A Duquesa problematiza bem uma das questões históricas mais evidentes da humanidade: o tolhimento feminino. Numa sociedade onde a aparência reina, os casamentos são laços com propósitos financeiros e a hipocrisia aparenta ser um exercício prioritário, uma mulher não tinha voz ativa. Sem a chance de escolher a própria vida, o papel feminino se restringia à procriação e à sufocante submissão ao arbitrário império masculino com suas regras, comandos e rigidez. Sob esses sensos, o filme dirigido por Saul Dibb, roteiro adaptado no argumento verídico da pesquisadora Amanda Foreman, torna nítido um período intrigante da História. O terreno narrativo centra-se na sociedade inglesa do século XVIII. Georgiana Spencer (Keira Knightley), a Duquesa de Devonshire — “A Imperatriz da Moda”—, foi sinônimo de feminilidade, elegância e considerada uma mulher a frente de seu tempo pela determinada personalidade. Contudo, era a representante perfeita daquele opulento mundo: ofertada pela família para um casamento arranjado com William Cavendish (Ralph Fiennes), vivenciou todo o tormento de ter uma vida onde não tinha as rédeas de seu destino, sob o manto de falsidade das aparências da aristocracia. O acordo matrimonial tinha um único objetivo: Georgiana só “existia” para o Duque para conceber seu herdeiro. Daí vem o tormento crucial da trama: abortos são feitos e as inúmeras tentativas geram filhas mulheres, a relação conjugal de ambos torna-se frágil, deteriorada e com problemas graduais. A impossibilidade de amar e ser amada, a ausência de bons tratos e as decorrentes traições que o Duque comete, causam abalos que prejudicam a relação que já nasceu errada.
Ao assumir a sexualidade como ponto central de discussão, o roteiro evidencia a polêmica posição da protagonista. A duquesa que não tem prazer sexual com seu esposo, visto que inexiste uma química entre eles, já que o casamento se estabelece pelos interesses — somente pelo único intuito de ser um laço que irá garantir o herdeiro ao trono. Não há libido na relação de ambos. Ademais, Georgiana se incomoda com as amantes constantes do Duque que prefere manter com ela uma relação sem intimidade e com certo apreço pela formalidade. Não existia afeto ali, nem carícias, nem sentimento. A primeira transa do casal eleva esse teor de “coito mecânico” — a noção de um sexo-frio —, quando o Duque investe nas penetrações agressivas na esposa, sem nenhum toque de romantismo ou mesmo preliminar. Existe ali o papel da procriação, a mulher não precisaria atender aos fetiches ou necessidades libidinais para um marido que buscava amantes para tal. Sem a proeminência no quesito de satisfação sexual, prisioneira em seu próprio casamento, a duquesa prefere se dedicar à moda inglesa, uma paixão particular, ditando estilo e regras nesse contexto já que é bem influente e adorada por todos.
Mas onde existia o prazer carnal? Como uma relação sem sentimento e com maus-tratos poderia perdurar? Quando se interessa por Charles Grey (Dominic Cooper), um sedutor jovem politizado que anseia se tornar primeiro-ministro, é que a polêmica torna-se ainda mais substancial no argumento da sexualidade. O roteiro lida com as agruras de uma mulher que entende que a sociedade preserva o direito masculino em ter amantes, em ser infiel, em ter a liberdade sexual — mas que, incompreensivelmente, condena o sexo feminino de tal ação. Georgiana sofre por ter seus sentimentos retraídos, amargura- se por precisar conter sua libido que é aflorada na presença do jovem Charles, com seus flertes e atitudes hiperativas, representando bem o papel de sedutor: corpulento, galanteador, passional e romântico. E é justamente esse sentido que torna o filme mais ousado. Se com o marido existia um sexo frígido, a noção de prazer e sensualidade se estabelece quando Georgiana permite-se aos desejos carnais com Charles. A potência do tesão carnal é tanto que a direção de Saul Dibb torna-se mais maliciosa no romantismo de ambos. E isso é visível na cena em que os dois sucumbem ao tesão e ao excitamento, sequência pontuada com força dramática sensual no qual a câmera foca nos gemidos expressos por Georgiana. E com a polêmica da traição que a turbulência emocional mexe com as determinações/motivações de cada personagem. A trilha sonora instrumental de Rachel Portman é emotiva e sustenta a dramaticidade do roteiro.
Keira Knightley representa muito bem a dimensão do orgasmo, no prazer descomunal que sua personagem pede nas cenas de intimidade com Dominic Cooper — a atriz personifica bem a tonalidade frágil e determinada de sua Duquesa que é a representação de uma mulher que lutou para ser compreendida frente a um mundo opressor. A sede de amar, de ter desejos, de ter orgasmos; é também a representação feminina de alguém que lutou para ser amada, que jamais tolerou seu casamento de fachada e cárcere privado sob o manto cruel, hostil e frio de um Ralph Fiennes assustador, atuação cheia de nuances que intriga até com um olhar. A direção de Saul Dibb prefere concentrar-se nos duelos emotivos de cada problema psicológico de seus personagens — por isso, talvez, a câmera sempre absorva ao máximo as expressões e olhares de cada ator, principalmente em closes exaustivos. Um atrevimento melhor em cenas de sexo, tornaria o filme mais satisfatório, pois pouco há de nudez mostrada ou momentos mais explícitos, mas não deixa de ser um filme instigante de militância feminista.
A mente humana é estranha. Além de imprevisível, é capaz de conceber tormentos íntimos, caos na própria alma. Roman Polanski realizou o seu primeiro filme falado em inglês em 1965. A obra chocou ao explicitar em seu caráter narrativo elementos sexuais, psicológicos e certa ousadia ao misturar planos da realidade com sensos imaginários. Com roteiro dele e de Gerard Brach, o filme é um perturbador olhar sobre os desejos reprimidos e a obscuridade presente no inconsciente do ser humano. Repulsa Ao Sexo é um filme difícil, sufocante e perverso. Talvez, um dos trabalhos mais viscerais sobre o universo da loucura, da alucinação, executa uma experiência estética incrível. Mostra como uma repressão sexual pode causar tormentos irremediáveis a um ser humano. Catherine Deneuve, então com 21 anos, interpreta a manicure Carol Ledoux, uma jovem extremamente reprimida sexualmente, introspectiva e tímida. Ainda que de beleza sedutora, de postura altiva e com um sexy-appeal inevitável, a jovem inibe-se a maiores contatos sociais e tem medo de maiores assédios. É dependente afetivamente da irmã Helen Ledoux (Yvonne Furneaux) e não aceita o romance amoroso que esta tem com um homem casado. O que parece ser um filme de tom dramático, torna-se um conflito alucinante sobre os tormentos da alma.
A aversão a qualquer indício de sexualidade é visível — Carol manifesta indisposição a qualquer senso libidinal. Incomoda-se ao ouvir os gemidos da irmã que transa com o namorado no quarto adjunto; indigna-se ao receber cantadas de transeuntes na rua; não sustenta nenhuma atração pelo namorado Michael (Ian Hendry) que insiste em ter um contato mais íntimo com ela ou tirar sua maculada virgindade; vomita só de sentir o cheiro do orgasmo nas vestes da irmã. É provocante a maneira como Polanski abusa da fragilidade, dos gestos mecânicos e da estranha personalidade de Carol. E o primeiro ato do filme esmiúça a disfunção sexual que a protagonista vivencia, a maneira como a garota demonstra uma apatia completa à ordem sexual. Quais razões da aparente frigidez? Por que o sexo promove um desconforto irrevogável à jovem? Ainda que estonteante, não consegue se conectar com as pessoas, numa aparência constante de alienação. O que torna uma pessoa tão adversa à libido? Enquanto as perguntas se manifestam na mente do espectador, a narrativa assume contornos assustadores.
Quando sua irmã viaja com o amante para uma viagem à Itália, o filme ganha possibilidades sombrias, é quando se acentua o grau nítido de “terror psicológico” e o esqueleto de paranóia é praticado. Carol imerge num abrupto descontrole mental dentro de seu apartamento, gradativamente perturbada, em meio às confusões abismais de sua realidade que se alternam com suas alucinações mórbidas. É justamente assim que Polanski induz o expectador num obscuro caminho mental de sua protagonista, faz com que o segundo ato do filme transpareça como uma representação da amplitude mental de Carol. O tom macabro, a violência e o suspense são elementos visíveis dentro do claustrofóbico apartamento. A jovem submete-se a sua insanidade própria. Visualiza vultos, assombra-se com presenças dentro do quarto, desorganiza-se de forma que se torna vulnerável. É então que entramos no mundo particular de Carol, sua mente é despida e a dimensão da loucura é latente. A ausência de lucidez é consequente de sua sexualidade reprimida, seus desejos dúbios, numa vida de privações sexuais que ocasiona numa turbulência emocional. Esquizofrênica, psicótica ou apenas a realidade incompreendida?
Com uma estética musical do instrumentista Chico Hamilton e fotográfica instigante de Gilbert Taylor, Roman Polanski inquieta o espectador ao colocar Carol em meio aos seus tormentos dentro do apartamento trevoso. A mistura de percepções, o tom nervoso e o desconforto da jovem passam a ser de quem assiste ao filme também. Vemos Carol ser estuprada toda noite por homens diversos; sua intensa insegurança sexual sendo articulada. O ambiente parece ter personalidade própria, cria formas surreais em volta dela, corredores assumem outras dimensões, paredes tornam-se mais largas, tudo de acordo com as suas percepções. Mãos invadem seu corpo como se à procura do sexo compulsivo, rachaduras na parede cada vez maiores que causam pânico. As lentes de Polanski não temem em mostrar o que há de mais denso na obscuridade de Carol — o talento de Catherine Deneuve é impressionante. Sua personagem pouco fala, mas tem uma personificação bem delineada de gestos e olhares. Quando sua Carol explode em fúria assassina, nos tormentos dramáticos de loucura descabida, o filme grita por ser propriamente sufocante. Talvez Roman Polanski nem tivesse consciência de que faria uma obra-prima, definitivamente é um espetáculo psicológico-sexual que merece ser revisado sempre. Com extrema poesia e psicologia, funciona como um estudo sobre o detrimento mental de um ser humano. Pura obra-prima!
A sociedade ainda não é preparada para o selvagem lado sexual humano. Tenta-se quebrar os tabus, mas falar de sexo é ainda algo sempre reprimido. Pior é externar todo o desejo descomunal, senso que recebe sempre a reprovação alheia. No final da década de 50, o cineasta francês Roger Vadim providenciou o choque no público ainda firmado num pseudo-puritanismo. Proibido pela Legião da Decência nos Estados Unidos, este filme elevou as temperaturas, ainda frígidas do espectador, ao colocar Briditte Bardot como elemento feminino de grande malícia. A atriz logo se tornou sex-simbol do Cinema Europeu por personificar uma mulher liberal, bastante erotizada e de comportamento transgressor, a típica representação da juventude que, naquele momento, quebrava todas as formas de inocência e submissão. E Deus Criou a Mulher é justamente um ensaio cinematográfico sobre o poder de sedução, liberdade sexual e determinismo feminino perante uma sociedade altamente repressora. Como compreender que uma mulher permissiva aos desejos mais temperamentais pode também amar? Por que a sociedade persiste em criticar a sexualidade tão à flor da pele? Essas são perguntas pertinentes ao centrarmos na narrativa do filme: Juliette Hardy (Bardot) é uma jovem orfã de forte beleza, altiva e marcada pela natural sensualidade. Seu poder de atração é evidente, visto que atrai todos os homens ao seu redor, ainda que não tenha essa intenção. Liberal ao extremo, a jovem cria indisposição com a comunidade que insiste em reprimir seus atos, suas opiniões e seu comportamento tão libidinal que faz acender os desejos masculinos e provocar repulsa nas mulheres que temem perder seus maridos.
Apesar de desejada pelo milionário Eric Carradine (Curd Jürgens), Juliette nutre um tesão incondicional pelo rústico Antoine Tardieu (Georges Poujouly), mas este ausenta-se de maiores compromissos, apenas quer um envolvimento breve, sem amarras sentimentais. Vitimada pela comunidade que a enxerga como prostituta e condenada por seus guardiões que a ameaçam devolve-la para o orfanato de onde veio, Juliette afunda-se no desespero. É quando Michel (Jean-Louis Trintignant), o irmão mais novo de Antoine, a pede em casamento. O que parecia uma tranquilidade para todos os problemas, torna-se um conflito quando a ebulição sexual de Juliette recebe uma dimensão maior: diferente da mulher padronizada daquele tempo, a loura não parece destinada aos afazeres domésticos, muito menos consegue atenuar sua incessante compulsão por sexo. E é justamente esse ponto que o filme trata com bastante provocação. É possível viver pelo que se deseja? Existe uma vida firmada em práticas sexuais sem regras morais de fidelidade? O filme mostra a despudorada Juliette como uma mulher que sente a necessidade de transar, de seduzir, de viver pelo orgasmo imediato — porém, indigna-se por não satisfazer-se sentimentalmente com ninguém, nem mesmo com seu real objeto de amor-platônico, Antoine.
É evidente a insistência de Roger Vadim em acentuar todas as curvas de Brigitte Bardot, colocando-a como um extremo objeto de desejo, de libertinagem, notoriamente uma ninfeta sedenta por prazer que consegue deixar os três homens da trama ensandecidos por ela. Inúmeras cenas exploram seu apelo sexual, no intuito de fazer com que o público realmente perceba — ou se excite — com a vocação maliciosa da protagonista. Logo na primeira seqüência do filme, encontra-se uma cena de grande representação orgasmática: Bradot nua, coxas à mostra, em posição sedutora, atrás de um lençol branco, na tensão desconcertante de Jürgens que a enxerga como uma fêmea no cio prestes a ser devorada. Hoje, este filme não tem o mesmo impacto que exerceu, visto que não há um forte teor de cenas explícitas de sexo ou mesmo de nudez. Contudo, é evidente a extravagância sexual que o roteiro providencia ao estruturar diálogos que expressam as intenções dos anseios de Juliette — ora a jovem explana seu sonho em ser amada por alguém, ora investe no posicionamento de delirante ninfomaníaca que apenas quer transar por transar.
Instigante a maneira como Brigitte Bardot sabe dosar a interpretação mais sensual em momentos onde não se espera que exista a sedução intencional — ainda assim há pequenos gestos, olhares maliciosos e presença provocativa em momentos de beijos bem ardentes, por sinal um avanço para época já que existia um tom mecânico na maneira como se arquitetava essas cenas. Bardot parece movida pela libido da personagem, diante de uma direção ousada de Vadim, que exterioriza bem a postura sexy de sua Juliette. Por outro lado, há situações onde a emoção e o lado passional é demonstrado, é quando a atriz utiliza-se do melodrama que evoca a fraqueza de Juliette, mas ainda assim é convincente. A canção “Dis-moi Quelque Chose de Gentil” da cantora Solange Berry toca durante todo o filme, caracterizando bem a personalidade sonhadora da protagonista que, no final das contas, queria ser compreendida por desejar e amar demais. A fotografia prioriza bem os tons calorosos da fogosa Juliette, há cores fortes e tons gritantes de vermelho. É um filme que representa bem o papel feminino, tanto libertino quanto libertário, em busca do direito de prazer sobre os terrenos do falso moralismo social.
Como se sustenta a prostituição gay? Como funciona o sexo feito pelo dinheiro? Qual a dinâmica que se estabelece entre os prostitutos e seus clientes? Grande estudioso do universo da homossexualidade e conhecedor sobre a natureza dos “profissionais do sexo”, o cineasta John Graham desenvolveu um provocador roteiro que desnuda o universo da prostituição masculina. Selecionado em diversos festivais de cinema LGBT nos Estados Unidos, Garoto de Programa é um trabalho realista e polêmico que decide investigar as vivências da juventude que se presta ao sexo apenas pelo dinheiro. Tão preciso quanto o já clássico “Garotos de Programa” de Gus Van Sant, essa produção tem mais substância e sensualidade que o tão falado “Bruna Surfistinha”, por exemplo. Ao personificar também as relações sexuais gays, o filme acaba por trazer à tona várias questões pungentes que agem como um forte sentido de reflexão humana. Com um roteiro bem articulado, ousado e que decide, sem medo algum, explicitar as relações de sexo pago, Graham acaba por exercer uma jornada de psicossexualidade que vai além. A ação se centra durante uma noite de atendimento de um michê (Ben Bonenfant), num único prédio — chamado por um dos personagens como o local “mais gay da rua mais sexual da cidade”. Acompanhamos o jovem, típico estereótipo sexual dos sonhos, já que é libidinoso, sensual e masculinizado. O que parecia ser apenas uma única noite de serviço torna-se um emaranhado de situações sexuais, já que o michê acaba por transitar entre diversos apartamentos do mesmo prédio, envolvendo-se com vários homens de diferentes personalidades.
Verbalmente e visualmente sedutor, o filme acompanha bem de perto a jornada sexual noturna do michê dentro do prédio sob uma forte tempestade. O interessante é que ele não se limita aos enquadramentos eróticos, apenas, das transas — evidentemente, várias são as cenas que sustentam o teor homoerótico da película, visto que há um tom bem realístico em pontuações de sexo oral e sodomia praticada pelo michê com seus clientes. Várias cenas de nudez, a câmera demoradamente nos corpos dos homens, o olhar penetrando os atos sexuais que podem até constranger um espectador despreparado. Mas, o filme não se limita nesse sentido, acaba por tratar, já que tem uma linguagem bem íntima com seus personagens, elementos de reflexão da própria moral do protagonista. Por que um jovem tão novo decidiu se prostituir? O que faz uma pessoa viver no vício do dinheiro ganho pelo sexo com um desconhecido?
Enquanto se envolve com seus clientes, o michê — que não sabemos a real identidade, já que “troca” de nomes a todo instante — aparenta ser um indivíduo que gosta de transar com desconhecidos, viciado nas “transas do acaso”, sem nenhum indício de apego sentimental com ninguém ainda que seja bem carinhoso com eles. E John Graham, cuidadosamente, explora a personalidade do michê que acaba por misturar-se com o universo de cada cliente que vem experimentar seu corpo. O prostituto torna-se uma espécie de ouvinte das confidências de seus clientes que divide com ele seus dramas, solidão, anseios e dúvidas reais.
E a linguagem do filme é bem direta, íntima e vai fundo no universo da prostituição através deste único protagonista. Admirável a maneira como o roteiro acaba por acentuar estereótipos de pessoas comuns imersas nas relações casuais, dos redutos homossexuais, das comunidades sexuais obscuras. Há um cliente que nunca conseguiu esquecer o primeiro amor de adolescência; há um outro que se entrega ao vício da cocaína, leva uma vida com a prática do sexo e o uso imoderado de bebidas; há o homofóbico casado que procura o michê para realizar suas fantasias secretas, mas sofre por conta dos desejos que sente — compreende-se aqui o universo dos enrustidos, dos que tentam mascarar suas verdadeiras opções sexuais, sem sair do armário. E o filme mostra muito bem esse sentido da homofobia através de um personagem que se envolve com o michê, numa seqüência de sexo bem desconfortável, por sinal.
Ademais, John Graham também insere inúmeros diálogos reflexivos que faz com que o jovem insaciável michê acabe por olhar para si mesmo, é quando aqui o sexo deixa de ser apenas um exercício para virar um elemento de desconstrução de seu personagem. O michê eficiente, sexualmente disposto, acaba por questionar sentidos de sua vida, do sentimento, reflete perspectivas pessoais. Surpreendente, o filme usa da prostituição gay masculina para preservar uma reflexão de mundo e é neste sentido que a obra torna-se mais indispensável. E só por pegar um tema já famigerado e incluir elementos mais provocadores, a película tem sua força. A direção é extremamente segura, pontual. O cineasta limita seus personagens em quartos escuros ou salas com fotografia que prioriza tons de vermelho e azul. Os diálogos sinceros e efusivos são apoiados pela trilha do cantor americano Jay Brannan que já é recorrente no cinema queer. O jovem ator Ben Bonenfant concebe uma atuação sensual, convincente como um prostituto de fortes apelos libidinais e total carisma em cena.
Tenesse Williams sempre viabilizou inúmeras discussões sobre fragilidades e anseios humanos em suas peças. Mas, a mais evidente, sem dúvida, é a questão da sexualidade. Muitos de seus textos adaptados no cinema — os mais conhecidos Uma Rua Chamada Pecado ou Gata em Teto de Zinco Quente — centrava-se nas motivações libidinosas e sensos ardentes sobre humanos em busca de prazer, do desejo como fonte até de perspectiva humana. Vidas em Fuga, infelizmente, é o mais desconhecido trabalho do autor que roteirizou a partir de uma peça sua sutilmente baseada na lenda de Orfeu. É um trabalho primoroso dirigido pelo então jovem Sidney Lumet. O filme intimista, melancólico e extremamente dramático, tem todas as principais características do dramaturgo. Um andarilho altamente sexualizado e sedutor Valentine Xavier (Marlon Brando) foge de sua cidade natal por conta de um crime que cometera. Rebelde viril, famoso por envolvimentos polêmicos com inúmeras garotas, recebe a alcunha de "Snakeskin" por conta de seu casaco de pele de cobra. Sob essa figura masculina, selvagem e dotada de muita propensão ao sexo, é que o filme se sustenta. Valentine busca emprego em um povoado do Mississipi, lá conhece a loira fogosa Carol Cutrere (Joanne Woodward), uma garota destemperada, a típica ovelha-negra que abalou a comunidade com suas opiniões agressivas e atitudes imoderadas. É ela que apresenta o fugitivo à Lady Torrance (Anna Magnani), esposa de um comerciário à beira da morte que precisa de um ajudante já que seu marido não tem condições de assumir a loja. Inevitavelmente, esse triângulo vai abalar a calmaria da cidade.
Sidney Lumet teve a feliz ideia de reunir três importantes ícones de Hollywood — todos vencedores recentes do Oscar — no seu espetáculo emotivo de tensão sexual. Marlon Brando aqui foge de uma interpretação mais visceral, tão habitual em seus filmes da década de 1950. Ainda que contido, não atenua sua disposição sensual em cena que é bem reforçada pela direção de Lumet que capta bem a tonalidade misteriosa de seu personagem. Interessante a maneira como seu personagem mexe com os sentidos de todas as figuras femininas do filme — mesmo sendo um homem silencioso, certos diálogos maldosos ou mesmo o seu porte viril, chama atenção de todas as mulheres. Joanne Woodward como uma ninfomaníaca e alcoólatra também fascina, deliberadamente maliciosa, é a primeira a demonstrar tesão pelo forasteiro recém chegado à comunidade. Porém, a italiana Anna Magnani é que fundamenta o teor romântico da película e fomenta a sexualidade mais explícita. Suas cenas com Brando são poéticas, reflexivas e acentua o contexto de sensualidade da trama. É através do desejo proibido e da relação adúltera de Lady Torrance com Xavier que o filme discute também posicionamentos de traição, ciúmes, feminismo e até sensos de solidão. A química interpretativa de Brando com Magnani é intensa, ambos parecem em constante ebulição de desejo e sentimento.
Além dos diálogos sempre hiperbólicos bem característicos de Tenesse Williams: as duas mulheres em colapsos nervosos — Carol e Lady Torrance, expondo suas aflições e desejos carnais por um objeto másculo que induz à provocação sexual —, o filme tem um tom melancólico que aumenta o sentido dramático. Todos os três atores surpreendem pela boa sintonia, interpretações expressivas e pela transparência solitária de seus personagens. Todos em busca de amparo, desejo e afirmação. E Sidney Lumet não tem medo de vasculhar os sentimentos mais verbais dos seus personagens, por isso insere suas lentes nos rostos dos atores, em closes extensos, um bom recurso imagético à narrativa. A potência teatral de encenação aqui é leve, ainda que os diálogos sejam efervescentes. A fotografia de Boris Kaufman em preto e branco é belíssima também, iluminação expressionista cheia de sombras e luzes que sabem destacar os olhares de desejo de Marlon Brando por Anna Magnani — por sinal, na época, soube-se que a atriz encheu-se de encanto pela beleza do ator, mas foi rejeitada por ele, criando-se certa indisposição entre ambos nas filmagens. Decerto, é perceptível o clamor do sexo que a produção exala. E polêmico também o indício de que o personagem de Brando, na verdade, fosse um prostituto. Mas, o roteiro deixa subtendido tudo. Um filme ainda sedutor que dialoga bastante com os tempos atuais, das questões morais que nunca cessa, por isso não há de envelhecer jamais.
Wong Kar-Wai é um dos diretores mais sensíveis, sabe muito bem explorar o máximo da sensibilidade humana em seus personagens. Por ser um diretor criativo e autoral, procura esmiuçar os anseios de seus humanos com uma linguagem poética que difere dos demais cineastas atuais. Em seus filmes, há amostras de indivíduos sempre em busca de amparo diante de uma solidão que parece transtorná-los — afinal, ninguém consegue viver sem um sentimento ou mesmo ebulição carnal. Talvez por isso, o belíssimo Amor À Flor da Pele seja um representante perfeito desse seu estilo humanístico. O diretor mostra que não existe relacionamento que se sustente sem o fervor do tesão e de uma comunhão sentimentalista. É justamente por isso que seus personagens vivem no limiar do desespero. Na Hong Kong de 1962, os carentes Chow (Tony Leung Chiu Wai) e Li-Zhen (Maggie Cheung) se conhecem, se entendem perfeitamente e o desejo retira todo senso da razão. A problemática é comum, tanto um quanto o outro são casados, vivem num matrimônio artificial, sem emoção e não são correspondidos afetivamente pelos cônjugues correspondentes. É então que Kar-Wai explicita que todo ser humano quer ser tocado, quer prazer e quer gozar de um amor sem limitações artificiais.
Ainda que sufoque o espectador com uma narrativa que induza o tesão do casal — o jornalista Chow e a secretária Li-Zhen além de tudo descobrem que seus respectivos parceiros estão tendo um caso também —, Kar-Wai em momento algum utiliza-se de situações eróticas ou mesmo explora o sexo de maneira explosiva. Pelo contrário, com um cuidado absurdo, além do seu apreço pela minúcia ao tratar de cada cena de maneira detalhada, o seu roteiro é auxiliado por um visual apurado que apenas traça mais da emoção do casal que está na frágil indecisão: Deve-se abdicar de um casamento de aparência em função de um desejo absurdo? E quando há sentimento também misturado no tesão? Sem cenas de sexo, coreografias de beijos e amassos, aqui Kar-Wai procura detalhar a emoção tão à flor da pele de seu casal principal — inclusive, abstém-se de mostrar os seus cônjugues, já que o que importa mesmo é o foco na substância claustrofóbica do desejo de Chow e Li-Zhen. Repleto de silêncios, cenas com poucos diálogos, percebemos que a intenção aqui é mostrar a respiração dos seus amantes e não somente o clamor do tesão. O cinema de Kar-Wai é mais subjetivo, delicado, não tão escancarado. Propõe a reflexão.
A paixão incontrolável do casal é explorada na narrativa imagética. Cores avermelhadas explodem, cenários com tons do vermelho e preto que criam o cenário perfeito da luxúria aparente, da trilha sonora com canções de boleros de Nat King Cole. A tendência de Kar-Wai em elevar a temperatura carnal de seus personagens é estilizar os sentimentos de ambos com as representações harmônicas de canções e sons, da fotografia com tons de cores quentes e da música-tema "Tema de Yumeji" que se repete incessantemente. A câmera lenta sempre acompanha os movimentos dos personagens, é a forma de tornar o espectador mais atento às emoções de cada um, aqui temos o contato perfeito dos personagens com o público tamanha identificação humana. Decerto, é um trabalho inspirado de um cineasta exigente consigo mesmo. A mise em scène é trabalhada à perfeição, as cenas resultantes dos ângulos adequados. O espectador é o típico voyeur que vivencia junto com os amantes essa bela história de sentimento e desejo. E Tony Leung Chiu Wai mantém uma forte sintonia ao lado da bela Maggie Cheung, um casal que já entrou para a história da cinematografia ao longo desses anos. Nunca foi tão prazeroso observar um amor improvável com teor de proibição como este filme que merece ser sempre experimentado por todos.
A temática deste filme foi tabu durante anos. A sigla alemã do título deste chocante filme se refere aos institutos famosos políticos-nacionais de educação criado pelo regime de Hitler para efetuar as bases de sua "nova raça". O foco narrativo desta obra se passa durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, no auge do poder do regime nazista. A história do jovem impetuoso Friedrich Weimer (Max Ruemelt), lutador de boxe, que se alista voluntariamente na escola de ensino médio que formaria os militares da elite nazista. Dentro do local escolar é que ele passa a compreender que nada é aquilo que acreditava — métodos incansáveis dos "professores", acentuando a degradação física e emocional dos alunos, fazem com que Weimer perceba um mundo cruel ao seu redor, assombroso e dotado de muita maldade. Quando conhece Albrecth (Tom Schilling), o filho do governador da região, é que o destino parece ainda mais tenso. Ambos os garotos sentem-se unidos numa amizade incondicional, sem barreiras. Dirigido por Dennis Gansel, este filme lida com um fato da História onde jovens eram ensinados a matar, sem qualquer senso de misericórdia e compaixão, apenas destinados à submissão ao nazismo.
Decerto, a delicadeza da íntima amizade dos dois expressada no filme acaba por beirar a um amor homossexual. Mas o roteiro não deixa isso transparente. Prefere centralizar a problemática de Friederich Weimer com Albrecth, pois é o grande foco dramático da obra. A película apresenta os jovens sendo "formados" na escola de regime nazista, onde há uma grande carga de violência física e psicológica doutrinada pelos "professores" que tentam, a todo custo, tornar os garotos como máquinas dotadas de crueldade e frieza — esta é a visível polêmica sustentada durante o filme. A escola acabava por ser uma espécie de família substituta dos jovens doutrinados. A direção de Dennis Gansel evita que ocorra um tom melodramático na questão do nazismo, ainda que haja um teor acentuado de angústia e tensão crescente. É um trabalho muito cuidadoso, intimista até, sem ser sangrento. Interessante que o filme mostra o envolvimento emocional dos dois jovens que, além da amizade, passam a perceber que aquela instituição não era o sonho que tanto idealizavam. E esse sentido é bem explorado em cenas de muitos diálogos, por sinal é um dos pontos mais positivos.
Apesar de ter sido vendido como um filme homoafetivo, é bom deixar nítido que esse contexto não é parâmetro para a abordagem. Há uma malícia evidente por parte de Albrecth que parece nutrir uma forte atração por Weimer, mas nada é deixado tão claro pelo roteirista, portanto as dúvidas acabam por transformar-se em reflexões posteriores. Será que existe um tesão de um para o outro? Ou seria uma amizade tão íntima, sem limites, isenta de preconceitos sociais? Há certas cenas que o diretor parece querer provocar, ainda que no terreno pleno da sutileza, o público com esses questionamentos — cenas onde Weimer exibe-se sem camisa, peitoral à mostra, o corpo musculoso sob o olhar atento de Albrecth que parece direcionar mais que uma leve admiração. As atuações de Max Riemelt e Tom Schilling são bem expressivas, recriam uma intimidade e preservam uma química em cena interessante. O público é capaz de lamentar por esses dois serem desconhecidos mundialmente. Se Riemelt induz uma carga de testosterona, é Schilling que delineia mais a emotividade em sequências de força dramática. Um filme que deve ser valorizado, ainda que não conhecido por muitos.
Em 1939 o Reformatório Católico de São Judas na Irlanda tornou-se centro de uma polêmica. Garotos eram constantemente espancados e violentados sexualmente pelos padres da instituição. O fato verídico é tratado com cuidado e crueldade neste forte filme. A diretora Aislin Walsh propõe um estudo polêmico que causa comoção diante dos fatos apresentados na trama. O professor laico Franklin (Aidan Quinn) é o único designado a trabalhar no reformatório, é lá que ele se depara com uma realidade permeada de imoralidade e muita hipocrisia. O Inferno de São Judas explora, através das percepções desse educador, o universo corrompido da instituição que finge seguir os preceitos religiosos. Franklin passa a confrontar toda a autoridade do local — bate de frente com o sádico diretor, Irmão John (Iain Glen), um homem perverso que abusa de sua condição para maltratar os garotos. Em meio ao caos da Segunda Guerra Mundial, há a luta de um educador em busca de justiça num meio tão opressor. Franflin passa a nutrir uma confiança natural por conta de seu caráter, é quando ganha a amizade de cada interno do local. Como acabar com a impunidade que parece reinar? O que fazer para amenizar o próprio inferno num local onde deveria existir a bondade? Inúmeros porquês são condicionados ao longo da projeção.
O longa tem um roteiro provocador, não se intimida em desmascarar as torturas sofridas - tanto físicas ou emocionais - pelos internos. O cenário do reformatório é lúgubre, um misto de pânico e medo. A fotografia ajuda nesse quesito já que é feita de tons terrenos, cinzas e marrons. O público facilmente se identifica com a atmosfera criada por Walsh que sabe dirigir, prioriza-se um tom emocional na condução dos atores. A polêmica em colocar a tortura física causa leve desconforto, ainda que as cenas não sejam tão explícitas. Contudo, há o choque quando a questão da sexualidade pervertida é colocada em debate. O longa mostra o sacerdote Mac (Marc Warren) que usa os garotos para se insinuar e abusar sexualmente sem que haja uma punição aos seus atos — a sequência em que o padre estupra um dos garotos é tensa, bastante crua, um retrato bem doloroso de se enxergar. O filme não decide insistir que existia ali um distúrbio sexual por conta de uma sexualidade reprimida e duvidosa dos sacerdotes.
Pelo contrário, o roteiro prefere alertar o abuso intolerável sofrido pelos garotos que não tem como se defender de seres tão desumanos. Externa-se aí, então, contextos de pedofilia que provêm dos atos perversos dos padres que abusam dos garotos, mas a discussão no roteiro não rende tantos detalhes. A perspectiva é mais próxima do sofrimento dos internos que sob a visão motivadora dos sacerdotes. Assim, o público acaba por se chocar com é vivenciado na projeção de tais cenas. Não é a toa que o filme foi utilizado em algumas cidades da Inglaterra em diversos centros de educação e reabilitação de crianças vítimas de abusos sexuais. Nota-se aqui que é um trabalho que ajuda na reflexão, não insere uma violência ofensiva e intolerável de assistir.
O roteiro não se limita, ainda assim. A figura do professor Franklin vem como uma esperança no filme. Aidan Quinn personifica muito bem um homem de princípios corretos, humano e disposto a lutar à favor dos órfãos torturados constantemente. Ele desaprova completamente todos os métodos exercidos pelos sacerdotes, além de questionar certas posturas religiosas no reformatório. É a luta da educação contra as visões idealistas — e também acobertadas de mentiras e hipocrisias — da Igreja. Ainda que o público se sinta desconfortável com tais cenas de tortura física ou abuso sexual vivenciado pelos jovens, as indagações que o roteiro articula e a direção de Aisling Walsh promovem um espetáculo cinematográfico. É um filme pequeno, intimista até, mas de grande proporção emocional por conta de um tema tão delicado quanto este. Ainda mais por ser um tema tão recorrente ainda na atualidade. Não deixa de ser uma abordagem que alerta. Talvez, o único problema seja a pouca duração para uma abordagem que, definitivamente, ainda poderia render um melhor aprofundamento. Na realidade, é um tema muito polêmico, tornando a curiosidade do espectador mais alerta.
Eis que o cinema nacional demonstra um belo exemplo de exercício cinematográfico. SONHOS E DESEJOS, dirigido por Marcelo Santiago, baseado na obra "Balé da utopia", de Álvaro Caldas, consegue ser deliciosamente prazeroso. Mel Lisboa é o misto da sensualidade e representa a feminilidade passional apaixonada. Sérgio Marone exala charme, masculinidade sexual em olhar e expressão corporal. E Felipe Camargo é sereno e mantém uma concentração interpretativa. O choque entre a vida afetiva e a participação política, sentimentalidade versus comunismo, são artifícios do roteiro. A opção visual do diretor, com nítido cuidado plástico, auxiliado com beleza pelo diretor de fotografia Dudu Miranda, contextualiza a narrativa. A fotografia muda de cor e textura conforme o momento. O filme mistura a política e sexo - os personagens ora pregam a revolução, ora fazem maratonas sexuais. Vivem entre o desejo e a utopia - a sexualidade e o desejo são trabalhados como a expressão da individualidade e a utopia como o sonho coletivo de uma geração. A coexistência desses dois elementos em um mesmo indivíduo e a interferência que um exerce sobre o outro são problematizados. O conceito sexualidade versus comprometimento social é anunciado desde a abertura de créditos, sendo facilmente compreendido. À beira do colapso emocional, os personagens vivenciam a loucura proporcionada pela solidão, com diálogos sempre auto-reflexivos. E no cárcere privado é onde o amor se torna aliado do sexo que gera uma superação coletiva.
Sidney Lumet, um mestre, seus filmes sempre colocam o ser humano repleto de inseguranças, no limite da moralidade ou perversão, ainda que bastante humanos. Eis a ironia, seus personagens são frágeis, cometem erros, mas pedem do público a rendenção de alguma forma. Aqui há o duelo interpretativo de Hoffman com Hawke, como irmãos que pela sede de dinheiro, não medem esforço para se sujar numa teia de maldade e retrocesso existencial, já que decidem assaltar a loja dos próprios pais. Filmaço, com roteiro interessante, direção super segura e uma montagem ousada.
O universo begmaniano capturando o assombro existencial, a intimidade da mente humana de tal forma que corrói, uma precisão absurda. Somente Ingmar Bergman para externar tanta subjetividade do ser humano com tão pouco diálogo. O filme é um sensível estudo sobre carência afetiva, distúrbios psicológicos, sexualidade reprimida - bem como suas descobertas - e questões que transcende à espiritualidade, como a simples crença em Deus. Afinal, o que consiste a natureza humana? Por que estamos aqui? O que é amor e fé em viver? Qual o limite da loucura ou o que pode definir isso, afinal? O drama psicológico é tenso, denso e muito revelador. É admirável como o roteiro é perfeito e sabe delinear tantas problemáticas da existência humana com apenas 4 personagens. Ao contrário do que todos pensam, a personagem de Harriet Andersson (atuação soberba, por sinal) não é a única que deva ser questionada quanto à insanidade ou aparente fragilidade, aqui temos todos os personagens no limiar da angústia e desespero diante de tanta insatisfação, torpor e melancolia de uma vida sem maiores êxtases. Um filme grandioso!
GIGANTES DE AÇO: um filme humano, acima de tudo nos faz acreditar que hollywood sabe nos encantar quando quer. Engana-se quem pensa que é apenas um mero entretenimento-pipoca, aqui temos um trabalho de pura adrenalina e sensibilidade. A relação de Max (Dakota Goyo, incrível atuação, não será espanto se esse garoto futuramente receber trabalhos mais densos e conquistar Oscars) com seu pai, Charlie (Hugh Jackman, excelente) é bem delineada, emocional e interessante de ser observada. Shawn Levy realiza seu melhor filme, puramente mainstream, mas de grande importância sentimental. Há efeitos visuais espetaculares, bom ritmo de ação e cenas eufóricas. A fotografia do filme é notável também. As referências a Falcão ou Rocky Balboa são viáveis, mas acredite na força desse filme. Sem dúvida, o efeito é magistral!
A política que fede. As aparências que enganam. A falsidade ao redor. Tudo é duvidoso, as máscaras há de cair. O universo pecaminoso da politicagem que ora exalta um indivíduo, ora acaba por colocá-lo no mais puro lixo do nada. Interessante os conflitos emocionais, psicológicos e extremos dentro das cortinas dos jogos sujos da política e na busca desenfreada pela posição. Definitivamente, George Clooney ganha mais atrás da câmera, já que ainda mostra limitação como ator, porém sabe ser minucioso no desenvolvimento da direção de seus personagens. Ryan Gosling brilha, choca, estraçalha em cena - definitivamente, um dos melhores atores da atualidade. E o que falar dos coajuvantes? Marisa Tomei em praticamente 3 ou 4 cenas se mostra eficaz; Philip Seymour Hoffman é um ator intenso e concentrado e Evan Rachel Wood bem que poderia ter sido nomeada pela atuação interessante como a frágil moça levada pelos enigmas dos jogos de aparência e sexualidade. TUDO PELO PODER é um filmaço!
Um filme que, sinceramente, não deveria ter sido feito. Qual propósito, afinal? Um elenco, claramente, desperdiçado - o único justificável é o personagem de Jude Law que aqui tem uma boa atuação e caracterização. No mais, tantas estrelas juntas em poucos diálogos e aprofundamento melhor dos seus papéis. Vai entender a razão deste filme? Eu realmente não entendo. Não é chato de ver, pelo contrário, é até assistível, só acho "mais do mesmo" ou quase uma "perda de tempo".
Mais que um panorama do Irã, é a realidade de todos nós, exposta sem medo, pura crueldade. Um filme tocante, visceral, verborrágico ao extremo. Descontrói as típicas problemáticas existentes em toda família: carência, sentimentos que se dissipam juntamente com o crescimendo do desrespeito e do ódio. É mãe, é filha, é pai. O filme de Asghar Farhadi traça o viés religioso, a falta de comunicação de um homem com uma mulher, mas vai além mostrando a cultura de um povo marcado pela intolerância, machismo, submissão feminina e problemas de existência. Atuações intensas, diálogos febris e uma atmosfera de tensão cortante em 2 hs. A SEPARAÇÃO é único! Recomendadíssimo um dos melhores do ano passado. Ao meu ver, pode ganhar o Oscar de filme estrangeiro!
Como compreender a linguagem da paixão? Por que todo mundo, de alguma maneira, quer viver para amar? Eis a juventude com seus problemas em lidar com questões afetivas, ainda mais quando a pouca maturidade concebe uma inconstância permanente — jovens carentes que buscam alguém para amar, mas quando encontram parecem estar insatisfeitos.
O diretor francês Christophe Honoré providencia todos os dilemas, incertezas e fragilidades do universo sentimental da puberdade no seu A Bela Junie. O filme expõe o lado humano da adolescência — como lidar com o amor avassalador que mexe com o coração juvenil? Ao falar de questionamentos do sentimento, e também sexualidade, o diretor evidencia um pequeno panorama sobre a melancolia e o êxtase consecutivos das experiências próprias da juventude.
A Junie do título é uma jovem de apenas 16 anos (Léa Seydoux), acabou de perder a mãe, muda-se para o mesmo colégio que estuda seu primo Mathias (Esteban Carvajal-Alegria). É lá que a narrativa e todo o senso argumentativo do filme se concretiza. Dentro da instituição escolar, através das perspectivas dessa jovem, observa-se um painel de situações de diversos personagens que se misturam às vivências dela como forma de efetuar um mosaico estrutural sobre as adversidades relacionais. Junie é alvo de curiosidade de diversos estudantes, despertando o desejo dos garotos, como Otto (Grégoire Leprince-Ringuet). Porém, a misteriosa garota sente-se atraída pelo galante professor de italiano Nemours (Louis Garrel).
Baseado livremente num clássico literário do século 17, "A princesa de Clèves", de Madame de La Fayette, o argumento do livro é respeitado no roteiro da fita que não abre mão de priorizar o senso romântico.
O filme contorna as situações cotidianas que ocorrem no colégio, onde a perceptiva Junie vivencia seu desejo aflorar — a tal garota, "a bela pessoa" do título original, é desmistificada com seu jeito sensível de agir, com todo um ar angelical, mas de uma sensualidade contida em meio aos seus anseios femininos. E o roteiro não se limita em evidenciar apenas a personalidade da personagem-título: Junie é parte de uma ciranda de desejo, amor e paixonite que tanto contornam os demais personagens masculinos. Há o jovem Otto que sofre de admiração, amor platônico, e sentimento poético por ela. E o professor Nemours que é objeto de tesão de Junie.
E Christophe Honoré não poupa em se tornar íntimo de seus personagens — entre troca de bilhetes, olhares e diálogos juvenis, os jovens expressam seus dilemas sentimentais e sexuais. Com personagens diversos, Junie se depara com os envolvimentos de professores com alunos ou mesmo com um triângulo passional e tumultuado entre três garotos — a homossexualidade é tratada com naturalidade, tema tão recorrente nas obras do diretor.
Interessante que a sexualidade toda é centralizada numa garota que, além de misteriosa, é até apática — Junie nunca demonstra muito o que sente, pensa ou quer. A complexidade dessa personagem é o grande mérito do filme. Ao invés de desnudar todas suas características comportamentais, Honoré prefere deixá-la assim, tão densa, fria e introspectiva. Como alguém tão retraída pode despertar o desejo de tantos? E, ainda assim, Junie se mostra emotiva nas questões afetivas e até voltadas à sua sexualidade, como na cena em que exibe seus seios e corpo nu para provocar Otto. Ou tenta racionalizar suas ações mesmo quando se emociona ao ouvir uma sinfonia clássica sob os olhares de desejo do professor Nemours.
Instigante a maneira como Junie tenta evitar a atração que nutre pelo professor, sendo algo mútuo desde o primeiro instante. Christophe Honoré expõe bem a juventude contemporânea francesa, com todas as suas vicissitudes declaradas. Pauta traições, reviravoltas e relações interligadas com muita ansiedade hormonal. A hipnótica presença de Louis Garrel, habitual parceiro-fetiche do diretor, firma a beleza interpretativa da película. Porém, Léa Seydoux consegue sustentar toda a subjetividade que sua personagem pede.
Nesse mosaico humano onde a contida Junie depara-se com amores héteros e homossexuais; frustrações e medos; desejos e escolhas — Honoré mostra com fluidez que não existem regras para sentir, para viver o que realmente precisa. O ser humano, sob a ótica do diretor, nasce para desejar o outro; anseia ser amado incondicionalmente. Mas, não consegue se satisfazer sempre com suas escolhas. E o filme põe esses contextos em questões sob as perspectivas de diferentes personagens juvenis.
Captando bem o ambiente francês, com uma fotografia que dimensiona o tom intimista e melancólico de alguns personagens, com cores escuras e terrenas; o filme encontra o auxílio nas canções de Nick Drake — a música é sempre um forte elemento nos trabalhos de Honoré que centraliza suas discussões humanas com o recurso sonoro.
A dolorosa realidade de uma criança que precisa lidar com sua sexualidade. Laure (Zoé Héran) tem 10 anos, acaba de se mudar com sua família para um bairro novo nos arredores de Paris. O que esconde essa garota? Ela se veste como um típico garoto de sua idade, anda com meninos da sua faixa etária, mantém os cabelos bem curtos em plena rebeldia. Para todos os garotos de sua comunidade seu nome é Michaël. Como entender as motivações dessa criança que já vive em conflito consigo própria? Até quando ela poderá enganar a todos?
Dirigido com bastante cuidado por Céline Sciamma, também roteirista, Tomboy é um filme surpreendente que trata de um tema tão atual e já trabalhado em outras abordagens. Contudo, aqui o discurso ganha um novo frescor por conta de um argumento ainda necessário a ser discutido, até por conta do foco narrativo adotado pela diretora que sabe tratar de uma temática tão polêmica com embasamento humanístico. Logo no início, observamos nos créditos do título as cores que se alternam — o azul que se associa ao masculino e o vermelho ao feminino —, recurso visual utilizado como elemento simbólico para as questões do gênero sexual que o filme irá tratar. Este trabalho abriu a Mostra Panorama do Festival de Berlim, onde obteve sucesso de público por lá e já tem sido comentado em muitos festivais de cinema LGBT pelo mundo afora.
O nome “Tomboy”, por sinal, se refere originalmente ao termo “garoto bagunceiro”, que passou a ser utilizado por volta de 1950 como “menina que se comporta como menino” (de acordo com o Dicionário Etimológico). Na Inglaterra o termo também denomina garotas que gostam de jogar futebol, lutar e brincar de carrinhos; são chamadas de “menina-moleca”.
Seguindo esse sentido que se compreendem as afirmações de Laure/ Michaël que adota atitudes, comportamentos e posturas masculinas para mascarar sua feminilidade — a menina inibe qualquer aspecto que reforce sua condição de mulher, visto que isso é um incômodo incondicional à sua natureza. Entende-se que não seja um caso de homossexualidade, mas sim de gênero sexual, já que ela se sente como um menino ainda que seu corpo renegue toda essa condição.
A Duquesa
3.8 683 Assista AgoraA Duquesa problematiza bem uma das questões históricas mais evidentes da humanidade: o tolhimento feminino. Numa sociedade onde a aparência reina, os casamentos são laços com propósitos financeiros e a hipocrisia aparenta ser um exercício prioritário, uma mulher não tinha voz ativa. Sem a chance de escolher a própria vida, o papel feminino se restringia à procriação e à sufocante submissão ao arbitrário império masculino com suas regras, comandos e rigidez. Sob esses sensos, o filme dirigido por Saul Dibb, roteiro adaptado no argumento verídico da pesquisadora Amanda Foreman, torna nítido um período intrigante da História. O terreno narrativo centra-se na sociedade inglesa do século XVIII. Georgiana Spencer (Keira Knightley), a Duquesa de Devonshire — “A Imperatriz da Moda”—, foi sinônimo de feminilidade, elegância e considerada uma mulher a frente de seu tempo pela determinada personalidade. Contudo, era a representante perfeita daquele opulento mundo: ofertada pela família para um casamento arranjado com William Cavendish (Ralph Fiennes), vivenciou todo o tormento de ter uma vida onde não tinha as rédeas de seu destino, sob o manto de falsidade das aparências da aristocracia. O acordo matrimonial tinha um único objetivo: Georgiana só “existia” para o Duque para conceber seu herdeiro. Daí vem o tormento crucial da trama: abortos são feitos e as inúmeras tentativas geram filhas mulheres, a relação conjugal de ambos torna-se frágil, deteriorada e com problemas graduais. A impossibilidade de amar e ser amada, a ausência de bons tratos e as decorrentes traições que o Duque comete, causam abalos que prejudicam a relação que já nasceu errada.
Ao assumir a sexualidade como ponto central de discussão, o roteiro evidencia a polêmica posição da protagonista. A duquesa que não tem prazer sexual com seu esposo, visto que inexiste uma química entre eles, já que o casamento se estabelece pelos interesses — somente pelo único intuito de ser um laço que irá garantir o herdeiro ao trono. Não há libido na relação de ambos. Ademais, Georgiana se incomoda com as amantes constantes do Duque que prefere manter com ela uma relação sem intimidade e com certo apreço pela formalidade. Não existia afeto ali, nem carícias, nem sentimento. A primeira transa do casal eleva esse teor de “coito mecânico” — a noção de um sexo-frio —, quando o Duque investe nas penetrações agressivas na esposa, sem nenhum toque de romantismo ou mesmo preliminar. Existe ali o papel da procriação, a mulher não precisaria atender aos fetiches ou necessidades libidinais para um marido que buscava amantes para tal. Sem a proeminência no quesito de satisfação sexual, prisioneira em seu próprio casamento, a duquesa prefere se dedicar à moda inglesa, uma paixão particular, ditando estilo e regras nesse contexto já que é bem influente e adorada por todos.
Mas onde existia o prazer carnal? Como uma relação sem sentimento e com maus-tratos poderia perdurar? Quando se interessa por Charles Grey (Dominic Cooper), um sedutor jovem politizado que anseia se tornar primeiro-ministro, é que a polêmica torna-se ainda mais substancial no argumento da sexualidade. O roteiro lida com as agruras de uma mulher que entende que a sociedade preserva o direito masculino em ter amantes, em ser infiel, em ter a liberdade sexual — mas que, incompreensivelmente, condena o sexo feminino de tal ação. Georgiana sofre por ter seus sentimentos retraídos, amargura- se por precisar conter sua libido que é aflorada na presença do jovem Charles, com seus flertes e atitudes hiperativas, representando bem o papel de sedutor: corpulento, galanteador, passional e romântico. E é justamente esse sentido que torna o filme mais ousado. Se com o marido existia um sexo frígido, a noção de prazer e sensualidade se estabelece quando Georgiana permite-se aos desejos carnais com Charles. A potência do tesão carnal é tanto que a direção de Saul Dibb torna-se mais maliciosa no romantismo de ambos. E isso é visível na cena em que os dois sucumbem ao tesão e ao excitamento, sequência pontuada com força dramática sensual no qual a câmera foca nos gemidos expressos por Georgiana. E com a polêmica da traição que a turbulência emocional mexe com as determinações/motivações de cada personagem. A trilha sonora instrumental de Rachel Portman é emotiva e sustenta a dramaticidade do roteiro.
Keira Knightley representa muito bem a dimensão do orgasmo, no prazer descomunal que sua personagem pede nas cenas de intimidade com Dominic Cooper — a atriz personifica bem a tonalidade frágil e determinada de sua Duquesa que é a representação de uma mulher que lutou para ser compreendida frente a um mundo opressor. A sede de amar, de ter desejos, de ter orgasmos; é também a representação feminina de alguém que lutou para ser amada, que jamais tolerou seu casamento de fachada e cárcere privado sob o manto cruel, hostil e frio de um Ralph Fiennes assustador, atuação cheia de nuances que intriga até com um olhar. A direção de Saul Dibb prefere concentrar-se nos duelos emotivos de cada problema psicológico de seus personagens — por isso, talvez, a câmera sempre absorva ao máximo as expressões e olhares de cada ator, principalmente em closes exaustivos. Um atrevimento melhor em cenas de sexo, tornaria o filme mais satisfatório, pois pouco há de nudez mostrada ou momentos mais explícitos, mas não deixa de ser um filme instigante de militância feminista.
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Repulsa ao Sexo
4.0 463 Assista AgoraA mente humana é estranha. Além de imprevisível, é capaz de conceber tormentos íntimos, caos na própria alma. Roman Polanski realizou o seu primeiro filme falado em inglês em 1965. A obra chocou ao explicitar em seu caráter narrativo elementos sexuais, psicológicos e certa ousadia ao misturar planos da realidade com sensos imaginários. Com roteiro dele e de Gerard Brach, o filme é um perturbador olhar sobre os desejos reprimidos e a obscuridade presente no inconsciente do ser humano. Repulsa Ao Sexo é um filme difícil, sufocante e perverso. Talvez, um dos trabalhos mais viscerais sobre o universo da loucura, da alucinação, executa uma experiência estética incrível. Mostra como uma repressão sexual pode causar tormentos irremediáveis a um ser humano. Catherine Deneuve, então com 21 anos, interpreta a manicure Carol Ledoux, uma jovem extremamente reprimida sexualmente, introspectiva e tímida. Ainda que de beleza sedutora, de postura altiva e com um sexy-appeal inevitável, a jovem inibe-se a maiores contatos sociais e tem medo de maiores assédios. É dependente afetivamente da irmã Helen Ledoux (Yvonne Furneaux) e não aceita o romance amoroso que esta tem com um homem casado. O que parece ser um filme de tom dramático, torna-se um conflito alucinante sobre os tormentos da alma.
A aversão a qualquer indício de sexualidade é visível — Carol manifesta indisposição a qualquer senso libidinal. Incomoda-se ao ouvir os gemidos da irmã que transa com o namorado no quarto adjunto; indigna-se ao receber cantadas de transeuntes na rua; não sustenta nenhuma atração pelo namorado Michael (Ian Hendry) que insiste em ter um contato mais íntimo com ela ou tirar sua maculada virgindade; vomita só de sentir o cheiro do orgasmo nas vestes da irmã. É provocante a maneira como Polanski abusa da fragilidade, dos gestos mecânicos e da estranha personalidade de Carol. E o primeiro ato do filme esmiúça a disfunção sexual que a protagonista vivencia, a maneira como a garota demonstra uma apatia completa à ordem sexual. Quais razões da aparente frigidez? Por que o sexo promove um desconforto irrevogável à jovem? Ainda que estonteante, não consegue se conectar com as pessoas, numa aparência constante de alienação. O que torna uma pessoa tão adversa à libido? Enquanto as perguntas se manifestam na mente do espectador, a narrativa assume contornos assustadores.
Quando sua irmã viaja com o amante para uma viagem à Itália, o filme ganha possibilidades sombrias, é quando se acentua o grau nítido de “terror psicológico” e o esqueleto de paranóia é praticado. Carol imerge num abrupto descontrole mental dentro de seu apartamento, gradativamente perturbada, em meio às confusões abismais de sua realidade que se alternam com suas alucinações mórbidas. É justamente assim que Polanski induz o expectador num obscuro caminho mental de sua protagonista, faz com que o segundo ato do filme transpareça como uma representação da amplitude mental de Carol. O tom macabro, a violência e o suspense são elementos visíveis dentro do claustrofóbico apartamento. A jovem submete-se a sua insanidade própria. Visualiza vultos, assombra-se com presenças dentro do quarto, desorganiza-se de forma que se torna vulnerável. É então que entramos no mundo particular de Carol, sua mente é despida e a dimensão da loucura é latente. A ausência de lucidez é consequente de sua sexualidade reprimida, seus desejos dúbios, numa vida de privações sexuais que ocasiona numa turbulência emocional. Esquizofrênica, psicótica ou apenas a realidade incompreendida?
Com uma estética musical do instrumentista Chico Hamilton e fotográfica instigante de Gilbert Taylor, Roman Polanski inquieta o espectador ao colocar Carol em meio aos seus tormentos dentro do apartamento trevoso. A mistura de percepções, o tom nervoso e o desconforto da jovem passam a ser de quem assiste ao filme também. Vemos Carol ser estuprada toda noite por homens diversos; sua intensa insegurança sexual sendo articulada. O ambiente parece ter personalidade própria, cria formas surreais em volta dela, corredores assumem outras dimensões, paredes tornam-se mais largas, tudo de acordo com as suas percepções. Mãos invadem seu corpo como se à procura do sexo compulsivo, rachaduras na parede cada vez maiores que causam pânico. As lentes de Polanski não temem em mostrar o que há de mais denso na obscuridade de Carol — o talento de Catherine Deneuve é impressionante. Sua personagem pouco fala, mas tem uma personificação bem delineada de gestos e olhares. Quando sua Carol explode em fúria assassina, nos tormentos dramáticos de loucura descabida, o filme grita por ser propriamente sufocante. Talvez Roman Polanski nem tivesse consciência de que faria uma obra-prima, definitivamente é um espetáculo psicológico-sexual que merece ser revisado sempre. Com extrema poesia e psicologia, funciona como um estudo sobre o detrimento mental de um ser humano. Pura obra-prima!
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...E Deus Criou a Mulher
3.5 113 Assista AgoraA sociedade ainda não é preparada para o selvagem lado sexual humano. Tenta-se quebrar os tabus, mas falar de sexo é ainda algo sempre reprimido. Pior é externar todo o desejo descomunal, senso que recebe sempre a reprovação alheia. No final da década de 50, o cineasta francês Roger Vadim providenciou o choque no público ainda firmado num pseudo-puritanismo. Proibido pela Legião da Decência nos Estados Unidos, este filme elevou as temperaturas, ainda frígidas do espectador, ao colocar Briditte Bardot como elemento feminino de grande malícia. A atriz logo se tornou sex-simbol do Cinema Europeu por personificar uma mulher liberal, bastante erotizada e de comportamento transgressor, a típica representação da juventude que, naquele momento, quebrava todas as formas de inocência e submissão. E Deus Criou a Mulher é justamente um ensaio cinematográfico sobre o poder de sedução, liberdade sexual e determinismo feminino perante uma sociedade altamente repressora. Como compreender que uma mulher permissiva aos desejos mais temperamentais pode também amar? Por que a sociedade persiste em criticar a sexualidade tão à flor da pele? Essas são perguntas pertinentes ao centrarmos na narrativa do filme: Juliette Hardy (Bardot) é uma jovem orfã de forte beleza, altiva e marcada pela natural sensualidade. Seu poder de atração é evidente, visto que atrai todos os homens ao seu redor, ainda que não tenha essa intenção. Liberal ao extremo, a jovem cria indisposição com a comunidade que insiste em reprimir seus atos, suas opiniões e seu comportamento tão libidinal que faz acender os desejos masculinos e provocar repulsa nas mulheres que temem perder seus maridos.
Apesar de desejada pelo milionário Eric Carradine (Curd Jürgens), Juliette nutre um tesão incondicional pelo rústico Antoine Tardieu (Georges Poujouly), mas este ausenta-se de maiores compromissos, apenas quer um envolvimento breve, sem amarras sentimentais. Vitimada pela comunidade que a enxerga como prostituta e condenada por seus guardiões que a ameaçam devolve-la para o orfanato de onde veio, Juliette afunda-se no desespero. É quando Michel (Jean-Louis Trintignant), o irmão mais novo de Antoine, a pede em casamento. O que parecia uma tranquilidade para todos os problemas, torna-se um conflito quando a ebulição sexual de Juliette recebe uma dimensão maior: diferente da mulher padronizada daquele tempo, a loura não parece destinada aos afazeres domésticos, muito menos consegue atenuar sua incessante compulsão por sexo. E é justamente esse ponto que o filme trata com bastante provocação. É possível viver pelo que se deseja? Existe uma vida firmada em práticas sexuais sem regras morais de fidelidade? O filme mostra a despudorada Juliette como uma mulher que sente a necessidade de transar, de seduzir, de viver pelo orgasmo imediato — porém, indigna-se por não satisfazer-se sentimentalmente com ninguém, nem mesmo com seu real objeto de amor-platônico, Antoine.
É evidente a insistência de Roger Vadim em acentuar todas as curvas de Brigitte Bardot, colocando-a como um extremo objeto de desejo, de libertinagem, notoriamente uma ninfeta sedenta por prazer que consegue deixar os três homens da trama ensandecidos por ela. Inúmeras cenas exploram seu apelo sexual, no intuito de fazer com que o público realmente perceba — ou se excite — com a vocação maliciosa da protagonista. Logo na primeira seqüência do filme, encontra-se uma cena de grande representação orgasmática: Bradot nua, coxas à mostra, em posição sedutora, atrás de um lençol branco, na tensão desconcertante de Jürgens que a enxerga como uma fêmea no cio prestes a ser devorada. Hoje, este filme não tem o mesmo impacto que exerceu, visto que não há um forte teor de cenas explícitas de sexo ou mesmo de nudez. Contudo, é evidente a extravagância sexual que o roteiro providencia ao estruturar diálogos que expressam as intenções dos anseios de Juliette — ora a jovem explana seu sonho em ser amada por alguém, ora investe no posicionamento de delirante ninfomaníaca que apenas quer transar por transar.
Instigante a maneira como Brigitte Bardot sabe dosar a interpretação mais sensual em momentos onde não se espera que exista a sedução intencional — ainda assim há pequenos gestos, olhares maliciosos e presença provocativa em momentos de beijos bem ardentes, por sinal um avanço para época já que existia um tom mecânico na maneira como se arquitetava essas cenas. Bardot parece movida pela libido da personagem, diante de uma direção ousada de Vadim, que exterioriza bem a postura sexy de sua Juliette. Por outro lado, há situações onde a emoção e o lado passional é demonstrado, é quando a atriz utiliza-se do melodrama que evoca a fraqueza de Juliette, mas ainda assim é convincente. A canção “Dis-moi Quelque Chose de Gentil” da cantora Solange Berry toca durante todo o filme, caracterizando bem a personalidade sonhadora da protagonista que, no final das contas, queria ser compreendida por desejar e amar demais. A fotografia prioriza bem os tons calorosos da fogosa Juliette, há cores fortes e tons gritantes de vermelho. É um filme que representa bem o papel feminino, tanto libertino quanto libertário, em busca do direito de prazer sobre os terrenos do falso moralismo social.
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Strapped
3.5 128 Assista AgoraComo se sustenta a prostituição gay? Como funciona o sexo feito pelo dinheiro? Qual a dinâmica que se estabelece entre os prostitutos e seus clientes? Grande estudioso do universo da homossexualidade e conhecedor sobre a natureza dos “profissionais do sexo”, o cineasta John Graham desenvolveu um provocador roteiro que desnuda o universo da prostituição masculina. Selecionado em diversos festivais de cinema LGBT nos Estados Unidos, Garoto de Programa é um trabalho realista e polêmico que decide investigar as vivências da juventude que se presta ao sexo apenas pelo dinheiro. Tão preciso quanto o já clássico “Garotos de Programa” de Gus Van Sant, essa produção tem mais substância e sensualidade que o tão falado “Bruna Surfistinha”, por exemplo. Ao personificar também as relações sexuais gays, o filme acaba por trazer à tona várias questões pungentes que agem como um forte sentido de reflexão humana. Com um roteiro bem articulado, ousado e que decide, sem medo algum, explicitar as relações de sexo pago, Graham acaba por exercer uma jornada de psicossexualidade que vai além. A ação se centra durante uma noite de atendimento de um michê (Ben Bonenfant), num único prédio — chamado por um dos personagens como o local “mais gay da rua mais sexual da cidade”. Acompanhamos o jovem, típico estereótipo sexual dos sonhos, já que é libidinoso, sensual e masculinizado. O que parecia ser apenas uma única noite de serviço torna-se um emaranhado de situações sexuais, já que o michê acaba por transitar entre diversos apartamentos do mesmo prédio, envolvendo-se com vários homens de diferentes personalidades.
Verbalmente e visualmente sedutor, o filme acompanha bem de perto a jornada sexual noturna do michê dentro do prédio sob uma forte tempestade. O interessante é que ele não se limita aos enquadramentos eróticos, apenas, das transas — evidentemente, várias são as cenas que sustentam o teor homoerótico da película, visto que há um tom bem realístico em pontuações de sexo oral e sodomia praticada pelo michê com seus clientes. Várias cenas de nudez, a câmera demoradamente nos corpos dos homens, o olhar penetrando os atos sexuais que podem até constranger um espectador despreparado. Mas, o filme não se limita nesse sentido, acaba por tratar, já que tem uma linguagem bem íntima com seus personagens, elementos de reflexão da própria moral do protagonista. Por que um jovem tão novo decidiu se prostituir? O que faz uma pessoa viver no vício do dinheiro ganho pelo sexo com um desconhecido?
Enquanto se envolve com seus clientes, o michê — que não sabemos a real identidade, já que “troca” de nomes a todo instante — aparenta ser um indivíduo que gosta de transar com desconhecidos, viciado nas “transas do acaso”, sem nenhum indício de apego sentimental com ninguém ainda que seja bem carinhoso com eles. E John Graham, cuidadosamente, explora a personalidade do michê que acaba por misturar-se com o universo de cada cliente que vem experimentar seu corpo. O prostituto torna-se uma espécie de ouvinte das confidências de seus clientes que divide com ele seus dramas, solidão, anseios e dúvidas reais.
E a linguagem do filme é bem direta, íntima e vai fundo no universo da prostituição através deste único protagonista. Admirável a maneira como o roteiro acaba por acentuar estereótipos de pessoas comuns imersas nas relações casuais, dos redutos homossexuais, das comunidades sexuais obscuras. Há um cliente que nunca conseguiu esquecer o primeiro amor de adolescência; há um outro que se entrega ao vício da cocaína, leva uma vida com a prática do sexo e o uso imoderado de bebidas; há o homofóbico casado que procura o michê para realizar suas fantasias secretas, mas sofre por conta dos desejos que sente — compreende-se aqui o universo dos enrustidos, dos que tentam mascarar suas verdadeiras opções sexuais, sem sair do armário. E o filme mostra muito bem esse sentido da homofobia através de um personagem que se envolve com o michê, numa seqüência de sexo bem desconfortável, por sinal.
Ademais, John Graham também insere inúmeros diálogos reflexivos que faz com que o jovem insaciável michê acabe por olhar para si mesmo, é quando aqui o sexo deixa de ser apenas um exercício para virar um elemento de desconstrução de seu personagem. O michê eficiente, sexualmente disposto, acaba por questionar sentidos de sua vida, do sentimento, reflete perspectivas pessoais. Surpreendente, o filme usa da prostituição gay masculina para preservar uma reflexão de mundo e é neste sentido que a obra torna-se mais indispensável. E só por pegar um tema já famigerado e incluir elementos mais provocadores, a película tem sua força. A direção é extremamente segura, pontual. O cineasta limita seus personagens em quartos escuros ou salas com fotografia que prioriza tons de vermelho e azul. Os diálogos sinceros e efusivos são apoiados pela trilha do cantor americano Jay Brannan que já é recorrente no cinema queer. O jovem ator Ben Bonenfant concebe uma atuação sensual, convincente como um prostituto de fortes apelos libidinais e total carisma em cena.
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Vidas em Fuga
3.9 45 Assista AgoraTenesse Williams sempre viabilizou inúmeras discussões sobre fragilidades e anseios humanos em suas peças. Mas, a mais evidente, sem dúvida, é a questão da sexualidade. Muitos de seus textos adaptados no cinema — os mais conhecidos Uma Rua Chamada Pecado ou Gata em Teto de Zinco Quente — centrava-se nas motivações libidinosas e sensos ardentes sobre humanos em busca de prazer, do desejo como fonte até de perspectiva humana. Vidas em Fuga, infelizmente, é o mais desconhecido trabalho do autor que roteirizou a partir de uma peça sua sutilmente baseada na lenda de Orfeu. É um trabalho primoroso dirigido pelo então jovem Sidney Lumet. O filme intimista, melancólico e extremamente dramático, tem todas as principais características do dramaturgo. Um andarilho altamente sexualizado e sedutor Valentine Xavier (Marlon Brando) foge de sua cidade natal por conta de um crime que cometera. Rebelde viril, famoso por envolvimentos polêmicos com inúmeras garotas, recebe a alcunha de "Snakeskin" por conta de seu casaco de pele de cobra. Sob essa figura masculina, selvagem e dotada de muita propensão ao sexo, é que o filme se sustenta. Valentine busca emprego em um povoado do Mississipi, lá conhece a loira fogosa Carol Cutrere (Joanne Woodward), uma garota destemperada, a típica ovelha-negra que abalou a comunidade com suas opiniões agressivas e atitudes imoderadas. É ela que apresenta o fugitivo à Lady Torrance (Anna Magnani), esposa de um comerciário à beira da morte que precisa de um ajudante já que seu marido não tem condições de assumir a loja. Inevitavelmente, esse triângulo vai abalar a calmaria da cidade.
Sidney Lumet teve a feliz ideia de reunir três importantes ícones de Hollywood — todos vencedores recentes do Oscar — no seu espetáculo emotivo de tensão sexual. Marlon Brando aqui foge de uma interpretação mais visceral, tão habitual em seus filmes da década de 1950. Ainda que contido, não atenua sua disposição sensual em cena que é bem reforçada pela direção de Lumet que capta bem a tonalidade misteriosa de seu personagem. Interessante a maneira como seu personagem mexe com os sentidos de todas as figuras femininas do filme — mesmo sendo um homem silencioso, certos diálogos maldosos ou mesmo o seu porte viril, chama atenção de todas as mulheres. Joanne Woodward como uma ninfomaníaca e alcoólatra também fascina, deliberadamente maliciosa, é a primeira a demonstrar tesão pelo forasteiro recém chegado à comunidade. Porém, a italiana Anna Magnani é que fundamenta o teor romântico da película e fomenta a sexualidade mais explícita. Suas cenas com Brando são poéticas, reflexivas e acentua o contexto de sensualidade da trama. É através do desejo proibido e da relação adúltera de Lady Torrance com Xavier que o filme discute também posicionamentos de traição, ciúmes, feminismo e até sensos de solidão. A química interpretativa de Brando com Magnani é intensa, ambos parecem em constante ebulição de desejo e sentimento.
Além dos diálogos sempre hiperbólicos bem característicos de Tenesse Williams: as duas mulheres em colapsos nervosos — Carol e Lady Torrance, expondo suas aflições e desejos carnais por um objeto másculo que induz à provocação sexual —, o filme tem um tom melancólico que aumenta o sentido dramático. Todos os três atores surpreendem pela boa sintonia, interpretações expressivas e pela transparência solitária de seus personagens. Todos em busca de amparo, desejo e afirmação. E Sidney Lumet não tem medo de vasculhar os sentimentos mais verbais dos seus personagens, por isso insere suas lentes nos rostos dos atores, em closes extensos, um bom recurso imagético à narrativa. A potência teatral de encenação aqui é leve, ainda que os diálogos sejam efervescentes. A fotografia de Boris Kaufman em preto e branco é belíssima também, iluminação expressionista cheia de sombras e luzes que sabem destacar os olhares de desejo de Marlon Brando por Anna Magnani — por sinal, na época, soube-se que a atriz encheu-se de encanto pela beleza do ator, mas foi rejeitada por ele, criando-se certa indisposição entre ambos nas filmagens. Decerto, é perceptível o clamor do sexo que a produção exala. E polêmico também o indício de que o personagem de Brando, na verdade, fosse um prostituto. Mas, o roteiro deixa subtendido tudo. Um filme ainda sedutor que dialoga bastante com os tempos atuais, das questões morais que nunca cessa, por isso não há de envelhecer jamais.
Amor à Flor da Pele
4.3 500 Assista AgoraWong Kar-Wai é um dos diretores mais sensíveis, sabe muito bem explorar o máximo da sensibilidade humana em seus personagens. Por ser um diretor criativo e autoral, procura esmiuçar os anseios de seus humanos com uma linguagem poética que difere dos demais cineastas atuais. Em seus filmes, há amostras de indivíduos sempre em busca de amparo diante de uma solidão que parece transtorná-los — afinal, ninguém consegue viver sem um sentimento ou mesmo ebulição carnal. Talvez por isso, o belíssimo Amor À Flor da Pele seja um representante perfeito desse seu estilo humanístico. O diretor mostra que não existe relacionamento que se sustente sem o fervor do tesão e de uma comunhão sentimentalista. É justamente por isso que seus personagens vivem no limiar do desespero. Na Hong Kong de 1962, os carentes Chow (Tony Leung Chiu Wai) e Li-Zhen (Maggie Cheung) se conhecem, se entendem perfeitamente e o desejo retira todo senso da razão. A problemática é comum, tanto um quanto o outro são casados, vivem num matrimônio artificial, sem emoção e não são correspondidos afetivamente pelos cônjugues correspondentes. É então que Kar-Wai explicita que todo ser humano quer ser tocado, quer prazer e quer gozar de um amor sem limitações artificiais.
Ainda que sufoque o espectador com uma narrativa que induza o tesão do casal — o jornalista Chow e a secretária Li-Zhen além de tudo descobrem que seus respectivos parceiros estão tendo um caso também —, Kar-Wai em momento algum utiliza-se de situações eróticas ou mesmo explora o sexo de maneira explosiva. Pelo contrário, com um cuidado absurdo, além do seu apreço pela minúcia ao tratar de cada cena de maneira detalhada, o seu roteiro é auxiliado por um visual apurado que apenas traça mais da emoção do casal que está na frágil indecisão: Deve-se abdicar de um casamento de aparência em função de um desejo absurdo? E quando há sentimento também misturado no tesão? Sem cenas de sexo, coreografias de beijos e amassos, aqui Kar-Wai procura detalhar a emoção tão à flor da pele de seu casal principal — inclusive, abstém-se de mostrar os seus cônjugues, já que o que importa mesmo é o foco na substância claustrofóbica do desejo de Chow e Li-Zhen. Repleto de silêncios, cenas com poucos diálogos, percebemos que a intenção aqui é mostrar a respiração dos seus amantes e não somente o clamor do tesão. O cinema de Kar-Wai é mais subjetivo, delicado, não tão escancarado. Propõe a reflexão.
A paixão incontrolável do casal é explorada na narrativa imagética. Cores avermelhadas explodem, cenários com tons do vermelho e preto que criam o cenário perfeito da luxúria aparente, da trilha sonora com canções de boleros de Nat King Cole. A tendência de Kar-Wai em elevar a temperatura carnal de seus personagens é estilizar os sentimentos de ambos com as representações harmônicas de canções e sons, da fotografia com tons de cores quentes e da música-tema "Tema de Yumeji" que se repete incessantemente. A câmera lenta sempre acompanha os movimentos dos personagens, é a forma de tornar o espectador mais atento às emoções de cada um, aqui temos o contato perfeito dos personagens com o público tamanha identificação humana. Decerto, é um trabalho inspirado de um cineasta exigente consigo mesmo. A mise em scène é trabalhada à perfeição, as cenas resultantes dos ângulos adequados. O espectador é o típico voyeur que vivencia junto com os amantes essa bela história de sentimento e desejo. E Tony Leung Chiu Wai mantém uma forte sintonia ao lado da bela Maggie Cheung, um casal que já entrou para a história da cinematografia ao longo desses anos. Nunca foi tão prazeroso observar um amor improvável com teor de proibição como este filme que merece ser sempre experimentado por todos.
Napola
4.1 78A temática deste filme foi tabu durante anos. A sigla alemã do título deste chocante filme se refere aos institutos famosos políticos-nacionais de educação criado pelo regime de Hitler para efetuar as bases de sua "nova raça". O foco narrativo desta obra se passa durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, no auge do poder do regime nazista. A história do jovem impetuoso Friedrich Weimer (Max Ruemelt), lutador de boxe, que se alista voluntariamente na escola de ensino médio que formaria os militares da elite nazista. Dentro do local escolar é que ele passa a compreender que nada é aquilo que acreditava — métodos incansáveis dos "professores", acentuando a degradação física e emocional dos alunos, fazem com que Weimer perceba um mundo cruel ao seu redor, assombroso e dotado de muita maldade. Quando conhece Albrecth (Tom Schilling), o filho do governador da região, é que o destino parece ainda mais tenso. Ambos os garotos sentem-se unidos numa amizade incondicional, sem barreiras. Dirigido por Dennis Gansel, este filme lida com um fato da História onde jovens eram ensinados a matar, sem qualquer senso de misericórdia e compaixão, apenas destinados à submissão ao nazismo.
Decerto, a delicadeza da íntima amizade dos dois expressada no filme acaba por beirar a um amor homossexual. Mas o roteiro não deixa isso transparente. Prefere centralizar a problemática de Friederich Weimer com Albrecth, pois é o grande foco dramático da obra. A película apresenta os jovens sendo "formados" na escola de regime nazista, onde há uma grande carga de violência física e psicológica doutrinada pelos "professores" que tentam, a todo custo, tornar os garotos como máquinas dotadas de crueldade e frieza — esta é a visível polêmica sustentada durante o filme. A escola acabava por ser uma espécie de família substituta dos jovens doutrinados. A direção de Dennis Gansel evita que ocorra um tom melodramático na questão do nazismo, ainda que haja um teor acentuado de angústia e tensão crescente. É um trabalho muito cuidadoso, intimista até, sem ser sangrento. Interessante que o filme mostra o envolvimento emocional dos dois jovens que, além da amizade, passam a perceber que aquela instituição não era o sonho que tanto idealizavam. E esse sentido é bem explorado em cenas de muitos diálogos, por sinal é um dos pontos mais positivos.
Apesar de ter sido vendido como um filme homoafetivo, é bom deixar nítido que esse contexto não é parâmetro para a abordagem. Há uma malícia evidente por parte de Albrecth que parece nutrir uma forte atração por Weimer, mas nada é deixado tão claro pelo roteirista, portanto as dúvidas acabam por transformar-se em reflexões posteriores. Será que existe um tesão de um para o outro? Ou seria uma amizade tão íntima, sem limites, isenta de preconceitos sociais? Há certas cenas que o diretor parece querer provocar, ainda que no terreno pleno da sutileza, o público com esses questionamentos — cenas onde Weimer exibe-se sem camisa, peitoral à mostra, o corpo musculoso sob o olhar atento de Albrecth que parece direcionar mais que uma leve admiração. As atuações de Max Riemelt e Tom Schilling são bem expressivas, recriam uma intimidade e preservam uma química em cena interessante. O público é capaz de lamentar por esses dois serem desconhecidos mundialmente. Se Riemelt induz uma carga de testosterona, é Schilling que delineia mais a emotividade em sequências de força dramática. Um filme que deve ser valorizado, ainda que não conhecido por muitos.
O Inferno de São Judas
4.2 66Em 1939 o Reformatório Católico de São Judas na Irlanda tornou-se centro de uma polêmica. Garotos eram constantemente espancados e violentados sexualmente pelos padres da instituição. O fato verídico é tratado com cuidado e crueldade neste forte filme. A diretora Aislin Walsh propõe um estudo polêmico que causa comoção diante dos fatos apresentados na trama. O professor laico Franklin (Aidan Quinn) é o único designado a trabalhar no reformatório, é lá que ele se depara com uma realidade permeada de imoralidade e muita hipocrisia. O Inferno de São Judas explora, através das percepções desse educador, o universo corrompido da instituição que finge seguir os preceitos religiosos. Franklin passa a confrontar toda a autoridade do local — bate de frente com o sádico diretor, Irmão John (Iain Glen), um homem perverso que abusa de sua condição para maltratar os garotos. Em meio ao caos da Segunda Guerra Mundial, há a luta de um educador em busca de justiça num meio tão opressor. Franflin passa a nutrir uma confiança natural por conta de seu caráter, é quando ganha a amizade de cada interno do local. Como acabar com a impunidade que parece reinar? O que fazer para amenizar o próprio inferno num local onde deveria existir a bondade? Inúmeros porquês são condicionados ao longo da projeção.
O longa tem um roteiro provocador, não se intimida em desmascarar as torturas sofridas - tanto físicas ou emocionais - pelos internos. O cenário do reformatório é lúgubre, um misto de pânico e medo. A fotografia ajuda nesse quesito já que é feita de tons terrenos, cinzas e marrons. O público facilmente se identifica com a atmosfera criada por Walsh que sabe dirigir, prioriza-se um tom emocional na condução dos atores. A polêmica em colocar a tortura física causa leve desconforto, ainda que as cenas não sejam tão explícitas. Contudo, há o choque quando a questão da sexualidade pervertida é colocada em debate. O longa mostra o sacerdote Mac (Marc Warren) que usa os garotos para se insinuar e abusar sexualmente sem que haja uma punição aos seus atos — a sequência em que o padre estupra um dos garotos é tensa, bastante crua, um retrato bem doloroso de se enxergar. O filme não decide insistir que existia ali um distúrbio sexual por conta de uma sexualidade reprimida e duvidosa dos sacerdotes.
Pelo contrário, o roteiro prefere alertar o abuso intolerável sofrido pelos garotos que não tem como se defender de seres tão desumanos. Externa-se aí, então, contextos de pedofilia que provêm dos atos perversos dos padres que abusam dos garotos, mas a discussão no roteiro não rende tantos detalhes. A perspectiva é mais próxima do sofrimento dos internos que sob a visão motivadora dos sacerdotes. Assim, o público acaba por se chocar com é vivenciado na projeção de tais cenas. Não é a toa que o filme foi utilizado em algumas cidades da Inglaterra em diversos centros de educação e reabilitação de crianças vítimas de abusos sexuais. Nota-se aqui que é um trabalho que ajuda na reflexão, não insere uma violência ofensiva e intolerável de assistir.
O roteiro não se limita, ainda assim. A figura do professor Franklin vem como uma esperança no filme. Aidan Quinn personifica muito bem um homem de princípios corretos, humano e disposto a lutar à favor dos órfãos torturados constantemente. Ele desaprova completamente todos os métodos exercidos pelos sacerdotes, além de questionar certas posturas religiosas no reformatório. É a luta da educação contra as visões idealistas — e também acobertadas de mentiras e hipocrisias — da Igreja. Ainda que o público se sinta desconfortável com tais cenas de tortura física ou abuso sexual vivenciado pelos jovens, as indagações que o roteiro articula e a direção de Aisling Walsh promovem um espetáculo cinematográfico. É um filme pequeno, intimista até, mas de grande proporção emocional por conta de um tema tão delicado quanto este. Ainda mais por ser um tema tão recorrente ainda na atualidade. Não deixa de ser uma abordagem que alerta. Talvez, o único problema seja a pouca duração para uma abordagem que, definitivamente, ainda poderia render um melhor aprofundamento. Na realidade, é um tema muito polêmico, tornando a curiosidade do espectador mais alerta.
Sonhos e Desejos
2.6 35 Assista AgoraEis que o cinema nacional demonstra um belo exemplo de exercício cinematográfico. SONHOS E DESEJOS, dirigido por Marcelo Santiago, baseado na obra "Balé da utopia", de Álvaro Caldas, consegue ser deliciosamente prazeroso. Mel Lisboa é o misto da sensualidade e representa a feminilidade passional apaixonada. Sérgio Marone exala charme, masculinidade sexual em olhar e expressão corporal. E Felipe Camargo é sereno e mantém uma concentração interpretativa. O choque entre a vida afetiva e a participação política, sentimentalidade versus comunismo, são artifícios do roteiro. A opção visual do diretor, com nítido cuidado plástico, auxiliado com beleza pelo diretor de fotografia Dudu Miranda, contextualiza a narrativa. A fotografia muda de cor e textura conforme o momento. O filme mistura a política e sexo - os personagens ora pregam a revolução, ora fazem maratonas sexuais. Vivem entre o desejo e a utopia - a sexualidade e o desejo são trabalhados como a expressão da individualidade e a utopia como o sonho coletivo de uma geração. A coexistência desses dois elementos em um mesmo indivíduo e a interferência que um exerce sobre o outro são problematizados. O conceito sexualidade versus comprometimento social é anunciado desde a abertura de créditos, sendo facilmente compreendido. À beira do colapso emocional, os personagens vivenciam a loucura proporcionada pela solidão, com diálogos sempre auto-reflexivos. E no cárcere privado é onde o amor se torna aliado do sexo que gera uma superação coletiva.
Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto
3.7 331Sidney Lumet, um mestre, seus filmes sempre colocam o ser humano repleto de inseguranças, no limite da moralidade ou perversão, ainda que bastante humanos. Eis a ironia, seus personagens são frágeis, cometem erros, mas pedem do público a rendenção de alguma forma. Aqui há o duelo interpretativo de Hoffman com Hawke, como irmãos que pela sede de dinheiro, não medem esforço para se sujar numa teia de maldade e retrocesso existencial, já que decidem assaltar a loja dos próprios pais. Filmaço, com roteiro interessante, direção super segura e uma montagem ousada.
Através de um Espelho
4.3 249O universo begmaniano capturando o assombro existencial, a intimidade da mente humana de tal forma que corrói, uma precisão absurda. Somente Ingmar Bergman para externar tanta subjetividade do ser humano com tão pouco diálogo. O filme é um sensível estudo sobre carência afetiva, distúrbios psicológicos, sexualidade reprimida - bem como suas descobertas - e questões que transcende à espiritualidade, como a simples crença em Deus. Afinal, o que consiste a natureza humana? Por que estamos aqui? O que é amor e fé em viver? Qual o limite da loucura ou o que pode definir isso, afinal? O drama psicológico é tenso, denso e muito revelador. É admirável como o roteiro é perfeito e sabe delinear tantas problemáticas da existência humana com apenas 4 personagens. Ao contrário do que todos pensam, a personagem de Harriet Andersson (atuação soberba, por sinal) não é a única que deva ser questionada quanto à insanidade ou aparente fragilidade, aqui temos todos os personagens no limiar da angústia e desespero diante de tanta insatisfação, torpor e melancolia de uma vida sem maiores êxtases. Um filme grandioso!
Gigantes de Aço
3.7 2,5KGIGANTES DE AÇO: um filme humano, acima de tudo nos faz acreditar que hollywood sabe nos encantar quando quer. Engana-se quem pensa que é apenas um mero entretenimento-pipoca, aqui temos um trabalho de pura adrenalina e sensibilidade. A relação de Max (Dakota Goyo, incrível atuação, não será espanto se esse garoto futuramente receber trabalhos mais densos e conquistar Oscars) com seu pai, Charlie (Hugh Jackman, excelente) é bem delineada, emocional e interessante de ser observada. Shawn Levy realiza seu melhor filme, puramente mainstream, mas de grande importância sentimental. Há efeitos visuais espetaculares, bom ritmo de ação e cenas eufóricas. A fotografia do filme é notável também. As referências a Falcão ou Rocky Balboa são viáveis, mas acredite na força desse filme. Sem dúvida, o efeito é magistral!
O Jardim Secreto
4.0 1,2K Assista AgoraSe minha infância existe é por conta deste filme. Sem mais.
Tudo pelo Poder
3.8 764 Assista AgoraA política que fede. As aparências que enganam. A falsidade ao redor. Tudo é duvidoso, as máscaras há de cair. O universo pecaminoso da politicagem que ora exalta um indivíduo, ora acaba por colocá-lo no mais puro lixo do nada. Interessante os conflitos emocionais, psicológicos e extremos dentro das cortinas dos jogos sujos da política e na busca desenfreada pela posição. Definitivamente, George Clooney ganha mais atrás da câmera, já que ainda mostra limitação como ator, porém sabe ser minucioso no desenvolvimento da direção de seus personagens. Ryan Gosling brilha, choca, estraçalha em cena - definitivamente, um dos melhores atores da atualidade. E o que falar dos coajuvantes? Marisa Tomei em praticamente 3 ou 4 cenas se mostra eficaz; Philip Seymour Hoffman é um ator intenso e concentrado e Evan Rachel Wood bem que poderia ter sido nomeada pela atuação interessante como a frágil moça levada pelos enigmas dos jogos de aparência e sexualidade. TUDO PELO PODER é um filmaço!
Contágio
3.2 1,8K Assista AgoraUm filme que, sinceramente, não deveria ter sido feito. Qual propósito, afinal? Um elenco, claramente, desperdiçado - o único justificável é o personagem de Jude Law que aqui tem uma boa atuação e caracterização. No mais, tantas estrelas juntas em poucos diálogos e aprofundamento melhor dos seus papéis. Vai entender a razão deste filme? Eu realmente não entendo. Não é chato de ver, pelo contrário, é até assistível, só acho "mais do mesmo" ou quase uma "perda de tempo".
A Separação
4.2 726 Assista AgoraMais que um panorama do Irã, é a realidade de todos nós, exposta sem medo, pura crueldade. Um filme tocante, visceral, verborrágico ao extremo. Descontrói as típicas problemáticas existentes em toda família: carência, sentimentos que se dissipam juntamente com o crescimendo do desrespeito e do ódio. É mãe, é filha, é pai. O filme de Asghar Farhadi traça o viés religioso, a falta de comunicação de um homem com uma mulher, mas vai além mostrando a cultura de um povo marcado pela intolerância, machismo, submissão feminina e problemas de existência. Atuações intensas, diálogos febris e uma atmosfera de tensão cortante em 2 hs. A SEPARAÇÃO é único! Recomendadíssimo um dos melhores do ano passado. Ao meu ver, pode ganhar o Oscar de filme estrangeiro!
A Bela Junie
3.7 826Como compreender a linguagem da paixão? Por que todo mundo, de alguma maneira, quer viver para amar? Eis a juventude com seus problemas em lidar com questões afetivas, ainda mais quando a pouca maturidade concebe uma inconstância permanente — jovens carentes que buscam alguém para amar, mas quando encontram parecem estar insatisfeitos.
O diretor francês Christophe Honoré providencia todos os dilemas, incertezas e fragilidades do universo sentimental da puberdade no seu A Bela Junie. O filme expõe o lado humano da adolescência — como lidar com o amor avassalador que mexe com o coração juvenil? Ao falar de questionamentos do sentimento, e também sexualidade, o diretor evidencia um pequeno panorama sobre a melancolia e o êxtase consecutivos das experiências próprias da juventude.
A Junie do título é uma jovem de apenas 16 anos (Léa Seydoux), acabou de perder a mãe, muda-se para o mesmo colégio que estuda seu primo Mathias (Esteban Carvajal-Alegria). É lá que a narrativa e todo o senso argumentativo do filme se concretiza. Dentro da instituição escolar, através das perspectivas dessa jovem, observa-se um painel de situações de diversos personagens que se misturam às vivências dela como forma de efetuar um mosaico estrutural sobre as adversidades relacionais. Junie é alvo de curiosidade de diversos estudantes, despertando o desejo dos garotos, como Otto (Grégoire Leprince-Ringuet). Porém, a misteriosa garota sente-se atraída pelo galante professor de italiano Nemours (Louis Garrel).
Baseado livremente num clássico literário do século 17, "A princesa de Clèves", de Madame de La Fayette, o argumento do livro é respeitado no roteiro da fita que não abre mão de priorizar o senso romântico.
O filme contorna as situações cotidianas que ocorrem no colégio, onde a perceptiva Junie vivencia seu desejo aflorar — a tal garota, "a bela pessoa" do título original, é desmistificada com seu jeito sensível de agir, com todo um ar angelical, mas de uma sensualidade contida em meio aos seus anseios femininos. E o roteiro não se limita em evidenciar apenas a personalidade da personagem-título: Junie é parte de uma ciranda de desejo, amor e paixonite que tanto contornam os demais personagens masculinos. Há o jovem Otto que sofre de admiração, amor platônico, e sentimento poético por ela. E o professor Nemours que é objeto de tesão de Junie.
E Christophe Honoré não poupa em se tornar íntimo de seus personagens — entre troca de bilhetes, olhares e diálogos juvenis, os jovens expressam seus dilemas sentimentais e sexuais. Com personagens diversos, Junie se depara com os envolvimentos de professores com alunos ou mesmo com um triângulo passional e tumultuado entre três garotos — a homossexualidade é tratada com naturalidade, tema tão recorrente nas obras do diretor.
Interessante que a sexualidade toda é centralizada numa garota que, além de misteriosa, é até apática — Junie nunca demonstra muito o que sente, pensa ou quer. A complexidade dessa personagem é o grande mérito do filme. Ao invés de desnudar todas suas características comportamentais, Honoré prefere deixá-la assim, tão densa, fria e introspectiva. Como alguém tão retraída pode despertar o desejo de tantos? E, ainda assim, Junie se mostra emotiva nas questões afetivas e até voltadas à sua sexualidade, como na cena em que exibe seus seios e corpo nu para provocar Otto. Ou tenta racionalizar suas ações mesmo quando se emociona ao ouvir uma sinfonia clássica sob os olhares de desejo do professor Nemours.
Instigante a maneira como Junie tenta evitar a atração que nutre pelo professor, sendo algo mútuo desde o primeiro instante. Christophe Honoré expõe bem a juventude contemporânea francesa, com todas as suas vicissitudes declaradas. Pauta traições, reviravoltas e relações interligadas com muita ansiedade hormonal. A hipnótica presença de Louis Garrel, habitual parceiro-fetiche do diretor, firma a beleza interpretativa da película. Porém, Léa Seydoux consegue sustentar toda a subjetividade que sua personagem pede.
Nesse mosaico humano onde a contida Junie depara-se com amores héteros e homossexuais; frustrações e medos; desejos e escolhas — Honoré mostra com fluidez que não existem regras para sentir, para viver o que realmente precisa. O ser humano, sob a ótica do diretor, nasce para desejar o outro; anseia ser amado incondicionalmente. Mas, não consegue se satisfazer sempre com suas escolhas. E o filme põe esses contextos em questões sob as perspectivas de diferentes personagens juvenis.
Captando bem o ambiente francês, com uma fotografia que dimensiona o tom intimista e melancólico de alguns personagens, com cores escuras e terrenas; o filme encontra o auxílio nas canções de Nick Drake — a música é sempre um forte elemento nos trabalhos de Honoré que centraliza suas discussões humanas com o recurso sonoro.
Lincoln
3.5 1,5KAnd the oscar goes to...
O Último dos Moicanos
3.8 377 Assista AgoraEterno!
Planeta dos Macacos: A Origem
3.8 3,2K Assista Agora"Nooooooooooooooooooooooooo" e "Caesar is home" = Oscar pro Andy Serkis!
Reféns
2.6 870Kidman e Cage precisavam MESMO pagar suas contas, fato. Tá explicado essa bomba.
Entre Dois Amores
3.7 238 Assista AgoraSuperestimado, envelheceu bem mal...
A Sangue Frio
4.1 65 Assista AgoraObra-prima! Indico esse filme a todo mundo que conheço, sempre.
Tomboy
4.2 1,6K Assista AgoraA dolorosa realidade de uma criança que precisa lidar com sua sexualidade. Laure (Zoé Héran) tem 10 anos, acaba de se mudar com sua família para um bairro novo nos arredores de Paris. O que esconde essa garota? Ela se veste como um típico garoto de sua idade, anda com meninos da sua faixa etária, mantém os cabelos bem curtos em plena rebeldia. Para todos os garotos de sua comunidade seu nome é Michaël. Como entender as motivações dessa criança que já vive em conflito consigo própria? Até quando ela poderá enganar a todos?
Dirigido com bastante cuidado por Céline Sciamma, também roteirista, Tomboy é um filme surpreendente que trata de um tema tão atual e já trabalhado em outras abordagens. Contudo, aqui o discurso ganha um novo frescor por conta de um argumento ainda necessário a ser discutido, até por conta do foco narrativo adotado pela diretora que sabe tratar de uma temática tão polêmica com embasamento humanístico. Logo no início, observamos nos créditos do título as cores que se alternam — o azul que se associa ao masculino e o vermelho ao feminino —, recurso visual utilizado como elemento simbólico para as questões do gênero sexual que o filme irá tratar. Este trabalho abriu a Mostra Panorama do Festival de Berlim, onde obteve sucesso de público por lá e já tem sido comentado em muitos festivais de cinema LGBT pelo mundo afora.
O nome “Tomboy”, por sinal, se refere originalmente ao termo “garoto bagunceiro”, que passou a ser utilizado por volta de 1950 como “menina que se comporta como menino” (de acordo com o Dicionário Etimológico). Na Inglaterra o termo também denomina garotas que gostam de jogar futebol, lutar e brincar de carrinhos; são chamadas de “menina-moleca”.
Seguindo esse sentido que se compreendem as afirmações de Laure/ Michaël que adota atitudes, comportamentos e posturas masculinas para mascarar sua feminilidade — a menina inibe qualquer aspecto que reforce sua condição de mulher, visto que isso é um incômodo incondicional à sua natureza. Entende-se que não seja um caso de homossexualidade, mas sim de gênero sexual, já que ela se sente como um menino ainda que seu corpo renegue toda essa condição.
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