobre fidelidade, amizade e fragilidades juvenis. Há cenas que parecem sido formatadas pela mente de John Hugues. O interessante é como a fita desconstrói personalidades e mostra o quanto não percebemos que por trás de sorrisos e aparente "perfeição" em rostos desconhecidos que desejamos, existem maiores complexidades emocionais.
O encontro de duas almas que precisam de afago e acolhimento de um mundo que parece não compreender as individualidades e belezas artísticas de cada um. Através destes dois humanos é que a ilusão faz sua odisseia romântica. Sim, além de quaisquer referências aos clássicos e aos tempos áureos de uma Hollywood de Ouro - e também de dialogar sobre a essência do jazz como importância histórica - temos um filme que exibe a mais pura história de amar-pra-ser-amado nesta atualidade tão carente.
Um ode ao amor que é expresso através de diálogos e indagações musicadas, sob um jazz que nos envolve e nos delicia. E se a direção plástica e também precisa de Damien Chazelle - que mereceu os prêmios e Oscar de Direção do ano - nos possibilita momentos de catarses emotivas, deve-se a um formato de personalidade e exímia química em cena entre dois passionais em cada frame: se temos o charme de um Ryan Gosling transparente em cena, é Emma Stone que responde com toda sua fúria feminina e carisma interpretativo. Sua Mia transmite mais possibilidades em cena, do dramático ao tom de humor-irônico, em termos de construção, que Sebastian - o momento-monólogo "Audition", talvez, seja um momento em que se justifica sua entrega em cena e o Oscar adquirido. "Here's to the ones who dream, foolish as they may seem..."
A sintonia dos dois se mostra evidente em diversos planos - tanto no take único da imponente "A Lovely Night", do rigor estético e lúdico da cena do planetário ou mesmo na simplicidade íntima de "City Of Stars" no qual exibe o reflexo de um casal que se ama e compreende as necessidades a dois. A cena em que ambos discutem na mesa, no qual as diferenças se acentuam e a distância na relação se mostra evidente, é um grande momento cênico de representação sobre ser adulto, seguir os sonhos ainda que uma relação seja uma prioridade na vida. O roteiro é bem natural no tom em que mostra esses diálogos sobre relações e suas frágeis verdades. E Chazelle sabe pontuar esse momento de dor, criando a atmosfera, com o disco que finaliza sua canção e permanece rodando na agulha - diante do jantar que queima no forno.
Mia e Sebastian representam essa nossa vontade de sonhar acordado. Por mais que a tônica do amor seja emulado, o roteiro preserva as individualidades de cada um: ela em ser atriz, ele em ser devoto ao jazz. E como ambos vão prosperar nessas linhas é que torna a narrativa mais interessante. São sonhadores nítidos sob uma câmera que perscruta e concebe sem cortes momentos de romance, acentuando as faces e olhares e gestos, no tom mais real possível dessa pulsação da paixão ficcional. Um misto técnico e de essência sentimentalistas, por vezes enérgico e em outros momentos melancólico, temos um filme que aborda como é preciso percorrer os sonhos com todos os impulsos necessários para não sermos riscados de uma sociedade que parece nos renegar ao fracasso. Um conto lúdico de amor e aprendizado a dois e como é bom ver que somos mais sólidos quando temos uma mão para nós guiar.
É preciso falar sobre o processo de embotamento. A obscura situação que permeia essa atualidade, onde a afetividade parece envelhecer junto com a perda do brilho de uma felicidade naturalizada nas pequenas coisas - Júlio Quintana reforça este discurso neste singelo conto sobre a descrença, a fé destruída e o tal desbotar de uma humanidade tolhida de sentimentos.
Temos a narrativa que expõe uma espécie de vila de moradores que, após sofrer os efeitos físicos de um maremoto - no qual culmina na morte de mais de 40 crianças do lugar -, entra em estranho processo de catarse: isolam-se não só em suas casas, mas dentro de suas próprias cascas. Descrente de Deus, recorrem à punição da distância com o outro. Isolados, munidos de tristezas e amarguras, sem dinâmicas ou renovações, parecem ter esquecido da oportunidade de viver. Até do desejo se esqueceram. O sexo parece inexistente. Adaptaram o senso de felicidade pela condição escrava e dolorosa de viver em contínuo luto. Trocam a vida pela proposta de morrer. Zumbis entristecidos.
E quando se abandona o acreditar em algo? Como continuamos vivendo conosco? Nos subvertemos em vidas desbotadas e afetos embotados. Não há alternativas senão o atirar-se na zona da escuridão, da reserva e da ausência de brilho em nossas atitudes - como sobreviver quando nos despedaçamos?
Quintana conduz seu intimista retrato, com a câmara na mão e focada nas faces sem vitalidade dos personagens, na trajetória sobre a desesperança, através de pequenos símbolos narrativos: como as casas em ruínas que também são personagens em cena - ou a inclusão de um padre (Martin Sheen, excelente) que tenta reciclar as desilusões em maiores permissões ao acreditar, à fé em frangalhos, compreendendo a falta de perspectivas e mundos ocos que fazem dos moradores uma morada coletiva de depressão.
É através deste personagem que Quintana nos induz às possibilidades existenciais em diálogos que exploram mensagens religiosas e também filosóficas. É a forma de incutir o senso refletivo sobre a existência de um energia que caminha e comunga conosco - por isso mesmo, um dos personagens questiona e tenta mudar essa estranha "aura mórbida" que contamina a todos - tal qual a maré que surge como uma onda que potencializa o nível de melancolia entre cada um. E quando eclode manifestações que parecem mudar este cenário, é que o filme provoca ainda mais turbilhões dentro de nós.
A discussão pertinente sobre o papel da Mulher como deve ser. O clamar do seu espaço, o favorecimento da personalidade e a atitude como ato libertário e social. Tal formato da DC surge como um sinônimo de reflexão já que induz, em sua narrativa, a expressão de Diana Prince como um elemento de contestação de uma sociedade machista, opressiva e ditadora.
Por mais que seja um efeito cinematográfico de proporção do entretenimento, já que é um produto estilizado dos quadrinhos, não podemos deixar de perceber que o filme é feito para e sobre o papel feminino. É a linguagem do empoderamento a favor da crítica de mundo. A direção de Patty Jenkins não poderia ser mais justa já que, também, conserva seu olhar interpretativo de mulher: transmuta a mitologia em cima da heroína sem torná-la mero espetacularização de objeto. Tece um exemplo de crônica, através da figura da Amazonas, "matadora de deuses": a mulher que questiona a falta de perspectivas e exige sua opinião num terreno conflituoso da Primeira Guerra Mundial, onde - tal qual ao longo dos anos -, renegava o papel da mulher ao segundo plano.
Como desconstruir primeiramente a figura mítica em um ser que também sente, age e tem ideologias como ser humano? Jenkins utiliza dos atributos físicos e representativos de Gal Gadot - bem à vontade em cena e esforçando-se para sair da zona de "caras e bocas" - em combate cênico para externar a valentia e as atitudes da Mulher que parte para o jogo, racionaliza suas ações e não mais se submete aos freios masculinos. A sequência em que a personagem sai em fúria, no campo enlameado de batalha, é um exemplo interessante de sequência de ação e vai além: a mulher à frente do combate e também em patamar superior ao homem, sem precisar ser subordinada à posição de submissão.
Uma heroína com conflitos e situações críveis. Há o direito de escolha, de fugir do estereótipo protótipo de "objetivação", mas também existe espaço pra transmitir algo possível ao sentimental: como a aproximação de Diana com Steve Trevor - um ótimo Chris Pine trazendo o contexto masculino em cena de um indivíduo que respeita e compreende a necessidade de individualidade do feminino.
E um trabalho que, de alguma forma, traz em seu cerne uma trajetória feminina transparente e imponente, revelando-se como um tributo à igualdade de gêneros, é pra ser absorvido como conscientizador. Ótima iniciativa sociológica através de um produto que poderia ser descartável em sua abordagem. Pelo contrário, une o entreter com o refletir.
A casca que quebra, os fluidos que se esvaem, o corpo que se deteriora em meio à vertigem de um reinado que se dilui em pó. A odisseia sobre a velhice e o despertar de uma eminente morte? É irônico a contemplação da figura, que um dia fora intitulada "Sol", confrontar a própria escuridão de sua debilitação física e também emocional. Temos a fragilidade exposta nos últimos momentos do símbolo do Absolutismo, Luís XIV, através da personificação melancólica de Jean Pierre-Léaud com sua voz entrecortada, sussurrada e pausada.
Interessante como Albert Serra tem o próprio olhar que percebe a vida que se esvai e a sombra que parece reinar em torno e sobre a vida deste homem. A câmera parece perscrutar o cheiro da morte, por isso os constantes focos nas faces amarguradas e tensas dos que estão ao redor do rei.
Acamado, estático em sua cama, na posição de solitário - ainda que em sua volta tenha a presença dos subordinados e conhecidos, a narrativa mantém um senso de evidente claustrofobia em torno do cenário do rei. A câmera enquadra a figura que precisa se despedir em cena, para tanto os closes são planos perfeitos e que emolduram esse ser em fase de reclusão apenas com o tilintar do relógio dando suas últimas badaladas.
A exposição fotográfica é tamanha perfeccionista que mais parece encenações de quadros famosos do período do qual este monarca conduziu seu reinado de mais de 70 anos. São cenas que se assemelham, inclusive, aos quadros de Caravaggio e Rembrandt já que estabelecem o contraste de luzes, fundos negros com as figuras humanas iluminadas à vela em uma atmosfera quase sombria, coreografias de contrastes do "chiaroscuro".
Dentro do quarto do Palácio de Versalhes é que a narrativa centra seu foco, enquanto vemos quase um funeral que é exercido antes da hora, na forma de diálogos bastante naturais e um tom intimista quase sem trilha sonora. Serra centra seu palco da desolação sobre um mito que se fragmenta. Eis a despedida de um símbolo.
Riscado
3.9 78 Assista Agora"Eu não sou prostituta! Eu sou uma atriz!". A batalha diária, o pão de cada dia, a esperança de um lugar ao sol. Gustavo Pizzi fixa suas lentes em ângulos e closes, no exercício de câmera na mão, tornando a protagonista próxima de nós - uma Karine Teles despida em naturalidade, personificando o papel da mulher que quer não só se firmar como uma atriz sucedida, mas tem desejos e sonhos a serem vencidos na teia da sociedade-cão carioca. A narrativa assume o diálogo do realismo, com uma linguagem que se apropria do cotidiano e reflete o tom do "gente como a gente".
A trama que foca na trajetória da Bianca, tendo que vencer um dia de cada vez, que usa das máscaras e influências das divas de Hollywood - Marilyn Monroe e Bettie Page -, mas que, na verdade, usa suas imitações para trabalhar em eventos comuns - animadora de festas, intervenções em empresas, distribuindo panfletos. Como se sustentar e vencer com a arte que nem a valoriza? A ironia existe como significado: Em certo período narrativo, a personagem é convidada para um teste para um filme e recebe o convite para protagonizá-lo. O diretor se encanta com sua trajetória existencial e resolve trazê-la para dentro do filme. Temos, então, o filme da vida de Bianca - logo, há o "filme dentro do filme", que se inspiraria em sua biografia. Pizzi expõe a persistência humana de vencer no sistema social de forma clara e objetiva, além de expor como funciona um pouco os bastidores e indisposições do meio de ser um ator.
Copycat: A Vida Imita a Morte
3.5 167 Assista AgoraRevisto. Não lembrava o quanto é bem construído em termo de suspense, sensos policiais e formato narrativo em cima da figura de um serial-killer. A construção psicológica é contundente e de acordo com uma excelente direção que favorece a criação do medo e fragilidade em torno da ótima personagem de Sigourney Weaver - uma especialista criminal que orienta detetives a compreender e identificar um perfil de assassino cujos crimes imitam os de assassinatos famosos do passado. Entretanto, ela permanece confinada há um ano dentro de casa, com agorafobia, por conta de um trauma.
O roteiro se preocupa em tecer a sua construção e duela com os coadjuvantes Holly Hunter e Dermot Mulroney que fazem dois detetives do Departamento de Homicídios que a ajudam no encalço de um doentio psicótico que persegue e mata mulheres. Segue a cartilha de um roteiro que tenta desvendar a figura do killer enquanto também esmiúça as percepções da aparência, dos meandros da psicopatia, dos crimes contra as mulheres. O teor de suspense é gradual com algumas fórmulas de sustos e efeitos, mas funciona. Notável participação de Harry Connick, Jr. exercitando bem a caricatura de um indivíduo sem qualquer escrúpulos.
Dois Amigos
3.2 65 Assista Agora"Se pudéssemos recomeçar tudo desde o início, mas não podemos. Cada segundo deixa uma marca profunda em nossa existência. Encarávamos a vida como um rascunho, o qual era possível apagar e reescrever melhor, mais longo e mais forte, mas não. Só temos uma chance: a de escrever corretamente. Isso é aterrorizante, mas é o que dá grandeza à vida."
Uma Relação Delicada
3.0 28O aprendizado em aprender a ser. A dificuldade diante do corpo limitado. A alma trancafiada sem o exercício da liberdade. Uma mulher que precisa reaprender a viver de acordo com o estado doloroso de seu corpo enfraquecido. Após sofrer um derrame, vemos o confronto e transformação psicológica da persona, defendida por uma Isabelle Huppert sólida em cena, que passa a "enxergar o redor" com novas percepções.
É quando a direção de Catherine Breillat nos fornece maiores provocações ao colocar, dentro deste dramático cenário, nuances complexas: a inserção de outro elemento na narrativa, um homem (Kool Shen, dúbio e sexy) que vai amparar e também desestabilizar a personagem de Huppert. No filme, temos a cineasta que se submete aos comados estanhos e a um jogo de interesse. Ela aceita que um provável "ator" permaneça ao seu lado, onde se inicia uma dependência e também abuso - financeiro e emocional.
Daí o título original, "abuso de vulnerável”. A direção seca e ríspida, prefere manter o jogo cênico destes dois personagens sem colocar tramas secundárias, em planos mais intimistas e focados nas insinuações psicológicas. Perdas, desgastes e crises emocionais são efetuadas em cena. E vemos um retrato de uma condição que pode muito bem ocorrer com qualquer um, tamanho o senso naturalista promovido.
Grave
3.4 1,1KA inadequação juvenil ou o desconforto social que beira o caos da adolescência. Tal qual inúmeros personagens - ou mesmo "Carrie" de Stephen King, temos a protagonista que adentra ao novo universo de interação quando entra para a faculdade. A estranheza, a timidez, a fragilidade que se mescla à nova vivencia: proporciona crises internas e rachaduras emocionais. Não é a toa que a protagonista enfrenta suas transformações psicológicas que se exteriorizam em seu físico. É quando a narrativa assume o grotesco para falar sobre situações interiores: a jovem tem a fome carnal. Mas, o que é visto como canibalismo, poderia ser uma sede sexual ou a ansiedade crônica? Não importa. O que o roteiro de Julia Ducournau nos fornece, antes de tudo, é o estudo do desajuste e do desconforto juvenil.
Driblamos a nossa segurança com abusos constantes - os trotes constantes em que os jovens são submetidos acarretam a angústia e as mudanças emocionais. O filme não trata só do desejo pela carne, o discurso é também sobre o sexo e sobre o despertar por novos prazeres. Uma ode ao rito de passagem e à catarse de menina-para-mulher. O sangue que se escorre do corpo, tal qual o líquido da menstruação, são elementos simbólicos em cena. Justine (Garance Marillier, natural no tom) é a jovem virginal é vegetariana que se entrega às noções da libido e da necessidade de experiências em que a permita sair do próprio eixo da "normalidade social".
O senso do canibalismo nada mais é que metáfora para o desabrochar de prazeres mais instintivos e primitivos que permeia a escala de desorganização da protagonista para o encontro do seu novo ser. O quão podemos ser viscerais e imbuídos por fomes consideradas ocultas? Como mudamos quando damos vazão aos prazeres mais íntimos e que podem ser considerados mórbidos ao olhar alheio? Já vimos esses sentidos em outros filmes, inclusive americanos, ainda que este tenha atitude na concepção.
A linguagem aqui consegue ser mais norteadora na forma em que formata esse universo humano de buscas sexuais e dilemas juvenis que um exímio representante sobre canibal, afinal não há espaço pra "gore" gratuito ou insinuações explícitas, mas algumas camadas são colocadas em prática na subjetividade como trata a personalidade. E a trilha instrumental de Jim Williams, ainda que bem delineada, por vezes reduz o aspecto de um filme que poderia ser um pouco mais cru em suas cenas, sem a indução de uma sonoridade intrusiva demais que quer ditar o tom de um "aspecto de suspense". Mas, a mensagem da fita é clara e provocativa. Nada mais que uma ode às ebulições do processo de maturação. E é neste ponto que o filme consegue ser intrigante.
Eu Estava Justamente Pensando em Você
3.6 372"Me sinto como se eu estivesse no mundo errado. Porque não pertenço a um mundo onde não terminamos juntos. Existem universos paralelos onde isso não aconteceu. Onde eu estou com você e você está comigo. E seja qual for esse universo, é nele que meu coração vai estar."
Manglehorn
3.0 25Irônico ver que um chaveiro não consegue achar a chave adequada para destrancar seus sentimentos. Al Pacino assume as vestes de um homem perdido em amarguras antigas e memórias de um passado que sempre busca reviver. Não deixa de ser uma representação, também, sobre as sombras da velhice. Acompanhamos esse solitário indivíduo com seu cotidiano aparentemente banal e seus diálogos silenciosos, na trajetória de um homem que parece se fechar para os seus dias finais - não é a toa que o roteiro o coloca em monólogos internos, espécie de narrações em off, em que pontuam suas sensações e exclamações emotivas para alguém que não sabemos ao certo. Mágoas, cicatrizes e indisposições antigas que permanecem mescladas ao seu modo atual de viver. Nem tudo é dito totalmente. Mas, imaginamos. A mensagem do filme é mais contundente que seu próprio formato e realização, assim como uma insinuação ou outra que fica subtendida. "Não quero ser eu mesmo, muito menos um vestígio de imagem. Eu quero assumir outras formas".
Ódio
3.7 32 Assista AgoraA perturbadora sequência de quase 20 minutos onde temos a tensão cortante, no qual o advogado vê sua família ser massacrada, é um contundente aspecto de violência social em que somos reféns e vitimados sem punição ou defesa. O filme trata da ironia: o idealista advogado que defende os criminosos e acham que devem ter direito de acolhimento no Direito Penal, mas que acaba por confrontar seus monstros internos e desconstrói suas perspectivas ao ser mais uma vítima do crime.
"Eu sou uma espécie de verme incoerente. Que apodrece todos que estão à minha volta!". Carlo Mossy personifica esse indivíduo - e também dirige e escreve esta fita -, o homem que abandona suas vestes e parte para a justiça com as próprias mãos ensanguentadas. Temos a transformação do homem que muda suas crenças e idealismos por conta de um trauma vivenciado. Como somos efeitos das dores de um sistema cruel? Perde-se as cascas, os receios, e permite-se aos instintos mais viscerais.
A tal violência que tanto combateu, contaminou suas direções. Interessante como vemos esse individuo mudar seus "ares sociais", adentrando a um submundo marginal e de pessoas fora do senso da classe-média, na zona obscura e desprovidos de acessos financeiros. A linguagem narrativa soa direta, assim como o aspecto cru de um filme que não envelheceu em sua mensagem. O propósito ainda é atual diante de situações ainda presentes e que ecoam em nossos meios sociais.
James White
3.5 41 Assista AgoraO processo do luto e também de dores internas. Através da voz e das percepções deste jovem protagonista hedonista - um Christopher Abbott em estado de força em cena -, vemos a sua trajetória que se resume em enfrentar a perda do pai e o desbotamento de sua mãe com câncer. Entre olhares íntimos e certo apreço pelo tom naturalista, a câmera de José Mond cola às faces e olhos marejados em desespero, através do sufoco e da aflição, de um indivíduo tão próximo de nós. A direção é firme e favorece o entrosamento dos atores em cena, em especial Cynthia Nixon que faz a mãe enfraquecida pela doença terminal e melancolia de vida. Assim temos um filme sobre o enfrentamento diário e da sobrevivência de levar um dia com mais esperança de prosperar. É, o mundo é mesmo ingrato.
Corrente do Mal
3.2 1,8K Assista AgoraAlém de um intrigante estudo do medo e de elementos de obras oitentistas, referências do universo John Carpenter e pinceladas de Stephen King, temos uma trama que nos promove a alusão ao sexo em todo corpo do excelente roteiro. A insinuação à fragilidade juvenil que teme doenças transmissíveis ou mesmo a vulnerabilidade diante da perda da virgindade que se associa ao pânico. A criação do horror aqui volta-se a uma direção elegante e bastante cuidada, autoral e perceptiva de David Robert Mitchell que cria planos trabalhados e mise-en-scène pensada, com uma direção de arte que mais parece mesclar elementos da década de 80's em um tempo até indefinido, apesar de "atual" - as televisões de tubo que passam filmes antigos de terror é uma forma de ambientação. A criação da sensação de medo da protagonista (a ótima Maika Monroe, observe como ela nos transmite tudo pelos olhos) é violenta e realista, sem nunca soar artificial. Sob a trilha sonora de Disasterpeace que, desde já, é uma das maiores composições originais dos últimos dez anos - o trabalho de cenas e desenvolvimento de tensão surgem sob efeitos sonoros instrumentais que assumem importâncias assim como diálogos. Simbolismos e subjetividades são colocadas em reflexões em um filme que não quer padrões e respostas fáceis. A intenção é provocar mesmo pra nos deixar ruminando.
O Outro Lado do Paraíso
3.5 17André Ristum utiliza de personagens que fizeram parte da construção e da socialização de uma Brasília recém-inaugurada. O lado humano mais à margem, sonhador e que busca na cidade uma oportunidade de integração e próspera satisfação financeira. Aí reside o aspecto sonhador do personagem de Eduardo Moscovis que surge como o símbolo de desejo da ascensão social. Entretanto, por mais que temos uma trajetória que faz parte da história do Brasil, o formato não deixa de sofrer problemas. A linguagem soa formulaica e com efeitos "melodramáticos". A trilha sonora parece adquirir maior força para potencializar uma emoção que vem artificial. O filme tenta explorar o lado do ativismo político e da luta dos trabalhadores daquele período, quando eclode a ditadura, mas peca pela narrativa televisiva e melosa em diversas passagens sob o olhar do filho mais velho do personagem de Moscovis, uma espécie de "observador" das situações de mundo e que eleva o sendo "lúdico" mais que o necessário. O resultado acaba sendo bem frágil.
Campo Grande
3.4 45Não só por expor as contradições e a crueldade que persiste por baixo do pano da poeira das estratificações sociais, mas temos um retrato naturalista sobre o confronto de realidades inesperadas. A carioca de classe média (Carla Ribas, maravilhosa defesa de personagem) que encontra as próprias reflexões de vida quando encontra duas crianças (Ygor Manoel e Rayane do Amaral, bem à vontade em foco) que são abandonadas pela mãe em sua porta.
Sandra Kogut não impede que sua visão crítica volte-se para o "olhar das duas crianças" que ditam e estabelecem as perspectivas das ações narrativas. A direção assume uma importância de quase documental tamanho o tom realista cênico.
A câmera colada à face dos infantis, em planos mais fechados, perscruta seus olhares e emoções em cena, em constantes molduras em close que definem que aí reside uma linguagem à favor de tais situações humanas: dois abandonados em uma teia urbana sem opções. Não há trilha sonora melodramática e espaço pra cenas com fórmulas, há uma narrativa mais "seca" e fria, que recria o aspecto cotidiano. Temos um filme que exibe não só as mazelas sociais como a desproteção materna, a negação da mãe diante do filho e o quanto inúmeras crianças são abandonadas ao crescente nível de desatenção.
Nesse panorama intimista, percebemos o quanto as crianças acabam por desconstruir as noções de sentimento desta mulher de outro lado social que passa a enxergar as suas noções particulares com um novo olhar - em especial a interação do menino que faz com que volte a habitar nela um lado sensível que parecia perdido. Inclusive, facilitando o diálogo dela com a filha única com a qual tinha uma relação conflituosa. Kogut com sua direção pontual e precisa exibe os contrastes nas relações que se estabelecem entre os palcos sociais - pobres versus classe média; ainda atingindo níveis maiores ao expor o quanto temos crianças sem chances de prosperar na selva brasileira.
E se a câmera procura os sentimentos dos meninos nos closes e nos personagens, por outro lado atinge tomadas onde faz panorâmicas ou estáticas isoladas de trânsito conturbado; lixo pelas ruas; lamas em asfalto; rios poluídos e sujeiras em zonas periféricas no intuito de construir essa noção de "bagunça" e desmazelo social no qual somos frutos, cada vez mais. Um Rio de Janeiro desordenado e como representação do caos urbano que reflete em estigmas humanos. Nítida crônica de nossa situação de mundo atual caótico.
Estamos Vivos
3.7 1A câmera que perscruta, indaga, vivencia e expõe a percepção de uma criança autista. Um filme com a visão de um menino - não é a toa que impressiona a encenação que cria alguns elementos: todo filmado em um plano-sequência de improvisação e ações onde os personagens transcorrem em cena, ora na frente do foco ou "por trás" das lentes, enquanto o personagem "invisível" filma as situações que vão desde diálogos sobre relações familiares e intimidades.
Eis o primeiro longa-metragem de Filipe Codeço, altamente experimental, revela ser um estudo sobre as noções e olhares de um autista diante do que está ao seu redor. O menino em questão vê o pai que retorna à casa dos familiares, junta com a sua mãe, para resolver questões sobre a morte do avô. É então que o único cenário, o interno da casa, se sustenta em verbos e colocações sobre luto, carência, afetos e rancores familiares vem à tona em cenas de intensas brigas entre quatro paredes.
A narrativa flui tal qual um modo-teatral já que não há interrupções, assim os personagens criam suas ações durante os 84 minutos de projeção. Há momentos em que a câmera enquadra as interações dos personagens; outros os diálogos se mesclam aos planos sem foco e em outros parece flutuar entre cenários como forma de também tornar a história mais detalhada - como a tomada em que a câmera percorre os quadros dos familiares nas paredes da sala. Codeço cria um cinema naturalista com propriedade.
Um Passado Sombrio
3.1 126 Assista AgoraTece a problemática que é a situação de risco social diante da fragilidade infantil: quantas crianças continuarão entregues ao desaparecimento social? Como são as vítimas destes abalos e como os pais lidam com? Diante da pedofilia ou comércio infantil, a insegurança reina. E há também o preocupante dilema de quando há próprias crianças que acabam aliciando ou desvirtuando outras. Tais sensos são expostos, em um típico exercício de "Suspense a la Supercine", em que os personagens buscam desvendar os segredos e as rupturas antigas que deixaram marcas - em meio ao foco do sumiço de uma criança de 3 anos que coloca no centro algumas questões não solucionadas e resolvidas no passado. Amy Berg se esforça pra levar seu filme a um resultado melhor, ainda que o tom de detetive e quebra-cabeça de suspense que segue pistas e reviravoltas sejam evidentes - e previsíveis. A verdade é que temos um trabalho de roteiro ruim maquiado, genérico e já exercitado em vários outros trabalhos por aí.
Alice nas Cidades
4.3 96 Assista AgoraWim Wenders, um contador de histórias. Ou um indicador do cotidiano. Uma trama construída sobre princípios naturalistas. Observamos o olhar sobre o diálogo entre o aprendizado e interação de um jornalista que fica a cargo de proteger uma jovem abandonada pela mãe. Não é muito difícil ver o quanto Wenders aqui destranca a sua vocação sobre os dilemas familiares e, mais ainda, sobre a vocação paterna - o abandono representado das duas situações comuns.
Ele, impossibilitado de retornar à Alemanha pois perde o voo. Ela, vítima do descaso da mãe que a deixa com um estranho. O filme exibe essa aproximação gradual e melancólica entre os dois, sob uma fotografia granulada em preto e branco, enquanto descasca as personalidades tão peculiares de cada um. Grande charme da eficácia em cena, deve-se a ótima química entre Rüdiger Vogler e Yella Rottländer (que, infelizmente, não prosperou mais além que dois filmes na carreira).
A fita é o primeiro da trilogia de "Road movies" do diretor, seguido por "Movimento Falso" (1975) e "Reis da Estrada" (1976), todos com a contribuição de Vogler como personagem em destaque. Aqui vemos uma história que se preocupa em exibir a visão de Wenders sobre a América, sobre a solidão e sobre o encontro de dois seres humanos em busca de algum elo/carinho. Na jornada intimista do repórter que ajuda a menina de 9 anos a buscar sua mãe ou algum parente que a ampare, vemos o quanto ser responsável pelo outro acaba por ter conotações ainda mais complexas.
Okja
4.0 1,3K Assista AgoraEm tempos de ativismo animal, combate à indústria alimentícia e adoção vegana por mais comunidades: a atitude de um formato cinematográfico que fecunda a reflexão. Chegamos ao ponto em que é preciso olhar o que permanece sócio e culturalmente, no qual a exploração de animais colocam à prova o nossa forma de subsistência. Não é pra tanto que em termos de linguagem, o disfarce perfeito de "fábula-lúdica", em prol de uma trama com efeitos emocionais, sejam, na realidade, artifícios concretos do que permeia todo o cerne do roteiro: Até quando teremos o olhar apropriado para essas práticas abusivas contra os animais descartados/abatidos? Como lidar com uma humanidade carnívora e acomodada em uma visão que permite o maus-tratos animais?
Sobrevivemos à custa da matança de seres vivos - ironicamente, a protagonista do filme é uma "superporca", a suína geneticamente modificada, criada como um cão, no afeto com uma garotinha (a ótima Ahn Seo-Hyun, observem o quanto ela fala com o olhar em cena!), é justamente ela que exibe o olhar que devemos ter peranta à situação. E o roteiro nos fornece uma crítica certeira ao modo automático, consumista e agressivo sobre o processo de "comida". O quanto tal meio situa corporações e viabiliza um modo indisolúvel: é preciso alimentar o ser humano, portanto a carne é um hábito sem precendentes, assim como a indústria que utilizam porcos (e tantos mais) como meios para a contínua matança que alimenta bocas e sustenta sistemas.
Bong Joon-ho prefere tecer seu tapa no público mesclando a narrativa num estilo singelo, por vezes delicado, mas que centra suas discussões, destrancando alguns indícios de uma trama panflentária, mas que não exagera. A linguagem acentua o tom que satiriza nosso universo - basta perceber os padrões estabelecidos pelos figurinos e diálogos e arquétipos de alguns personagens: Tilda Swinton robótica e mecânica como dono de uma multinacional disposta a lucrar com a matança dos porcos ou mesmo um Jake Gyllenhaal com trejeitos a ponto de demonstrar como temos figuras que são "televisadas" com aplaudes e símbolos midiáticos à favor desta manuntenção cruel para o paladar carnívoro da sociedade. Tanto Tilda quanto Jake parecem ser elementos satirizados e disformes, de uma sociedade fria e calculista, dissimuladas em suas intenções - tanto que em ambos, temos um tom "over" destacado, proposital.
E se Joon-ho coloca debates geopolíticos versus capitalismo versus ambientalismo-anarquista (Paul Dano simboliza aqui este senso, por sinal um dos poucos personagens que ali tem espaço pra ser mais "humano" e natural, em contraponto com os personagens da Tilda e Jake), é que tal foco precisa ser destacado em meio à aparente "beleza lúdica". Tanto que há momentos em que o filme deixa de brincar de algo mais "poético" para uma transposição da realidade - a sequência do matadouro é um exemplo, seco em sua forma, mas com o flerte no afável cinematográfico. Um filme que expõe o que sabemos, mas que é importante ser frisado - e ferido.
Em Busca da Justiça
3.2 121 Assista AgoraO cenário de insegurança que abala a estrutura da mulher que precisa entrar em ação de defesa. O olhar que centra as forças físicas - e também emocionais - de Jane (uma Portman maior que o filme) que entra em conflito, tendo que defender o marido da eminência da morte e do fim da proteção masculina que tinha até então. A discussão é colocar a força desta mulher diante da sociedade machista que tolhe e também a limita.
O roteiro redondo adorna situações características do senso "Western" e alguns diálogos até nos remete - vagamente, claro - aos filmes da era do John Ford. Neste cenário de defesa que a protagonista encontra espaço pra debater maternidade, liberdade feminina e busca por espaço de opinião em um momento delicado da época dos anos 1800.
Talvez, o grande atrativo em cena dramática seja a presença de Joel Edgerton que faz o ex-namorado de Jane, espécie de indivíduo que traz a sua força aparentemente perdida e que a coloca em estímulo de libido, já que ambos providenciam momentos de "romance" e tensão sexual.
E Gavin O'Connor - que já havia trabalhado com Edgerton em "Guerrreiro" - favorece a naturalidade e química em cena desse casal que precisa salvar a pele diante da gangue que será capaz de levá-la à desonra social. A direção permite algumas cenas bem interessantes - como Portman andando de preto, exigindo seu "luto melancólico", em oposição aos personagens masculinos que sempre tentam desrespeitá-la, como um Ewan McGregor sarcástico em foco - ou Rodrigo Santoro como um ser dotado de malícia e presunçoso em um momento de tensão no filme. E um filme que centra a posição de mulher contra o sistema, sempre vale a conferida.
Redes do Crime
3.0 65Como mudar o destino do qual se condicionou a viver? O efeito social da criminalidade, através das perspectivas de dois homens que foram cultivos de um sistema agressivo e sem oportunidades. No crime encontram refúgio e estilo de vida. A narrativa que percorre a amizade e os laços afetivos de dois homens: Paulie (Hawke) e Brian (Ruffallo). Interessante que o centro de discussão seja mais no cotidiano de furtos, na interação de um com o outro e nas ações que caracterizam as situações do universo criminal que agem - ao invés de tecer um panorama maior sobre o meio "gângster" em que estão inseridos.
O corpo do roteiro reforça a personalidade e as atitudes destes dois homens que acabam por perceber que precisam refletir e encarar algumas decisões, antes que tal vida possa acabar em uma trágica condição. Há uma humanização nessas "transgressões" de ambos. Como abdicar de família? E é possível se livrar do crime em que sempre se meteram? A insegurança permeia os caminhos destes dois que necessitam rever a vida. E cada um acaba tendo que seguir um rumo, ainda que oposto.
Mesmo com uma direção sem muita ousadia, Brian Goodman permite o duelo interpretativo de Hawke que mantém uma excepcional química em cena com Ruffalo - naturalidade em diálogos e olhares sob uma câmera, muitas vezes à mão, que os valorizam e os tornam maior que o filme em si. São homens de carne e osso, reais e nítidos como a "história real" que é dita logo no prólogo do filme. Dão vazão à um meio em que o indivíduo permanece condicionado a uma situação do qual nem sempre quer, mas se permite por inúmeros fatores, uma bola de neve que tolhe e coloca-o à margem do que é visto como ético.
Pastoral Americana
3.1 103 Assista AgoraNão deixa de tecer um ponto crucial na trajetória histórica e construção social do senso americano: as agruras e situações das perspectivas sob o terreno político da Guerra do Vietnã - sob a estrutura familiar de três bases. A mãe (Connelly) que tenta firmar as bases de sua vida com a típica representação da "mulher perfeita" e prestativa; o marido presente é compreensivo, ainda que rigoroso, como um bom marido de classe média (McGregor) e a filha com problemas emocionais por conta da gagueira que tem (Fanning) que acaba por se render às práticas libertárias e terroristas contra o sistema. A metáfora é evidente: uma jovem com problemas de dicção, quer dar vazão ao que pensa e age? Quer se comunicar perante um mundo opressor e caos de uma liberdade tolhida.
Nada mais é que um modo de desconstruir o sentido do "American Way Of Life" daquele período formal que se rendeu às transformações extremistas e de conturbações tão evidentes, agitando uma sociedade enraizada em padrões - e também convicções. Ainda que o roteiro coloque vozes nos diálogos sobre aquelas motivações do momento da década de 60 - inclusive com entrecortes televisivos e "clipagens" visuais de jornais e locuções, para formular um tom histórico mais verossímil, a direção do próprio McGregor soa quadrada e até engessada em algumas cenas que mais parecem um episódio de série televisiva sob uma trilha sonora discreta, mas pontual de Alexander Desplat.
Os momentos mais interessantes ficam quando seu personagem dribla a filha e ambos fecundam diálogos e embates sobre posicionamentos idealistas e divergências de personalidades. Ele se incomoda com os protestos da filha rebelde - nisso o argumento soa bem pertinente. Mas, o que poderia ser contestador como roteiro, permanece ameno. Por vezes, Fanning parece apática demais em cena e nem sua personagem transmite força na caracterização, mesmo sendo a figura mais complexa da trama - onde reside as cicatrizes e traumas de um período de dor da história dos EUA.
Obsessão
3.1 13Por trás das aparências. Ou quando depositamos na pessoa algo que projetamos. Um filme que dialoga sobre o quanto desconhecemos sobre os ímpetos e a natureza humana alheia, ainda que nossa visão passional romântica não nos permita ter uma visão mais nítida. Aqui temos Molly Ringwald - expressiva e sincera em cena - na personificação de uma jovem que não é tudo que vemos de imediato. Quando o ricaço Andrew McCarthy sai da sua bolha de relações superficiais, percebe que existe um desejo voltado a essa garota com quem mantém uma afinidade (interessante ver os dois em cena depois da parceria em "A Garota de Rosa Shocking" dois anos antes) - só que por trás da aparente harmonia e carisma da jovem, há algumas situações mais obscuras. A direção correta de David Anspaugh se aproveita da boa defesa do casal protagonista - além de Ben Stiller que faz o melhor amigo do personagem do McCarthy, criando bons diálogos sobre relações e exposições sobre fidelidade, amizade e fragilidades juvenis. Há cenas que parecem sido formatadas pela mente de John Hugues. O interessante é como a fita desconstrói personalidades e mostra o quanto não percebemos que por trás de sorrisos e aparente "perfeição" em rostos desconhecidos que desejamos, existem maiores complexidades emocionais.
La La Land: Cantando Estações
4.1 3,6K Assista AgoraO encontro de duas almas que precisam de afago e acolhimento de um mundo que parece não compreender as individualidades e belezas artísticas de cada um. Através destes dois humanos é que a ilusão faz sua odisseia romântica. Sim, além de quaisquer referências aos clássicos e aos tempos áureos de uma Hollywood de Ouro - e também de dialogar sobre a essência do jazz como importância histórica - temos um filme que exibe a mais pura história de amar-pra-ser-amado nesta atualidade tão carente.
Um ode ao amor que é expresso através de diálogos e indagações musicadas, sob um jazz que nos envolve e nos delicia. E se a direção plástica e também precisa de Damien Chazelle - que mereceu os prêmios e Oscar de Direção do ano - nos possibilita momentos de catarses emotivas, deve-se a um formato de personalidade e exímia química em cena entre dois passionais em cada frame: se temos o charme de um Ryan Gosling transparente em cena, é Emma Stone que responde com toda sua fúria feminina e carisma interpretativo. Sua Mia transmite mais possibilidades em cena, do dramático ao tom de humor-irônico, em termos de construção, que Sebastian - o momento-monólogo "Audition", talvez, seja um momento em que se justifica sua entrega em cena e o Oscar adquirido. "Here's to the ones who dream, foolish as they may seem..."
A sintonia dos dois se mostra evidente em diversos planos - tanto no take único da imponente "A Lovely Night", do rigor estético e lúdico da cena do planetário ou mesmo na simplicidade íntima de "City Of Stars" no qual exibe o reflexo de um casal que se ama e compreende as necessidades a dois. A cena em que ambos discutem na mesa, no qual as diferenças se acentuam e a distância na relação se mostra evidente, é um grande momento cênico de representação sobre ser adulto, seguir os sonhos ainda que uma relação seja uma prioridade na vida. O roteiro é bem natural no tom em que mostra esses diálogos sobre relações e suas frágeis verdades. E Chazelle sabe pontuar esse momento de dor, criando a atmosfera, com o disco que finaliza sua canção e permanece rodando na agulha - diante do jantar que queima no forno.
Mia e Sebastian representam essa nossa vontade de sonhar acordado. Por mais que a tônica do amor seja emulado, o roteiro preserva as individualidades de cada um: ela em ser atriz, ele em ser devoto ao jazz. E como ambos vão prosperar nessas linhas é que torna a narrativa mais interessante. São sonhadores nítidos sob uma câmera que perscruta e concebe sem cortes momentos de romance, acentuando as faces e olhares e gestos, no tom mais real possível dessa pulsação da paixão ficcional. Um misto técnico e de essência sentimentalistas, por vezes enérgico e em outros momentos melancólico, temos um filme que aborda como é preciso percorrer os sonhos com todos os impulsos necessários para não sermos riscados de uma sociedade que parece nos renegar ao fracasso. Um conto lúdico de amor e aprendizado a dois e como é bom ver que somos mais sólidos quando temos uma mão para nós guiar.
O Mensageiro
2.6 23 Assista AgoraÉ preciso falar sobre o processo de embotamento. A obscura situação que permeia essa atualidade, onde a afetividade parece envelhecer junto com a perda do brilho de uma felicidade naturalizada nas pequenas coisas - Júlio Quintana reforça este discurso neste singelo conto sobre a descrença, a fé destruída e o tal desbotar de uma humanidade tolhida de sentimentos.
Temos a narrativa que expõe uma espécie de vila de moradores que, após sofrer os efeitos físicos de um maremoto - no qual culmina na morte de mais de 40 crianças do lugar -, entra em estranho processo de catarse: isolam-se não só em suas casas, mas dentro de suas próprias cascas. Descrente de Deus, recorrem à punição da distância com o outro. Isolados, munidos de tristezas e amarguras, sem dinâmicas ou renovações, parecem ter esquecido da oportunidade de viver. Até do desejo se esqueceram. O sexo parece inexistente. Adaptaram o senso de felicidade pela condição escrava e dolorosa de viver em contínuo luto. Trocam a vida pela proposta de morrer. Zumbis entristecidos.
E quando se abandona o acreditar em algo? Como continuamos vivendo conosco? Nos subvertemos em vidas desbotadas e afetos embotados. Não há alternativas senão o atirar-se na zona da escuridão, da reserva e da ausência de brilho em nossas atitudes - como sobreviver quando nos despedaçamos?
Quintana conduz seu intimista retrato, com a câmara na mão e focada nas faces sem vitalidade dos personagens, na trajetória sobre a desesperança, através de pequenos símbolos narrativos: como as casas em ruínas que também são personagens em cena - ou a inclusão de um padre (Martin Sheen, excelente) que tenta reciclar as desilusões em maiores permissões ao acreditar, à fé em frangalhos, compreendendo a falta de perspectivas e mundos ocos que fazem dos moradores uma morada coletiva de depressão.
É através deste personagem que Quintana nos induz às possibilidades existenciais em diálogos que exploram mensagens religiosas e também filosóficas. É a forma de incutir o senso refletivo sobre a existência de um energia que caminha e comunga conosco - por isso mesmo, um dos personagens questiona e tenta mudar essa estranha "aura mórbida" que contamina a todos - tal qual a maré que surge como uma onda que potencializa o nível de melancolia entre cada um. E quando eclode manifestações que parecem mudar este cenário, é que o filme provoca ainda mais turbilhões dentro de nós.
Mulher-Maravilha
4.1 2,9K Assista AgoraA discussão pertinente sobre o papel da Mulher como deve ser. O clamar do seu espaço, o favorecimento da personalidade e a atitude como ato libertário e social. Tal formato da DC surge como um sinônimo de reflexão já que induz, em sua narrativa, a expressão de Diana Prince como um elemento de contestação de uma sociedade machista, opressiva e ditadora.
Por mais que seja um efeito cinematográfico de proporção do entretenimento, já que é um produto estilizado dos quadrinhos, não podemos deixar de perceber que o filme é feito para e sobre o papel feminino. É a linguagem do empoderamento a favor da crítica de mundo. A direção de Patty Jenkins não poderia ser mais justa já que, também, conserva seu olhar interpretativo de mulher: transmuta a mitologia em cima da heroína sem torná-la mero espetacularização de objeto. Tece um exemplo de crônica, através da figura da Amazonas, "matadora de deuses": a mulher que questiona a falta de perspectivas e exige sua opinião num terreno conflituoso da Primeira Guerra Mundial, onde - tal qual ao longo dos anos -, renegava o papel da mulher ao segundo plano.
Como desconstruir primeiramente a figura mítica em um ser que também sente, age e tem ideologias como ser humano? Jenkins utiliza dos atributos físicos e representativos de Gal Gadot - bem à vontade em cena e esforçando-se para sair da zona de "caras e bocas" - em combate cênico para externar a valentia e as atitudes da Mulher que parte para o jogo, racionaliza suas ações e não mais se submete aos freios masculinos. A sequência em que a personagem sai em fúria, no campo enlameado de batalha, é um exemplo interessante de sequência de ação e vai além: a mulher à frente do combate e também em patamar superior ao homem, sem precisar ser subordinada à posição de submissão.
Uma heroína com conflitos e situações críveis. Há o direito de escolha, de fugir do estereótipo protótipo de "objetivação", mas também existe espaço pra transmitir algo possível ao sentimental: como a aproximação de Diana com Steve Trevor - um ótimo Chris Pine trazendo o contexto masculino em cena de um indivíduo que respeita e compreende a necessidade de individualidade do feminino.
E um trabalho que, de alguma forma, traz em seu cerne uma trajetória feminina transparente e imponente, revelando-se como um tributo à igualdade de gêneros, é pra ser absorvido como conscientizador. Ótima iniciativa sociológica através de um produto que poderia ser descartável em sua abordagem. Pelo contrário, une o entreter com o refletir.
A Morte de Luís XIV
3.5 17 Assista AgoraA casca que quebra, os fluidos que se esvaem, o corpo que se deteriora em meio à vertigem de um reinado que se dilui em pó. A odisseia sobre a velhice e o despertar de uma eminente morte? É irônico a contemplação da figura, que um dia fora intitulada "Sol", confrontar a própria escuridão de sua debilitação física e também emocional. Temos a fragilidade exposta nos últimos momentos do símbolo do Absolutismo, Luís XIV, através da personificação melancólica de Jean Pierre-Léaud com sua voz entrecortada, sussurrada e pausada.
Interessante como Albert Serra tem o próprio olhar que percebe a vida que se esvai e a sombra que parece reinar em torno e sobre a vida deste homem. A câmera parece perscrutar o cheiro da morte, por isso os constantes focos nas faces amarguradas e tensas dos que estão ao redor do rei.
Acamado, estático em sua cama, na posição de solitário - ainda que em sua volta tenha a presença dos subordinados e conhecidos, a narrativa mantém um senso de evidente claustrofobia em torno do cenário do rei. A câmera enquadra a figura que precisa se despedir em cena, para tanto os closes são planos perfeitos e que emolduram esse ser em fase de reclusão apenas com o tilintar do relógio dando suas últimas badaladas.
A exposição fotográfica é tamanha perfeccionista que mais parece encenações de quadros famosos do período do qual este monarca conduziu seu reinado de mais de 70 anos. São cenas que se assemelham, inclusive, aos quadros de Caravaggio e Rembrandt já que estabelecem o contraste de luzes, fundos negros com as figuras humanas iluminadas à vela em uma atmosfera quase sombria, coreografias de contrastes do "chiaroscuro".
Dentro do quarto do Palácio de Versalhes é que a narrativa centra seu foco, enquanto vemos quase um funeral que é exercido antes da hora, na forma de diálogos bastante naturais e um tom intimista quase sem trilha sonora. Serra centra seu palco da desolação sobre um mito que se fragmenta. Eis a despedida de um símbolo.