Somos mal acostumados quando pensamos em espionagem, com a rotina de glamour e ação de tipos como James Bond. Não é assim, como revela esta série inspirada na vida real do israelense Eli Cohen, infiltrado no governo da Síria e deixando para trás esposa, filhas e sua pátria. A série retrata a ascensão de Eli, que através do charme inato pôde alcançar postos jamais sonhados pela inteligência israelense e vivenciar um golpe de Estado, e também o jogo duplo que viveu, cada vez mais deixando para trás quem era (daí a opção pela fotografia em sépia, como uma memória desbotada) em favor da identidade que vive presentemente (então com cores quentes e expressivas). Esqueça tiros e explosões, existe mais intensidade nas reviravoltas da trama, nos drama colocados diante da esposa de Eli e na atuação carismática e envolvente de Sacha Baron Cohen, que aqui se afasta do estereótipo cômico de tipos como Ali G, Bruno e Borat, para criar um tipo trágico por natureza. Até porque não existe tragédia maior do que abandonar e esquecer quem se é para viver uma ilusão.
Podemos questionar a qualidade ou mesmo se era necessária mais esta temporada, mas não que é apática. Polêmica tanto quanto a primeira ao abordar temas densos como estupro, consumo de drogas, bullying, frustração e a semente para os tiroteios em massa, esta temporada impressiona pela total carência de tato com assuntos sensíveis e gatilhos. No afã de tentar humanizar Bryce em sua jornada de redenção - o que seria uma atitude louvável embora dificílima -, a narrativa acaba cometendo o mesmo erro da justiça ao passar pano para jovens brancos e ricos que têm o sistema a seu favor e cujo “mundo não lhes deixa mudar”. Não falta nada para que a narrativa enxergue Bryce mais como vítima e menos como predador - curiosamente, o nome do barco que aparece em certo momento capital da trama. Pior: ao fazê-lo, acaba tornando a turma encabeçada por Clay em vitrines do justiçamento / linchamento de quem não acredita que pessoas podem mudar.
Nesta narrativa de valores invertidos, uma vítima se julga no direito de EXIGIR - no lugar de permitir que cada um tenha seu tempo de cura - que aquelas molestadas não permaneçam em silêncio, pois isto “destruiria a todos”, e trata o feminismo pelo mínimo denominador comum do estereótipo caricatural e “name dropping” sem eira nem beira. A impressão é de que boa vontade não significa sensibilidade, o que não impede que haja bons momentos - a confissão de Tyler machuca por ser tão bem interpretado, bem como o levante das “sobreviventes” no ginásio energiza. É, porém, ínfimo dentro de 13 horas de duração, tratados em um roteiro equivocado, que descarta personagens anteriores e acrescenta uma nova que só serve como um misto de investigadora, espiã e psicóloga desprovida de qualquer profundidade narrativa e mentora de uma decisão imoral. É um equívoco do início ao fim, ainda que com bons personagens e um imã forte para polêmica.
Se você ficou desapontado com a 5ª temporada de Black Mirror, esta série é como um bálsamo, embora não esteja preocupada exclusivamente em discutir nossa relação com a tecnologia. Na prática, o propósito de Russell T. Davies é debater como nós, cidadãos, enfrentamos as mudanças diárias proporcionadas por decisões políticas controversas, mudanças no cenário econômico e, sim, os avanços tecnológicos, que, na maioria, são benéficos (ufa). Esqueça a balela de sermos só uma gota no oceano, somos responsáveis pelo mundo em que vivemos e nossos protestos e ações, por menores que pareçam, são indispensáveis.
É isto que aprendemos quando acompanhamos a trajetória de uma família de classe média londrina, os Lyons, e como o contexto onde estão inseridos promove impacto nos elos que os mantêm unidos. São homens e mulheres que poderiam / poderão estar do nosso lado, combatendo dilemas e tentando, tal como formigas obstinadas, caminhar em direção à felicidade. A série é ainda mais contemporânea por apresentar o sistema atual de rejeição à política, elegendo ditos outsiders populistas que operam em favor de interesses escusos e que convencem a população a apoiá-los por falar o que pensam até quando isto é produto da mais óbvia ignorância. E que a política Vivienne Rook seja vista à distância só revela como os salvadores da pátria nada mais são do que utopias, que não resistem ao escrutínio a olhos nus. Que série, meus amigos!
É o que terceiras temporadas deveriam aspirar a ser, após a primeira apresentar e situar personagens no universo narrativo e a segunda conferir-lhes o sucesso e segurança que buscavam. A terceira volta serve para tirar aquelas mulheres que admiramos do conforto da inércia, e proporcionar desafios para que amadureçam ainda mais dentro da fake Las Vegas, enquanto seus sonhos começam a ser eclipsados diante das intensas luzes néon. Como Ruth, Debbie e cia. lidarão com estas dificuldades é tema de capítulos preocupados em estreitar os laços desta irmandade e expor comportamentos tóxicos masculinos que passam despercebidos (como interromper o raciocínio de uma mulher e substituí-lo por suas próprias palavras).
A maior parte do elenco está ainda mais a vontade, e suas personagens começam a revelar novas camadas de maneira natural, dentro de um roteiro que não esquece de temas importantes (intolerância e discriminação, esquecimento como um resultado do envelhecimento) e premia a simplicidade de instantes, como o encontro espiritual ao ar livre de mulheres que sabem que empoderamento não é sinônimo de certezas. Mas de saber enfrentar, com cabeça alta, as dúvidas que vêm dos caminhos tortuosos de uma jornada que melhora a cada temporada.
Eu gostei tanto desta série do gênero fantástico que vou tirar do peito os pontos que me incomodaram: a baixa expressividade dos puppets, os bonecos animados manualmente, não por efeitos computadorizados, e a escala inferior à dimensão épica que era sugerida no confronto final entre Gelflings e Skeksis. Ainda assim, o retorno à Thra do clássico dos anos 80 co-dirigido por Jim Henson (o homem detrás dos Muppets) e Frank Oz é nostalgia pura e, também, um buffet completo para quem ama fantasia.
Tem tudo: a jornada heróica marcada por sacrifícios, cujo peso dramático pode ser sentido até quando a aventura toma uma guinada leve, e a alegoria sociopolítica, em que os Skeksis despontam como os integrantes da camada superior da pirâmide que sugam, literalmente, tudo o que aqueles na camada inferior tem a proporcionar. Seu visual, inspirado em aves de rapina, é expressivo em ilustrar o propósito de seres que destroem o equilíbrio da natureza a fim de terem seus interesses satisfeitos, não importa o custo que isto pode ter no futuro. São criaturas tão repugnantes quanto astutas, já que a esperteza está no DNA de quem tenta tirar vantagem de todos, e maquiavélicas ao ponto de parecerem satisfatoriamente maniqueístas e detestáveis, o que não lhes impede de serem cruéis e assustadores. O visual da narrativa - este criado em parte computacionalmente - é apaixonante tanto quanto são adoráveis os Gelflings e Podlings. O elenco de vozes dá show em uma aventura fantástica despretensiosa que, após o primeiro episódio, te cativa de um jeito como poucas séries fazem.
Seu mundo fantástico é o meio para discussões atuais: a crise de refugiados, imigrantes de nações destruídas pelos mesmos povos que se recusam a acolhê-los com dignidade; as raízes do terrorismo, brotadas de um tratamento desigual, humilhante e desumano; e, claro, a miscigenação tratada como um pecado social maior do que a discriminação da maioria dominante. A série revela quais os trâmites políticos e o caos desejado por estes democratas para se perpetuarem no poder a partir do estímulo do ódio entre, na série, espécies que conviveriam em harmonia, caso contrário.
Nada disto é simbólico. A temática é tratada com zero sutileza, embora seja necessário para entrar na cabeça daqueles que não desejam enxergar o óbvio. Enquanto isto, sua narrativa apresenta uma Inglaterra suja, marginal e escura (demais até), com criaturas fantásticas (faunos, pixies, centauros, fadas etc) que simbolizam etnias bem evidentes. Demorei um bocado para me envolver com os dramas shakesperianos e sherlockianos - Inglaterra, né? - de personagens com mágoas, segredos e a incapacidade de voltarem atrás e corrigir o passado, e talvez a culpa seja de Orlando Bloom e Cara Delevingne, atores no máximo esforçados. Entretanto, o episódio derradeiro me animou para o que pode acontecer na temporada vindoura. Ah, não posso deixar de frisar as atuações de Jared Harris e David Gyasi.
Às vezes, tenho a sensação de não haver palavras para descrever narrativas da maneira que elas merecem ou de que as que possuo não lhes farão justiça. Mindhunter não é uma série que tomará seu tempo debatendo teorias ou símbolos - apesar de continuar achando que insetos, como as formigas da primeira temporada e as moscas desta, revelam como o ânimo do trio central está apodrecendo, à medida que mergulham em um mundo de onde não haverá retorno. Ela é, na realidade, uma série pragmática, burocrática e mais teórica do que prática - no bom sentido -, atributos da unidade de ciência comportamental apesar de não de seus personagens. É também envolvente, não somente por causa de seu tema - quem não ama thrillers de serial killers? -, porém pelo modo como exibe a quantidade de vezes que os investigadores deram com a cabeça na parede antes de chegar à conclusão desejada, apesar de esta ser amarga, e os trâmites administrativos para colocar panfletos em condados (!).
Esta temporada aplica, ao investigar o assassinato das crianças de Atlanta, a teoria detrás do conceito da UCC, e também tem a complicada missão de equilibrar dramas pessoais e momentos icônicos, como a entrevista com David Berkowitz ou Charles Manson, sem que pareça estar mais entusiasmado e eletrizado do que deveria. E cumpre (quase) tudo muito bem, com exceção do escanteamento de Wendy (a bem do roteiro, é relevante frisar) e da forma como trata a passagem de tempo em Atlanta (foram meses que não parecem assim na narrativa). Ah, e Holt McCallany exibe o cansaço físico e mental de quem enfrenta lutas nas mais diversas frentes sem baixar a guarda, naquele que é o papel de sua vida como o brutamontes sensível Bill Tench. Mindhunter é como o aluno que repete nota máxima, sem gritar aos quatro cantos isto. É o que é, uma das melhores séries da atualidade.
Como uma medusa, esta minissérie de 13 horas tem um charme hipnótico, derivado do olhar cirúrgico do diretor Nicolas Winding Refn (de Drive). Difícil encontrar composições tão bonitas e marcantes como as exibidas em seus cenários decadentes e pessimistas, todos cobertos com néon, sombra e sangue. Não existe redenção na jornada de homens e mulheres tomados pela violência. Não existe desfecho, não da forma como desejaria o espectador. Não existem regras: até a inocência pode morrer logo após parecer blindada. Existe, sim, uma experiência audiovisual, que beberica da fonte misteriosa de Twin Peaks, embora não alcance todo seu potencial.
Como uma lesma, a minissérie também tem vocação para pedantismo e auto-indulgência. Seus atores incorporam algo parecido com o método de Brecht, para manter o espectador distante emocionalmente pela inexpressividade e monotonia com que declamam as falas. Esta lentidão estetizada está também nas pausas que existem nos diálogos - dá tempo de ir no mercado e comprar um saco de pipoca antes de A responder a B - e nos movimentos de câmera. É o estilo a serviço de si próprio, o que não seria ruim, desde que a substância mantivesse a qualidade, mas ao término de suas 13 horas - que parecem 26 - a sensação é de adquirir a maior laranja da feira, a mais bonita, e que não rende dois dedos de suco.
É um retrocesso em comparação com as temporadas anteriores, necessitando reformular a personalidade de personagens já estabelecidos para continuar a esticar a trama que, ao meu ver, já poderia estar no 'endgame'. E, por ser tóxica a distopia de Gillead, a sensação é de não querermos continuar testemunhando por mais tempo o sofrimento de June. Não quero, com isto, afirmar que a terceira temporada não seja marcante de sua própria forma, com sua fotografia exuberante e atmosférica, seu suspense apreensivo e sua gotícula de loucura inserida na atuação de Elisabeth Moss necessária para acender a revolução para começar a depor um regime totalitário, derrubado apenas na força da ação e ideologia do que é certo e moral.
Deixada a desorientação de uma narrativa caminhando em círculos em torno de si própria, com um episódio desconectado havido todo dentro de uma sala de hospital - um apêndice portanto -, o resultado ainda impacta, impressiona, amedronta e alerta. Não como já fizera antes, apesar de ser bastante superior à produção contemporânea em geral. Que a quarta temporada possa dar o respiro merecido pelo núcleo central e encerrar este pesadelo.
A combinação de humor - não escrachado, mas satírico e comportamental - e tragédia - retratada no mundo da violência em que se insere o personagem-título - continua a nos envolver na jornada de aceitação e rejeição do próprio-EU, que é o que Bill Hader narra com seu melhor personagem. Esta temporada, sensivelmente superior à anterior, exibe como arte e vida estão entrelaçados e como nossas experiências reverberam e refletem através de nossos personagens: Barry apenas é o ator que aspira a ser quando revive o trauma dos tempos de soldado; Sally encontra sua voz quando recorda a violência física sofrida nas mãos do ex-namorado.
Assim são as melhores comédias, aquelas que não estão presas ao desejo incessante de obrigar o espectador a rir, mas sim de proporcionar, através das lentes do absurdo, meios de encarar a própria realidade. Esta temporada, que é sensivelmente superior à passada, também oferece o melhor episódio de uma série no ano (o 5º), desenvolve personagens a partir de constatações negativas que não os enfraquecem (como o fato de Sally invejar o que Barry alcançou, e confessar isto a ele em um monólogo brilhante que não é como um pedido de desculpa ou uma admissão de culpa, porém um meio termo amargo) e oferece alternativas à trama, além da violência e suas consequências, que direcionam Barry rumo ao escuro túnel da própria consciência.
Estado laico seria uma das melhores invenções da democracia, caso fosse aplicado. Na realidade, parece impossível imaginar que os políticos sejam capazes de se dissociarem de convicções religiosas a ponto de não as impor sobre cidadãos que não comungam da mesma fé. Vemos isto ao notar como o tratamento dado ao homossexual pela legislação está atrelado ao conceito de "pecado", que existe apenas se discutirmos certas religiões. Ora, se é pecado para fulano, isto não deve restringir a liberdade de cicrano em ser feliz, concordam? Esta minissérie de Jesse Moss revela como a polícia dos Estados Unidos está umbilicalmente ligada à Família, uma organização cristã cujos tentáculos interferem nas decisões executivas e legislativas naquele país.
Mesmo se fossem propagados APENAS os valores de amor de Jesus, haveria problema, entretanto piora porque a Família defende uma interpretação enviesada, baseada no que denomina por "Escolhido" e na deturpação da premissa de que Jesus veio para as elites, perdoando os seus mal-feitos não importa quais sejam. O documentário é assustador em seus melhores momentos, embora adote a estrutura entediante de cabeças-falantes, que tardam a nos envolver em sua paranoia / realidade. Dá para perder toda a fé na política e desacreditar, de vez, neste mito chamado democracia.
Se você buscar elementos característicos do suspense convencional, sairá desapontado. Até existe uma aura de mistério ao redor da autoria dos assassinatos na pequena cidade de Wind Gap e alguma tensão, principalmente ao término de cada episódio, em relação a segurança ou sobrevivência dos personagens centrais. Esta minissérie adaptada do livro de Gillian Flynn e dirigida por Jean-Marc Vallée (logo após Big Little Lies) é menos cérebro e mais mente, psicologia e traumas do passado. Daí a justificar o ritmo paciente, coerente com sua protagonista, Camille.
É esta mulher o coração da narrativa, em uma composição brava, corajosa e marcante de Amy Adams, transformando sua Camille em um buraco negro de sentimentos negativos e ressentimentos, reproduzidos na maquiagem, figurinos e atuação física. Um contraponto a forma bucólica e floral de Adora (mãe) e Amma (meia-irmã), máscaras que mal escondem quem verdadeiramente são e o que trazem dentro de si. A narrativa também evidencia a mentalidade daquela população, cujo maior evento rememora a consumição nas chamas de uma heroína local, e revela como todos estão doentes, de certa forma. A direção perde ocasionalmente as estribeiras da narrativa, que parece caminhar rumo a destino incerto e insabido tal como Camille, mas no geral é uma obra madura e consistente a respeito de uma adolescência problemática na formação do adulto que somos.
Não existe gabarito na crítica artística e, mesmo quando os elementos cinematográficos falham individualmente, a percepção do todo é geralmente mais importante no resultado final. Com isto explicado, eu poderia aproveitar os caracteres à disposição para enfatizar como o roteiro desta série brasileira tem problemas de roteiro na forma como estabelece, constrói e resolve suas situações. Seu trio central enfrenta muitas situações em somente seis episódios - que seriam melhor explorados em umas 3 temporadas? -, de modo que a sensação é de percorrerem uma caminhada extensa, com uma série de eventos capazes de modificar seus destinos, embora sem maiores impactos em suas personalidades, justo por acontecer MUITO em tão POUCO tempo.
Entretanto, como expliquei no início, ao analisar Sintonia como um todo, é fácil perceber por que é uma série importante na Netflix. Ao conferir voz à juventude marginalizada das favelas, interpretada por atores semi-profissionais ou ainda galgando experiência, a série evoca a autenticidade que tanto falta em trabalhos parecidos. Uma honestidade que tem por ponto de partida a maneira com que cada personagem se relaciona com seu conflito (crime, funk, igreja), passa pelas gírias e entonações típicas e alcança seu desfecho em parte feliz. Suas consequências ainda permearão (possíveis) temporadas futuras, ocasião em que, aí sim, exigirei maior critério da narrativa em pontos individuais (como o roteiro). Agora, satisfaço-se em apreciar tanta energia e força de vontade convergindo em direção à derrubada de estereótipos da favela e do funk como linguagem de expressão daqueles destinados a lutar, com as armas que possuem, contra um sistema opressor, desigual e marginalizador.
Eu acho curioso quando um filme ou série reconhece seu defeito e nos alerta, consciente ou inconscientemente, como se isto fosse abrandar nossa percepção e senso crítico. Isto porque Cara Gente Branca é, como Sam afirma, só a terceira temporada de uma série da Netflix. Onde havia problematização, politização e ativismo, agora há letargia em entender qual é a destes personagens que mudaram da água para o vinho repentinamente. E o que aparentava ser o farol para orientar esta temporada, a Ordem, vira a boia salva-vidas, que a narrativa agarra sempre que começa a perder o fôlego.
A sensação é de preguiça (eu não duvidaria se a Netflix cancelasse mais esta série após a temporada). Não que não haja pontos importantes a serem discutidos, sobretudo nos 3 episódios derradeiros quando já era tarde demais para remediar o todo, ou que não seja proveitosa a mudança do enfoque para o abuso sexual sem abdicar de questões raciais, porém a impressão é de que Sam, Troy, Reggie, Lionel e os demais estão preocupados somente em passar de ano, em vez de serem os melhores alunos da turma. E como isto faz diferença.
Mais madura e consciente do que 13 Reasons Why sonhava em ser, ainda assim a série sensação do momento repete seu mesmo problema: em vez de encarar a juventude com realismo, opta por uma abordagem mais pessimista. Repare como, com exceção de Lexi, todos os personagens têm problemas muito sérios de personalidade: consumo de drogas, erotização diante das redes sociais, comportamentos abusivos e violentos etc. Não existe um momento de respiro em cada episódio, porque parece que todos os personagens não saem do círculo vicioso negativo. Pode ser porque Rue seja a narradora não confiável - é bom frisar esta característica que ela assume - e, apesar deste ponto de vista da geração do milênio ser problemático, existe um comprometimento generalizado em tornar a trama crível e pulsante.
A narrativa criada por Sam Levinson investe nas grandes atuações, especialmente a de Zendaya, que recorre a uma postura física niilista e derrotada de quem está enfrentando os vícios, em troca de caros (e bons) sorrisos, símbolos da felicidade fugidia que parece escapar por seus dedos. Sam aposta também na jovialidade da fotografia - com as cores intensas e néon que retratam o estado de espírito dos personagens -, da montagem - os recursos estilizados e dinâmicos apenas não são melhores do que a maneira com que a narrativa concilia linhas temporais variadas - e da trilha sonora e musical como elementos que agregam à experiência de penetrar naquele mundo aflitivo, sufocante e enigmático de uma adolescência carcomida e fruto, muitas vezes, da cobrança, descaso e pecados da geração passada.
"Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades" deve ter sido o tema da aula que os Sete gazearam. Como a subversão ou humanização do conceito messiânico do super-herói, esta série baseada nos quadrinhos de Garth Ennis acerta em cheia ao proporcionar personagens que não podem ser avaliados pelas lentes do bem ou do mal somente. Suas personalidades são como matizes, atraindo ou repelindo o espectador a depender daquilo que o defendem. Tome Profundo (The Deep), um assediador e estuprador, MAS TAMBÉM um advogado do meio ambiente e da fauna aquática, ou Capitão Pátria (Homelander), um fascista assumido, que não tem a menor vergonha em dividir a humanidade em inferiores e superiores, EMBORA isto seja subproduto de sua infância e problemas edipianos.
O melhor de 'The Boys' são seus complexos personagens, ainda quando a trama os deixa na mão e o desfecho não seja redondo ou conclusivo como muitos desejariam (a segunda temporada está confirmada). Dá para reparar nos defeitos em episódios mais esticados do que precisariam ser ou em subtramas que servem como apêndices e nada mais. Contudo, isto não compromete muito o resultado final: uma aventura de super-heróis adulta, realista e sem remorso em ser sexual, violenta e sanguinolenta quando precisa ser, o antídoto que nós precisamos depois das aventuras mais higiênicas da Marvel/DC (impedidas de chocar para obter a censura branda). Destaque à seleção musical, à fotografia estilizada, embora em alguns casos escura demais, e ao romance central entre Hugh e Annie, construído em torno de um clichê (um segredo a ser revelado), porém desenvolvido autenticamente além deste.
É muito comovente reconhecer como as consequências das ações e decisões de Fleabag repercutiram dentro de seu estreito círculo familiar e de seu eu interior a ponto de a nossa heroína ter encontrado o caminho de pedras, por entre seus erros, para amadurecer, sem perder a essência que a torna autêntica. Saber enxergar para trás é um bom começo para andar adiante, e Phoebe Waller-Bridge aprendeu que não existe cura sem tratamento (não importa qual seja), não existe aproximação sem que baixemos a guarda. Isto não modifica o fato de que Fleabag guardou todo o amor que tinha pela mãe à irmã, a quem devota sua vida, ou ressente a madrasta, apesar de ser apta a enxergá-la de maneiras diferentes.
A série ganhou bastante com a adição de Andrew Scott, que cria o contraponto emocional à Fleabag, até pela maneira com que enfrenta as próprias dúvidas conservadas dentro de si, usando a fé como o calmante para suas inseguranças. E não que Fleabag necessite de religião, como deixa bem claro, é a espiritualidade que tem a lhe ensinar. Mas não apenas ela, como também as participações marcantes de Fiona Shaw e Kristin Scott Thomas, que é dona do melhor monólogo da temporada, aquele que relaciona a dor inata à ser mulher. Não existe maior elogio a ser feito, além da constatação de que a série recompensa, ouso dizer integralmente, nosso investimento emocional na protagonista e na reconciliação que merece. Consigo, em primeiro lugar, e depois com todos. Um desfecho satisfatório a ponto de não exigir continuações... embora, notícias recentes assegurem que Phoebe e Amazon não fecharam a porta a uma eventual terceira temporada.
O conceito é delicioso igual a toda a série: empregar a nobre e aristocrática família russa para narrar dramas corriqueiros que bolcheviques e plebeus enfrentam desde de sempre, para sempre. Também serve como brincadeira à quantidade de pessoas que afirmam ser herdeiros dos Romanoffs, cada um estrelando um episódio / telefilme cômico e dramático com uma mínima conexão entre si.
Cada capítulo é prazeroso, com tramas construídas paciente e cuidadosamente a fim de aproveitar ao máximo, seus personagens, interpretados por atores / atrizes competentes (Aaron Eckart, Diane Lane, Kathryn Hahn são alguns dos muitos escalados pelo diretor e criador de Mad Men, Matthew Weiner). Os diálogos são sofisticados o bastante para que soem presunçosamente reais, ainda que com o pé fincado no contemporâneo, corriqueiro e acessível. É como assistir a 8 filmes em uma minissérie, que cativa, envolve e propõe a sua dose de reflexões e dramas para serem sentidos e chorados. Eu curti bastante.
Parece que o mundo real invadiu esta temporada. Não quero dizer que o roteiro está mais realista ou verossímil, mas que o criador Alex Pina incorporou de vez a adoração do fã da série como verdade absoluta, alçando a equipe do Professor à condição de Robin Hood e a máscara de Dali à versão espanhola de "V de Vingança". Tudo isto quando lhe convém, pois desde o princípio, nunca houve altruísmo nas ações do Professor e sua equipe, nem tampouco o sentimento anárquico contra o tal Sistema, somente um cálculo baseado em ganância e vingança. E, calculista como é, Alex Pina também dá um jeito de "ressuscitar" o favorito do público Berlim (dói escrever isto sobre um estuprador...), em uma trama que existe tanto no passado quanto no presente.
As intercalações de flashbacks explicativos diluem o fato de que muito ou nada na trama faça o menor sentido se parássemos para pensar melhor, do maquinário de centenas de quilos usado para penetrar no cofre do Banco da Espanha à construção de forja no tempo recorde de 4 horas. Contudo, o pior é quando a trama abraça o novelesco sem pudor. Não há mal nisto... na narrativa correta, e "La Casa de Papel", que pelo gênero deveria ser inteligente e desafiar a percepção do espectador, é o equivalente ao sujeito que inventa títulos PhD no currículo para posar de esperto. Se fosse mesmo, levaria o roubo a sério, e não procuraria introduzir DRs (sim, usei o termo numa crítica!) ou críticas sociais válidas, mas forçadas, nas vezes em que não sabe para onde andar com a trama. Os 10 minutos finais seriam até empolgantes, se eu houvesse me envolvido com os personagens a ponto de sentir as consequências de suas próprias ações. Ao menos pude assistir a um sujeito nadando no interior de um cofre. Isto é inédito.
Se necessária ou não, um questionamento a ser feito não por nós, mas por produtores, o fato é que a segunda temporada de BLL demora uma eternidade até se encontrar a ponto de ser tarde demais para remediar sua inconsistência e inconstância. As subtramas vêm e vão, mas nenhuma gruda de verdade no coração: temos Madeline tentando se reconciliar com o marido, Renata descobrindo a falência do marido, Bonnie lidando com o trauma de haver sido ela a empurrar Perry e Jane, pobre Jane, abandonada de uma vez por todas pelo roteiro mesmo que as feridas do estupro permanecem abertas. De relevante mesmo, a trama central envolvendo a disputa entre Celeste e sua sogra, Mary Louise, pela guarda dos filhos / netos e a descoberta dos atos monstruosos de Perry.
E se não fosse pelo embate sistemático entre Nicole Kidman e Meryl Streep, a temporada seria um incômodo desastre. As atrizes, bem como Laura Dern, aproveitam cada instante para tornar suas personagens mais memoráveis. Meryl, então, não pode sentir a câmera em sua direção que já começa o show de atuação. Elas ajudam a suportar um roteiro mal desenvolvido e mal amarrado que, ao menos, tem a seu favor a conclusão decidida em sororidade. A fotografia também é charmosa, com luz e superexposição que revelam que as verdades estão vindo à tona, e os efeitos sonoros das ondas do mar contra as pedras retratam, com fineza, o tumulto interior de personagens que aprendemos a amar e que mereciam um retorno melhor.
Em comparação com as temporadas passadas, é a que tem mais subtramas descartáveis ou, quando não, estendidas desnecessariamente para preencher tempo, MAS também é a que maior envolvimento emocional com perdas de personagens centrais. No seu centro, a trama anda firme e resoluta em direção à conclusão na 4ª temporada, estabelecendo qual o plano dos nazistas, as motivações de personagens importantes e passagens dramáticas que os enriquecem e como a revolução poderá batalhar para evitar mais uma tragédia. A fotografia continua evocativa e detalhista, com um sépia que às vezes confunde-se com o preto e branco estilizado e a carga intensa em sombras (com pouca esperança, portanto).
A ficção-científica detrás da série é esclarecida, tal como o recurso que permite existirem fitas de realidades alternativas, deixando guardadas somente as perguntas necessárias a serem respondidas na temporada final. Existem momento apoteóticos (e trágicos), como aquele que envolve um dos símbolos norte-americanos e, a sua forma, da humanidade. É uma série para apreciar como entretenimento e também reflexão, pois ao ter o nazismo como uma realidade possível, aprendemos a estar sempre vigilantes para qualquer tipo de governo ou movimento que tente nos privar das liberdades por que nossos antepassados lutaram tão bravamente.
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3 anos após assistir à 1ª temporada, minha percepção era a de tê-la apreciado mais do que, de fato, pus em palavras ao reler a crítica. Tendo amadurecido melhor na memória, esta série enigmática tinha como ponto positivo a forma como apresentava personagens resignados com a vida, mas dispostos a acreditar em um fio de esperança por mais que fosse improvável. Era uma representação da fé, portanto, o poderoso remédio contra as mazelas que afligem nossa rotina (veja que não cito religião, mas espiritualidade). E esta narrativa era mais inteligente por permitir que o espectador interpretasse livremente se a protagonista, Prairie, era o Anjo Original ou se isto não passava de delírio decorrente dos abusos que sofreu, contagiado aos demais suscetíveis a crer em qualquer coisa.
A 2ª temporada joga pela janela esta dúvida em troca do estranho como recompensa. Eu aprecio lacunas e tramas com possibilidades que dependem da vivência e valores de nós, tanto quanto gosto de como o cinema transgressor e bizarro de David Lynch conquistou a criadora Brit Marling. Os episódios são envolventes, em particular os últimos com duração mais cômoda, e admiro como todo o elenco respeita o encargo fantástico que poderia ser ridículo nas mãos erradas. Agora que sabemos onde pisamos em matéria da série, talvez possamos apreciar melhor o mistério a ser revelado nas já confirmadas 3 temporadas que restam. Ainda mais após a série penetrar, literalmente, no mundo real e metalinguístico do crer e fazer acreditar, mas comentar mais sobre isto seria entregar spoilers.
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Devo ser masoquista, pois adoro me torturar assistindo a séries que expõem erros crassos da (in)justiça. E esta série, nos seus quatro episódios, apresenta exemplos de como a ciência nem sempre está alinhada com a verdade dos fatos quando o assunto são crimes cometidos. Vídeos, padrões sanguíneos, cachorros farejadores e mesmo DNA podem ser usados, indevidamente, para aprisionar inocentes de crimes cujas circunstâncias apontavam noutra direção da investigação.
O melhor da série é seu formato: apresentar a ciência detrás daquela análise forense e como pode ser mal interpretada, não por maldade dos homens envolvidos (embora isto não seja descartado), mas por falha humana, antes mesmo de começar a penetrar no crime analisado. É um tanto superficial e até insatisfatório, em particular em como expõe os defeitos do sistemas judicial norte-americano, porém serve para quem, assim como eu, gosta de maltratar o espírito e desacreditar (mais) no espírito humano. Não na ciência, esta não mente. Nós que não sabemos lê-la.
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Como o conceito da série é resgatar a produção fantástica dos anos 80, nada mais do que normal que os comunistas malvados da União Soviética sejam escolhidos como os vilões na exploração inconsequente e inadvertida do mundo invertido, iniciada pelos capitalistas norte-americanos. A premissa do regresso à Hawkins é meio esfarrapada, é verdade, mas seu desenvolvimento, não. A estrutura subdivide os personagens centrais em grupos, bem construídos e delimitados nos primeiros episódios, e que vão se reunindo paulatinamente em direção ao catártico e tocante episódio final. Desta forma, o maior ponto positivo desta temporada é a paciência com que estabelece a dinâmica entre os personagens, ignorando a bagunça megalômana da anterior e se concentrando na máxima de que menos é mais.
Em compensação, o tempo narrativo continua a ser uma pedra no sapato dos irmãos Duffer que, novamente, desconsideram a sensação de que há subtramas que passam mais rapidamente do que outras embora durem, sem exceções, não mais do que uns dois, três dias. (Basta recordar a construção de Billy como avatar humano do Devorador de Mentes e notar como o tempo, para ele, é mais elástico). O roteiro também apresenta soluções fáceis, como achar que quatro rapazes entrariam com facilidade dentro de uma sala de comunicações bem vigiada ou então na ausência de alma viva no episódio final - mesmo considerando ser o 4 de julho. Aliás, onde estavam as autoridades americanas que permitiram a construção de uma instalação militar por russos dentro de seu solo de maneira indistinguível? O ato de repensar a série em retrospecto revela crateras no roteiro por que os seres do mundo invertido poderiam passar, mas nem isto é o suficiente para diminuir o apego da garotada de Hawkins e de como esta temporada, mais enxuta e objetiva, pega a gente de jeito pelo coração.
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O Espião
4.2 51 Assista AgoraSomos mal acostumados quando pensamos em espionagem, com a rotina de glamour e ação de tipos como James Bond. Não é assim, como revela esta série inspirada na vida real do israelense Eli Cohen, infiltrado no governo da Síria e deixando para trás esposa, filhas e sua pátria. A série retrata a ascensão de Eli, que através do charme inato pôde alcançar postos jamais sonhados pela inteligência israelense e vivenciar um golpe de Estado, e também o jogo duplo que viveu, cada vez mais deixando para trás quem era (daí a opção pela fotografia em sépia, como uma memória desbotada) em favor da identidade que vive presentemente (então com cores quentes e expressivas). Esqueça tiros e explosões, existe mais intensidade nas reviravoltas da trama, nos drama colocados diante da esposa de Eli e na atuação carismática e envolvente de Sacha Baron Cohen, que aqui se afasta do estereótipo cômico de tipos como Ali G, Bruno e Borat, para criar um tipo trágico por natureza. Até porque não existe tragédia maior do que abandonar e esquecer quem se é para viver uma ilusão.
13 Reasons Why (3ª Temporada)
3.1 231 Assista AgoraPodemos questionar a qualidade ou mesmo se era necessária mais esta temporada, mas não que é apática. Polêmica tanto quanto a primeira ao abordar temas densos como estupro, consumo de drogas, bullying, frustração e a semente para os tiroteios em massa, esta temporada impressiona pela total carência de tato com assuntos sensíveis e gatilhos. No afã de tentar humanizar Bryce em sua jornada de redenção - o que seria uma atitude louvável embora dificílima -, a narrativa acaba cometendo o mesmo erro da justiça ao passar pano para jovens brancos e ricos que têm o sistema a seu favor e cujo “mundo não lhes deixa mudar”. Não falta nada para que a narrativa enxergue Bryce mais como vítima e menos como predador - curiosamente, o nome do barco que aparece em certo momento capital da trama. Pior: ao fazê-lo, acaba tornando a turma encabeçada por Clay em vitrines do justiçamento / linchamento de quem não acredita que pessoas podem mudar.
Nesta narrativa de valores invertidos, uma vítima se julga no direito de EXIGIR - no lugar de permitir que cada um tenha seu tempo de cura - que aquelas molestadas não permaneçam em silêncio, pois isto “destruiria a todos”, e trata o feminismo pelo mínimo denominador comum do estereótipo caricatural e “name dropping” sem eira nem beira. A impressão é de que boa vontade não significa sensibilidade, o que não impede que haja bons momentos - a confissão de Tyler machuca por ser tão bem interpretado, bem como o levante das “sobreviventes” no ginásio energiza. É, porém, ínfimo dentro de 13 horas de duração, tratados em um roteiro equivocado, que descarta personagens anteriores e acrescenta uma nova que só serve como um misto de investigadora, espiã e psicóloga desprovida de qualquer profundidade narrativa e mentora de uma decisão imoral. É um equívoco do início ao fim, ainda que com bons personagens e um imã forte para polêmica.
Years and Years
4.5 270Se você ficou desapontado com a 5ª temporada de Black Mirror, esta série é como um bálsamo, embora não esteja preocupada exclusivamente em discutir nossa relação com a tecnologia. Na prática, o propósito de Russell T. Davies é debater como nós, cidadãos, enfrentamos as mudanças diárias proporcionadas por decisões políticas controversas, mudanças no cenário econômico e, sim, os avanços tecnológicos, que, na maioria, são benéficos (ufa). Esqueça a balela de sermos só uma gota no oceano, somos responsáveis pelo mundo em que vivemos e nossos protestos e ações, por menores que pareçam, são indispensáveis.
É isto que aprendemos quando acompanhamos a trajetória de uma família de classe média londrina, os Lyons, e como o contexto onde estão inseridos promove impacto nos elos que os mantêm unidos. São homens e mulheres que poderiam / poderão estar do nosso lado, combatendo dilemas e tentando, tal como formigas obstinadas, caminhar em direção à felicidade. A série é ainda mais contemporânea por apresentar o sistema atual de rejeição à política, elegendo ditos outsiders populistas que operam em favor de interesses escusos e que convencem a população a apoiá-los por falar o que pensam até quando isto é produto da mais óbvia ignorância. E que a política Vivienne Rook seja vista à distância só revela como os salvadores da pátria nada mais são do que utopias, que não resistem ao escrutínio a olhos nus. Que série, meus amigos!
GLOW (3ª Temporada)
4.0 48É o que terceiras temporadas deveriam aspirar a ser, após a primeira apresentar e situar personagens no universo narrativo e a segunda conferir-lhes o sucesso e segurança que buscavam. A terceira volta serve para tirar aquelas mulheres que admiramos do conforto da inércia, e proporcionar desafios para que amadureçam ainda mais dentro da fake Las Vegas, enquanto seus sonhos começam a ser eclipsados diante das intensas luzes néon. Como Ruth, Debbie e cia. lidarão com estas dificuldades é tema de capítulos preocupados em estreitar os laços desta irmandade e expor comportamentos tóxicos masculinos que passam despercebidos (como interromper o raciocínio de uma mulher e substituí-lo por suas próprias palavras).
A maior parte do elenco está ainda mais a vontade, e suas personagens começam a revelar novas camadas de maneira natural, dentro de um roteiro que não esquece de temas importantes (intolerância e discriminação, esquecimento como um resultado do envelhecimento) e premia a simplicidade de instantes, como o encontro espiritual ao ar livre de mulheres que sabem que empoderamento não é sinônimo de certezas. Mas de saber enfrentar, com cabeça alta, as dúvidas que vêm dos caminhos tortuosos de uma jornada que melhora a cada temporada.
O Cristal Encantado: A Era da Resistência
4.5 68 Assista AgoraEu gostei tanto desta série do gênero fantástico que vou tirar do peito os pontos que me incomodaram: a baixa expressividade dos puppets, os bonecos animados manualmente, não por efeitos computadorizados, e a escala inferior à dimensão épica que era sugerida no confronto final entre Gelflings e Skeksis. Ainda assim, o retorno à Thra do clássico dos anos 80 co-dirigido por Jim Henson (o homem detrás dos Muppets) e Frank Oz é nostalgia pura e, também, um buffet completo para quem ama fantasia.
Tem tudo: a jornada heróica marcada por sacrifícios, cujo peso dramático pode ser sentido até quando a aventura toma uma guinada leve, e a alegoria sociopolítica, em que os Skeksis despontam como os integrantes da camada superior da pirâmide que sugam, literalmente, tudo o que aqueles na camada inferior tem a proporcionar. Seu visual, inspirado em aves de rapina, é expressivo em ilustrar o propósito de seres que destroem o equilíbrio da natureza a fim de terem seus interesses satisfeitos, não importa o custo que isto pode ter no futuro. São criaturas tão repugnantes quanto astutas, já que a esperteza está no DNA de quem tenta tirar vantagem de todos, e maquiavélicas ao ponto de parecerem satisfatoriamente maniqueístas e detestáveis, o que não lhes impede de serem cruéis e assustadores. O visual da narrativa - este criado em parte computacionalmente - é apaixonante tanto quanto são adoráveis os Gelflings e Podlings. O elenco de vozes dá show em uma aventura fantástica despretensiosa que, após o primeiro episódio, te cativa de um jeito como poucas séries fazem.
Carnival Row (1ª Temporada)
3.8 138 Assista AgoraSeu mundo fantástico é o meio para discussões atuais: a crise de refugiados, imigrantes de nações destruídas pelos mesmos povos que se recusam a acolhê-los com dignidade; as raízes do terrorismo, brotadas de um tratamento desigual, humilhante e desumano; e, claro, a miscigenação tratada como um pecado social maior do que a discriminação da maioria dominante. A série revela quais os trâmites políticos e o caos desejado por estes democratas para se perpetuarem no poder a partir do estímulo do ódio entre, na série, espécies que conviveriam em harmonia, caso contrário.
Nada disto é simbólico. A temática é tratada com zero sutileza, embora seja necessário para entrar na cabeça daqueles que não desejam enxergar o óbvio. Enquanto isto, sua narrativa apresenta uma Inglaterra suja, marginal e escura (demais até), com criaturas fantásticas (faunos, pixies, centauros, fadas etc) que simbolizam etnias bem evidentes. Demorei um bocado para me envolver com os dramas shakesperianos e sherlockianos - Inglaterra, né? - de personagens com mágoas, segredos e a incapacidade de voltarem atrás e corrigir o passado, e talvez a culpa seja de Orlando Bloom e Cara Delevingne, atores no máximo esforçados. Entretanto, o episódio derradeiro me animou para o que pode acontecer na temporada vindoura. Ah, não posso deixar de frisar as atuações de Jared Harris e David Gyasi.
Mindhunter (2ª Temporada)
4.3 414 Assista AgoraÀs vezes, tenho a sensação de não haver palavras para descrever narrativas da maneira que elas merecem ou de que as que possuo não lhes farão justiça. Mindhunter não é uma série que tomará seu tempo debatendo teorias ou símbolos - apesar de continuar achando que insetos, como as formigas da primeira temporada e as moscas desta, revelam como o ânimo do trio central está apodrecendo, à medida que mergulham em um mundo de onde não haverá retorno. Ela é, na realidade, uma série pragmática, burocrática e mais teórica do que prática - no bom sentido -, atributos da unidade de ciência comportamental apesar de não de seus personagens. É também envolvente, não somente por causa de seu tema - quem não ama thrillers de serial killers? -, porém pelo modo como exibe a quantidade de vezes que os investigadores deram com a cabeça na parede antes de chegar à conclusão desejada, apesar de esta ser amarga, e os trâmites administrativos para colocar panfletos em condados (!).
Esta temporada aplica, ao investigar o assassinato das crianças de Atlanta, a teoria detrás do conceito da UCC, e também tem a complicada missão de equilibrar dramas pessoais e momentos icônicos, como a entrevista com David Berkowitz ou Charles Manson, sem que pareça estar mais entusiasmado e eletrizado do que deveria. E cumpre (quase) tudo muito bem, com exceção do escanteamento de Wendy (a bem do roteiro, é relevante frisar) e da forma como trata a passagem de tempo em Atlanta (foram meses que não parecem assim na narrativa). Ah, e Holt McCallany exibe o cansaço físico e mental de quem enfrenta lutas nas mais diversas frentes sem baixar a guarda, naquele que é o papel de sua vida como o brutamontes sensível Bill Tench. Mindhunter é como o aluno que repete nota máxima, sem gritar aos quatro cantos isto. É o que é, uma das melhores séries da atualidade.
Muito Velho Para Morrer Jovem
3.9 57 Assista AgoraComo uma medusa, esta minissérie de 13 horas tem um charme hipnótico, derivado do olhar cirúrgico do diretor Nicolas Winding Refn (de Drive). Difícil encontrar composições tão bonitas e marcantes como as exibidas em seus cenários decadentes e pessimistas, todos cobertos com néon, sombra e sangue. Não existe redenção na jornada de homens e mulheres tomados pela violência. Não existe desfecho, não da forma como desejaria o espectador. Não existem regras: até a inocência pode morrer logo após parecer blindada. Existe, sim, uma experiência audiovisual, que beberica da fonte misteriosa de Twin Peaks, embora não alcance todo seu potencial.
Como uma lesma, a minissérie também tem vocação para pedantismo e auto-indulgência. Seus atores incorporam algo parecido com o método de Brecht, para manter o espectador distante emocionalmente pela inexpressividade e monotonia com que declamam as falas. Esta lentidão estetizada está também nas pausas que existem nos diálogos - dá tempo de ir no mercado e comprar um saco de pipoca antes de A responder a B - e nos movimentos de câmera. É o estilo a serviço de si próprio, o que não seria ruim, desde que a substância mantivesse a qualidade, mas ao término de suas 13 horas - que parecem 26 - a sensação é de adquirir a maior laranja da feira, a mais bonita, e que não rende dois dedos de suco.
O Conto da Aia (3ª Temporada)
4.3 596 Assista AgoraÉ um retrocesso em comparação com as temporadas anteriores, necessitando reformular a personalidade de personagens já estabelecidos para continuar a esticar a trama que, ao meu ver, já poderia estar no 'endgame'. E, por ser tóxica a distopia de Gillead, a sensação é de não querermos continuar testemunhando por mais tempo o sofrimento de June. Não quero, com isto, afirmar que a terceira temporada não seja marcante de sua própria forma, com sua fotografia exuberante e atmosférica, seu suspense apreensivo e sua gotícula de loucura inserida na atuação de Elisabeth Moss necessária para acender a revolução para começar a depor um regime totalitário, derrubado apenas na força da ação e ideologia do que é certo e moral.
Deixada a desorientação de uma narrativa caminhando em círculos em torno de si própria, com um episódio desconectado havido todo dentro de uma sala de hospital - um apêndice portanto -, o resultado ainda impacta, impressiona, amedronta e alerta. Não como já fizera antes, apesar de ser bastante superior à produção contemporânea em geral. Que a quarta temporada possa dar o respiro merecido pelo núcleo central e encerrar este pesadelo.
Barry (2ª Temporada)
4.3 122A combinação de humor - não escrachado, mas satírico e comportamental - e tragédia - retratada no mundo da violência em que se insere o personagem-título - continua a nos envolver na jornada de aceitação e rejeição do próprio-EU, que é o que Bill Hader narra com seu melhor personagem. Esta temporada, sensivelmente superior à anterior, exibe como arte e vida estão entrelaçados e como nossas experiências reverberam e refletem através de nossos personagens: Barry apenas é o ator que aspira a ser quando revive o trauma dos tempos de soldado; Sally encontra sua voz quando recorda a violência física sofrida nas mãos do ex-namorado.
Assim são as melhores comédias, aquelas que não estão presas ao desejo incessante de obrigar o espectador a rir, mas sim de proporcionar, através das lentes do absurdo, meios de encarar a própria realidade. Esta temporada, que é sensivelmente superior à passada, também oferece o melhor episódio de uma série no ano (o 5º), desenvolve personagens a partir de constatações negativas que não os enfraquecem (como o fato de Sally invejar o que Barry alcançou, e confessar isto a ele em um monólogo brilhante que não é como um pedido de desculpa ou uma admissão de culpa, porém um meio termo amargo) e oferece alternativas à trama, além da violência e suas consequências, que direcionam Barry rumo ao escuro túnel da própria consciência.
The Family - Democracia Ameaçada (1ª Temporada)
3.4 19Estado laico seria uma das melhores invenções da democracia, caso fosse aplicado. Na realidade, parece impossível imaginar que os políticos sejam capazes de se dissociarem de convicções religiosas a ponto de não as impor sobre cidadãos que não comungam da mesma fé. Vemos isto ao notar como o tratamento dado ao homossexual pela legislação está atrelado ao conceito de "pecado", que existe apenas se discutirmos certas religiões. Ora, se é pecado para fulano, isto não deve restringir a liberdade de cicrano em ser feliz, concordam? Esta minissérie de Jesse Moss revela como a polícia dos Estados Unidos está umbilicalmente ligada à Família, uma organização cristã cujos tentáculos interferem nas decisões executivas e legislativas naquele país.
Mesmo se fossem propagados APENAS os valores de amor de Jesus, haveria problema, entretanto piora porque a Família defende uma interpretação enviesada, baseada no que denomina por "Escolhido" e na deturpação da premissa de que Jesus veio para as elites, perdoando os seus mal-feitos não importa quais sejam. O documentário é assustador em seus melhores momentos, embora adote a estrutura entediante de cabeças-falantes, que tardam a nos envolver em sua paranoia / realidade. Dá para perder toda a fé na política e desacreditar, de vez, neste mito chamado democracia.
Objetos Cortantes
4.3 834 Assista AgoraSe você buscar elementos característicos do suspense convencional, sairá desapontado. Até existe uma aura de mistério ao redor da autoria dos assassinatos na pequena cidade de Wind Gap e alguma tensão, principalmente ao término de cada episódio, em relação a segurança ou sobrevivência dos personagens centrais. Esta minissérie adaptada do livro de Gillian Flynn e dirigida por Jean-Marc Vallée (logo após Big Little Lies) é menos cérebro e mais mente, psicologia e traumas do passado. Daí a justificar o ritmo paciente, coerente com sua protagonista, Camille.
É esta mulher o coração da narrativa, em uma composição brava, corajosa e marcante de Amy Adams, transformando sua Camille em um buraco negro de sentimentos negativos e ressentimentos, reproduzidos na maquiagem, figurinos e atuação física. Um contraponto a forma bucólica e floral de Adora (mãe) e Amma (meia-irmã), máscaras que mal escondem quem verdadeiramente são e o que trazem dentro de si. A narrativa também evidencia a mentalidade daquela população, cujo maior evento rememora a consumição nas chamas de uma heroína local, e revela como todos estão doentes, de certa forma. A direção perde ocasionalmente as estribeiras da narrativa, que parece caminhar rumo a destino incerto e insabido tal como Camille, mas no geral é uma obra madura e consistente a respeito de uma adolescência problemática na formação do adulto que somos.
Sintonia (1ª Temporada)
3.6 174 Assista AgoraNão existe gabarito na crítica artística e, mesmo quando os elementos cinematográficos falham individualmente, a percepção do todo é geralmente mais importante no resultado final. Com isto explicado, eu poderia aproveitar os caracteres à disposição para enfatizar como o roteiro desta série brasileira tem problemas de roteiro na forma como estabelece, constrói e resolve suas situações. Seu trio central enfrenta muitas situações em somente seis episódios - que seriam melhor explorados em umas 3 temporadas? -, de modo que a sensação é de percorrerem uma caminhada extensa, com uma série de eventos capazes de modificar seus destinos, embora sem maiores impactos em suas personalidades, justo por acontecer MUITO em tão POUCO tempo.
Entretanto, como expliquei no início, ao analisar Sintonia como um todo, é fácil perceber por que é uma série importante na Netflix. Ao conferir voz à juventude marginalizada das favelas, interpretada por atores semi-profissionais ou ainda galgando experiência, a série evoca a autenticidade que tanto falta em trabalhos parecidos. Uma honestidade que tem por ponto de partida a maneira com que cada personagem se relaciona com seu conflito (crime, funk, igreja), passa pelas gírias e entonações típicas e alcança seu desfecho em parte feliz. Suas consequências ainda permearão (possíveis) temporadas futuras, ocasião em que, aí sim, exigirei maior critério da narrativa em pontos individuais (como o roteiro). Agora, satisfaço-se em apreciar tanta energia e força de vontade convergindo em direção à derrubada de estereótipos da favela e do funk como linguagem de expressão daqueles destinados a lutar, com as armas que possuem, contra um sistema opressor, desigual e marginalizador.
Cara Gente Branca (Volume 3)
3.5 55 Assista AgoraEu acho curioso quando um filme ou série reconhece seu defeito e nos alerta, consciente ou inconscientemente, como se isto fosse abrandar nossa percepção e senso crítico. Isto porque Cara Gente Branca é, como Sam afirma, só a terceira temporada de uma série da Netflix. Onde havia problematização, politização e ativismo, agora há letargia em entender qual é a destes personagens que mudaram da água para o vinho repentinamente. E o que aparentava ser o farol para orientar esta temporada, a Ordem, vira a boia salva-vidas, que a narrativa agarra sempre que começa a perder o fôlego.
A sensação é de preguiça (eu não duvidaria se a Netflix cancelasse mais esta série após a temporada). Não que não haja pontos importantes a serem discutidos, sobretudo nos 3 episódios derradeiros quando já era tarde demais para remediar o todo, ou que não seja proveitosa a mudança do enfoque para o abuso sexual sem abdicar de questões raciais, porém a impressão é de que Sam, Troy, Reggie, Lionel e os demais estão preocupados somente em passar de ano, em vez de serem os melhores alunos da turma. E como isto faz diferença.
Euphoria (1ª Temporada)
4.3 893Mais madura e consciente do que 13 Reasons Why sonhava em ser, ainda assim a série sensação do momento repete seu mesmo problema: em vez de encarar a juventude com realismo, opta por uma abordagem mais pessimista. Repare como, com exceção de Lexi, todos os personagens têm problemas muito sérios de personalidade: consumo de drogas, erotização diante das redes sociais, comportamentos abusivos e violentos etc. Não existe um momento de respiro em cada episódio, porque parece que todos os personagens não saem do círculo vicioso negativo. Pode ser porque Rue seja a narradora não confiável - é bom frisar esta característica que ela assume - e, apesar deste ponto de vista da geração do milênio ser problemático, existe um comprometimento generalizado em tornar a trama crível e pulsante.
A narrativa criada por Sam Levinson investe nas grandes atuações, especialmente a de Zendaya, que recorre a uma postura física niilista e derrotada de quem está enfrentando os vícios, em troca de caros (e bons) sorrisos, símbolos da felicidade fugidia que parece escapar por seus dedos. Sam aposta também na jovialidade da fotografia - com as cores intensas e néon que retratam o estado de espírito dos personagens -, da montagem - os recursos estilizados e dinâmicos apenas não são melhores do que a maneira com que a narrativa concilia linhas temporais variadas - e da trilha sonora e musical como elementos que agregam à experiência de penetrar naquele mundo aflitivo, sufocante e enigmático de uma adolescência carcomida e fruto, muitas vezes, da cobrança, descaso e pecados da geração passada.
The Boys (1ª Temporada)
4.3 820 Assista Agora"Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades" deve ter sido o tema da aula que os Sete gazearam. Como a subversão ou humanização do conceito messiânico do super-herói, esta série baseada nos quadrinhos de Garth Ennis acerta em cheia ao proporcionar personagens que não podem ser avaliados pelas lentes do bem ou do mal somente. Suas personalidades são como matizes, atraindo ou repelindo o espectador a depender daquilo que o defendem. Tome Profundo (The Deep), um assediador e estuprador, MAS TAMBÉM um advogado do meio ambiente e da fauna aquática, ou Capitão Pátria (Homelander), um fascista assumido, que não tem a menor vergonha em dividir a humanidade em inferiores e superiores, EMBORA isto seja subproduto de sua infância e problemas edipianos.
O melhor de 'The Boys' são seus complexos personagens, ainda quando a trama os deixa na mão e o desfecho não seja redondo ou conclusivo como muitos desejariam (a segunda temporada está confirmada). Dá para reparar nos defeitos em episódios mais esticados do que precisariam ser ou em subtramas que servem como apêndices e nada mais. Contudo, isto não compromete muito o resultado final: uma aventura de super-heróis adulta, realista e sem remorso em ser sexual, violenta e sanguinolenta quando precisa ser, o antídoto que nós precisamos depois das aventuras mais higiênicas da Marvel/DC (impedidas de chocar para obter a censura branda). Destaque à seleção musical, à fotografia estilizada, embora em alguns casos escura demais, e ao romance central entre Hugh e Annie, construído em torno de um clichê (um segredo a ser revelado), porém desenvolvido autenticamente além deste.
Fleabag (2ª Temporada)
4.7 889 Assista AgoraÉ muito comovente reconhecer como as consequências das ações e decisões de Fleabag repercutiram dentro de seu estreito círculo familiar e de seu eu interior a ponto de a nossa heroína ter encontrado o caminho de pedras, por entre seus erros, para amadurecer, sem perder a essência que a torna autêntica. Saber enxergar para trás é um bom começo para andar adiante, e Phoebe Waller-Bridge aprendeu que não existe cura sem tratamento (não importa qual seja), não existe aproximação sem que baixemos a guarda. Isto não modifica o fato de que Fleabag guardou todo o amor que tinha pela mãe à irmã, a quem devota sua vida, ou ressente a madrasta, apesar de ser apta a enxergá-la de maneiras diferentes.
A série ganhou bastante com a adição de Andrew Scott, que cria o contraponto emocional à Fleabag, até pela maneira com que enfrenta as próprias dúvidas conservadas dentro de si, usando a fé como o calmante para suas inseguranças. E não que Fleabag necessite de religião, como deixa bem claro, é a espiritualidade que tem a lhe ensinar. Mas não apenas ela, como também as participações marcantes de Fiona Shaw e Kristin Scott Thomas, que é dona do melhor monólogo da temporada, aquele que relaciona a dor inata à ser mulher. Não existe maior elogio a ser feito, além da constatação de que a série recompensa, ouso dizer integralmente, nosso investimento emocional na protagonista e na reconciliação que merece. Consigo, em primeiro lugar, e depois com todos. Um desfecho satisfatório a ponto de não exigir continuações... embora, notícias recentes assegurem que Phoebe e Amazon não fecharam a porta a uma eventual terceira temporada.
The Romanoffs (1ª Temporada)
3.8 24O conceito é delicioso igual a toda a série: empregar a nobre e aristocrática família russa para narrar dramas corriqueiros que bolcheviques e plebeus enfrentam desde de sempre, para sempre. Também serve como brincadeira à quantidade de pessoas que afirmam ser herdeiros dos Romanoffs, cada um estrelando um episódio / telefilme cômico e dramático com uma mínima conexão entre si.
Cada capítulo é prazeroso, com tramas construídas paciente e cuidadosamente a fim de aproveitar ao máximo, seus personagens, interpretados por atores / atrizes competentes (Aaron Eckart, Diane Lane, Kathryn Hahn são alguns dos muitos escalados pelo diretor e criador de Mad Men, Matthew Weiner). Os diálogos são sofisticados o bastante para que soem presunçosamente reais, ainda que com o pé fincado no contemporâneo, corriqueiro e acessível. É como assistir a 8 filmes em uma minissérie, que cativa, envolve e propõe a sua dose de reflexões e dramas para serem sentidos e chorados. Eu curti bastante.
La Casa de Papel (Parte 3)
4.0 637Parece que o mundo real invadiu esta temporada. Não quero dizer que o roteiro está mais realista ou verossímil, mas que o criador Alex Pina incorporou de vez a adoração do fã da série como verdade absoluta, alçando a equipe do Professor à condição de Robin Hood e a máscara de Dali à versão espanhola de "V de Vingança". Tudo isto quando lhe convém, pois desde o princípio, nunca houve altruísmo nas ações do Professor e sua equipe, nem tampouco o sentimento anárquico contra o tal Sistema, somente um cálculo baseado em ganância e vingança. E, calculista como é, Alex Pina também dá um jeito de "ressuscitar" o favorito do público Berlim (dói escrever isto sobre um estuprador...), em uma trama que existe tanto no passado quanto no presente.
As intercalações de flashbacks explicativos diluem o fato de que muito ou nada na trama faça o menor sentido se parássemos para pensar melhor, do maquinário de centenas de quilos usado para penetrar no cofre do Banco da Espanha à construção de forja no tempo recorde de 4 horas. Contudo, o pior é quando a trama abraça o novelesco sem pudor. Não há mal nisto... na narrativa correta, e "La Casa de Papel", que pelo gênero deveria ser inteligente e desafiar a percepção do espectador, é o equivalente ao sujeito que inventa títulos PhD no currículo para posar de esperto. Se fosse mesmo, levaria o roubo a sério, e não procuraria introduzir DRs (sim, usei o termo numa crítica!) ou críticas sociais válidas, mas forçadas, nas vezes em que não sabe para onde andar com a trama. Os 10 minutos finais seriam até empolgantes, se eu houvesse me envolvido com os personagens a ponto de sentir as consequências de suas próprias ações. Ao menos pude assistir a um sujeito nadando no interior de um cofre. Isto é inédito.
Big Little Lies (2ª Temporada)
4.2 480Se necessária ou não, um questionamento a ser feito não por nós, mas por produtores, o fato é que a segunda temporada de BLL demora uma eternidade até se encontrar a ponto de ser tarde demais para remediar sua inconsistência e inconstância. As subtramas vêm e vão, mas nenhuma gruda de verdade no coração: temos Madeline tentando se reconciliar com o marido, Renata descobrindo a falência do marido, Bonnie lidando com o trauma de haver sido ela a empurrar Perry e Jane, pobre Jane, abandonada de uma vez por todas pelo roteiro mesmo que as feridas do estupro permanecem abertas. De relevante mesmo, a trama central envolvendo a disputa entre Celeste e sua sogra, Mary Louise, pela guarda dos filhos / netos e a descoberta dos atos monstruosos de Perry.
E se não fosse pelo embate sistemático entre Nicole Kidman e Meryl Streep, a temporada seria um incômodo desastre. As atrizes, bem como Laura Dern, aproveitam cada instante para tornar suas personagens mais memoráveis. Meryl, então, não pode sentir a câmera em sua direção que já começa o show de atuação. Elas ajudam a suportar um roteiro mal desenvolvido e mal amarrado que, ao menos, tem a seu favor a conclusão decidida em sororidade. A fotografia também é charmosa, com luz e superexposição que revelam que as verdades estão vindo à tona, e os efeitos sonoros das ondas do mar contra as pedras retratam, com fineza, o tumulto interior de personagens que aprendemos a amar e que mereciam um retorno melhor.
O Homem do Castelo Alto (3ª Temporada)
4.2 75 Assista AgoraEm comparação com as temporadas passadas, é a que tem mais subtramas descartáveis ou, quando não, estendidas desnecessariamente para preencher tempo, MAS também é a que maior envolvimento emocional com perdas de personagens centrais. No seu centro, a trama anda firme e resoluta em direção à conclusão na 4ª temporada, estabelecendo qual o plano dos nazistas, as motivações de personagens importantes e passagens dramáticas que os enriquecem e como a revolução poderá batalhar para evitar mais uma tragédia. A fotografia continua evocativa e detalhista, com um sépia que às vezes confunde-se com o preto e branco estilizado e a carga intensa em sombras (com pouca esperança, portanto).
A ficção-científica detrás da série é esclarecida, tal como o recurso que permite existirem fitas de realidades alternativas, deixando guardadas somente as perguntas necessárias a serem respondidas na temporada final. Existem momento apoteóticos (e trágicos), como aquele que envolve um dos símbolos norte-americanos e, a sua forma, da humanidade. É uma série para apreciar como entretenimento e também reflexão, pois ao ter o nazismo como uma realidade possível, aprendemos a estar sempre vigilantes para qualquer tipo de governo ou movimento que tente nos privar das liberdades por que nossos antepassados lutaram tão bravamente.
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The OA (Parte 2)
4.3 4073 anos após assistir à 1ª temporada, minha percepção era a de tê-la apreciado mais do que, de fato, pus em palavras ao reler a crítica. Tendo amadurecido melhor na memória, esta série enigmática tinha como ponto positivo a forma como apresentava personagens resignados com a vida, mas dispostos a acreditar em um fio de esperança por mais que fosse improvável. Era uma representação da fé, portanto, o poderoso remédio contra as mazelas que afligem nossa rotina (veja que não cito religião, mas espiritualidade). E esta narrativa era mais inteligente por permitir que o espectador interpretasse livremente se a protagonista, Prairie, era o Anjo Original ou se isto não passava de delírio decorrente dos abusos que sofreu, contagiado aos demais suscetíveis a crer em qualquer coisa.
A 2ª temporada joga pela janela esta dúvida em troca do estranho como recompensa. Eu aprecio lacunas e tramas com possibilidades que dependem da vivência e valores de nós, tanto quanto gosto de como o cinema transgressor e bizarro de David Lynch conquistou a criadora Brit Marling. Os episódios são envolventes, em particular os últimos com duração mais cômoda, e admiro como todo o elenco respeita o encargo fantástico que poderia ser ridículo nas mãos erradas. Agora que sabemos onde pisamos em matéria da série, talvez possamos apreciar melhor o mistério a ser revelado nas já confirmadas 3 temporadas que restam. Ainda mais após a série penetrar, literalmente, no mundo real e metalinguístico do crer e fazer acreditar, mas comentar mais sobre isto seria entregar spoilers.
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Provas Suspeitas (1ª Temporada)
3.4 8 Assista AgoraDevo ser masoquista, pois adoro me torturar assistindo a séries que expõem erros crassos da (in)justiça. E esta série, nos seus quatro episódios, apresenta exemplos de como a ciência nem sempre está alinhada com a verdade dos fatos quando o assunto são crimes cometidos. Vídeos, padrões sanguíneos, cachorros farejadores e mesmo DNA podem ser usados, indevidamente, para aprisionar inocentes de crimes cujas circunstâncias apontavam noutra direção da investigação.
O melhor da série é seu formato: apresentar a ciência detrás daquela análise forense e como pode ser mal interpretada, não por maldade dos homens envolvidos (embora isto não seja descartado), mas por falha humana, antes mesmo de começar a penetrar no crime analisado. É um tanto superficial e até insatisfatório, em particular em como expõe os defeitos do sistemas judicial norte-americano, porém serve para quem, assim como eu, gosta de maltratar o espírito e desacreditar (mais) no espírito humano. Não na ciência, esta não mente. Nós que não sabemos lê-la.
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Stranger Things (3ª Temporada)
4.2 1,3KComo o conceito da série é resgatar a produção fantástica dos anos 80, nada mais do que normal que os comunistas malvados da União Soviética sejam escolhidos como os vilões na exploração inconsequente e inadvertida do mundo invertido, iniciada pelos capitalistas norte-americanos. A premissa do regresso à Hawkins é meio esfarrapada, é verdade, mas seu desenvolvimento, não. A estrutura subdivide os personagens centrais em grupos, bem construídos e delimitados nos primeiros episódios, e que vão se reunindo paulatinamente em direção ao catártico e tocante episódio final. Desta forma, o maior ponto positivo desta temporada é a paciência com que estabelece a dinâmica entre os personagens, ignorando a bagunça megalômana da anterior e se concentrando na máxima de que menos é mais.
Em compensação, o tempo narrativo continua a ser uma pedra no sapato dos irmãos Duffer que, novamente, desconsideram a sensação de que há subtramas que passam mais rapidamente do que outras embora durem, sem exceções, não mais do que uns dois, três dias. (Basta recordar a construção de Billy como avatar humano do Devorador de Mentes e notar como o tempo, para ele, é mais elástico). O roteiro também apresenta soluções fáceis, como achar que quatro rapazes entrariam com facilidade dentro de uma sala de comunicações bem vigiada ou então na ausência de alma viva no episódio final - mesmo considerando ser o 4 de julho. Aliás, onde estavam as autoridades americanas que permitiram a construção de uma instalação militar por russos dentro de seu solo de maneira indistinguível? O ato de repensar a série em retrospecto revela crateras no roteiro por que os seres do mundo invertido poderiam passar, mas nem isto é o suficiente para diminuir o apego da garotada de Hawkins e de como esta temporada, mais enxuta e objetiva, pega a gente de jeito pelo coração.
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