Não é um filme de MMA, é um filme de dor, de esperança, de compreensão familiar. É um filme que nos coloca próximos da realidade da vida sobre carências e necessidade de amor — dois irmãos separados por traumas, desavenças e desarmonia dentro de uma família em pedaços. Um filme que coloca reflexões constantes. Nos perguntamos como pode existir tanto ódio e amor através de dois irmãos em constante falta de perdão. Aqui o elemento da "luta" é nítido, mas o que toma conta mesmo é o contorno drástico-emotivo-dramático dos personagens. É quase um terror observar o personagem de Nick Nolte, brilhante atuação por sinal, tendo ( ou tentando) recuperar o amor-perdido de seus filhos. Como fazer entender que o alcoolismo acaba com uma família? E sem perdão e recuperação, não existe nada mais que possa recuperar o tempo perdido. Eis aqui uma trajetória de dois irmãos perdidos, sofridos e carentes diante de um pai que os negligenciou por toda uma vida. As interpretações de Tom Hardy e Joel Edgerton são fortes, precisas e hiperativas. É um trabalho contundente este, sem dúvida um filmaço! Difícil esquecer as cenas finais.
Nada mais justo que colocar a questão do "tempo" como elemento de sobrevivência. Eis a ironia deste filme que coloca o dinheiro como intrínseco e sinônimo ao tempo. Como estabelecer ordem num mundo onde o caos pelo tempo se estabelece? É possível ser eterno? Juventude eterna, um mundo onde todo mundo tem 25 anos, na casca da beleza — é também o reino social onde qualquer ser humano tem que viver no limite da sobrevida, no desespero por mais um minuto sequer de tempo-existência, onde as horas são cruéis à existência. O capitalismo do tempo que corrói, que comanda e que aprisiona o indivíduo no sofrimento por dia. Andrew Niccol promove uma rápida discussão do que seria o caos de mundo, um filme onde há um tom realista de "futurismo", visto que não existe nada mais concreto que seja a representação do Homem senão a busca por tempo, por eternidade, por controle de vida. O ritmo febril, certos diálogos e contextos apresentados na estrutura do "futuro" e o que poderia ser uma suprema ficção-científica limitam-se a ausência de profundidade. É cinema-pipoca, puramente, não temos como elocubrar mais que isso. O talentoso Justin Timberlake personifica o personagem-ativo-heróico que vive o romance-dramático com a sempre inexpressiva Amanda Seyfried. Há cenas de ação, tensão necessária e um roteiro que, bem verdade, poderia ter sido muito mais proveitoso. Pontencial houve de sobra, mas o filme apenas se limita ao entretenimento, é esquecível, ainda que assistível. Nada mais que isso.
Não é surpresa alguma esse filme ser facilmente degustado pelo público. Sem dúvida, é um trabalho infantil, mas que tem um apelo que vai além da esfera feminina. ENCANTADA nos atrai, envolve e é muito interessante. A proposta possui traços de comédia-romântica, leve humor e romance. Interessante conferir Amy Adams como Gisella, a princesa-padrão iludida dos filmes mais conservadores dos contos de fadas da Disney. É a princesa que sai do desenho de vida perfeita pro plano da realidade e tem que perceber o mundo humano dotado de imperfeições. Não é necessário dizer que a paixão floresce quando a jovem, além de se confrontar com "o mundo dos humanos", passa a conviver/conhecer o advogado frustrado e cansado de amor, Robert. Patrick Dempsey personifica o símbolo masculino que toda mulher quer: é belo, astuto, romântico e dotado de uma sensibilidade que auxilia seu cavalheirismo.
A perfeita combinação de cenas açucaradas, o musical que punge e é tão característico de filmes da Disney, aqui encontra a força perfeita para tornar a boa química de Adams com Dempsey em cena, de fato ambos sustentam o amor-inocente e puro que a obra quer transparecer. E a trama mostra esse desenvolvimento da princesa que é alvo da bruxa-má Susan Sarandon, a mãe do príncipe bobão Edward, interpretado com ótimo timming-cômico por James Marsden. O filme encanta mesmo, não deve ser evitado, nem mesmo por aqueles que admiram, apenas, obras mais adultas. Aqui a Disney traz os seus melhores elementos perceptivos e discursivos. As canções indicadas ao Oscar 2008, How Does She Know”, “So Close" e “Happy Working Song”, tornam o envolvimento muito mais nítido. Nada melhor que um filme onde a magia ganha corpo e é capaz de contagiar. Realmente, trocadilho à parte, é um filme encantador!
A trajetória deliciosa do amor emulado com ódio agridoce, do martírio consequente do romance trágico, ganha um novo verniz contemporâneo na releitura de Baz Luhrmann e do roteirista Craig Pearce no frenético Romeu + Julieta. Eis que o texto clássico de William Shakespeare adquire orgasmo vital na plasticidade estética, diante do ritmo efervescente da mise-en-scène e dinamismo interpretativo - além da deslumbrante fotografia que encontra gozo na gritante composição de cores que explodem e charme da direção de arte. O terreno é na fictícia Verona Beach, repleta de sexualidade e esquisitices. O amor impossível agoniza ali. Como não ter prazer com tanto esmero visual? Há maior amor que estar predestinado a sentir, passo a passo, as vicissitudes das feridas exaladas pelos amantes revigorados por Luhrmann? O amor é um fogo que se arde? Bem verdade, a sexy afetuosidade encarnada dos amantes de Shakespeare atinge a glória sensual nesta bela transposição moderna que é puro luxo conceitual. É sexual observar a história transposta aos dias atuais - sob os mesmos diálogos classicistas e versos da peça original - e vivenciar os entraves non-sense dos Montéquios e Capuletos, em meio a carros alegóricos conversíveis e pistolas estilizadas. É quase tribal a luta entre essas duas famílias mafiosas. Eis Verona Beach em sua insanidade, com destaques aos edifícios das grandes empresas das duas famílias rivais, aqui duas grandes industriais, e nas ruas os transeuntes envergando roupas coloridas, alguns gang-punk e outros drag-queen, criando essa contextualização trash-moderna proposta pelo visionário Luhrmann. Eis a delícia contemplativa de vivenciar os diálogos clássicos de Shakespeare sob o verniz moderno, sob os arranha-céus e cidade consumista atual. A atmosfera de ação desenfreada ganha molde com o romance trágico, ora é inquietude narrativa ora é tranqüilidade sentimentalóide.
Na concepção de Luhrmann, o amor de Romeu (Leonardo DiCaprio) por Julieta (Claire Danes) é ainda mais ansioso, desesperado, aflito impulsivo - repleto de hormônios. É a ânsia de amar por ser amado? O amante vê na mulher todo seu sonho, o desejo incondicional - é a chance de se viver, pois o amor é um vigor que liberta a alma e também o corpo. E Luhrmann desconstrói e reconstrói sua fábula febril, sob a imortal sabedoria de Shakespeare, no seu amparo visual, recursos marcantes deste diretor. Interessante que há cortes rápidos, dinâmicos e bruscos em cenas mais gerais - contudo, quando o foco é no casal, o amor amortece o ritmo e tudo tende a ser suspirado, calmamente. E a tensão é expressada, frame por frame. E há beleza testada. A cena que ambos se conhecem, pela primeira vez, através de um imenso aquário colorido, consegue ser mais impactante (conceitualmente) que a visão original Shakespeariana. A cena pulsa sensibilidade, ao som de "Kissing You de Des'ree", acentuando em close-up as expressões contagiantes de DiCaprio por Claire Danes - é Romeu apaixonando-se integralmente por sua amada Julieta. Nota-se a força da direção de Luhrmann na cena que prefigura o efeito meloso do romance intensificado. É tocante a expressividade do amor de um para o outro - se em poucos minutos fica evidente o sentimento fiel e platônico; rapidamente, tanto ele quanto a donzela, desmedem frases de efeitos do mais puro desejo da carne. Cenas extensas dentro do elevador ou emolduradas pela piscina - são beijos prolongados, trocas de juras eternas e toda aquela febre já conhecida por todos. Mas que, pontualmente, encontra mais determinismo, visto que os amantes idealizados por Luhrmann demonstram mais sede de amar e ter prazer - artifícios sexuais? A corporização juvenil é voraz, dois que fazem sonhar o mais impossível. A oralidade é um aspecto relevante, a começar com os diálogos: os atores falam inglês, mas não o inglês atual, surgindo um contraste entre o moderno e o antigo.
E Leonardo DiCaprio encarna o exato romântico passional, seus olhos azulados pulsam o brilho deste teor da verve apaixonada e seus gestos interpretativos são bem incisivos - eis um Romeu mais sexualizado? De fato, soube dar a cândida virilidade exigida pelo papel. Há olhares mais maliciosos, há beijos mais quentes, tônicas desta nova concepção moderna. A composição de DiCaprio mostra mais realismo: é humana, frágil, com vícios e seu tesão imediato transparece quando está em cena com Claire Danes. Esta transfigura uma Julieta menos inocente, mais altiva e também sensível - sua voz é bem imperativa, não expressa tanto um aspecto pueril assim. E há química sexual e bom entrosamento entre ambos, mais dignos pela força do texto rebuscado, ainda que o forte talento de DiCaprio seja mais contundente - e sua beleza também - dominando muitas cenas. Os coadjuvantes embalam mais a febre: Pete Postlethwaite como o Padre Laurence; Paul Rudd como Dave Paris; John Leguizamo convence como Teobaldo; Paul Sorvino é expressivo como o pai de Julieta e há o extravagante insano Harold Perrineau como Mercúrio. Alia-se, aí, a sonoridade de Garbage, The Cardigans, Radiohead como ícones musicais que concebem o pano de fundo da aura pop do filme. Luhrmann recorreu de todos seus métodos, sua pirotecnia com as câmeras ágeis - é a linguagem de videoclipe temperando as rimas originais de Shakespeare.
Observa-se o teor sexual do filme, mas é a religiosidade que impera estilo também. No início da película há uma estátua de Cristo que acolhe a imensa cidade de Verona. No decorrer da trama, Julieta está sempre cercada por imagens de santos e anjos - nota-se, também, o momento que ela própria se veste de anjo com asas. No epílogo da trama, a morte dos amantes é adornada por cruzes dentro de um imenso cenário de velas e luzes de neon. Assim que os corpos expirarem, as almas teriam a felicidade eterna? O tom cristão é presente na obra. É bom salientar também a própria ambigüidade criada no título do filme: "Romeu + Julieta" - o sinal de adição se assemelha ao aspecto da cruz, seria aviso que Luhrmann estaria voltado para esta visão de religiosidade no texto Shakespeariano? Há todo um conceito cuidadoso por trás dessa releitura - a dosagem de sentimento, do sexo e da religiosidade se mantém plastificado dentro da visão eloqüente de Baz Luhrmann que inova o texto do bardo, unindo a palavra e a imagem num resultado surpreendente.
Por que não ver a vida com outros olhos sem menos dor? Como driblar o destino que parece nos surpreender com algo aparentemente cruel? É possível vivenciar o cotidiano com mais esperança e menos pessimismo? Está aí um filme muito sincero, comovente e autêntico. Bem verdade, é uma trama dramática-dolorosa sob um verniz do humor que faz com que a narrativa não seja tensa ou sobrecarregada de gratuito melodrama.
Aqui temos um personagem que precisa lidar com sua doença — tantos filmes já exercitaram esse sentido com muito sufoco e agonia —, mas o mais interessante é que não nos sentimos angustiados, mas sim admiradores de um ser bem cativante. Obviamente, Joseph Gordon-Levitt é um ator que nos surpreende por conta de uma caracterização emocional e muito ativa, repleta de sutilezas interpretativas e expressiva personalidade. Facilmente o público se identifica com seu Adam, suas dores, seu choque de ter que lidar com o câncer que pode suspender sua vida tão nova.
A direção de Jonathan Levine é cuidadosa, não se limita a ser superficial, ainda que percebamos o tom agridoce e certo humor, constante, no roteiro — percebe-se que a intenção não foi promover um choque exaustivo de dor, mas sim um filme leve e íntegro, ainda que providencie percepção e humanismo. Acima de tudo, um trabalho que faz qualquer um se emocionar com o que vê, de fácil digestão e boa reflexão. O alívio cômico vem da atuação hiperativa de Seth Rogen — ótimo ator da esfera comédia — que eleva os momentos mais divertidos da trama.
Interessante o balanço do humor com doses de drama, ainda mais quando Gordon-Levitt precisa lidar com sua conturbada relação afetiva por conta de uma namorada imatura, interpretada por Bryce Dallas Howard, uma atriz que se envolve muito com suas personagens. Anna Kendrick — a jovem terapeuta que se depara fisicamente abalada e interessada pelo cliente doente — confere uma boa atuação e tem química com Gordon-Levitt; acentua o tom "romântico" da fita. Anjelica Huston é a mãe superprotetora, passional e que garante boas cenas de diálogos mais tocantes. Um filme admirável que também se firma numa trilha sonora pop bem saborosa de ouvir. Excelente pequeno trabalho cinematográfico! Puramente honesto e desde já marcante.
É pura testosterona observar Marlon Brando na completa tensão sexual, sedução e desejo. A luxúria arde em cada diálogo, o desejo evidente em cada cena. O deleite é o embate psicológico dele com Vivien Leigh. Este é um filme definitivo, obra máxima do cinema clássico, um ícone atemporal. É o ponto de confluência entre o cinema de Elia Kazan com o texto sexualizado de Tennessee Williams. O roteiro tem um primor na adaptação, mas o elenco é amplamente perfeito: as atuações são intensas, os diálogos provocativos e o filme todo concebe um clima sexual-psicológico incrível. O trabalho sensual de Elia Kazan sob o texto ardente de Tennessee Wiliams concebeu um novo estilo às adaptações do teatro à língua cinematográfica, um novo foco narrativo e uma direção mais inovadora - mas, sem perder a essência teatral. Há a concepção de toda uma atmosfera da sexualidade, entre quatro paredes: Stanley Kowalski (Marlon Brando) é o filho de imigrantes poloneses, um homem bruto, de óbvio apelo sexual, estúpido e vingativo, que teme pelo seu casamento com a chegada de Blanche DuBois (Vivien Leigh), irmã de sua mulher - Stella (Kim Hunter) é escrava de sua paixão por Stanley: Simplesmente não consegue resistir a ele, e ele usa e abusa de sua sexualidade para conseguir tudo o que quer com ela – inclusive uma certa “absolvição” no final da peça original. Blanche é assediada pelo amigo de Stanley, Mitch (Karl Malden). Ele é o próprio americano grandão, meio abobalhado, que vive à sombra da mãe - é quase que a inocência encarnada, tenta ser cordial e correto, corteja a mulher que confia ser pura e casta - Blanche - mas descobre posteriormente que ela tem um passado de mentiras e promiscuidade.
A tragédia, aliás, está o tempo todo presente na trama. Além do perfil teatral proposto pela direção de Kazan, a película cativa com o determinado duelo entre Brando e Leigh - ele explosivo, institivo rude, másculo agressivo e ela com sua feminilidade frágil, etérea e até poética. A trilha sonora de Alex North é um capricho e auxilia nos ápices das cenas ferinas com alto teor de puro charme. O filme contextualiza o sexo em cada cena: a ideologia dos personagens é exercer o desejo? Há uma certa motivação idealizada na necessidade do sexo, na aprendizagem de lidar com as próprias ânsias das artimanhas do tesão. Os cenários, as falas e até os atores parecem estar em pleno estado de luxúria condenativa. O sexo é um conhecimento coletivo de reflexão? O fogo do desejo consome cada situação e a tensão sexual torna o roteiro repleto desta contextualização da libido existencial. Há sutis subcontextos de homossexualidade, traição e desejos reprimidos.
Definitivamente Marlon Brando proporciona uma explosão de testosterona, sua virilidade ímpar e sua malícia exala em cada gesto interpretativo. Vivien Leigh demonstra a sua feminilidade no ódio e desejo - Blanche sente-se atraída irrevogavelmente pelo marido da irmã, com olhares contidos de puro tesão reprimido, mas demonstra seu ódio em plena dissimulação. Ela quer o macho machista e selvagem para si própria? É gostoso observar a sensualidade de Brando com sua camisa suada, colada ao corpo e com uma masculinidade agressiva pulsante. Delicioso másculo! O garanhão causa tesão e repulsa - seduz com sua virilidade, mas causa aversão por ser o exímio expemplo de machista ultrapassado, ainda mais por ser um agressor à mulher.
O duelo de Stanley com Blanche seria a relação do tesão se fundamentar nas extremidades do amor e ódio? Ou a repulsa é aliada à atração sexual? Havia fetiches inconsoláveis segredados por Blanche, talvez até o próprio Stanley tivesse consciência disso. A dualidade transposta pelos dois personagens funcionam como elementos-chave, atrativos e completo ritmo argumentativo da trama densa: sob o mesmo teto, ambos têm que interagir dentro da exteriorização da tensão sexual que configura a relação, além da convivência psicológica absorvida nos tratos e nas personalidades tão distintas. Stella, dotada de instrução e comportamentos mais aristocráticos tentava resistir aos impulsos provocativos da libido exercida pelos atos e artimanhas rudes de Stanley - no íntimo, claramente, ambos se desejavam mortalmente. É um jogo psico-sexual perigoso, mas o prazer é evidente. A química entre os atores, os diálogos ferinos e a liberação de testosterona tornam tudo absolutamente palpável sexualmente - nunca o sexo foi tão febril e tão sutil, em forte teor narrativo cinematográfico. Definitivamente uma obra-prima, jamais envelhecido, nem mesmo pela censura.
Como não se excitar pela dança que impulsiona o desejo? Este filme consegue se manter deliciosamente fundamentado como clássico cult musical, enérgico efeito e impulso narrativo de overdoses de canções cicatrizantes. Um filme que, dotado de imensa integração interpretativa, consegue se revelar ainda inovador, íntegro musical que preserva seu poder influenciador. Pois, bem verdade, o trabalho tornou-se febre e ainda se transforma em gerações antigas e atuais - ora, se há tantos admiradores incondicionais, amantes da obra e das canções envolventes, de fato a produção consegue sensibilizar até os não adeptos do estilo melódico. E o romance inocente, de diálogos que transportam uma contextualização juvenil, mesclando o humor ao melodrama adolescente, impulsiona emoção. O foco é ambientar a eloqüência da juventude dos anos 50: repleta de inseguranças, desejos, medos, sexualidade em ebulição e todos os hábitos característicos do modismo daquele momento. Os jovens libertinos, cansados dos fantasmas da guerra, usufruem e se lançam na febre do rock'n roll! E inserir um romance focado em dois jovens estudantes transparece o quão sentimental, febril emocional e realístico é o filme: decerto, Danny (John Travolta) e Sandy (Olivia Newton-John) são tangíveis nas suas trocas banais de amor, na experimentação do desejo e no progresso do palpitar do sentimento que amadurece. Ambos se envolvem, como inúmeros jovens, sem se permitir à racionalidade: tão logo se conhecem, predestinam-se à eternidade. E isso fica evidenciado logo na primeira cena do filme. Ele oriundo dos Estados Unidos, ela da Austrália - quando se conhecem nas férias de verão, é quando o desejo se mistura ao prazer do sentimento inovador. E eles se permitem a essa relação nova, acreditam que são únicos. Confidenciam trocas de amor eterno, pacto do desejo. Obviamente, o roteiro trata de inserir problemas à sintonia do casal passional: quando Sandy se matricula na mesma escola de Danny, ela percebe que ele está inserido num universo de influências de amigos, flertes com outras mulheres e que há um consentimento dele em se submeter à "gangue" do qual faz parte.
Por sinal, o universo dos anos 50 ganha uma caricatura convincente: mulheres andam de um lado com pseudo-feminismo e atitudes mais ousadas; homens exercem sua masculinidade lasciva rebelde - entre cigarros, gel no cabelo e bebidas. É dentro do universo da instituição escolar que Sandy observa que sua inocência é motivo de gozação, apreciação e estranhamento coletivo alheio - todos jovens, de alguma maneira, são transgressores do sistema e questionam a vida com atitudes condicionadas na liberdade do sexo, liberdade de expressão (adotam termos, gírias e falas mais libertárias), entre rachas de carros e bailes de dança, devorando cada minuto da vida. Jovens rebeldes, dinâmicos, repleto de imaturidade. E nesta teia de tribos, gangues, distinção entre populares e tímidos, é que Sandy percebe que não se enquadra: sua inocência, seu conservadorismo, sua introspecção causa até incômodo à virilidade ativa e machista de Danny.
John Travolta transparece seu talento, charme e interpretação dotada de maneirismos que imortalizou o personagem. Olivia Newton-John, a típica garota inocente que limita sua feminilidade, demonstra toda a meiguice que faz jus à fragilidade da personagem. A narrativa é impulsionada por canções, números de danças e duetos fortalecidos por canções que, indubitavelmente, contagiam pelo teor melódico e letras pulsantes. A sentimentalidade se intensifica com os passos bem coreografados, os corpos vibrantes e as músicas que soam como hinos gostosos. Haja emoção em cada contexto de cena! Corpo, movimento, expressão e sentimento. O musical tem pouca ousadia narrativa, é até convencional na estrutura visual - porém, o charme consiste no gratificante apelo do romance de inocência, ingênuo e passional de Sandy e Danny.
A atmosfera lúdica das canções concebe a importância do filme como musical e eleva ao patamar de clássico o aspecto da obra. Canções ícones: "Grease", cantada por Frankie Valli, que abre o filme, é enérgica; há uma singela de amor em reflexão no "Hopelessly Devote To You", cantada por Olivia Newton-John e a marcante "You're The One That I Want", imortalizada por Travolta e Newton-John - além do momento-chave e ápice: a música "Summer Nights", talvez um das cenas mais inesquecíveis do cinema. A magia performática do filme reside na trilha sonora que conseguiu captar o espírito dos jovens dos anos 50 e com um carisma efervescente. O maneirismo de composição de Jim Jacobs e Warren Casey, criadores da peça de teatro da qual o filme foi adaptado e que assinam boa parte da trilha, tem uma fluidez orgânica. A delícia é o contágio sentimental, a sexualidade pautada com devoção de amor em músicas adocicadas e na consistência interpretativa de um John Travolta sex-simbol, intenso e saboroso que dinamiza - ora ele impera seus trejeitos de apurada composição, ora ele canta/dança com esmero talento corporal/vocal. Há no filme uma expressiva delícia de musicalidade, humor e romance que jamais perde tesão. Com sabor, eis um ato cinematográfico nostálgico. Rock'n roll sexual romântico eivado de desejos juvenis.
Somente o apurado olhar técnico e humano do mestre Alfred Hitchcock para conseguir exercer um suspense que mistura elementos do drama e romance delicioso. Totalmente charmoso, é um filme que se alia da elegância e estilo próprio do diretor que fazia da arte um conceito nítido. Com base no romance de David Dodge, Ladrão de Casaca é um dos trabalhos mais ousados já articulados por Hitchcock. John Robie (Cary Grant), também conhecido como "o gato", é um ex famoso ladrão de jóias que, outrora, executava grandes furtos e roubos à alta sociedade. Típico bon vivant, ávido por riqueza e luxo, roubava porque queria ter uma vida firmada na satisfação do consumo - ostentar seria a boa definição, pois via no dinheiro apenas a maneira de ter prazer e ser feliz, não roubava para sobreviver: apenas gostava do dinheiro fácil, da vida mansa. Contudo, após ser preso e arrepender-se dos velhos hábitos, Robie torna-se o principal suspeito quando novos roubos passam a ser frequentes em hotéis de luxo da Riviera Francesa. Como provar sua inocência? Quais ligações tem esses furtos com sua pessoa? Todos acreditam, inclusive a polícia, que os roubos têm ligações precisas com o estilo e sua abordagem característica de furtar. Como provar que nada tem a ver com isso? Para provar sua inocência, deve prender o verdadeiro criminoso que imita seus gestos nos antigos roubos. Atordoado, confuso e impulsivo, Robie vê a oportunidade de provar a inocência e até virar o jogo - atraindo como isca o misterioso - ao conhecer a herdeira mimada Frances (Grace Kelly). Eis que o destino reserva surpresas: ambos passam a ter uma forte atração, um desejo súbito e, apesar do frisson inicial, a desconfiança impera quando a mãe de Frances tem suas jóias roubadas. Como fazer a jovem dondoca acreditar em sua lealdade? Será mesmo ele tão inocente assim?
Hitchcock aqui se abstém de seu lado soturno, claustrofóbico, e firma sua narrativa no puro primor imagético e romanceado. Sim, um filme sofisticado em grande escala. Há um clima mais descontraído, visto que certos elementos de humor se mesclam aos contextos de suspense e dramas, além da estirpe de romance que centraliza os dois personagens. É um suspense romântico leve? Os toques de mistério se misturam com a verve da paixonite dos amantes em cenas. Mais, a película é totalmente um exercício de diálogos e muita insinuação visual e na dialética. Nota-se uma inteligência, um ardor ácido-irônico e uma experimentação da dualidade provocativa dos personagens. Em certas cenas, Robie e Frances insinuam-se com palavras dúbias, duplo-sentido evidente. Eis a delícia sexual proposta com criativa sutileza Hitchcockiana? A aventura romanceada com toques misteriosos induz o espectador na atmosfera repleta de ironias desencadeada. De fato, o filme torna-se moderno pelo bom desenvolvimento dos diálogos do casal central, da fotografia do colaborador habitual Robert Burks (decerto, um dos maiores aspectos que tornam o filme mais prazeroso de se ver) e da fluidez das cenas - ora há sequências dinâmicas, com senso espirituoso e de humor; ora há cenas que são longas, sem corte, favorecendo a interpretação e, concomitantemente, a overdose da química sexual entre Cary Grant e Grace Kelly. Há passagens no filme que ambos parecem estar improvisando, tamanha veracidade em cena.
Nota-se que, neste caso, o ponto-chave do mistério em si pouco importa: o casal passa a vivenciar uma perigosa relação. O tesão é evidente, visto que os personagens demonstram, claramente, o desejo que sentem um pelo outro - revitalizando o progresso da convivência, do sentimento. Porém, devido ao teor irônico que permeia o roteiro, a relação é assediada com muita malícia e sarcasmo sexual suavizado. Frances insinua-se para Robie, ainda que tente preservar sua arrogância e seus dotes elegantes que transparecem certa frieza. Ao mesmo tempo que tenta induzir o outro com seu charme, seu apelo feminino, afasta-se dele por, talvez, não reconhecer nela própria sua emocionalidade em estar apaixonada. Já Robie, além de afastar-se da tentação que o corrói e das investidas da beldade da alta sociedade - incomoda-se na súbita curiosidade que a moça tem em querer saber sua identidade. Será que é válido amar e confiar nela? O dom subversivo de Hitchcock em fugir de algumas regras de seus grandes filmes, torna este trabalho bem peculiar. Porém, o bom estilo está presente: um homem acusado injustamente; a loira fria, mas carregada de artifícios femininos de sensualidade; mistérios entrelaçados na trama e revelação surpreendente no ápice final. Obviamente, a trilha sonora de Lyn Murray foge um pouco do apelo climático do suspense carregado para externar acordes mais sensíveis e de acordo com o invólucro de romance que evoca o roteiro.
E neste seu thriller-romântico que Hitchcock esquadrinha a sensualidade delicada em expor Grant em cenas de short com peitoral à mostra, banhando-se na praia. Inclusive, a própria Kelly por si só determina seu dom de sedução com apenas um olhar, pernas de fora ou gestos imperativos. Talvez, este apelo sensual exalado pela química do casal, do romance acometido, proporcione o revestimento de "filme romântico" - de fato, há mais tensão sexual dos dois em cena do que do senso de suspense em si. A estética visual (tomadas aéreas, inovadoras na época), técnica e emocional são adornos eficientes. Nota-se, como sempre, o apelo másculo que Grant incorpora em seus personagens e na composição felina elegante que Kelly desenvolve para seus papéis. Os planos gerais que se misturam com closes fechados, paisagens panorâmicas que esmiuçam a beleza de Riviera e os figurinos excepcionais decupados por Edith Head: tudo é conceito para Hitchcock executar seu filme mais romântico. Um humor negro para abordar as intrigas do tesão e da paixão? Ainda que o final em si não seja tão imprevisível, só pela boa abordagem psicológica e insinuações provocativas de pura elegância fazem um bom espetáculo. Nítido filme dotado de delícia em sofisticação.
Philip Seymour Hoffman inegavelmente entrou para a cinematografia histórica por sua personificação. A maneira como o ator se libertou, integralmente, de sua essência para incorporar uma outra, no caso Truman Capote, é impactante de se observar. O Oscar de Melhor Ator não foi à toa.
Instigante filme que preza, sem medo, o lado humanístico de seus personagens - no caso, uma intrigante história real sobre um fato revelador, mas ainda misterioso. O que falar do processo de construção do autor diante de seu tema que, não casualmente, é um fato realístico? Truman Capote foi a fundo em seus anseios de pesquisa, talvez pecou pelo excesso, visto que sabemos que sua relação com os assassinos Dick Hickock e Perry Smith (Clifton Collins Jr., atuação eficaz também) foi muito mais que um contato de um jornalista com sua fonte. Temos aqui a comoção, o envolvimento, a maneira como um ser humano se liga de maneira dolorosa com o lado mais tenebroso, a mente assassina.
E o filme apresenta essa trajetória ao colocar o confronto de Capote com os assassinos - há boatos que sustentam uma provável relação afetiva-sexual dele com Perry, mas isso fica subtendido. Ao meu ver, era apenas um ser em compreensão com o outro, sem muitos julgamentos, ainda que seja claro a posição do Capote quanto àqueles crimes horrorosos. É um filme pra se sentir, totalmente intimista, mas violento. A atuação de Hoffman é absurda que conseguimos esquecer que o elenco funciona como um todo ali. Nota-se que, por fim, a experiência pessoal do autor em escrever sua já conhecida "obra-prima", A Sangue Frio, fosse mais uma reflexão humana já que foi tocado de maneira forte até o fim de sua vida. A verdade é que Truman Capote não seria mais o mesmo depois do que vivenciou ali...
Somente Pedro Almodóvar para continuar mostrando que dentro do exercício cinematográfico existe a pura arte. Não existe cineasta atual — não desmerecendo tantos outros que criam e recriam, cada um ao seu modo próprio, a argumentação experimental na esfera fílmica — com maior poder de criatividade e sustentação humana. Sim, ver um filme de Almodóvar é poder ir de encontro ao lado mais íntimo, sombrio e cruel da existência da humanidade. E o que mais me deixa admirado com esse homem é a única capacidade de recriar em cima de um tema aparentemente "banal".
Entende-se que A PELE QUE HABITO poderia se firmar numa trajetória comum, sem grandes inovações, já que a primeira metade do filme se sustenta num contorno já explorado na sinopse do filme. Ou seja, começamos contemplando esse filme com um determinado olhar e noção de tudo ao nosso redor, até quando tudo vem à tona e o lodo dos seus personagens se esvai da pele, da alma e do corpo. Somos contagiados com tamanha reviravolta que salta aos nossos olhos abismados, antes mesmo de compreender tudo. E é um filme que não se perde diante do quebra-cabeça, pelo contrário, se fortalece. Almodóvar nos instiga com uma narrativa original, repleta de sedução e morbidez extrema.
E falar deste filme é também se precaver, visto que devemos evitar ao máximo evidenciar o caráter da obra — assim, todo espectador poderá ter o estomago revirado com tantas situações catárticas em menos de 2 horas de projeção. Bem verdade, é um filme de estilo novo e fora do eixo habitual do cineasta, não tão quente como os seus maiores clássicos, mas ainda assim se mantém único pelo traço de abordagem. Conseguimos perceber a mão do cineasta em diversas cenas, diálogos e ideais — a perversão aqui se faz presente; o fetiche pela discussão da sexualidade e o tom incisivo em evidenciar a malícia/dualidade de seus personagens são nítidos.
Engana-se quem afirma que aqui temos um filme anti-Almodóvar, pelo contrário, é perceptível um diretor mais à frente de seu tempo em se preservar e se transformar, ao invés de se mostrar repetente. Afinal, estamos tão cansados de filmes semelhantes, nada melhor que conferir um filme puramente latente e de estética-sensorial que nos brinda com uma sensação dilacerante ao fim, nos deixa catatônico. Obra-prima perturbadora, impactante e contundente.
Richard Donner é um especialista em construir tensão e ação em seus filmes de exercício do puro entretenimento hollywoodiano. Para tanto, não precisamos elocubrar em relação a este também, visto que a trama preserva elementos tão banais e clichês visíveis, ainda que não comprometa a obra como um todo. Há sim uma boa direção e um teor de suspense que permeia a obra, isso é constante. Stallone aqui não tem os vícios da apatia, ainda que esteja longe do talento ideal, mas sabe conduzir bem seu perfil de "herói" diante de um personagem tão perto da maldade. Mas, sem dúvida, o "charme" desta fita é por conta de um Banderas no auge da beleza ainda, malicioso e perverso como o antagonista ideal da trama que faz com que o filme ganhe mais ritmo. É interessante o jogo de "gato" e "rato" dos dois atores, ainda mais com a presença feminina de uma Julianne Moore que vira alvo dos dois - um é uma espécie de protetor que vira seu guardião, além de ter uma nítida afetividade-sexual. O outro a quer para matar. As cenas de luta, ação imoderada e tiros sem fim me lembra os grandes filmes da década de 80, quando os personagens não tinham muito o sentido a não ser correr atrás um dos outros para "se matarem". Contudo, o resultado é satisfatório, vale a conferida.
A homoafetividade é tratada com poder irretocável, sensibilidade e expressão no belo Eclipse de Uma Paixão, filme dirigido por Agnieszka Holland. O trabalho prioriza o relacionamento proibido homossexual dos poetas franceses Paul Verlaine (David Thewlis) com Arthur Rimbaud (Leonardo DiCaprio). O roteiro de Christopher Hampton, sustentado com base nos diários, cartas e poemas dos dois escritores, foca na tempestuosa relação desses dois homens que provocaram uma sociedade conservadora do século XIX. Rimbaud, com então dezesseis anos, exibia um precoce talento pela escrita, revolucionou a poesia daquele período e foi alvo de muita polêmica pelo comportamento transgressor e arrogância acentuada. Verlaine mantém um casamento aparente com Mathilde Maute (Romane Bohringer), onde é sustentado pelo pai dela. Quando decide apadrinhar o jovem Rimbaud, Verlaine transforma sua vida num inferno: a admiração entre ambos é gradual, do encantamento inicial e admiração intelectual, surge um desejo avassalador. Como conter esses impulsos? Será que apenas o tesão é o único elo que situa esse envolvimento de dois grandes poetas? Centrando-se nessa problemática da homoafetividade e do desejo entre dois homens, Holland articula um filme que não só retrata turbulentos fatos reais — é um exímio trabalho cinematográfico ousado, recobre com sensualidade e poesia a atmosfera carnal de um relacionamento selvagem entre duas pessoas sob as amarras predatórias de uma sociedade preconceituosa. Não existe maior adversidade que os próprios impulsos do desejo. A vida torna-se um martírio e nem sempre é algo compreensível.
A homossexualidade não é um suporte dentro do recorte que prioriza as trajetórias desses dois poetas — torna-se o foco principal, é através desse senso sexual que o filme se sustenta. O roteiro, totalmente provocante e com diálogos poéticos, acentua a estranha e intensa relação de Rimbaud e Verlaine. Há cenas que demonstram o gradual envolvimento de ambos, inicialmente com as trocas de olhares para o interesse sexual mútuo. É a típica história, tão recorrente do universo gay, sobre as impossibilidades de um relacionamento entre dois homens que precisam manter as aparências sociais. O conservadorismo cruel do século passado considerava uma afronta à religião; aos rigores sociais e ao falso puritanismo que pune com veemência as adversidades sexuais — a relação dos poetas nasce no segredo e é difícil ser alimentada dessa maneira. Interessante que ainda que com personalidades distintas, esses dois poetas encontraram na paixão algo a ser compartilhado. E o filme exerce esse fascínio polêmico, pois incuti um tom sadomasoquista e violento na relação de desejo e convivência dos amantes. O desejo alimenta-se da emotividade, para tanto o teor passional comportamental é evidente na condição relacional dos dois. A prioridade do roteiro é caracterizar essa relação homossexual dos dois, dando pouco espaço para subtramas sobre a questão literária de ambos ou focos familiares. O tom sentimental é mais nítido, visto que a trama acentua esse relacionamento masculino sedutor.
As constantes cenas de sodomia praticada pelos poetas elevam a sensualidade da trama, a direção prioriza algumas cenas de sexo entre os dois. Além, exibe sequências onde os atores despem-se fisicamente e em diálogos sexualizados. Há ainda um tom íntimo e provocador, pois explora o contato dos personagens em cenas de beijo e afetividade. E é o sexo que vai demonstrar questões bastante preocupantes daquele período: Verlaine é acusado de adultério pela sua esposa que não se conforma em ser uma mulher rejeitada pela sociedade; a típica representação feminina que sabe das preferências sexuais do marido, mas não consegue se expor perante uma sociedade, aqui encontra um caminho inverso. Verlaine não sabe lidar com seu casamento, nem mesmo manter a infidelidade como alternativa — então, habitualmente, abandona sua esposa em diversas situações, apenas para intensas noites de sexo com seu amante Rimbaud. A homoafetividade é o foco, ainda que Verlaine assuma ter um tesão irrefreável pelo corpo de sua mulher. Inclusive, o roteiro mostra o tal conflito do poeta que parece sentir necessidade de um coito com o sexo feminino — seria a bissexualidade em seu aspecto tangente. Mas, ora, existem regras e rótulos para a sexualidade?
Uma paixão que explode em aflição? O desejo que se concentra só no sexo? E o amor surge como turbulência? O filme fundamenta-se como retrato de dois homens que se amam, imersos na dor de uma sociedade que não permite que eles se assumam. É um recorte sobre a arte, dor e prazer. Leonardo DiCaprio mergulha na sua composição de poeta libertário e libertino, seu talento exibe as chagas do homem que sofre por amar e as agruras de ser um homossexual naquele período. Suas cenas homoafetivas, junto com o expressivo David Thewlis, reforçam a provocação sexual da película que reflete uma instigante trajetória real. Agnieszka Holland prioriza a química vibrante desses dois personagens, ainda que revelados em muitas discussões e brigas constantes — há cenas que apenas sua objetiva se concentra nos rostos dos atores, permitem que eles direcionem os elementos de emoção e sensualidade. É um filme sombrio que expõe a sexualidade, a obscuridade do amor e a relação da inocência com a malícia. A sentimental combinação de Rimbaud com Verlaine é da paixão embrutecida; um envolvimento tão avassalador como incontrolável. A bela trilha sonora de Jan A.P. Kaczmarek reconta em melodia este caso de amor turbulento, tão importante para a história do universo homossexual social. É um trabalho cinematográfico que merece ser sentido. Tocante, sentimental, emocional.
Há certos tipos de abordagens que se sustentam apenas no erotismo para ter sucesso. Garotas Selvagens exerceu uma polêmica em seu período de lançamento pela temática picante, diversas reviravoltas e cenas com contextos libidinosos dos personagens. Na cidade de Blue Ray, na costeira da Flórida, o professor Sam Lombardo (Matt Dillon) é sexy professor que atrai todas as garotas da região. É através dele que o filme, dirigido por John McNaughton, exerce seu princípio apelativo. É este homem, bastante desejado pelo sexo feminino, charmoso e sexualizado, que se envolve numa trama tensa, onde nada é o que parece ser. O professor recebe acusações de duas jovens: A mimada garota da elite social, Kelly Van Ryan (Denise Richards) e a rebelde Suzie (Neve Campbell) dizem ter sido vítimas de estupro. Ao afirmar que é inocente, Sam tem que provar que não existiu a consumação do sexo — muito menos houve possibilidades para um envolvimento afetivo dele com essas garotas. É então que o investigador Ray Duquette (Kevin Bacon) entra nessa polêmica para averiguar essas acusações que demonstram ser duvidosas; além disso, o advogado Ken Bowden (Bill Murray) acredita na versão do professor e atesta sua defesa. Qual será a razão dessas garotas terem criado essas acusações? Qual sentido há por trás dessa polêmica? A trama aproveita-se desse sentido para introduzir elementos misteriosos, policiais e sensuais. O sexo torna-se o foco neste filme que prioriza a sensualidade de todas as formas, talvez por isso tenha atraído tantas discussões.
O filme mantém a sexualidade em ebulição ao direcionar uma trama onde os personagens — principalmente, as tais garotas Kelly e Suzie — mantêm personalidades dúbias, ainda mais por conta da maneira como os comportamentos expressam tom da sexualidade bastante transgressora. As garotas são maliciosas, há diálogos chulos que demonstram a órbita sensual de tais personalidades libidinosas. Há um roteiro que se direciona ao público masculino, para tanto há dezenas de cenas que exploram ao máximo os corpos torneados e excitantes do elenco feminino, em especial de Denise Richards que aqui cumpre o papel da garota de corpo perfeito, tão assediada/desejada por todos. Até a mãe da personagem de Kelly exerce uma função sexual: Sandra Van Ryan (Theresa Russell) transa com garotos 20 anos mais novos, é a típica mulher que, após o divórcio, prefere sexo casual a relações mais afetivas. Conseqüentemente, o filme abusa também dessa personagem, evidenciando seu corpo ou na provocativa cena em que ela transa com um garoto, aos gemidos.
Discute também a questão do assédio sexual, levantado pelas garotas principais — mas serão elas, de fato, as vítimas da situação? Ou há muita perversão escondida por trás desses fatos? Matt Dillon representa o professor sarado, sedutor e que sofre assédios constantes de alunas dispostas a uma transa casual. É o homem que atrai olhares de todas as mulheres, o garanhão que consegue a fêmea que quiser. E o roteiro mostra esse homem sendo alvo de sedução de Kelly — a constante malícia em cenas onde a garota se insinua em troca de olhares, gestos, diálogos dúbios e/ou quando ela se oferece para lavar o carro dele, molhada da cabeça aos pés, em trajes brancos quase transparentes. A questão inicial até a metade do filme é o assédio latente, a sensualidade e a malícia. Da metade pro final, o roteiro assume um contexto mais de suspense quando as reviravoltas passam a ser freqüentes. E são inúmeras surpresas que permeiam a trama. Há contextos de estupro; promiscuidade; infidelidade e traições. A maneira como os personagens desejam o sexo são evidentes, não há nada moderado — curioso que nem o roteiro parece sustentar uma mensagem moral, mas sim só se predispõe ao lado irônico.
Famoso pela seqüência de sexo a três, protagonizado pelo trio Matt Dillon, Denise Richards e Neve Campbell — obviamente, é o momento mais quente e sensual do filme, onde os três envolvem-se num sexo ousado e o tal beijo lésbico das duas é escancarado. O menage à tróis foi bem polêmico, ainda mais por ser uma cena que caracteriza o soft-porn. Há ainda breves momentos sensuais protagonizados pelas duas mulheres, como uma forma de sustentar uma ousadia sexual ao público masculino que gosta de ver cenas de lesbianismo; puro deleite aos olhos mais ansiosos por cenas de sexo entre mulheres. De fato, Richards e Campbell demonstram um bom traquejo sexual em cena que emula uma enérgica febre diante da limitada trama. E o roteiro ainda decide ser mais malicioso, buscando outros públicos, ao expor Kevin Bacon numa rápida cena de banho, onde o ator aparece totalmente nú. Inclusive, a tal cena, inicialmente, teria conotação homossexual: Bacon tomaria banho com Dillon, mas o roteirista cortou esse senso na produção do filme.
Talvez, por medo de aumentar mais a polêmica. Decerto, o abuso sexual nesse filme torna-se constante, assim como as reviravoltas, como um exemplo de alternativa banal de atração e sucesso. O que parecia ser um drama diante do mote inicial de estupro, torna-se apenas uma overdose sexual na mão do diretor John MacNaughton que comanda seu filme insano e preenchido pelas já dita reviravoltas que são incessantes. Mais que um entretenimento sobre a perversão sexual, é um thriller-erótico que pelo menos reflete bem a modernidade adepta ao sexo casual; das mazelas amorais que caracterizam a perversão humana quanto à sexualidade.
Os anos 70 providenciou a euforia libertária da juventude que buscava transformação social, mas também fora um período onde a discoteca representava todo o ritmo vital e a pulsação musical pelo prazer — a tal febril "Era do Disco", áurea fase onde a música exercia um fascínio e lema de vida para muitas pessoas, caracterizou-se pela efervescência sonora que atiçava o lado mais sexual do ser humano. Estreante na direção, Mark Cristopher desmitifica a famosa discoteca que dá o nome ao filme, Studio 54. Lendário espaço que personificou toda a ebulição sonora, liberdade sexual pré-Aids e um reduto perfeito para homossexuais firmarem seu espaço. A pecaminosa discoteca atraia celebridades, celebrava o hedonismo desfigurado daquele período e a concreta filosofia do uso de drogas. Steve Rubbell (Mike Myers) é um empresário homossexual que cria o espaço que seria revolucionário: sem regras, preconceitos ou rótulos, celebridades poderiam conviver plenamente com pessoas comuns. O objetivo maior era promover festas que sempre fossem constantes, a típica boate dos sonhos. O roteiro centra-se na narração e ótica do frentista pobretão Shane O'Shea (Ryan Phillippe) que, insatisfeito com sua vida tediosa em Nova Jersey, parte para algo novo. É dentro do Studio 54 que ele provoca a catarse em seu mundo, vira barman e passa a vivenciar os excessos e tentações do universo sensual e glamoroso da tal discoteca. Lá ele conhece uma cantora e garçonete excêntrica, Anita (Salma Hayek) e passa a fomentar um tesão pela atriz Julie Black (Neve Campbell). O filme expõe o surgimento, o sucesso e o processo de decadência de uma discoteca que promovia orgias sexuais; era avançada para época, com pista de dança com efeitos de luzes impressionantes e os maiores DJs. Um local onde era disputado por todos e tornou-se que agitou a vida noturna de Nova Iorque. A trama percorre a ebulição da boate no verão de 1979 até seu declínio total um ano depois. Até hoje o frenesi diante da lendária discoteca se mantém.
A discoteca era uma espécie de reduto sexual, onde pessoas promoviam orgias constantes — o filme mostra como se sustentava essa situação ao colocar cenas onde indivíduos transam na própria arena de dança; na “pegação coletiva” ou mesmo no sexo oral grupal tão habitual naquele local. A sexualidade é forte no ambiente, nota-se que o local era mais uma busca para sexo casual e promiscuidade irrefreável que a própria condição de boate. A perversão é total! Decerto, o filme não procura vulgarizar as situações, nem mesmo polemiza com cenas só de sexo — o diretor opta por sustentar o olhar inocente do seu narrador-personagem, Shane, num ambiente onde só existia a celebração da sexualidade motivada pela dança. Studio 54 era o reduto de pessoas que queriam apenas se divertir, com seus vícios e seus excessos pelos prazeres diversos, carnais e sexuais, com drogas ou bebidas; ilusões e imaginações. Até o dono, Steve, definia a sua boate como um local ilusório, para tanto escolhia a dedo quem deveria entrar e seus critérios de escolhas eram duvidosos; o proprietário, muitas vezes, permanecia uma noite integral na frente de sua boate, só escolhendo quem deveria entrar. Homens com corpos perfeitos; mulheres sensuais; rostos sexys. ‘Espetacularização’ da vida real?
O tom homossexual é evidente no filme. O roteiro expõe o local como espaço GLS, onde o sexo entre homens também era grupal em meio às misturas de drogas, como cocaína. Shane só consegue trabalhar como barman no Studio 54 por conta de sua sensualidade, do corpo, que capta atenção de Steve, mulheres diversas e de outros homens. E o roteiro coloca em pauta a condição do assédio masculino por mostrar um rapaz sexualizado que trabalha pelo dote físico — tanto Shane quanto outros rapazes apresentavam-se, apenas, de short minúsculo e sem camisa; exibiam-se aos trajes libidinosos e ao corpo quase nu — afinal, num espaço onde gays, lésbicas e simpatizantes tinham a liberdade de externar suas intenções sexuais, não haveria condição para puritanismo. Só se empregava na discoteca quem poderia seduzir? Shane era o barman desejado por todos os homens e mulheres. O jovem vivencia as oportunidades que seu emprego oferece: envolve-se em transas furtivas com mulheres diversas; investe no mundo prazeroso de dinheiro e sexo que a discoteca condiciona. Ademais, o roteiro resume situações de homoafetividade; prostituição masculina e até situa questões sobre a esfera do uso de drogas ilícitas dentro da juventude.
Por que a música, em seu estado mais febril, sempre é um elemento afrodisíaco? Mais, aliada ao sexo, torna-se algo de grande prazer para o ser humano. Através de uma ambientação musical, é perceptível sentir o frenesi da década com músicas de Bee Gees e outros cantores de sucesso que retratam bem o universo. O filme explora esse reinado da Disco; do embalo das músicas dos anos 70; das cores esfuziantes daquele mundo e também da sexualidade imoderada, através da vivência de Shane — do jovem pobre a barman que, aos poucos, infiltrou-se na malícia coletiva de um espaço que celebrava algo nada mais que ilusório. As personificações talentosas de Ryan Phillippe e Mike Myers são pontos significativos. O filme acaba por servir de alerta às problemáticas de vidas prejudicadas pelo abuso de drogas e sexo, bem como a AIDS que se manifestou na década de 80, no momento onde a boate sofreu abalos incisivos e o mundo hedonista deu lugar à crueldade da realidade. É quando os personagens passam a acordar pra vida e toda reflexão moral é inserida. Ao fim, é um filme que articula como o ser humano não consegue viver só de ilusão — nem de sexo e música, muito menos de superficialidade. Mas, bem verdade, a sensualidade da "Era da Disco" permanece intacta e nunca é tarde para experimentá-la através das músicas que se mantém emblemáticas. Dançante, sensual e delirante.
Eis um filme humano, acima de tudo nos faz acreditar que hollywood sabe nos encantar quando quer. Engana-se quem pensa que é apenas um mero entretenimento-pipoca, aqui temos um trabalho de pura adrenalina e sensibilidade. A relação de Max (Dakota Goyo, incrível atuação, não será espanto se esse garoto futuramente receber trabalhos mais densos e conquistar Oscars) com seu pai, Charlie (Hugh Jackman, excelente) é bem delineada, emocional e interessante de ser observada. Shawn Levy realiza seu melhor filme, puramente mainstream, mas de grande importância sentimental. Há efeitos visuais espetaculares, bom ritmo de ação e cenas eufóricas. A fotografia do filme é notável também. As referências a Falcão ou Rocky Balboa são viáveis, mas acredite na força desse filme. Sem dúvida, o efeito é magistral!
Este filme é o reflexo da feminilidade extremista, a sensibilidade e fragilidade de mãos dadas contra o machismo social. O que prevalece é a luta do sexo forte? Obviamente, Ridley Scott concebeu um clássico ao dirigir o brilhante roteiro de Callie Khouri.
Susan Saradon e Gina Davis personificam o feminino em busca de auto-afirmação, aceitação sexual diante de um predatório sistema conservador: as duas retratam típicas mulheres insatisfeitas, dona-de-casa, infeliz no cotidiano, que saem de sua rotina-padronizada rumo à liberdade incondicional. Thelma sai com Louise, num final-de-semana, para descansar e se divertir. A catarse ocorre quando, inesperadamente, ambas se envolve num precipitado esquema criminoso, decorrente de uma fatalidade. O cerco se fecha, ao passo que vivenciam o inferno de vida: da noite para o dia são taxadas como fugitivas criminosas, procuradas pelo FBI. O que era para ser bucólico e prazeroso vira selvageria alucinante nas estradas, tensão progressiva. Ridley Scott dirige o filme com extremo cuidado, proporciona misto de delicadeza e sexualidade feminina: as duas são extremamente intensas e dinâmicas, impossível não se questionar e ter identificacação com a premissa do roteiro.
O filme concretiza um estudo sobre repressão feminina versus liberdade, indaga a relação de respeito e independência das mulheres perante aos maridos/vida, aborda casualidades sentimentais, estupro e assédio contra a mulher e questiona a integridade das relações amorosas. Como ser forte perante um casamento sofrível? Toda mulher há de ser revolucionária diante do machismo exarcerbado? Em busca dos direitos femininos, eis que a delicadeza surge como personalidade determinada. Thelma e Louise buscam a liberdade suprema, o amor eterno e a sobrevivência da própria identidade feminina. Um road-movie que tornou-se puro cult, é também um ato cinematográfico da crueldade do machismo ferino contra o feminismo destemido. É o sexo contra o sexo. Toda mulher merece ser mulher! A trilha sonora emblemática de Hans Zimmer, a fotografia pálida e ensolarada, bem como as participações de Brad Pitt - em início de carreira -, Christopher McDonald e Michael Madsen tornam a película indispensável. O roteiro tem drama e humor, mesclado com bons diálogos e situações.
E o final, no alto do Grand Canyon, apoteótico e emocional, é altamente inesquecível pela imprevisibilidade e poesia retratada. Um desfecho cicatrizante para um filme que não envelhece.
É impressionante como David Fincher sabe interagir com o espectador apenas pelo modo denso que expõe a natureza mórbida humana. Não existe, talvez, cineasta melhor que ele para providenciar reflexões tão extremas diante de elementos habitualmente cruéis. Fincher é mestre em conceber exercícios cinematográficos que exploram o lado mais obscuro da manifestação psicótica. SEVEN, VIDAS EM JOGO, CLUBE DA LUTA e ZODÍACO são filmes que percorreram, cada um à sua maneira, o terror-consciente de indivíduos martirizados, psicopatas indispostos e toda teia lasciva deste universo macabro gótico tão providencial em sua carreira. Aqui temos o mesmo exercício psicológico de tensão auxiliado por um roteiro que adapta muito bem o livro de de Stieg Larsson (1954-2004).
É um filme dark, bem soturno mesmo, daqueles intimistas que exterioriza o caos do suspense, o drama conturbado e a presença de uma direção que privilegia personagens tridimensionais. E para aqueles que tinham dúvida, Fincher prova que sabe, ainda, ser surpreendente em uma temática já exercitada nos solos hollywoodianos. Aqui ganha-se forma o texto ardiloso de Larsson, mantendo-se, primordialmente, toda sua essência. E o atrativo maior vai da bela química física-interpretativa-emocional dos astros Daniel Craig e Rooney Mara — esta inova na composição, conferindo o mesmo porte introspectivo e visual exótico da personagem literária. A atriz mereceu a indicação ao Oscar por conta de uma composição, ainda que sutil, bem delineada. Há momentos onde Mara facilmente dialoga com o público, nos momentos onde Lisbeth Salander atua com personalidade ou emoção diante de atos cruéis que o roteiro insiste em expor.
Engana-se que, por ser um remake, a fita não tenha própria força. A ultraviolência, a evidência do suspense gradual e o esqueleto narrativo são elementos do diretor. Há cenas muito densas e fortes aqui, difíceis de degustar, isso é bem típico do universo Fincher de "causar" e mexer com quem absorve suas tramas. Sentimos, totalmente, a mão do diretor em cada sequência, em certos momentos, na maneira como sua câmera torna-se perspicaz de seus personagens — estes sempre dúbios, um tanto misteriosos, assim como o ser humano muito bem é. Decerto, verdade seja dita, a trilha de Trent Reznor & Atticus Ross é capaz de dimensionar melhor momentos de sufoco, de malícia e torpor. O suspense é muito bem estruturado por conta de uma instrumentização inteligente, moderna e que atinge o espectador por conta da sonoridade que ocasiona sensações de medo, agonia e pânico. Filmaço!
Por que não entender que o divino também faz parte da humanidade? Como entender o que somos? De onde viemos? Qual propósito de estarmos num mundo tão doloroso? Ver esse filme é compreender que o divino se faz presente em nossas indagações, fragilidades, particularidades. O caráter sensorial deste filme se faz presente na maneira como Terrence Malick condiciona o visual para sustentar a emoção, a existência e a filosofia-existencialista de seus personagens rumo à redenção, ao sufoco, à necessidade de um Deus mais "carnal".
Não condene os 15 minutos de cenas que exteriorizam o apelo natural dos fenômenos da criação do Universo, é ali onde presenciamos o nosso grau de Graça, é o apelo da Natureza demonstrando sua força — essa sequência é uma das coisas mais belas que já presenciei em toda minha vida cinéfila. É perceber o encontro da humanidade com a projeção da vida brotando sentido e razão. Perceba que o Big Bang ou a extinção dos dinossauros são eventos da existência-Natureza, estamos ligados a essas manifestações, querendo ou não. Malick nos mostra que o passado é o futuro, e tudo está numa só linha, afinal o tempo é pura relatividade. Existe uma linha narrativa que mostra que vivenciamos ali as "memórias" dos personagens, mas nada é assim tão definitivo, afinal confrontamos os personagens em momentos diferentes também, alguns parecem ter a forma do presente da ação, outros não.
É um filme altamente sensível, totalmente poético, quase abstração-viva que pulsa ao nossos olhos. É pra contemplar mesmo, calmamente, sem medo. E Malick brinca com nossos sentidos mais puros, mais precisos e subjetivos, quando nos lança em perguntas sem fim, nas suas tomadas longas e momentos onde o silêncio atinge mais força que qualquer diálogo-direto. Por que não ver que o dinossauro ali prestes a ser extinto nos concebeu uma lição quando não matou seu adversário? Existiu ali um ato de fé? De emoção, eu diria, estaria ali brotando o primeiro ato de emoção na humanidade que faria eco logo mais.
Definitivamente, você achando ou não, Malick acredita na força de Deus — este filme atinge o nível religioso em diversas cenas, onde seus personagens comungam com a divindidade e ela parece comunicá-los também ao seu modo íntimo, através de imagens que denunciam o sopro de vida. Sentir os diálogos, as imagens, quase como orações proferidas, explodindo na tela, contextualizam o poder estético que é vivenciar esse filme. E nada mais experimental que um filme que não mantém a ordem cronológica de nada, apenas pulsa sem regras, provocando a reflexão na mente de qualquer um. É, o Deus aqui tudo vê, tudo sente, ainda que achemos que não.
Um dos filmes mais sensíveis da cinematografia clássica, sem dúvida um trabalho que preza pelo lado mais humanístico possível. Constrói a reflexão por conta de um roteiro delicado, ainda que extremamente inocente para os padrões de hoje. Nada mais simbólico que a relação da deficiente visual (Elizabeth Hartman, atuação cativante!) que é o oposto da sociedade firmada em padrões, conservadorismo, preconceitos violentos — a jovem é o símbolo da "pureza social", com sua cegueira consegue "enxergar" o ser humano sem nenhum indício de maldade ou preceitos, para tanto, percebe os valores mais necessários no homem sem que haja interferências como o racismo ou intolerância de raça, estatos ou crença. Rose-Ann é a jovem que não pode ver, mas que consegue sentir — às vezes esse sentido consegue ser mais eficaz que qualquer "visão" — o coração de bondade de Gordon Ralfe (Sidney Poitier, um dos meus atores favoritos, atuação marcante), um negro que, em uma outra qualquer situação que não aquela, dificilmente poderia se envolver afetivamente com ela. O sensível roteiro coloca esses dois seres humanos em convivência extrema, um dependente do outro ao seu modo. Ele, sente-se protetor de uma garota que teve uma vida firmada em opressão — por conta de uma "educação" sinistra oriunda de uma mãe pervertida, ausente de senso materno e sem qualquer senso de moralidade, Shelley Winters levou o Oscar de Atriz Coadjuvante como a mãe maliciosa e antagonista do destino de sua filha. Já a jovem-cega, de ternura e delicadeza, vive no seu mundo de ilusão e só enxerga o melhor das pessoas. Talvez aí se justifique a "inocência" do roteiro que a coloca, rapidamente, apaixonada pelo homem que mal conhece, numa entrega necessária e possível. Rose e Gordon de diferentes mundos se sustentam numa ampla sintonia, é admirável de ver e aprender. A trilha sonora de Jerry Goldsmith preenche os momentos mais belos, emocionais e íntimos dos dois, emoldurando o romance com um sonoro melódico bem marcante, pontual. Um filme muito necessário.
Neste filme instigante temos uma Jodie Foster com apenas seus 14 anos: ela é Rynn Jacobs, uma típica solitária ninfeta que vive reclusa em uma casa afastada da cidade. Fuma haxixe, pagã e tem coração endurecido. Nutre uma paixão por ler livros de Emily Dickinson ou Agatha Christie, é viciada na sinfonia de Chopin. Sincera, hiperdinâmica, extrovertida. Quase uma Lolita com verve intelectual, esnobe e ácida-irônica. Seu cotidiano misterioso: a constante ausência do pai, um suposto escritor que nunca está presente, concebe uma certa desconfiança na vizinhança - principalmente de um sujeito que habita do outro lado da rua, Frank Hallet fixa obsessão sexual em Rynn. Seria ela apenas um objeto de desejo? Eis o conflito: a pedofilia entra em forte argumento no filme. Rynn tem que lidar com a habilidade de manter seus misteriosos segredos, sempre velados no interior da sua casa. Constantemente, além disso, confronta com as investidas indesejáveis de Frank - a todo custo, ele quer possuí-la sexualmente, exercer seu comando sobre a garota, forçar um contato mais íntimo. O conflito impera quando Frank passa assediá-la perigosamente e, inesperadamente, Rynn se envolve num complexo jogo criminal, pois provoca acidentalmente a morte de uma pessoa.
A direção de Nicolas Gessner é realista, objetiva. O roteiro é um exercício da prática da sexualidade juvenil, dos tabus segredados, da perversão masculina. Em 1976, no ano de lançamento, imagine a polêmica da abordagem contundente? O suspense consiste na pedofilia, mas é acentuado pelo teor dramático das situações humanas personificadas pelos personagens. Rynn é malvada, dissimulada, calculista - mas, sua fragilidade é um aliado para a sua personalidade ora infantil, ora carinhosa.
Eis a contradição: ela tem repulsa e desejo pelo vizinho pedófilo. A fotografia tem cores frias, tons cinzentos que se contrapõe com a cor dos cabelos loiros de Rynn. Como viver imerso no perigo da mentira? A trilha sonora incidental é melancólica, acentua um certo tom nostálgico e estranho do filme. A trama é bastante escabrosa, há diálogos densos e intrigantes, típica abordagem controversa. Seria o vizinho um sexofilista (indivíduo que pratica a fruição desordenada, promíscua ou aleatória do sexo)? Ou apenas um imoral insano?
O filme exerce essa relação da repressão sexual e da libertinagem, da falta de discernimento e também da manipulação da sensualidade. Observem o desempenho de uma Jodie Foster, altamente inspirada como a pequena infame.
Pobre Debbie (Samantha Morton, atuação fortíssima) morrendo de amor, desespero e ódio por Ian Curtis (Sam Riley, puro talento e beleza). O que fazer quando o amor parece destruir tudo ao redor? Como conter o inferno que é a vida dentro de casa? Como entender que o casamento não parecia ser o mar de rosas anunciado? O diretor Anton Corbijn realiza aqui um trabalho primoroso, sincero e tocante! Ver a trajetória de Ian Curtis como o vocalista depressivo e inconstante do Joy Division é admirável. Um filme que merecia maior retorno do público e premiações, já que tem uma direção e roteiro cuidadosos, além de uma fotografia em p&b belíssima. Atente a atuação forte de Morton como a esposa fragilizada do artista, a atriz merecia uma indicação ao Oscar, pelo menos. CONTROL é um filmaço!
A dor da ilusão, do sonho do amor que não cansa de machucar corações ansiosos, o azedo da vida que preenche de dor almas incansáveis por carinho. O segundo longa-metragem do cineasta Roberto Moreira justifica a ânsia atual que o Cinema Brasileiro sente em diversificar suas abordagens — explora-se aqui o discurso sobre a afetividade, o relacionamento sexual da juventude em meio aos seus desejos e expectativas emocionais. Como compreender as relações de amor e sexualidade? Por que tudo hoje é tão efêmero? Existe amor perdurável? Seres humanos envoltos em descobertas sexuais, busca por alguém que lide com suas fragilidades, questões que envolvem o sexo casual: aqui se encontra o argumento principal que mescla inúmeras problemáticas sem fim. Talvez aí seja o erro principal do morno Quanto Dura O Amor? O roteiro coescrito por Anna Muylaert — que havia surpreendido com o interessante Durval Discos — carece de profundidade maior já que decide explorar a trajetória íntima de alguns jovens sob o congestionado coração agitado da cidade de São Paulo. A desilusão, a falta de perspectiva, as dúvidas e o pessimismo envolvem a trama de todos, ainda que a sexualidade mostre um papel definitivo nas motivações de cada um.
A narrativa recorta as vidas desses indivíduos, todos habitantes do mesmo edifício que fica na esquina das avenidas Paulista e Angélica. São várias histórias que caminham com um mesmo foco problemático, a carência-sexual. Há Marina (Sílvia Lourenço), a aspirante atriz que se muda para São Paulo em busca de realização profissional e acaba se apaixonando por uma cantora de boate, Justine (Danni Carlos); há a advogada bem-sucedida Suzana (Ana Clara Spinelli) que se sente solitária, mantém um segredo e passa a ter um caso com Gil (Gustavo Machado); Jay (Fábio Herford), escritor de um livro só, romântico ao extremo, se liga a uma prostituta (Leilah Moreno) interesseira que só quer dinheiro e sexo sem nenhuma condição afetiva; e temos Nuno (Paulo Vilhena), o namorado de Justine que rivaliza a relação dela com Marina prometendo conflitos incansáveis. Em 80 minutos, o roteiro parece aflito em querer mostrar cada personagem, suas vivências, suas atitudes, mas é fraco por conta de uma superficialidade absurda. Os diálogos são pobres, tornando o filme insosso. A direção não consegue se ajustar ao inseguro elenco que não mantém um ritmo evidente em cenas desconexas, desajustadas. O que parecia um panorama amoroso-sexual torna-se uma abordagem insatisfatória.
A melancolia permeia todo o filme que mantém seus personagens sob uma fotografia de tons azulados, vermelhos e o sol da Av. Paulista. Em meio aos anseios de cada um, o público pode até se envolver com a certa urgência do roteiro explorar a sexualidade. O cineasta Roberto Moreira investe na beleza exótica da cantora Danni Carlos, por sinal as melhores cenas do filme ficam a cargo de sua caracterização e sequências onde pode cantar canções melódicas, talvez o único ponto alto daqui. A relação lésbica da personagem é explorada — Justine é bissexual, vive uma relação conturbada com o personagem do Paulo Vilhena e mantém uma forte atração por Marina, a aparente personagem "mais principal" do filme. Há cenas de sexo, há uma câmera que expressa o tesão das duas mulheres no decorrer do longa, mas o roteiro não consegue trazer maiores compromissos.
Em contrapartida, o roteiro traz bons pontos como as reflexões que os relacionamentos atuais trazem: por que o ser humano é tão carente de amor e sexo? É possível construir uma relação sólida? A visão pessimista do filme parece responder quando situa o poeta Jay tentando de todas as formas conquistar a prostituta fútil, sem caráter, que só quer dinheiro — Leilah Moreno mantém a sensualidade de uma mulher que simboliza o papel rigoroso de alguém que só transa por dinheiro, só ama sob essa condição também. Infelizmente, o público não se envolve melhor, já que tudo é objetivo e sem maiores aprofundamentos. E o segredo da personagem Suzana é o recurso encontrado no roteiro para promover mais uma discussão acerca da sexualidade contemporânea, mas é frágil e nem Moreira sabe causar certa comoção maior em torno de uma situação que poderia render maiores contornos emotivos. Há cenas que a direção parece ser inexistente, gerando um desconforto em quem assiste. Ainda assim, de longe, Maria Clara Spinelli é a cereja talentosa do bolo indispensável que é este filme, visto que sua atuação é bem natural e possui carisma. A lamentar o resultado oferecido pelo cineasta que despontou na cinematografia brasileira com o excelente Contra Todos, onde a originalidade e o caráter reflexivo tinham muito mais textura que esse filme vago aqui.
Além da grande sacada de ter vigorado a fórmula musical, o charme de Chicago reside no seu apelo sexual feminino aliado ao vibrante exercício teatral que favorece um resultado poderoso estético. Dirigido com apuro cuidado de Rob Marshall, efetivamente contagiado pela influência de Bod Fosse, o filme é um senso mordaz, agressivo, cínico e voluptuoso sobre a espetacularização midiática social. O roteiro febril de Bill Condon escancara a hipocrisia da sociedade que insiste em promover assassinos que se glorificam na mídia como heróis; prostitutas que são santificadas pelo showbiz; o arbitrário sistema penal que não cumpre com rigores morais, nem éticos, portanto parte de uma rede corrupta que se vende à mediocridade; o sensacionalismo da imprensa que executa/manipula a indústria de entretenimento. A fina ironia do roteiro consegue desmascarar as mazelas sociais, a malícia e o desatino social. Mas é a força da sensualidade que viabiliza um êxtase total — sensorial e visual —, pois este é um musical que evoca o autêntico jazz e tango que são marcas sonoras da sensualidade musical. A trama feminina que disserta a inveja, ambição, a farsa imoderada de duas criminosas que se antagonizam dentro do presídio. Roxie Hart (Renée Zellweger), a loira fatal que mata o amante Fred Casely, homem que havia cometido o falso perjúrio de ajudá-la na sua ambição em ser estrela. Dançar, cantar, ser desejada por todos — são idealizações da jovem. Velma Kelly, a libertina estrela de Vaudeville, mata a própria irmã ao flagrá-la na cama com seu namorado. Ambas mulheres, no universo carcerário, em meio às rivalidades, precisam obter a chama calorosa dos holofotes da Broadway para reinar. Sob os cuidados da carcereira lésbica Mama Morton (Queen Latifah), Roxie descobre o lendário advogado Billy Flynn (Richard Gere) — mercenário, astuto, másculo desejado por todas as mulheres, típico mentor que transforma criminosos em ídolos num jogo onde a dualidade sempre está presente.
Ao misturar os planos do sonho com realidade, ótica de Roxie Hart, o roteiro evoca uma dinamicidade completa na esfera musical e narrativa. Ela imagina/idealiza sua vida como um palco de dança. Por conta da montagem ágil, exuberância nos figurinos, Direção de Arte e contornos fotográficos intrépidos — é impossível não contagiar-se com o ritmo excessivo do filme. A forte carga cínica é externada constantemente, visto que os personagens são dúbios e maliciosos. A rivalidade das duas personagens femininas concebe uma mistura de humor, drama e emoção que proporciona inúmeras seqüências admiráveis. Tecnicamente esplêndido, o cuidado de Rob Marshall é perceptível também nas sutilezas, no sarcasmo que corrompe e denuncia o caráter de cada personagem seu em cena. Instigante também as melódicas músicas que compõe a esfera sonora, todas com conotações sobre paixão, sexo e passionalidade dos personagens. Ademais, criticam também o sensacionalismo e o fervor midiático contextual da época.
A força sexual dos personagens expõe todo o senso provocativo do filme. A caracterização dúbia, propensa à luxúria e desgarrada aos valores de fidelidade são traços perceptíveis da personagem principal, Roxie. A jovem que ambiciona ser uma vedete, não se prende aos princípios éticos. Infiel ao marido, não se importa em macular seu casamento com interferências extra-conjugais. Usada pelo amante apenas como objeto sexual, o mata logo depois. Roxie assume sua malícia também na prisão. No encalço da fama, deseja provar uma falsa inocência com o advogado Billy Flynn por quem nutre uma relação oportunista e também prevalece uma sutil tensão sexual. Já Velma Kelly é a representante da feminilidade libidinosa; femme-fatale, arrogante e decidida. O roteiro exibe as personalidades, os comportamentos e as motivações de duas mulheres tão rivais; mas próximas na expressão de sensualidade e no desejo de serem celebridades. No jogo sádico da trilha da fama; na sede pelo sucesso; no dúbio anseio pelo showbiz. Até as assassinas presas, da ala onde Roxie e Velma se digladiam, recebem uma expressão comportamental de libidinagem — “Cell Block Tango” é uma seqüência que retrata muito bem essa atmosfera dessas mulheres tão ardilosas, um momento musical antológico.
A combinação de luzes, cenários e vestimentas que priorizam elementos de cores avermelhadas são evidentes — simbolizam a atmosfera sensual que o musical expressa. Vermelho é a cor da paixão, da luxúria, do desejo. E caminha com a espirituosa coreografia que bebe da fonte de inspiração sexual de Bob Fosse. Instigante, provocador e selvagem são percepções da composição inspirada de Catherine Zeta-Jones — modulação de voz, talento pra dança e canto, posturas em cena, dignificam o filme. A atriz transparece um poder imagético hipnótico, é impossível desviar a atenção quando ela está em cena. Lasciva, elétrica, batom vermelho vívido e um carisma feminino delicioso de se ver! Decerto, os grandes momentos musicais do filme são obtidos com a sua Velma Kelly — “I Can’t Do It Alone”, em especial, seqüencia seu talento artístico e justifica o Oscar de Atriz Coadjuvante conquistado. Tanto Renée Zellweger quanto Richard Gere não comprometem o desenvolvimento do filme, ainda que sejam ofuscado pelo frisson erótico de Zeta-Jones. Ao fim, é notório como o tango pode mexer com os instintos da sexualidade apenas pelo ritmo provocante, e todo aquele jazz...
Sem Regras para Amar é definitivamente o que há de mais saboroso do realismo do homoerotismo dramático. Irrevogável espetáculo de emoções, humanismo contundente. Trata-se, portanto, de um atributo necessário ao conhecimento de todos: inevitavelmente, foi o primeiro filme a abordar profundamente a homossexualidade no princípio da década de 1980, totalmente naturalizado e sem estereótipos habituais. A trama foca na história de um médico bem sucedido - Zack Elliot (Michael Ontklean) é casado há mais de 8 anos com Claire (Kate Jackson), uma executiva de uma rede de televisão. Ambos vivem imersos em sintonia, afetividade e harmonia. Mas eis que Zack luta, desesperadamente, por seu sentimento de atração por outros homens. Enquanto o roteiro desnuda sua relação matrimonial e cotidiano profissional - expressa-se o outro lado de sua intimidade: Zack tem tesão em observar homens transeuntes pela rua, silenciosamente freqüenta bares homossexuais para observar e flertar e sua hora de almoço também vira sinônimo dessas procuras pelo próprio desejo em chama. Como enfrentar a própria ebulição de um tesão prestes a explodir? Voyeurismo? Sexo casual? Por acaso, constância surpresa, Zack conhece Bart McGuire (Harry Hamlin) - um escritor que o procura numa consulta para se medicar. Veemente, ambos se sentem atraídos um pelo outro: da amizade súbita, entre um almoço e jantar ali e acolá, da admiração que se revela como um zelo: o desejo verbalizado.
Zack descobre-se com fome de transar e viver sua própria escolha sexual, mais além: enxerga em Bart a chance de exprimir toda sua sentimentalidade, favorecendo sua essência da sexualidade, sem repressão. Contudo, Bart se nega a corresponder a firmação de um relacionamento sério, enquanto Claire questiona o marido pela mudança de comportamento e fragilidade na atmosfera sexual a dois. Como assumir o efeito de "sair do armário" sem abalar a esposa por quem tem tanto carinho? E como não abalar a si mesmo? Enquanto Zack deseja estabelecer um relacionamento estável, similar ao casamento heterossexual, Bart representa de certa forma a visão estereotipada dos gays, promíscuos e desinteressados em assumir compromissos.
O roteiro intercala esses questionamentos: a necessidade de certas pessoas priorizarem a fidelidade, outros por temerem a frustração - optarem pelo descaso afetivo em relações apenas firmadas no sexo casual. O discurso do filme desconstrói gêneros sexuais: prioriza a construção da satisfação, do prazer do corpo e da compreensão de um ser perante uma sociedade mascarada. O diretor Arthur Hiller explora ao máximo a situação da tensão entre os três personagens: o inusitado triângulo amoroso, a situação de escolha, a valorização pela identidade sexual e as motivações comportamentais. O cuidado da direção é evidente no tom emocional dos atores - Ontklean, Jackson e Hamlin estão naturalmente intensos em desempenhos explícitos de sentimento, densidade e caracterização de puro talento minimalista. O filme é um estudo sobre o limite do amor e do desejo, a firmação da identidade sexual e a contextualização de um homossexual em busca de afeto, companheirismo e auto-entendimento em meio ao desejo.
É um trabalho irretocável, superior a muitos filmes conhecidos do âmbito homossexual, provavelmente o melhor do tema já proposto por ter verve no melodrama convincente. Sem ser piegas, tratou de valorizar e humanizar um personagem em busca de sua essência sexual, livre de preconceitos e conflitos. A trilha sonora de Leonard Rosenman é melódica, melancólica e viabiliza o tom passional dos personagens centrais (a canção-tema "Making Love" cantada por Roberta Flack é singela em beleza). Os mini-monólogos dos três no decorrer do filme tornam o espetáculo narrativo mais palpável. A dramaturgia cinematográfica nunca foi tão gostosa, inegavelmente um primor emocional de reflexão humana. Faz-se, nítido, um ato de performance sincera revestida de sentimento.
Guerreiro
4.0 919 Assista AgoraNão é um filme de MMA, é um filme de dor, de esperança, de compreensão familiar. É um filme que nos coloca próximos da realidade da vida sobre carências e necessidade de amor — dois irmãos separados por traumas, desavenças e desarmonia dentro de uma família em pedaços. Um filme que coloca reflexões constantes. Nos perguntamos como pode existir tanto ódio e amor através de dois irmãos em constante falta de perdão. Aqui o elemento da "luta" é nítido, mas o que toma conta mesmo é o contorno drástico-emotivo-dramático dos personagens. É quase um terror observar o personagem de Nick Nolte, brilhante atuação por sinal, tendo ( ou tentando) recuperar o amor-perdido de seus filhos. Como fazer entender que o alcoolismo acaba com uma família? E sem perdão e recuperação, não existe nada mais que possa recuperar o tempo perdido. Eis aqui uma trajetória de dois irmãos perdidos, sofridos e carentes diante de um pai que os negligenciou por toda uma vida. As interpretações de Tom Hardy e Joel Edgerton são fortes, precisas e hiperativas. É um trabalho contundente este, sem dúvida um filmaço! Difícil esquecer as cenas finais.
O Preço do Amanhã
3.6 2,9K Assista AgoraNada mais justo que colocar a questão do "tempo" como elemento de sobrevivência. Eis a ironia deste filme que coloca o dinheiro como intrínseco e sinônimo ao tempo. Como estabelecer ordem num mundo onde o caos pelo tempo se estabelece? É possível ser eterno? Juventude eterna, um mundo onde todo mundo tem 25 anos, na casca da beleza — é também o reino social onde qualquer ser humano tem que viver no limite da sobrevida, no desespero por mais um minuto sequer de tempo-existência, onde as horas são cruéis à existência. O capitalismo do tempo que corrói, que comanda e que aprisiona o indivíduo no sofrimento por dia. Andrew Niccol promove uma rápida discussão do que seria o caos de mundo, um filme onde há um tom realista de "futurismo", visto que não existe nada mais concreto que seja a representação do Homem senão a busca por tempo, por eternidade, por controle de vida. O ritmo febril, certos diálogos e contextos apresentados na estrutura do "futuro" e o que poderia ser uma suprema ficção-científica limitam-se a ausência de profundidade. É cinema-pipoca, puramente, não temos como elocubrar mais que isso. O talentoso Justin Timberlake personifica o personagem-ativo-heróico que vive o romance-dramático com a sempre inexpressiva Amanda Seyfried. Há cenas de ação, tensão necessária e um roteiro que, bem verdade, poderia ter sido muito mais proveitoso. Pontencial houve de sobra, mas o filme apenas se limita ao entretenimento, é esquecível, ainda que assistível. Nada mais que isso.
Encantada
3.4 1,2K Assista AgoraNão é surpresa alguma esse filme ser facilmente degustado pelo público. Sem dúvida, é um trabalho infantil, mas que tem um apelo que vai além da esfera feminina. ENCANTADA nos atrai, envolve e é muito interessante. A proposta possui traços de comédia-romântica, leve humor e romance. Interessante conferir Amy Adams como Gisella, a princesa-padrão iludida dos filmes mais conservadores dos contos de fadas da Disney. É a princesa que sai do desenho de vida perfeita pro plano da realidade e tem que perceber o mundo humano dotado de imperfeições. Não é necessário dizer que a paixão floresce quando a jovem, além de se confrontar com "o mundo dos humanos", passa a conviver/conhecer o advogado frustrado e cansado de amor, Robert. Patrick Dempsey personifica o símbolo masculino que toda mulher quer: é belo, astuto, romântico e dotado de uma sensibilidade que auxilia seu cavalheirismo.
A perfeita combinação de cenas açucaradas, o musical que punge e é tão característico de filmes da Disney, aqui encontra a força perfeita para tornar a boa química de Adams com Dempsey em cena, de fato ambos sustentam o amor-inocente e puro que a obra quer transparecer. E a trama mostra esse desenvolvimento da princesa que é alvo da bruxa-má Susan Sarandon, a mãe do príncipe bobão Edward, interpretado com ótimo timming-cômico por James Marsden. O filme encanta mesmo, não deve ser evitado, nem mesmo por aqueles que admiram, apenas, obras mais adultas. Aqui a Disney traz os seus melhores elementos perceptivos e discursivos. As canções indicadas ao Oscar 2008, How Does She Know”, “So Close" e “Happy Working Song”, tornam o envolvimento muito mais nítido. Nada melhor que um filme onde a magia ganha corpo e é capaz de contagiar. Realmente, trocadilho à parte, é um filme encantador!
Romeu + Julieta
3.4 682 Assista AgoraA trajetória deliciosa do amor emulado com ódio agridoce, do martírio consequente do romance trágico, ganha um novo verniz contemporâneo na releitura de Baz Luhrmann e do roteirista Craig Pearce no frenético Romeu + Julieta. Eis que o texto clássico de William Shakespeare adquire orgasmo vital na plasticidade estética, diante do ritmo efervescente da mise-en-scène e dinamismo interpretativo - além da deslumbrante fotografia que encontra gozo na gritante composição de cores que explodem e charme da direção de arte. O terreno é na fictícia Verona Beach, repleta de sexualidade e esquisitices. O amor impossível agoniza ali. Como não ter prazer com tanto esmero visual? Há maior amor que estar predestinado a sentir, passo a passo, as vicissitudes das feridas exaladas pelos amantes revigorados por Luhrmann? O amor é um fogo que se arde? Bem verdade, a sexy afetuosidade encarnada dos amantes de Shakespeare atinge a glória sensual nesta bela transposição moderna que é puro luxo conceitual. É sexual observar a história transposta aos dias atuais - sob os mesmos diálogos classicistas e versos da peça original - e vivenciar os entraves non-sense dos Montéquios e Capuletos, em meio a carros alegóricos conversíveis e pistolas estilizadas. É quase tribal a luta entre essas duas famílias mafiosas. Eis Verona Beach em sua insanidade, com destaques aos edifícios das grandes empresas das duas famílias rivais, aqui duas grandes industriais, e nas ruas os transeuntes envergando roupas coloridas, alguns gang-punk e outros drag-queen, criando essa contextualização trash-moderna proposta pelo visionário Luhrmann. Eis a delícia contemplativa de vivenciar os diálogos clássicos de Shakespeare sob o verniz moderno, sob os arranha-céus e cidade consumista atual. A atmosfera de ação desenfreada ganha molde com o romance trágico, ora é inquietude narrativa ora é tranqüilidade sentimentalóide.
Na concepção de Luhrmann, o amor de Romeu (Leonardo DiCaprio) por Julieta (Claire Danes) é ainda mais ansioso, desesperado, aflito impulsivo - repleto de hormônios. É a ânsia de amar por ser amado? O amante vê na mulher todo seu sonho, o desejo incondicional - é a chance de se viver, pois o amor é um vigor que liberta a alma e também o corpo. E Luhrmann desconstrói e reconstrói sua fábula febril, sob a imortal sabedoria de Shakespeare, no seu amparo visual, recursos marcantes deste diretor. Interessante que há cortes rápidos, dinâmicos e bruscos em cenas mais gerais - contudo, quando o foco é no casal, o amor amortece o ritmo e tudo tende a ser suspirado, calmamente. E a tensão é expressada, frame por frame. E há beleza testada. A cena que ambos se conhecem, pela primeira vez, através de um imenso aquário colorido, consegue ser mais impactante (conceitualmente) que a visão original Shakespeariana. A cena pulsa sensibilidade, ao som de "Kissing You de Des'ree", acentuando em close-up as expressões contagiantes de DiCaprio por Claire Danes - é Romeu apaixonando-se integralmente por sua amada Julieta. Nota-se a força da direção de Luhrmann na cena que prefigura o efeito meloso do romance intensificado. É tocante a expressividade do amor de um para o outro - se em poucos minutos fica evidente o sentimento fiel e platônico; rapidamente, tanto ele quanto a donzela, desmedem frases de efeitos do mais puro desejo da carne. Cenas extensas dentro do elevador ou emolduradas pela piscina - são beijos prolongados, trocas de juras eternas e toda aquela febre já conhecida por todos. Mas que, pontualmente, encontra mais determinismo, visto que os amantes idealizados por Luhrmann demonstram mais sede de amar e ter prazer - artifícios sexuais? A corporização juvenil é voraz, dois que fazem sonhar o mais impossível. A oralidade é um aspecto relevante, a começar com os diálogos: os atores falam inglês, mas não o inglês atual, surgindo um contraste entre o moderno e o antigo.
E Leonardo DiCaprio encarna o exato romântico passional, seus olhos azulados pulsam o brilho deste teor da verve apaixonada e seus gestos interpretativos são bem incisivos - eis um Romeu mais sexualizado? De fato, soube dar a cândida virilidade exigida pelo papel. Há olhares mais maliciosos, há beijos mais quentes, tônicas desta nova concepção moderna. A composição de DiCaprio mostra mais realismo: é humana, frágil, com vícios e seu tesão imediato transparece quando está em cena com Claire Danes. Esta transfigura uma Julieta menos inocente, mais altiva e também sensível - sua voz é bem imperativa, não expressa tanto um aspecto pueril assim. E há química sexual e bom entrosamento entre ambos, mais dignos pela força do texto rebuscado, ainda que o forte talento de DiCaprio seja mais contundente - e sua beleza também - dominando muitas cenas. Os coadjuvantes embalam mais a febre: Pete Postlethwaite como o Padre Laurence; Paul Rudd como Dave Paris; John Leguizamo convence como Teobaldo; Paul Sorvino é expressivo como o pai de Julieta e há o extravagante insano Harold Perrineau como Mercúrio. Alia-se, aí, a sonoridade de Garbage, The Cardigans, Radiohead como ícones musicais que concebem o pano de fundo da aura pop do filme. Luhrmann recorreu de todos seus métodos, sua pirotecnia com as câmeras ágeis - é a linguagem de videoclipe temperando as rimas originais de Shakespeare.
Observa-se o teor sexual do filme, mas é a religiosidade que impera estilo também. No início da película há uma estátua de Cristo que acolhe a imensa cidade de Verona. No decorrer da trama, Julieta está sempre cercada por imagens de santos e anjos - nota-se, também, o momento que ela própria se veste de anjo com asas. No epílogo da trama, a morte dos amantes é adornada por cruzes dentro de um imenso cenário de velas e luzes de neon. Assim que os corpos expirarem, as almas teriam a felicidade eterna? O tom cristão é presente na obra. É bom salientar também a própria ambigüidade criada no título do filme: "Romeu + Julieta" - o sinal de adição se assemelha ao aspecto da cruz, seria aviso que Luhrmann estaria voltado para esta visão de religiosidade no texto Shakespeariano? Há todo um conceito cuidadoso por trás dessa releitura - a dosagem de sentimento, do sexo e da religiosidade se mantém plastificado dentro da visão eloqüente de Baz Luhrmann que inova o texto do bardo, unindo a palavra e a imagem num resultado surpreendente.
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3.9 2,2K Assista AgoraPor que não ver a vida com outros olhos sem menos dor? Como driblar o destino que parece nos surpreender com algo aparentemente cruel? É possível vivenciar o cotidiano com mais esperança e menos pessimismo? Está aí um filme muito sincero, comovente e autêntico. Bem verdade, é uma trama dramática-dolorosa sob um verniz do humor que faz com que a narrativa não seja tensa ou sobrecarregada de gratuito melodrama.
Aqui temos um personagem que precisa lidar com sua doença — tantos filmes já exercitaram esse sentido com muito sufoco e agonia —, mas o mais interessante é que não nos sentimos angustiados, mas sim admiradores de um ser bem cativante. Obviamente, Joseph Gordon-Levitt é um ator que nos surpreende por conta de uma caracterização emocional e muito ativa, repleta de sutilezas interpretativas e expressiva personalidade. Facilmente o público se identifica com seu Adam, suas dores, seu choque de ter que lidar com o câncer que pode suspender sua vida tão nova.
A direção de Jonathan Levine é cuidadosa, não se limita a ser superficial, ainda que percebamos o tom agridoce e certo humor, constante, no roteiro — percebe-se que a intenção não foi promover um choque exaustivo de dor, mas sim um filme leve e íntegro, ainda que providencie percepção e humanismo. Acima de tudo, um trabalho que faz qualquer um se emocionar com o que vê, de fácil digestão e boa reflexão. O alívio cômico vem da atuação hiperativa de Seth Rogen — ótimo ator da esfera comédia — que eleva os momentos mais divertidos da trama.
Interessante o balanço do humor com doses de drama, ainda mais quando Gordon-Levitt precisa lidar com sua conturbada relação afetiva por conta de uma namorada imatura, interpretada por Bryce Dallas Howard, uma atriz que se envolve muito com suas personagens. Anna Kendrick — a jovem terapeuta que se depara fisicamente abalada e interessada pelo cliente doente — confere uma boa atuação e tem química com Gordon-Levitt; acentua o tom "romântico" da fita. Anjelica Huston é a mãe superprotetora, passional e que garante boas cenas de diálogos mais tocantes. Um filme admirável que também se firma numa trilha sonora pop bem saborosa de ouvir. Excelente pequeno trabalho cinematográfico! Puramente honesto e desde já marcante.
Uma Rua Chamada Pecado
4.3 454 Assista AgoraÉ pura testosterona observar Marlon Brando na completa tensão sexual, sedução e desejo. A luxúria arde em cada diálogo, o desejo evidente em cada cena. O deleite é o embate psicológico dele com Vivien Leigh. Este é um filme definitivo, obra máxima do cinema clássico, um ícone atemporal. É o ponto de confluência entre o cinema de Elia Kazan com o texto sexualizado de Tennessee Williams. O roteiro tem um primor na adaptação, mas o elenco é amplamente perfeito: as atuações são intensas, os diálogos provocativos e o filme todo concebe um clima sexual-psicológico incrível. O trabalho sensual de Elia Kazan sob o texto ardente de Tennessee Wiliams concebeu um novo estilo às adaptações do teatro à língua cinematográfica, um novo foco narrativo e uma direção mais inovadora - mas, sem perder a essência teatral. Há a concepção de toda uma atmosfera da sexualidade, entre quatro paredes: Stanley Kowalski (Marlon Brando) é o filho de imigrantes poloneses, um homem bruto, de óbvio apelo sexual, estúpido e vingativo, que teme pelo seu casamento com a chegada de Blanche DuBois (Vivien Leigh), irmã de sua mulher - Stella (Kim Hunter) é escrava de sua paixão por Stanley: Simplesmente não consegue resistir a ele, e ele usa e abusa de sua sexualidade para conseguir tudo o que quer com ela – inclusive uma certa “absolvição” no final da peça original. Blanche é assediada pelo amigo de Stanley, Mitch (Karl Malden). Ele é o próprio americano grandão, meio abobalhado, que vive à sombra da mãe - é quase que a inocência encarnada, tenta ser cordial e correto, corteja a mulher que confia ser pura e casta - Blanche - mas descobre posteriormente que ela tem um passado de mentiras e promiscuidade.
A tragédia, aliás, está o tempo todo presente na trama. Além do perfil teatral proposto pela direção de Kazan, a película cativa com o determinado duelo entre Brando e Leigh - ele explosivo, institivo rude, másculo agressivo e ela com sua feminilidade frágil, etérea e até poética. A trilha sonora de Alex North é um capricho e auxilia nos ápices das cenas ferinas com alto teor de puro charme. O filme contextualiza o sexo em cada cena: a ideologia dos personagens é exercer o desejo? Há uma certa motivação idealizada na necessidade do sexo, na aprendizagem de lidar com as próprias ânsias das artimanhas do tesão. Os cenários, as falas e até os atores parecem estar em pleno estado de luxúria condenativa. O sexo é um conhecimento coletivo de reflexão? O fogo do desejo consome cada situação e a tensão sexual torna o roteiro repleto desta contextualização da libido existencial. Há sutis subcontextos de homossexualidade, traição e desejos reprimidos.
Definitivamente Marlon Brando proporciona uma explosão de testosterona, sua virilidade ímpar e sua malícia exala em cada gesto interpretativo. Vivien Leigh demonstra a sua feminilidade no ódio e desejo - Blanche sente-se atraída irrevogavelmente pelo marido da irmã, com olhares contidos de puro tesão reprimido, mas demonstra seu ódio em plena dissimulação. Ela quer o macho machista e selvagem para si própria? É gostoso observar a sensualidade de Brando com sua camisa suada, colada ao corpo e com uma masculinidade agressiva pulsante. Delicioso másculo! O garanhão causa tesão e repulsa - seduz com sua virilidade, mas causa aversão por ser o exímio expemplo de machista ultrapassado, ainda mais por ser um agressor à mulher.
O duelo de Stanley com Blanche seria a relação do tesão se fundamentar nas extremidades do amor e ódio? Ou a repulsa é aliada à atração sexual? Havia fetiches inconsoláveis segredados por Blanche, talvez até o próprio Stanley tivesse consciência disso. A dualidade transposta pelos dois personagens funcionam como elementos-chave, atrativos e completo ritmo argumentativo da trama densa: sob o mesmo teto, ambos têm que interagir dentro da exteriorização da tensão sexual que configura a relação, além da convivência psicológica absorvida nos tratos e nas personalidades tão distintas. Stella, dotada de instrução e comportamentos mais aristocráticos tentava resistir aos impulsos provocativos da libido exercida pelos atos e artimanhas rudes de Stanley - no íntimo, claramente, ambos se desejavam mortalmente. É um jogo psico-sexual perigoso, mas o prazer é evidente. A química entre os atores, os diálogos ferinos e a liberação de testosterona tornam tudo absolutamente palpável sexualmente - nunca o sexo foi tão febril e tão sutil, em forte teor narrativo cinematográfico. Definitivamente uma obra-prima, jamais envelhecido, nem mesmo pela censura.
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Grease: Nos Tempos da Brilhantina
3.9 1,2K Assista AgoraComo não se excitar pela dança que impulsiona o desejo? Este filme consegue se manter deliciosamente fundamentado como clássico cult musical, enérgico efeito e impulso narrativo de overdoses de canções cicatrizantes. Um filme que, dotado de imensa integração interpretativa, consegue se revelar ainda inovador, íntegro musical que preserva seu poder influenciador. Pois, bem verdade, o trabalho tornou-se febre e ainda se transforma em gerações antigas e atuais - ora, se há tantos admiradores incondicionais, amantes da obra e das canções envolventes, de fato a produção consegue sensibilizar até os não adeptos do estilo melódico. E o romance inocente, de diálogos que transportam uma contextualização juvenil, mesclando o humor ao melodrama adolescente, impulsiona emoção. O foco é ambientar a eloqüência da juventude dos anos 50: repleta de inseguranças, desejos, medos, sexualidade em ebulição e todos os hábitos característicos do modismo daquele momento. Os jovens libertinos, cansados dos fantasmas da guerra, usufruem e se lançam na febre do rock'n roll! E inserir um romance focado em dois jovens estudantes transparece o quão sentimental, febril emocional e realístico é o filme: decerto, Danny (John Travolta) e Sandy (Olivia Newton-John) são tangíveis nas suas trocas banais de amor, na experimentação do desejo e no progresso do palpitar do sentimento que amadurece. Ambos se envolvem, como inúmeros jovens, sem se permitir à racionalidade: tão logo se conhecem, predestinam-se à eternidade. E isso fica evidenciado logo na primeira cena do filme. Ele oriundo dos Estados Unidos, ela da Austrália - quando se conhecem nas férias de verão, é quando o desejo se mistura ao prazer do sentimento inovador. E eles se permitem a essa relação nova, acreditam que são únicos. Confidenciam trocas de amor eterno, pacto do desejo. Obviamente, o roteiro trata de inserir problemas à sintonia do casal passional: quando Sandy se matricula na mesma escola de Danny, ela percebe que ele está inserido num universo de influências de amigos, flertes com outras mulheres e que há um consentimento dele em se submeter à "gangue" do qual faz parte.
Por sinal, o universo dos anos 50 ganha uma caricatura convincente: mulheres andam de um lado com pseudo-feminismo e atitudes mais ousadas; homens exercem sua masculinidade lasciva rebelde - entre cigarros, gel no cabelo e bebidas. É dentro do universo da instituição escolar que Sandy observa que sua inocência é motivo de gozação, apreciação e estranhamento coletivo alheio - todos jovens, de alguma maneira, são transgressores do sistema e questionam a vida com atitudes condicionadas na liberdade do sexo, liberdade de expressão (adotam termos, gírias e falas mais libertárias), entre rachas de carros e bailes de dança, devorando cada minuto da vida. Jovens rebeldes, dinâmicos, repleto de imaturidade. E nesta teia de tribos, gangues, distinção entre populares e tímidos, é que Sandy percebe que não se enquadra: sua inocência, seu conservadorismo, sua introspecção causa até incômodo à virilidade ativa e machista de Danny.
John Travolta transparece seu talento, charme e interpretação dotada de maneirismos que imortalizou o personagem. Olivia Newton-John, a típica garota inocente que limita sua feminilidade, demonstra toda a meiguice que faz jus à fragilidade da personagem. A narrativa é impulsionada por canções, números de danças e duetos fortalecidos por canções que, indubitavelmente, contagiam pelo teor melódico e letras pulsantes. A sentimentalidade se intensifica com os passos bem coreografados, os corpos vibrantes e as músicas que soam como hinos gostosos. Haja emoção em cada contexto de cena! Corpo, movimento, expressão e sentimento. O musical tem pouca ousadia narrativa, é até convencional na estrutura visual - porém, o charme consiste no gratificante apelo do romance de inocência, ingênuo e passional de Sandy e Danny.
A atmosfera lúdica das canções concebe a importância do filme como musical e eleva ao patamar de clássico o aspecto da obra. Canções ícones: "Grease", cantada por Frankie Valli, que abre o filme, é enérgica; há uma singela de amor em reflexão no "Hopelessly Devote To You", cantada por Olivia Newton-John e a marcante "You're The One That I Want", imortalizada por Travolta e Newton-John - além do momento-chave e ápice: a música "Summer Nights", talvez um das cenas mais inesquecíveis do cinema. A magia performática do filme reside na trilha sonora que conseguiu captar o espírito dos jovens dos anos 50 e com um carisma efervescente. O maneirismo de composição de Jim Jacobs e Warren Casey, criadores da peça de teatro da qual o filme foi adaptado e que assinam boa parte da trilha, tem uma fluidez orgânica. A delícia é o contágio sentimental, a sexualidade pautada com devoção de amor em músicas adocicadas e na consistência interpretativa de um John Travolta sex-simbol, intenso e saboroso que dinamiza - ora ele impera seus trejeitos de apurada composição, ora ele canta/dança com esmero talento corporal/vocal. Há no filme uma expressiva delícia de musicalidade, humor e romance que jamais perde tesão. Com sabor, eis um ato cinematográfico nostálgico. Rock'n roll sexual romântico eivado de desejos juvenis.
Ladrão de Casaca
3.7 260Somente o apurado olhar técnico e humano do mestre Alfred Hitchcock para conseguir exercer um suspense que mistura elementos do drama e romance delicioso. Totalmente charmoso, é um filme que se alia da elegância e estilo próprio do diretor que fazia da arte um conceito nítido. Com base no romance de David Dodge, Ladrão de Casaca é um dos trabalhos mais ousados já articulados por Hitchcock. John Robie (Cary Grant), também conhecido como "o gato", é um ex famoso ladrão de jóias que, outrora, executava grandes furtos e roubos à alta sociedade. Típico bon vivant, ávido por riqueza e luxo, roubava porque queria ter uma vida firmada na satisfação do consumo - ostentar seria a boa definição, pois via no dinheiro apenas a maneira de ter prazer e ser feliz, não roubava para sobreviver: apenas gostava do dinheiro fácil, da vida mansa. Contudo, após ser preso e arrepender-se dos velhos hábitos, Robie torna-se o principal suspeito quando novos roubos passam a ser frequentes em hotéis de luxo da Riviera Francesa. Como provar sua inocência? Quais ligações tem esses furtos com sua pessoa? Todos acreditam, inclusive a polícia, que os roubos têm ligações precisas com o estilo e sua abordagem característica de furtar. Como provar que nada tem a ver com isso? Para provar sua inocência, deve prender o verdadeiro criminoso que imita seus gestos nos antigos roubos. Atordoado, confuso e impulsivo, Robie vê a oportunidade de provar a inocência e até virar o jogo - atraindo como isca o misterioso - ao conhecer a herdeira mimada Frances (Grace Kelly). Eis que o destino reserva surpresas: ambos passam a ter uma forte atração, um desejo súbito e, apesar do frisson inicial, a desconfiança impera quando a mãe de Frances tem suas jóias roubadas. Como fazer a jovem dondoca acreditar em sua lealdade? Será mesmo ele tão inocente assim?
Hitchcock aqui se abstém de seu lado soturno, claustrofóbico, e firma sua narrativa no puro primor imagético e romanceado. Sim, um filme sofisticado em grande escala. Há um clima mais descontraído, visto que certos elementos de humor se mesclam aos contextos de suspense e dramas, além da estirpe de romance que centraliza os dois personagens. É um suspense romântico leve? Os toques de mistério se misturam com a verve da paixonite dos amantes em cenas. Mais, a película é totalmente um exercício de diálogos e muita insinuação visual e na dialética. Nota-se uma inteligência, um ardor ácido-irônico e uma experimentação da dualidade provocativa dos personagens. Em certas cenas, Robie e Frances insinuam-se com palavras dúbias, duplo-sentido evidente. Eis a delícia sexual proposta com criativa sutileza Hitchcockiana? A aventura romanceada com toques misteriosos induz o espectador na atmosfera repleta de ironias desencadeada. De fato, o filme torna-se moderno pelo bom desenvolvimento dos diálogos do casal central, da fotografia do colaborador habitual Robert Burks (decerto, um dos maiores aspectos que tornam o filme mais prazeroso de se ver) e da fluidez das cenas - ora há sequências dinâmicas, com senso espirituoso e de humor; ora há cenas que são longas, sem corte, favorecendo a interpretação e, concomitantemente, a overdose da química sexual entre Cary Grant e Grace Kelly. Há passagens no filme que ambos parecem estar improvisando, tamanha veracidade em cena.
Nota-se que, neste caso, o ponto-chave do mistério em si pouco importa: o casal passa a vivenciar uma perigosa relação. O tesão é evidente, visto que os personagens demonstram, claramente, o desejo que sentem um pelo outro - revitalizando o progresso da convivência, do sentimento. Porém, devido ao teor irônico que permeia o roteiro, a relação é assediada com muita malícia e sarcasmo sexual suavizado. Frances insinua-se para Robie, ainda que tente preservar sua arrogância e seus dotes elegantes que transparecem certa frieza. Ao mesmo tempo que tenta induzir o outro com seu charme, seu apelo feminino, afasta-se dele por, talvez, não reconhecer nela própria sua emocionalidade em estar apaixonada. Já Robie, além de afastar-se da tentação que o corrói e das investidas da beldade da alta sociedade - incomoda-se na súbita curiosidade que a moça tem em querer saber sua identidade. Será que é válido amar e confiar nela? O dom subversivo de Hitchcock em fugir de algumas regras de seus grandes filmes, torna este trabalho bem peculiar. Porém, o bom estilo está presente: um homem acusado injustamente; a loira fria, mas carregada de artifícios femininos de sensualidade; mistérios entrelaçados na trama e revelação surpreendente no ápice final. Obviamente, a trilha sonora de Lyn Murray foge um pouco do apelo climático do suspense carregado para externar acordes mais sensíveis e de acordo com o invólucro de romance que evoca o roteiro.
E neste seu thriller-romântico que Hitchcock esquadrinha a sensualidade delicada em expor Grant em cenas de short com peitoral à mostra, banhando-se na praia. Inclusive, a própria Kelly por si só determina seu dom de sedução com apenas um olhar, pernas de fora ou gestos imperativos. Talvez, este apelo sensual exalado pela química do casal, do romance acometido, proporcione o revestimento de "filme romântico" - de fato, há mais tensão sexual dos dois em cena do que do senso de suspense em si. A estética visual (tomadas aéreas, inovadoras na época), técnica e emocional são adornos eficientes. Nota-se, como sempre, o apelo másculo que Grant incorpora em seus personagens e na composição felina elegante que Kelly desenvolve para seus papéis. Os planos gerais que se misturam com closes fechados, paisagens panorâmicas que esmiuçam a beleza de Riviera e os figurinos excepcionais decupados por Edith Head: tudo é conceito para Hitchcock executar seu filme mais romântico. Um humor negro para abordar as intrigas do tesão e da paixão? Ainda que o final em si não seja tão imprevisível, só pela boa abordagem psicológica e insinuações provocativas de pura elegância fazem um bom espetáculo. Nítido filme dotado de delícia em sofisticação.
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Capote
3.8 372 Assista AgoraPhilip Seymour Hoffman inegavelmente entrou para a cinematografia histórica por sua personificação. A maneira como o ator se libertou, integralmente, de sua essência para incorporar uma outra, no caso Truman Capote, é impactante de se observar. O Oscar de Melhor Ator não foi à toa.
Instigante filme que preza, sem medo, o lado humanístico de seus personagens - no caso, uma intrigante história real sobre um fato revelador, mas ainda misterioso. O que falar do processo de construção do autor diante de seu tema que, não casualmente, é um fato realístico? Truman Capote foi a fundo em seus anseios de pesquisa, talvez pecou pelo excesso, visto que sabemos que sua relação com os assassinos Dick Hickock e Perry Smith (Clifton Collins Jr., atuação eficaz também) foi muito mais que um contato de um jornalista com sua fonte. Temos aqui a comoção, o envolvimento, a maneira como um ser humano se liga de maneira dolorosa com o lado mais tenebroso, a mente assassina.
E o filme apresenta essa trajetória ao colocar o confronto de Capote com os assassinos - há boatos que sustentam uma provável relação afetiva-sexual dele com Perry, mas isso fica subtendido. Ao meu ver, era apenas um ser em compreensão com o outro, sem muitos julgamentos, ainda que seja claro a posição do Capote quanto àqueles crimes horrorosos. É um filme pra se sentir, totalmente intimista, mas violento. A atuação de Hoffman é absurda que conseguimos esquecer que o elenco funciona como um todo ali. Nota-se que, por fim, a experiência pessoal do autor em escrever sua já conhecida "obra-prima", A Sangue Frio, fosse mais uma reflexão humana já que foi tocado de maneira forte até o fim de sua vida. A verdade é que Truman Capote não seria mais o mesmo depois do que vivenciou ali...
A Pele que Habito
4.2 5,1K Assista AgoraSomente Pedro Almodóvar para continuar mostrando que dentro do exercício cinematográfico existe a pura arte. Não existe cineasta atual — não desmerecendo tantos outros que criam e recriam, cada um ao seu modo próprio, a argumentação experimental na esfera fílmica — com maior poder de criatividade e sustentação humana. Sim, ver um filme de Almodóvar é poder ir de encontro ao lado mais íntimo, sombrio e cruel da existência da humanidade. E o que mais me deixa admirado com esse homem é a única capacidade de recriar em cima de um tema aparentemente "banal".
Entende-se que A PELE QUE HABITO poderia se firmar numa trajetória comum, sem grandes inovações, já que a primeira metade do filme se sustenta num contorno já explorado na sinopse do filme. Ou seja, começamos contemplando esse filme com um determinado olhar e noção de tudo ao nosso redor, até quando tudo vem à tona e o lodo dos seus personagens se esvai da pele, da alma e do corpo. Somos contagiados com tamanha reviravolta que salta aos nossos olhos abismados, antes mesmo de compreender tudo. E é um filme que não se perde diante do quebra-cabeça, pelo contrário, se fortalece. Almodóvar nos instiga com uma narrativa original, repleta de sedução e morbidez extrema.
E falar deste filme é também se precaver, visto que devemos evitar ao máximo evidenciar o caráter da obra — assim, todo espectador poderá ter o estomago revirado com tantas situações catárticas em menos de 2 horas de projeção. Bem verdade, é um filme de estilo novo e fora do eixo habitual do cineasta, não tão quente como os seus maiores clássicos, mas ainda assim se mantém único pelo traço de abordagem. Conseguimos perceber a mão do cineasta em diversas cenas, diálogos e ideais — a perversão aqui se faz presente; o fetiche pela discussão da sexualidade e o tom incisivo em evidenciar a malícia/dualidade de seus personagens são nítidos.
Engana-se quem afirma que aqui temos um filme anti-Almodóvar, pelo contrário, é perceptível um diretor mais à frente de seu tempo em se preservar e se transformar, ao invés de se mostrar repetente. Afinal, estamos tão cansados de filmes semelhantes, nada melhor que conferir um filme puramente latente e de estética-sensorial que nos brinda com uma sensação dilacerante ao fim, nos deixa catatônico. Obra-prima perturbadora, impactante e contundente.
Assassinos
3.3 192 Assista AgoraRichard Donner é um especialista em construir tensão e ação em seus filmes de exercício do puro entretenimento hollywoodiano. Para tanto, não precisamos elocubrar em relação a este também, visto que a trama preserva elementos tão banais e clichês visíveis, ainda que não comprometa a obra como um todo. Há sim uma boa direção e um teor de suspense que permeia a obra, isso é constante. Stallone aqui não tem os vícios da apatia, ainda que esteja longe do talento ideal, mas sabe conduzir bem seu perfil de "herói" diante de um personagem tão perto da maldade. Mas, sem dúvida, o "charme" desta fita é por conta de um Banderas no auge da beleza ainda, malicioso e perverso como o antagonista ideal da trama que faz com que o filme ganhe mais ritmo. É interessante o jogo de "gato" e "rato" dos dois atores, ainda mais com a presença feminina de uma Julianne Moore que vira alvo dos dois - um é uma espécie de protetor que vira seu guardião, além de ter uma nítida afetividade-sexual. O outro a quer para matar. As cenas de luta, ação imoderada e tiros sem fim me lembra os grandes filmes da década de 80, quando os personagens não tinham muito o sentido a não ser correr atrás um dos outros para "se matarem". Contudo, o resultado é satisfatório, vale a conferida.
Eclipse de uma Paixão
3.6 221 Assista AgoraA homoafetividade é tratada com poder irretocável, sensibilidade e expressão no belo Eclipse de Uma Paixão, filme dirigido por Agnieszka Holland. O trabalho prioriza o relacionamento proibido homossexual dos poetas franceses Paul Verlaine (David Thewlis) com Arthur Rimbaud (Leonardo DiCaprio). O roteiro de Christopher Hampton, sustentado com base nos diários, cartas e poemas dos dois escritores, foca na tempestuosa relação desses dois homens que provocaram uma sociedade conservadora do século XIX. Rimbaud, com então dezesseis anos, exibia um precoce talento pela escrita, revolucionou a poesia daquele período e foi alvo de muita polêmica pelo comportamento transgressor e arrogância acentuada. Verlaine mantém um casamento aparente com Mathilde Maute (Romane Bohringer), onde é sustentado pelo pai dela. Quando decide apadrinhar o jovem Rimbaud, Verlaine transforma sua vida num inferno: a admiração entre ambos é gradual, do encantamento inicial e admiração intelectual, surge um desejo avassalador. Como conter esses impulsos? Será que apenas o tesão é o único elo que situa esse envolvimento de dois grandes poetas? Centrando-se nessa problemática da homoafetividade e do desejo entre dois homens, Holland articula um filme que não só retrata turbulentos fatos reais — é um exímio trabalho cinematográfico ousado, recobre com sensualidade e poesia a atmosfera carnal de um relacionamento selvagem entre duas pessoas sob as amarras predatórias de uma sociedade preconceituosa. Não existe maior adversidade que os próprios impulsos do desejo. A vida torna-se um martírio e nem sempre é algo compreensível.
A homossexualidade não é um suporte dentro do recorte que prioriza as trajetórias desses dois poetas — torna-se o foco principal, é através desse senso sexual que o filme se sustenta. O roteiro, totalmente provocante e com diálogos poéticos, acentua a estranha e intensa relação de Rimbaud e Verlaine. Há cenas que demonstram o gradual envolvimento de ambos, inicialmente com as trocas de olhares para o interesse sexual mútuo. É a típica história, tão recorrente do universo gay, sobre as impossibilidades de um relacionamento entre dois homens que precisam manter as aparências sociais. O conservadorismo cruel do século passado considerava uma afronta à religião; aos rigores sociais e ao falso puritanismo que pune com veemência as adversidades sexuais — a relação dos poetas nasce no segredo e é difícil ser alimentada dessa maneira. Interessante que ainda que com personalidades distintas, esses dois poetas encontraram na paixão algo a ser compartilhado. E o filme exerce esse fascínio polêmico, pois incuti um tom sadomasoquista e violento na relação de desejo e convivência dos amantes. O desejo alimenta-se da emotividade, para tanto o teor passional comportamental é evidente na condição relacional dos dois. A prioridade do roteiro é caracterizar essa relação homossexual dos dois, dando pouco espaço para subtramas sobre a questão literária de ambos ou focos familiares. O tom sentimental é mais nítido, visto que a trama acentua esse relacionamento masculino sedutor.
As constantes cenas de sodomia praticada pelos poetas elevam a sensualidade da trama, a direção prioriza algumas cenas de sexo entre os dois. Além, exibe sequências onde os atores despem-se fisicamente e em diálogos sexualizados. Há ainda um tom íntimo e provocador, pois explora o contato dos personagens em cenas de beijo e afetividade. E é o sexo que vai demonstrar questões bastante preocupantes daquele período: Verlaine é acusado de adultério pela sua esposa que não se conforma em ser uma mulher rejeitada pela sociedade; a típica representação feminina que sabe das preferências sexuais do marido, mas não consegue se expor perante uma sociedade, aqui encontra um caminho inverso. Verlaine não sabe lidar com seu casamento, nem mesmo manter a infidelidade como alternativa — então, habitualmente, abandona sua esposa em diversas situações, apenas para intensas noites de sexo com seu amante Rimbaud. A homoafetividade é o foco, ainda que Verlaine assuma ter um tesão irrefreável pelo corpo de sua mulher. Inclusive, o roteiro mostra o tal conflito do poeta que parece sentir necessidade de um coito com o sexo feminino — seria a bissexualidade em seu aspecto tangente. Mas, ora, existem regras e rótulos para a sexualidade?
Uma paixão que explode em aflição? O desejo que se concentra só no sexo? E o amor surge como turbulência? O filme fundamenta-se como retrato de dois homens que se amam, imersos na dor de uma sociedade que não permite que eles se assumam. É um recorte sobre a arte, dor e prazer. Leonardo DiCaprio mergulha na sua composição de poeta libertário e libertino, seu talento exibe as chagas do homem que sofre por amar e as agruras de ser um homossexual naquele período. Suas cenas homoafetivas, junto com o expressivo David Thewlis, reforçam a provocação sexual da película que reflete uma instigante trajetória real. Agnieszka Holland prioriza a química vibrante desses dois personagens, ainda que revelados em muitas discussões e brigas constantes — há cenas que apenas sua objetiva se concentra nos rostos dos atores, permitem que eles direcionem os elementos de emoção e sensualidade. É um filme sombrio que expõe a sexualidade, a obscuridade do amor e a relação da inocência com a malícia. A sentimental combinação de Rimbaud com Verlaine é da paixão embrutecida; um envolvimento tão avassalador como incontrolável. A bela trilha sonora de Jan A.P. Kaczmarek reconta em melodia este caso de amor turbulento, tão importante para a história do universo homossexual social. É um trabalho cinematográfico que merece ser sentido. Tocante, sentimental, emocional.
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Garotas Selvagens
3.1 357 Assista AgoraHá certos tipos de abordagens que se sustentam apenas no erotismo para ter sucesso. Garotas Selvagens exerceu uma polêmica em seu período de lançamento pela temática picante, diversas reviravoltas e cenas com contextos libidinosos dos personagens. Na cidade de Blue Ray, na costeira da Flórida, o professor Sam Lombardo (Matt Dillon) é sexy professor que atrai todas as garotas da região. É através dele que o filme, dirigido por John McNaughton, exerce seu princípio apelativo. É este homem, bastante desejado pelo sexo feminino, charmoso e sexualizado, que se envolve numa trama tensa, onde nada é o que parece ser. O professor recebe acusações de duas jovens: A mimada garota da elite social, Kelly Van Ryan (Denise Richards) e a rebelde Suzie (Neve Campbell) dizem ter sido vítimas de estupro. Ao afirmar que é inocente, Sam tem que provar que não existiu a consumação do sexo — muito menos houve possibilidades para um envolvimento afetivo dele com essas garotas. É então que o investigador Ray Duquette (Kevin Bacon) entra nessa polêmica para averiguar essas acusações que demonstram ser duvidosas; além disso, o advogado Ken Bowden (Bill Murray) acredita na versão do professor e atesta sua defesa. Qual será a razão dessas garotas terem criado essas acusações? Qual sentido há por trás dessa polêmica? A trama aproveita-se desse sentido para introduzir elementos misteriosos, policiais e sensuais. O sexo torna-se o foco neste filme que prioriza a sensualidade de todas as formas, talvez por isso tenha atraído tantas discussões.
O filme mantém a sexualidade em ebulição ao direcionar uma trama onde os personagens — principalmente, as tais garotas Kelly e Suzie — mantêm personalidades dúbias, ainda mais por conta da maneira como os comportamentos expressam tom da sexualidade bastante transgressora. As garotas são maliciosas, há diálogos chulos que demonstram a órbita sensual de tais personalidades libidinosas. Há um roteiro que se direciona ao público masculino, para tanto há dezenas de cenas que exploram ao máximo os corpos torneados e excitantes do elenco feminino, em especial de Denise Richards que aqui cumpre o papel da garota de corpo perfeito, tão assediada/desejada por todos. Até a mãe da personagem de Kelly exerce uma função sexual: Sandra Van Ryan (Theresa Russell) transa com garotos 20 anos mais novos, é a típica mulher que, após o divórcio, prefere sexo casual a relações mais afetivas. Conseqüentemente, o filme abusa também dessa personagem, evidenciando seu corpo ou na provocativa cena em que ela transa com um garoto, aos gemidos.
Discute também a questão do assédio sexual, levantado pelas garotas principais — mas serão elas, de fato, as vítimas da situação? Ou há muita perversão escondida por trás desses fatos? Matt Dillon representa o professor sarado, sedutor e que sofre assédios constantes de alunas dispostas a uma transa casual. É o homem que atrai olhares de todas as mulheres, o garanhão que consegue a fêmea que quiser. E o roteiro mostra esse homem sendo alvo de sedução de Kelly — a constante malícia em cenas onde a garota se insinua em troca de olhares, gestos, diálogos dúbios e/ou quando ela se oferece para lavar o carro dele, molhada da cabeça aos pés, em trajes brancos quase transparentes. A questão inicial até a metade do filme é o assédio latente, a sensualidade e a malícia. Da metade pro final, o roteiro assume um contexto mais de suspense quando as reviravoltas passam a ser freqüentes. E são inúmeras surpresas que permeiam a trama. Há contextos de estupro; promiscuidade; infidelidade e traições. A maneira como os personagens desejam o sexo são evidentes, não há nada moderado — curioso que nem o roteiro parece sustentar uma mensagem moral, mas sim só se predispõe ao lado irônico.
Famoso pela seqüência de sexo a três, protagonizado pelo trio Matt Dillon, Denise Richards e Neve Campbell — obviamente, é o momento mais quente e sensual do filme, onde os três envolvem-se num sexo ousado e o tal beijo lésbico das duas é escancarado. O menage à tróis foi bem polêmico, ainda mais por ser uma cena que caracteriza o soft-porn. Há ainda breves momentos sensuais protagonizados pelas duas mulheres, como uma forma de sustentar uma ousadia sexual ao público masculino que gosta de ver cenas de lesbianismo; puro deleite aos olhos mais ansiosos por cenas de sexo entre mulheres. De fato, Richards e Campbell demonstram um bom traquejo sexual em cena que emula uma enérgica febre diante da limitada trama. E o roteiro ainda decide ser mais malicioso, buscando outros públicos, ao expor Kevin Bacon numa rápida cena de banho, onde o ator aparece totalmente nú. Inclusive, a tal cena, inicialmente, teria conotação homossexual: Bacon tomaria banho com Dillon, mas o roteirista cortou esse senso na produção do filme.
Talvez, por medo de aumentar mais a polêmica. Decerto, o abuso sexual nesse filme torna-se constante, assim como as reviravoltas, como um exemplo de alternativa banal de atração e sucesso. O que parecia ser um drama diante do mote inicial de estupro, torna-se apenas uma overdose sexual na mão do diretor John MacNaughton que comanda seu filme insano e preenchido pelas já dita reviravoltas que são incessantes. Mais que um entretenimento sobre a perversão sexual, é um thriller-erótico que pelo menos reflete bem a modernidade adepta ao sexo casual; das mazelas amorais que caracterizam a perversão humana quanto à sexualidade.
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Studio 54
3.3 117Os anos 70 providenciou a euforia libertária da juventude que buscava transformação social, mas também fora um período onde a discoteca representava todo o ritmo vital e a pulsação musical pelo prazer — a tal febril "Era do Disco", áurea fase onde a música exercia um fascínio e lema de vida para muitas pessoas, caracterizou-se pela efervescência sonora que atiçava o lado mais sexual do ser humano. Estreante na direção, Mark Cristopher desmitifica a famosa discoteca que dá o nome ao filme, Studio 54. Lendário espaço que personificou toda a ebulição sonora, liberdade sexual pré-Aids e um reduto perfeito para homossexuais firmarem seu espaço. A pecaminosa discoteca atraia celebridades, celebrava o hedonismo desfigurado daquele período e a concreta filosofia do uso de drogas. Steve Rubbell (Mike Myers) é um empresário homossexual que cria o espaço que seria revolucionário: sem regras, preconceitos ou rótulos, celebridades poderiam conviver plenamente com pessoas comuns. O objetivo maior era promover festas que sempre fossem constantes, a típica boate dos sonhos. O roteiro centra-se na narração e ótica do frentista pobretão Shane O'Shea (Ryan Phillippe) que, insatisfeito com sua vida tediosa em Nova Jersey, parte para algo novo. É dentro do Studio 54 que ele provoca a catarse em seu mundo, vira barman e passa a vivenciar os excessos e tentações do universo sensual e glamoroso da tal discoteca. Lá ele conhece uma cantora e garçonete excêntrica, Anita (Salma Hayek) e passa a fomentar um tesão pela atriz Julie Black (Neve Campbell). O filme expõe o surgimento, o sucesso e o processo de decadência de uma discoteca que promovia orgias sexuais; era avançada para época, com pista de dança com efeitos de luzes impressionantes e os maiores DJs. Um local onde era disputado por todos e tornou-se que agitou a vida noturna de Nova Iorque. A trama percorre a ebulição da boate no verão de 1979 até seu declínio total um ano depois. Até hoje o frenesi diante da lendária discoteca se mantém.
A discoteca era uma espécie de reduto sexual, onde pessoas promoviam orgias constantes — o filme mostra como se sustentava essa situação ao colocar cenas onde indivíduos transam na própria arena de dança; na “pegação coletiva” ou mesmo no sexo oral grupal tão habitual naquele local. A sexualidade é forte no ambiente, nota-se que o local era mais uma busca para sexo casual e promiscuidade irrefreável que a própria condição de boate. A perversão é total! Decerto, o filme não procura vulgarizar as situações, nem mesmo polemiza com cenas só de sexo — o diretor opta por sustentar o olhar inocente do seu narrador-personagem, Shane, num ambiente onde só existia a celebração da sexualidade motivada pela dança. Studio 54 era o reduto de pessoas que queriam apenas se divertir, com seus vícios e seus excessos pelos prazeres diversos, carnais e sexuais, com drogas ou bebidas; ilusões e imaginações. Até o dono, Steve, definia a sua boate como um local ilusório, para tanto escolhia a dedo quem deveria entrar e seus critérios de escolhas eram duvidosos; o proprietário, muitas vezes, permanecia uma noite integral na frente de sua boate, só escolhendo quem deveria entrar. Homens com corpos perfeitos; mulheres sensuais; rostos sexys. ‘Espetacularização’ da vida real?
O tom homossexual é evidente no filme. O roteiro expõe o local como espaço GLS, onde o sexo entre homens também era grupal em meio às misturas de drogas, como cocaína. Shane só consegue trabalhar como barman no Studio 54 por conta de sua sensualidade, do corpo, que capta atenção de Steve, mulheres diversas e de outros homens. E o roteiro coloca em pauta a condição do assédio masculino por mostrar um rapaz sexualizado que trabalha pelo dote físico — tanto Shane quanto outros rapazes apresentavam-se, apenas, de short minúsculo e sem camisa; exibiam-se aos trajes libidinosos e ao corpo quase nu — afinal, num espaço onde gays, lésbicas e simpatizantes tinham a liberdade de externar suas intenções sexuais, não haveria condição para puritanismo. Só se empregava na discoteca quem poderia seduzir? Shane era o barman desejado por todos os homens e mulheres. O jovem vivencia as oportunidades que seu emprego oferece: envolve-se em transas furtivas com mulheres diversas; investe no mundo prazeroso de dinheiro e sexo que a discoteca condiciona. Ademais, o roteiro resume situações de homoafetividade; prostituição masculina e até situa questões sobre a esfera do uso de drogas ilícitas dentro da juventude.
Por que a música, em seu estado mais febril, sempre é um elemento afrodisíaco? Mais, aliada ao sexo, torna-se algo de grande prazer para o ser humano. Através de uma ambientação musical, é perceptível sentir o frenesi da década com músicas de Bee Gees e outros cantores de sucesso que retratam bem o universo. O filme explora esse reinado da Disco; do embalo das músicas dos anos 70; das cores esfuziantes daquele mundo e também da sexualidade imoderada, através da vivência de Shane — do jovem pobre a barman que, aos poucos, infiltrou-se na malícia coletiva de um espaço que celebrava algo nada mais que ilusório. As personificações talentosas de Ryan Phillippe e Mike Myers são pontos significativos. O filme acaba por servir de alerta às problemáticas de vidas prejudicadas pelo abuso de drogas e sexo, bem como a AIDS que se manifestou na década de 80, no momento onde a boate sofreu abalos incisivos e o mundo hedonista deu lugar à crueldade da realidade. É quando os personagens passam a acordar pra vida e toda reflexão moral é inserida. Ao fim, é um filme que articula como o ser humano não consegue viver só de ilusão — nem de sexo e música, muito menos de superficialidade. Mas, bem verdade, a sensualidade da "Era da Disco" permanece intacta e nunca é tarde para experimentá-la através das músicas que se mantém emblemáticas. Dançante, sensual e delirante.
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Gigantes de Aço
3.7 2,5KEis um filme humano, acima de tudo nos faz acreditar que hollywood sabe nos encantar quando quer. Engana-se quem pensa que é apenas um mero entretenimento-pipoca, aqui temos um trabalho de pura adrenalina e sensibilidade. A relação de Max (Dakota Goyo, incrível atuação, não será espanto se esse garoto futuramente receber trabalhos mais densos e conquistar Oscars) com seu pai, Charlie (Hugh Jackman, excelente) é bem delineada, emocional e interessante de ser observada. Shawn Levy realiza seu melhor filme, puramente mainstream, mas de grande importância sentimental. Há efeitos visuais espetaculares, bom ritmo de ação e cenas eufóricas. A fotografia do filme é notável também. As referências a Falcão ou Rocky Balboa são viáveis, mas acredite na força desse filme. Sem dúvida, o efeito é magistral!
Thelma & Louise
4.2 967 Assista AgoraEste filme é o reflexo da feminilidade extremista, a sensibilidade e fragilidade de mãos dadas contra o machismo social. O que prevalece é a luta do sexo forte? Obviamente, Ridley Scott concebeu um clássico ao dirigir o brilhante roteiro de Callie Khouri.
Susan Saradon e Gina Davis personificam o feminino em busca de auto-afirmação, aceitação sexual diante de um predatório sistema conservador: as duas retratam típicas mulheres insatisfeitas, dona-de-casa, infeliz no cotidiano, que saem de sua rotina-padronizada rumo à liberdade incondicional. Thelma sai com Louise, num final-de-semana, para descansar e se divertir. A catarse ocorre quando, inesperadamente, ambas se envolve num precipitado esquema criminoso, decorrente de uma fatalidade. O cerco se fecha, ao passo que vivenciam o inferno de vida: da noite para o dia são taxadas como fugitivas criminosas, procuradas pelo FBI. O que era para ser bucólico e prazeroso vira selvageria alucinante nas estradas, tensão progressiva. Ridley Scott dirige o filme com extremo cuidado, proporciona misto de delicadeza e sexualidade feminina: as duas são extremamente intensas e dinâmicas, impossível não se questionar e ter identificacação com a premissa do roteiro.
O filme concretiza um estudo sobre repressão feminina versus liberdade, indaga a relação de respeito e independência das mulheres perante aos maridos/vida, aborda casualidades sentimentais, estupro e assédio contra a mulher e questiona a integridade das relações amorosas. Como ser forte perante um casamento sofrível? Toda mulher há de ser revolucionária diante do machismo exarcerbado? Em busca dos direitos femininos, eis que a delicadeza surge como personalidade determinada. Thelma e Louise buscam a liberdade suprema, o amor eterno e a sobrevivência da própria identidade feminina. Um road-movie que tornou-se puro cult, é também um ato cinematográfico da crueldade do machismo ferino contra o feminismo destemido. É o sexo contra o sexo. Toda mulher merece ser mulher! A trilha sonora emblemática de Hans Zimmer, a fotografia pálida e ensolarada, bem como as participações de Brad Pitt - em início de carreira -, Christopher McDonald e Michael Madsen tornam a película indispensável. O roteiro tem drama e humor, mesclado com bons diálogos e situações.
E o final, no alto do Grand Canyon, apoteótico e emocional, é altamente inesquecível pela imprevisibilidade e poesia retratada. Um desfecho cicatrizante para um filme que não envelhece.
Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres
4.2 3,1K Assista AgoraÉ impressionante como David Fincher sabe interagir com o espectador apenas pelo modo denso que expõe a natureza mórbida humana. Não existe, talvez, cineasta melhor que ele para providenciar reflexões tão extremas diante de elementos habitualmente cruéis. Fincher é mestre em conceber exercícios cinematográficos que exploram o lado mais obscuro da manifestação psicótica. SEVEN, VIDAS EM JOGO, CLUBE DA LUTA e ZODÍACO são filmes que percorreram, cada um à sua maneira, o terror-consciente de indivíduos martirizados, psicopatas indispostos e toda teia lasciva deste universo macabro gótico tão providencial em sua carreira. Aqui temos o mesmo exercício psicológico de tensão auxiliado por um roteiro que adapta muito bem o livro de de Stieg Larsson (1954-2004).
É um filme dark, bem soturno mesmo, daqueles intimistas que exterioriza o caos do suspense, o drama conturbado e a presença de uma direção que privilegia personagens tridimensionais. E para aqueles que tinham dúvida, Fincher prova que sabe, ainda, ser surpreendente em uma temática já exercitada nos solos hollywoodianos. Aqui ganha-se forma o texto ardiloso de Larsson, mantendo-se, primordialmente, toda sua essência. E o atrativo maior vai da bela química física-interpretativa-emocional dos astros Daniel Craig e Rooney Mara — esta inova na composição, conferindo o mesmo porte introspectivo e visual exótico da personagem literária. A atriz mereceu a indicação ao Oscar por conta de uma composição, ainda que sutil, bem delineada. Há momentos onde Mara facilmente dialoga com o público, nos momentos onde Lisbeth Salander atua com personalidade ou emoção diante de atos cruéis que o roteiro insiste em expor.
Engana-se que, por ser um remake, a fita não tenha própria força. A ultraviolência, a evidência do suspense gradual e o esqueleto narrativo são elementos do diretor. Há cenas muito densas e fortes aqui, difíceis de degustar, isso é bem típico do universo Fincher de "causar" e mexer com quem absorve suas tramas. Sentimos, totalmente, a mão do diretor em cada sequência, em certos momentos, na maneira como sua câmera torna-se perspicaz de seus personagens — estes sempre dúbios, um tanto misteriosos, assim como o ser humano muito bem é. Decerto, verdade seja dita, a trilha de Trent Reznor & Atticus Ross é capaz de dimensionar melhor momentos de sufoco, de malícia e torpor. O suspense é muito bem estruturado por conta de uma instrumentização inteligente, moderna e que atinge o espectador por conta da sonoridade que ocasiona sensações de medo, agonia e pânico. Filmaço!
A Árvore da Vida
3.4 3,1K Assista AgoraPor que não entender que o divino também faz parte da humanidade? Como entender o que somos? De onde viemos? Qual propósito de estarmos num mundo tão doloroso? Ver esse filme é compreender que o divino se faz presente em nossas indagações, fragilidades, particularidades. O caráter sensorial deste filme se faz presente na maneira como Terrence Malick condiciona o visual para sustentar a emoção, a existência e a filosofia-existencialista de seus personagens rumo à redenção, ao sufoco, à necessidade de um Deus mais "carnal".
Não condene os 15 minutos de cenas que exteriorizam o apelo natural dos fenômenos da criação do Universo, é ali onde presenciamos o nosso grau de Graça, é o apelo da Natureza demonstrando sua força — essa sequência é uma das coisas mais belas que já presenciei em toda minha vida cinéfila. É perceber o encontro da humanidade com a projeção da vida brotando sentido e razão. Perceba que o Big Bang ou a extinção dos dinossauros são eventos da existência-Natureza, estamos ligados a essas manifestações, querendo ou não. Malick nos mostra que o passado é o futuro, e tudo está numa só linha, afinal o tempo é pura relatividade. Existe uma linha narrativa que mostra que vivenciamos ali as "memórias" dos personagens, mas nada é assim tão definitivo, afinal confrontamos os personagens em momentos diferentes também, alguns parecem ter a forma do presente da ação, outros não.
É um filme altamente sensível, totalmente poético, quase abstração-viva que pulsa ao nossos olhos. É pra contemplar mesmo, calmamente, sem medo. E Malick brinca com nossos sentidos mais puros, mais precisos e subjetivos, quando nos lança em perguntas sem fim, nas suas tomadas longas e momentos onde o silêncio atinge mais força que qualquer diálogo-direto. Por que não ver que o dinossauro ali prestes a ser extinto nos concebeu uma lição quando não matou seu adversário? Existiu ali um ato de fé? De emoção, eu diria, estaria ali brotando o primeiro ato de emoção na humanidade que faria eco logo mais.
Definitivamente, você achando ou não, Malick acredita na força de Deus — este filme atinge o nível religioso em diversas cenas, onde seus personagens comungam com a divindidade e ela parece comunicá-los também ao seu modo íntimo, através de imagens que denunciam o sopro de vida. Sentir os diálogos, as imagens, quase como orações proferidas, explodindo na tela, contextualizam o poder estético que é vivenciar esse filme. E nada mais experimental que um filme que não mantém a ordem cronológica de nada, apenas pulsa sem regras, provocando a reflexão na mente de qualquer um. É, o Deus aqui tudo vê, tudo sente, ainda que achemos que não.
Quando Só o Coração Vê
4.2 49 Assista AgoraUm dos filmes mais sensíveis da cinematografia clássica, sem dúvida um trabalho que preza pelo lado mais humanístico possível. Constrói a reflexão por conta de um roteiro delicado, ainda que extremamente inocente para os padrões de hoje. Nada mais simbólico que a relação da deficiente visual (Elizabeth Hartman, atuação cativante!) que é o oposto da sociedade firmada em padrões, conservadorismo, preconceitos violentos — a jovem é o símbolo da "pureza social", com sua cegueira consegue "enxergar" o ser humano sem nenhum indício de maldade ou preceitos, para tanto, percebe os valores mais necessários no homem sem que haja interferências como o racismo ou intolerância de raça, estatos ou crença. Rose-Ann é a jovem que não pode ver, mas que consegue sentir — às vezes esse sentido consegue ser mais eficaz que qualquer "visão" — o coração de bondade de Gordon Ralfe (Sidney Poitier, um dos meus atores favoritos, atuação marcante), um negro que, em uma outra qualquer situação que não aquela, dificilmente poderia se envolver afetivamente com ela. O sensível roteiro coloca esses dois seres humanos em convivência extrema, um dependente do outro ao seu modo. Ele, sente-se protetor de uma garota que teve uma vida firmada em opressão — por conta de uma "educação" sinistra oriunda de uma mãe pervertida, ausente de senso materno e sem qualquer senso de moralidade, Shelley Winters levou o Oscar de Atriz Coadjuvante como a mãe maliciosa e antagonista do destino de sua filha. Já a jovem-cega, de ternura e delicadeza, vive no seu mundo de ilusão e só enxerga o melhor das pessoas. Talvez aí se justifique a "inocência" do roteiro que a coloca, rapidamente, apaixonada pelo homem que mal conhece, numa entrega necessária e possível. Rose e Gordon de diferentes mundos se sustentam numa ampla sintonia, é admirável de ver e aprender. A trilha sonora de Jerry Goldsmith preenche os momentos mais belos, emocionais e íntimos dos dois, emoldurando o romance com um sonoro melódico bem marcante, pontual. Um filme muito necessário.
A Menina do Outro Lado da Rua
3.8 162Neste filme instigante temos uma Jodie Foster com apenas seus 14 anos: ela é Rynn Jacobs, uma típica solitária ninfeta que vive reclusa em uma casa afastada da cidade. Fuma haxixe, pagã e tem coração endurecido. Nutre uma paixão por ler livros de Emily Dickinson ou Agatha Christie, é viciada na sinfonia de Chopin. Sincera, hiperdinâmica, extrovertida. Quase uma Lolita com verve intelectual, esnobe e ácida-irônica. Seu cotidiano misterioso: a constante ausência do pai, um suposto escritor que nunca está presente, concebe uma certa desconfiança na vizinhança - principalmente de um sujeito que habita do outro lado da rua, Frank Hallet fixa obsessão sexual em Rynn. Seria ela apenas um objeto de desejo? Eis o conflito: a pedofilia entra em forte argumento no filme. Rynn tem que lidar com a habilidade de manter seus misteriosos segredos, sempre velados no interior da sua casa. Constantemente, além disso, confronta com as investidas indesejáveis de Frank - a todo custo, ele quer possuí-la sexualmente, exercer seu comando sobre a garota, forçar um contato mais íntimo. O conflito impera quando Frank passa assediá-la perigosamente e, inesperadamente, Rynn se envolve num complexo jogo criminal, pois provoca acidentalmente a morte de uma pessoa.
A direção de Nicolas Gessner é realista, objetiva. O roteiro é um exercício da prática da sexualidade juvenil, dos tabus segredados, da perversão masculina. Em 1976, no ano de lançamento, imagine a polêmica da abordagem contundente? O suspense consiste na pedofilia, mas é acentuado pelo teor dramático das situações humanas personificadas pelos personagens. Rynn é malvada, dissimulada, calculista - mas, sua fragilidade é um aliado para a sua personalidade ora infantil, ora carinhosa.
Eis a contradição: ela tem repulsa e desejo pelo vizinho pedófilo. A fotografia tem cores frias, tons cinzentos que se contrapõe com a cor dos cabelos loiros de Rynn. Como viver imerso no perigo da mentira? A trilha sonora incidental é melancólica, acentua um certo tom nostálgico e estranho do filme. A trama é bastante escabrosa, há diálogos densos e intrigantes, típica abordagem controversa. Seria o vizinho um sexofilista (indivíduo que pratica a fruição desordenada, promíscua ou aleatória do sexo)? Ou apenas um imoral insano?
O filme exerce essa relação da repressão sexual e da libertinagem, da falta de discernimento e também da manipulação da sensualidade. Observem o desempenho de uma Jodie Foster, altamente inspirada como a pequena infame.
Controle: A História de Ian Curtis
4.3 714Pobre Debbie (Samantha Morton, atuação fortíssima) morrendo de amor, desespero e ódio por Ian Curtis (Sam Riley, puro talento e beleza). O que fazer quando o amor parece destruir tudo ao redor? Como conter o inferno que é a vida dentro de casa? Como entender que o casamento não parecia ser o mar de rosas anunciado? O diretor Anton Corbijn realiza aqui um trabalho primoroso, sincero e tocante! Ver a trajetória de Ian Curtis como o vocalista depressivo e inconstante do Joy Division é admirável. Um filme que merecia maior retorno do público e premiações, já que tem uma direção e roteiro cuidadosos, além de uma fotografia em p&b belíssima. Atente a atuação forte de Morton como a esposa fragilizada do artista, a atriz merecia uma indicação ao Oscar, pelo menos. CONTROL é um filmaço!
Quanto Dura o Amor?
2.8 132 Assista AgoraA dor da ilusão, do sonho do amor que não cansa de machucar corações ansiosos, o azedo da vida que preenche de dor almas incansáveis por carinho. O segundo longa-metragem do cineasta Roberto Moreira justifica a ânsia atual que o Cinema Brasileiro sente em diversificar suas abordagens — explora-se aqui o discurso sobre a afetividade, o relacionamento sexual da juventude em meio aos seus desejos e expectativas emocionais. Como compreender as relações de amor e sexualidade? Por que tudo hoje é tão efêmero? Existe amor perdurável? Seres humanos envoltos em descobertas sexuais, busca por alguém que lide com suas fragilidades, questões que envolvem o sexo casual: aqui se encontra o argumento principal que mescla inúmeras problemáticas sem fim. Talvez aí seja o erro principal do morno Quanto Dura O Amor? O roteiro coescrito por Anna Muylaert — que havia surpreendido com o interessante Durval Discos — carece de profundidade maior já que decide explorar a trajetória íntima de alguns jovens sob o congestionado coração agitado da cidade de São Paulo. A desilusão, a falta de perspectiva, as dúvidas e o pessimismo envolvem a trama de todos, ainda que a sexualidade mostre um papel definitivo nas motivações de cada um.
A narrativa recorta as vidas desses indivíduos, todos habitantes do mesmo edifício que fica na esquina das avenidas Paulista e Angélica. São várias histórias que caminham com um mesmo foco problemático, a carência-sexual. Há Marina (Sílvia Lourenço), a aspirante atriz que se muda para São Paulo em busca de realização profissional e acaba se apaixonando por uma cantora de boate, Justine (Danni Carlos); há a advogada bem-sucedida Suzana (Ana Clara Spinelli) que se sente solitária, mantém um segredo e passa a ter um caso com Gil (Gustavo Machado); Jay (Fábio Herford), escritor de um livro só, romântico ao extremo, se liga a uma prostituta (Leilah Moreno) interesseira que só quer dinheiro e sexo sem nenhuma condição afetiva; e temos Nuno (Paulo Vilhena), o namorado de Justine que rivaliza a relação dela com Marina prometendo conflitos incansáveis. Em 80 minutos, o roteiro parece aflito em querer mostrar cada personagem, suas vivências, suas atitudes, mas é fraco por conta de uma superficialidade absurda. Os diálogos são pobres, tornando o filme insosso. A direção não consegue se ajustar ao inseguro elenco que não mantém um ritmo evidente em cenas desconexas, desajustadas. O que parecia um panorama amoroso-sexual torna-se uma abordagem insatisfatória.
A melancolia permeia todo o filme que mantém seus personagens sob uma fotografia de tons azulados, vermelhos e o sol da Av. Paulista. Em meio aos anseios de cada um, o público pode até se envolver com a certa urgência do roteiro explorar a sexualidade. O cineasta Roberto Moreira investe na beleza exótica da cantora Danni Carlos, por sinal as melhores cenas do filme ficam a cargo de sua caracterização e sequências onde pode cantar canções melódicas, talvez o único ponto alto daqui. A relação lésbica da personagem é explorada — Justine é bissexual, vive uma relação conturbada com o personagem do Paulo Vilhena e mantém uma forte atração por Marina, a aparente personagem "mais principal" do filme. Há cenas de sexo, há uma câmera que expressa o tesão das duas mulheres no decorrer do longa, mas o roteiro não consegue trazer maiores compromissos.
Em contrapartida, o roteiro traz bons pontos como as reflexões que os relacionamentos atuais trazem: por que o ser humano é tão carente de amor e sexo? É possível construir uma relação sólida? A visão pessimista do filme parece responder quando situa o poeta Jay tentando de todas as formas conquistar a prostituta fútil, sem caráter, que só quer dinheiro — Leilah Moreno mantém a sensualidade de uma mulher que simboliza o papel rigoroso de alguém que só transa por dinheiro, só ama sob essa condição também. Infelizmente, o público não se envolve melhor, já que tudo é objetivo e sem maiores aprofundamentos. E o segredo da personagem Suzana é o recurso encontrado no roteiro para promover mais uma discussão acerca da sexualidade contemporânea, mas é frágil e nem Moreira sabe causar certa comoção maior em torno de uma situação que poderia render maiores contornos emotivos. Há cenas que a direção parece ser inexistente, gerando um desconforto em quem assiste. Ainda assim, de longe, Maria Clara Spinelli é a cereja talentosa do bolo indispensável que é este filme, visto que sua atuação é bem natural e possui carisma. A lamentar o resultado oferecido pelo cineasta que despontou na cinematografia brasileira com o excelente Contra Todos, onde a originalidade e o caráter reflexivo tinham muito mais textura que esse filme vago aqui.
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Chicago
4.0 997Além da grande sacada de ter vigorado a fórmula musical, o charme de Chicago reside no seu apelo sexual feminino aliado ao vibrante exercício teatral que favorece um resultado poderoso estético. Dirigido com apuro cuidado de Rob Marshall, efetivamente contagiado pela influência de Bod Fosse, o filme é um senso mordaz, agressivo, cínico e voluptuoso sobre a espetacularização midiática social. O roteiro febril de Bill Condon escancara a hipocrisia da sociedade que insiste em promover assassinos que se glorificam na mídia como heróis; prostitutas que são santificadas pelo showbiz; o arbitrário sistema penal que não cumpre com rigores morais, nem éticos, portanto parte de uma rede corrupta que se vende à mediocridade; o sensacionalismo da imprensa que executa/manipula a indústria de entretenimento. A fina ironia do roteiro consegue desmascarar as mazelas sociais, a malícia e o desatino social. Mas é a força da sensualidade que viabiliza um êxtase total — sensorial e visual —, pois este é um musical que evoca o autêntico jazz e tango que são marcas sonoras da sensualidade musical. A trama feminina que disserta a inveja, ambição, a farsa imoderada de duas criminosas que se antagonizam dentro do presídio. Roxie Hart (Renée Zellweger), a loira fatal que mata o amante Fred Casely, homem que havia cometido o falso perjúrio de ajudá-la na sua ambição em ser estrela. Dançar, cantar, ser desejada por todos — são idealizações da jovem. Velma Kelly, a libertina estrela de Vaudeville, mata a própria irmã ao flagrá-la na cama com seu namorado. Ambas mulheres, no universo carcerário, em meio às rivalidades, precisam obter a chama calorosa dos holofotes da Broadway para reinar. Sob os cuidados da carcereira lésbica Mama Morton (Queen Latifah), Roxie descobre o lendário advogado Billy Flynn (Richard Gere) — mercenário, astuto, másculo desejado por todas as mulheres, típico mentor que transforma criminosos em ídolos num jogo onde a dualidade sempre está presente.
Ao misturar os planos do sonho com realidade, ótica de Roxie Hart, o roteiro evoca uma dinamicidade completa na esfera musical e narrativa. Ela imagina/idealiza sua vida como um palco de dança. Por conta da montagem ágil, exuberância nos figurinos, Direção de Arte e contornos fotográficos intrépidos — é impossível não contagiar-se com o ritmo excessivo do filme. A forte carga cínica é externada constantemente, visto que os personagens são dúbios e maliciosos. A rivalidade das duas personagens femininas concebe uma mistura de humor, drama e emoção que proporciona inúmeras seqüências admiráveis. Tecnicamente esplêndido, o cuidado de Rob Marshall é perceptível também nas sutilezas, no sarcasmo que corrompe e denuncia o caráter de cada personagem seu em cena. Instigante também as melódicas músicas que compõe a esfera sonora, todas com conotações sobre paixão, sexo e passionalidade dos personagens. Ademais, criticam também o sensacionalismo e o fervor midiático contextual da época.
A força sexual dos personagens expõe todo o senso provocativo do filme. A caracterização dúbia, propensa à luxúria e desgarrada aos valores de fidelidade são traços perceptíveis da personagem principal, Roxie. A jovem que ambiciona ser uma vedete, não se prende aos princípios éticos. Infiel ao marido, não se importa em macular seu casamento com interferências extra-conjugais. Usada pelo amante apenas como objeto sexual, o mata logo depois. Roxie assume sua malícia também na prisão. No encalço da fama, deseja provar uma falsa inocência com o advogado Billy Flynn por quem nutre uma relação oportunista e também prevalece uma sutil tensão sexual. Já Velma Kelly é a representante da feminilidade libidinosa; femme-fatale, arrogante e decidida. O roteiro exibe as personalidades, os comportamentos e as motivações de duas mulheres tão rivais; mas próximas na expressão de sensualidade e no desejo de serem celebridades. No jogo sádico da trilha da fama; na sede pelo sucesso; no dúbio anseio pelo showbiz. Até as assassinas presas, da ala onde Roxie e Velma se digladiam, recebem uma expressão comportamental de libidinagem — “Cell Block Tango” é uma seqüência que retrata muito bem essa atmosfera dessas mulheres tão ardilosas, um momento musical antológico.
A combinação de luzes, cenários e vestimentas que priorizam elementos de cores avermelhadas são evidentes — simbolizam a atmosfera sensual que o musical expressa. Vermelho é a cor da paixão, da luxúria, do desejo. E caminha com a espirituosa coreografia que bebe da fonte de inspiração sexual de Bob Fosse. Instigante, provocador e selvagem são percepções da composição inspirada de Catherine Zeta-Jones — modulação de voz, talento pra dança e canto, posturas em cena, dignificam o filme. A atriz transparece um poder imagético hipnótico, é impossível desviar a atenção quando ela está em cena. Lasciva, elétrica, batom vermelho vívido e um carisma feminino delicioso de se ver! Decerto, os grandes momentos musicais do filme são obtidos com a sua Velma Kelly — “I Can’t Do It Alone”, em especial, seqüencia seu talento artístico e justifica o Oscar de Atriz Coadjuvante conquistado. Tanto Renée Zellweger quanto Richard Gere não comprometem o desenvolvimento do filme, ainda que sejam ofuscado pelo frisson erótico de Zeta-Jones. Ao fim, é notório como o tango pode mexer com os instintos da sexualidade apenas pelo ritmo provocante, e todo aquele jazz...
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Fazendo Amor
3.5 20Sem Regras para Amar é definitivamente o que há de mais saboroso do realismo do homoerotismo dramático. Irrevogável espetáculo de emoções, humanismo contundente. Trata-se, portanto, de um atributo necessário ao conhecimento de todos: inevitavelmente, foi o primeiro filme a abordar profundamente a homossexualidade no princípio da década de 1980, totalmente naturalizado e sem estereótipos habituais. A trama foca na história de um médico bem sucedido - Zack Elliot (Michael Ontklean) é casado há mais de 8 anos com Claire (Kate Jackson), uma executiva de uma rede de televisão. Ambos vivem imersos em sintonia, afetividade e harmonia. Mas eis que Zack luta, desesperadamente, por seu sentimento de atração por outros homens. Enquanto o roteiro desnuda sua relação matrimonial e cotidiano profissional - expressa-se o outro lado de sua intimidade: Zack tem tesão em observar homens transeuntes pela rua, silenciosamente freqüenta bares homossexuais para observar e flertar e sua hora de almoço também vira sinônimo dessas procuras pelo próprio desejo em chama. Como enfrentar a própria ebulição de um tesão prestes a explodir? Voyeurismo? Sexo casual? Por acaso, constância surpresa, Zack conhece Bart McGuire (Harry Hamlin) - um escritor que o procura numa consulta para se medicar. Veemente, ambos se sentem atraídos um pelo outro: da amizade súbita, entre um almoço e jantar ali e acolá, da admiração que se revela como um zelo: o desejo verbalizado.
Zack descobre-se com fome de transar e viver sua própria escolha sexual, mais além: enxerga em Bart a chance de exprimir toda sua sentimentalidade, favorecendo sua essência da sexualidade, sem repressão. Contudo, Bart se nega a corresponder a firmação de um relacionamento sério, enquanto Claire questiona o marido pela mudança de comportamento e fragilidade na atmosfera sexual a dois. Como assumir o efeito de "sair do armário" sem abalar a esposa por quem tem tanto carinho? E como não abalar a si mesmo? Enquanto Zack deseja estabelecer um relacionamento estável, similar ao casamento heterossexual, Bart representa de certa forma a visão estereotipada dos gays, promíscuos e desinteressados em assumir compromissos.
O roteiro intercala esses questionamentos: a necessidade de certas pessoas priorizarem a fidelidade, outros por temerem a frustração - optarem pelo descaso afetivo em relações apenas firmadas no sexo casual. O discurso do filme desconstrói gêneros sexuais: prioriza a construção da satisfação, do prazer do corpo e da compreensão de um ser perante uma sociedade mascarada. O diretor Arthur Hiller explora ao máximo a situação da tensão entre os três personagens: o inusitado triângulo amoroso, a situação de escolha, a valorização pela identidade sexual e as motivações comportamentais. O cuidado da direção é evidente no tom emocional dos atores - Ontklean, Jackson e Hamlin estão naturalmente intensos em desempenhos explícitos de sentimento, densidade e caracterização de puro talento minimalista. O filme é um estudo sobre o limite do amor e do desejo, a firmação da identidade sexual e a contextualização de um homossexual em busca de afeto, companheirismo e auto-entendimento em meio ao desejo.
É um trabalho irretocável, superior a muitos filmes conhecidos do âmbito homossexual, provavelmente o melhor do tema já proposto por ter verve no melodrama convincente. Sem ser piegas, tratou de valorizar e humanizar um personagem em busca de sua essência sexual, livre de preconceitos e conflitos. A trilha sonora de Leonard Rosenman é melódica, melancólica e viabiliza o tom passional dos personagens centrais (a canção-tema "Making Love" cantada por Roberta Flack é singela em beleza). Os mini-monólogos dos três no decorrer do filme tornam o espetáculo narrativo mais palpável. A dramaturgia cinematográfica nunca foi tão gostosa, inegavelmente um primor emocional de reflexão humana. Faz-se, nítido, um ato de performance sincera revestida de sentimento.
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