Lendo o nome de Joe Hill nos créditos, muitos podem ignorar que a premissa inspirada desta série adaptada da graphic novel homônima só poderia ser fruto da cabeça de um tipo igual a Stephen King, que é o pai de Joe. E que não desaponta quando o assunto é criatividade, já que ao longo de 10 episódios, descobrimos um mundo mágico de chaves capazes de abrir portas para onde desejarmos visitar, inclusive as nossas memórias, até mesmo invocar sombras ameaçadoras. A propósito, é uma delícia visitar universos iguais a este que nos recordam como é bom estar diante de uma obra original, não derivada de tantas anteriores. Assim, o ar desajuizado típico da infância/adolescência está combinado com a seriedade com que a família Locke tenta atravessar o luto pela perda do patriarca, e existe um esforço perceptível em preservar o equilíbrio entre estas influências, mesmo que a narrativa tropece muitas vezes em conciliar o tom. Aqui e ali, os jovens agem como se não estivessem diante de uma situação urgente e ameaçadora.
Muito por causa da atuação de Laysla De Oliveira, que cria uma vilã que nos convence de seu propósito maligno apenas pelo modo como caminha e encara as vítimas em potencial. Seu empenho é rivalizado por momentos, que confesso não serem tão frequentes quanto eu desejaria, de desenvolvimento dramático da família Locke em torno de suas tragédias - além da familiar, a íntima também. O modo como Emilia enfrenta literalmente seus medos ou como Tyler confronta um ex-amigo a fim de remover um peso que carregava sobre as costas, até Bode (que você deverá recordar como o Georgie de It - A Coisa), que vive um típico garoto do cinema de fantasia dos anos 80, encantado com as possibilidades diante de si, que mal enxerga que também há uma parcela de maldade naquilo tudo (o "sabre de luz" multicolorido ou as referências a Nárnia ilustram sua inconsequência diante de tudo o que acontece). É uma série divertida, agitada, amedrontadora e com possibilidades, além das apresentadas nesta satisfatória história de origem.
Inconformado com a morte do filho e ainda em assistir a jovens enveredando o mesmo caminho letal das drogas, o farmacêutico Dan Schneider fez o que 99,9% das pessoas não fazem ante a injustiça: arregaçou as mangas e agiu, ao invés de apenas lamentar e ignorar o meio onde vive. Heroico a ponto de ser obsessivo e invasivo, Dan gravava as autoridades de quem cobrava providências e os clientes da farmácia onde atendia de um modo paranoico, eu diria. Isto, porém, não apaga como Dan ajudou a comunidade onde habita a reconhecer a crise dos opioides.
Entretanto, nem tudo são flores, pois a minissérie documental está construída em torno de excessos descasados do tema central: a responsabilidade de uma corporação química em povoar o mercado com medicament... digo, drogas pesadas, lucrar bilhões com isto para, após, lavar as mãos de seus crimes, culpando usuários e médicos. O primeiro episódio é, p. ex., a narração da solução de um caso de polícia, que não ajuda o desenvolvimento da série senão em expor o comportamento de Dan até as últimas consequências. Se a estrutura não é das mais engenhosas, sobra o desejo de acertar da dupla de diretores em sua missão de expor o mercado de opioides e como é fácil subverter o consumo somente diante dos lucros que a comercialização proporciona. Ah, lucros, que cegam uma das vilãs da narrativa - cuja participação é, para dizer o mínimo, chocante por ser imprevisível - ou mesmo o dono do estabelecimento onde Dan trabalhava, pois a presença do farmacêutico inibia a compra pelos jovens - as vítimas óbvias - ou restringia apenas aos casos em que fosse mais recomendada. Eu adoro séries que desmascaram corporações e empresários desonestos pelo que são, abutres devorando carne humana em busca dos trocados que aumentarão sua fortuna, e mesmo que a justiça humana às vezes tarde ou falhe, difícil não reconhecer o poder mínimo que tem a exposição de uma história obrigatória igual a esta. Obrigado, Dan!
Chega a impressionar o desserviço que minisséries de mistério iguais a esta fazem com o suspense. Parece que o desejo é somente manter o espectador preso no binge-watching, por razão outra que não a ansiedade pelo final. Pouco importa se o desenvolvimento da trama faz algum sentido. Ou se os personagens serão desenvolvidos apropriadamente ou se iremos nos importar com estes à medida que a trama avança. O importante é saciar a nossa curiosidade com reviravoltas e, enfim, com desfecho, revelando muito a respeito de como seus realizadores enxergam a sociedade contemporânea: pessoas imediatistas que tão logo devorem a conclusão de algo, já estão na expectativa para o que virá após, como se o ato de fechar o livro (ou desligar a televisão) não devesse provocar consequências no leitor (espectador).
Com seu visual desinteressantíssimo (fotografia e direção pedestres, preocupados com o mínimo: enquadrar o ator, iluminá-lo e gritar "ação" e "corta"), os personagens criados pelo novelista de suspenses-B Harlan Coben (que ano passado teve o nome associado a outra produção meia-boca, "Safe") habitam em bairros de classe média alta e ostentam luxos, até ser revelado que suas vidas foram construídas com a argamassa dos segredos. Não é a toa que, lá no meio, uma demolição expõe o que estava abrigado em suas paredes. É que demolir é a etapa inicial para reconstruir (= recomeçar), desta vez de forma honesta e moral. O dilema é: viver na ignorância ou na mentira ou abrir os olhos, por mais doloroso que isto seja, à verdade? A trama é engenhosa em misturar subtramas tangenciais, não necessariamente interconectadas, porém as atuações canastronas, os diálogos ruins e a impressão de que apenas o final irá salvar 8 episódios do marasmo são o gosto amargo que fica ao final.
Um antídoto depois que A Ascensão Skywalker encerrou com notas amargas uma saga que se estendia por 4 décadas, esta série resgata o que existe de engenhoso, fantástico e atraente no universo Star Wars. Com muitos efeitos práticos coexistindo com CGI, design de criaturas que demanda o trabalho de maquiagem cada vez melhor e a direção de arte plural, O Mandaloriano devolve a franquia ao simples: em vez da confusa trajetória familiar de Jedi e Sith e a política do Império contra República, uma história básica, o que não significa que não seja satisfatória, sobre o heroísmo relutante de quem coloca o próximo a frente de seus próprios interesses. Convenhamos, um tema que necessitávamos.
Com heroísmo, há também sacrifício. E como a construção dos coadjuvantes e figurantes funciona na maioria das vezes, passamos a nos importar com estes que gravitam ao redor da órbita do caçador de recompensas e da Criança que decide proteger. Com seus olhões de mangá, dentinhos salientes e o visual remissivo a um dos personagens mais icônicos da ficção-científica, o "Bebê Yoda" é irresistível a cada cena em que aparece, não apenas por sua função "fofa", mas também pela participação narrativa de um super-ser ainda em contato com a Força que existe dentro de si. Já Pedro Pascal tem a dificílima tarefa de atuar apenas com o tom de voz (ainda por cima, digitalmente alterado, o que torna mais complicada sua missão) e o corpo para criar um personagem que remete, claro, a Boba e Jango Fett, embora não pudesse ser mais diferente. E com episódios no tamanho certo e, salvo uma barriguinha no meio em episódios que parecem apenas preencher tabela, esta série é um sopro de alívio para quem deseja consumir, com qualidade, sua dose anual de Star Wars.
Se for para colocar os pingos nos “is”, esta série nórdica é a típica história de origem de um super-herói (no caso, um deus) descobrindo ser dono de poderes inumanos que deverão ser usados para enfrentar aqueles que ameaçam a existência humana. Referida ameaça não é, na maior parte do tempo, direta, corroendo a base da sociedade a partir da destruição do meio ambiente e da opressão de muitos para que poucos usufruam o bom e o melhor no topo de seu Olímpio. Opa, eu misturei as mitologias! Mas isto é culpa da narrativa que afrouxa o que deveria ser seu ponto forte para cuidar de temas menos relevantes ou mal explorados: o amor adolescente não correspondido, a frustração de não usufruir as riquezas que acreditava dever possuir, a rejeição da identidade. E não está errado quem comparar a série à Crepúsculo, em como transforma seus seres milenares em sujeitos mimados, irresponsáveis e inconsequentes a ponto de a sequência final do terceiro episódio ser constrangedora em sua execução.
Não ajuda que o protagonista David Stakston seja apático enquanto, erraticamente, descobre quem é na realidade. Um bruto de bom coração, o ator que vive Magne (ou Thor) apresenta dificuldade em expressar sua confusão a respeito de seus sentimentos, de forma que quando confessa seu amor a uma colega, permanecemos surpresos com a ousada declaração, pois não esperávamos isto de um sujeito nitidamente tímido e retraído. Jonas Strand Gravli não está melhor: seu Laurits é mentiroso e oportunista como imaginávamos de Loki, mas, diferente de Tom Hiddleston, cuja inveja e ressentimento eram os motores de sua inadequação familiar, estamos apenas diante de um “aborrecente” com delírios de grandeza. Não é a fotografia dos fiordes noruegueses nem as promessas que a temporada inicial realiza que alterará que esta é mais uma série que desperdiça a premissa intrigante por aquilo que já cansamos de assistir... em versões melhores.
Certas séries curtas passam a impressão de que sua história seria melhor servida caso optassem pelo formato de longa-metragem, e esta utopia orwelliana é exemplo disto. Ao tratar de uma sociedade em vigilância constante como forma de enfrentar os altos índices de criminalidade, a série de Pedro Aguilera priva os personagens do direito à privacidade e estabelece temas de discussão que casam muito bem com a realidade brasileira, como a necessidade de a corporação central (o Sistema Onisciente) vender um produto a fim de atingir municípios que, ainda, não compraram a proposta. O que ganham em troca? Todo o orçamento de segurança pública. E o roteiro, embora remeta ao conhecido paradigma do sistema - quando um defensor do status quo precisa ir contra a malha defendida após sofrer uma injustiça - faz o trabalho bem em explorar os benefícios e vulnerabilidades que a onisciência possibilitaria à sociedade.
Carla Salle está muito bem em conciliar o desejo de integrar a corporação - estimulada pelo pai - e o emprego de seu conhecimento especializado em informática para burlar o sistema e empreender sua investigação. As escolhas da personagem já proporcionam oportunidades para que Carla explore decisões negativas - traições, manipulações etc - para obter um resultado positivo. Porém, o roteiro às vezes exagera ao revelar como o sistema que deveria ser próximo ao perfeito tem DEZENAS de falhas evidentes e que tornam inverossímil como ninguém até então haver explorado. Além disto, não faltam diálogos exagerados, como aquele que põe Nina e o irmão diante de seu algoz. Ainda assim, as cartas são reveladas e o gancho deixado para a continuação é satisfatório o bastante para curtir mais esta ficção-científica nacional. Preferiria que fosse um longa condensado, porém.
Contemporânea, Sex Education entende o que muitos defensores da moral alheia falham em cogitar em suas mentes minúsculas: ensinar sexualidade para jovens é uma resposta ao sem número de questões que estes vivenciam em relação ao próprio corpo e desejo e um instrumento importante para reduzir cenários negativos (DSTs, gravidez indesejada na adolescência etc). E a série encontrou em Michael Groff o melhor tipo de antagonista que há: o sujeito que de tanto reprimir o que sente, acabou por crer ser sua cruzada impor isto aos demais, mal notando a infelicidade que provoca dentro da família. Abstinência não é a resposta; conhecimento, sim. E auto-conhecimento, inclusive.
A temporada, portanto, reafirma o talento da série em tocar em temas delicados (mas que deveriam ser normais) com bossa e tato, tratando temas que, para uns, seriam tabu, com naturalidade. Seu elenco plural coloca letra maiúscula em Representatividade, e, por mais que, eventualmente, pareça inverossímil que tantas pessoas diferentes dividam a mesma escola e mantenham um tratamento digno e não discriminatório uns para com os outros, é compreensível que a série adote este otimismo e evite problematizar certas questões que fugiriam ao tema central da narrativa. As atuações permanecem em um nível elevado, as decisões estéticas (desde a cena inicial envolvendo a rotina de auto-amor de Otis) são inteligentes e descoladas sem esquecer de manter o pé na narrativa, e a trilha sonora é a cereja no bolo da temporada que ensina muito sobre nós e sobre como deveríamos lidar com o próximo.
Esta série de terror holandesa tem potencial para explorar melhor seus temas. A frente da narrativa está Rosa, uma mulher fora dos padrões da sociedade secreta que dá nome à série e que age não de modo trivial, mas fora da caixinha. Ao enxergar em Ares a chance de ser mais do que sua posição social lhe permitiria ser, Rose aproxima-se do conceito de anti-heroína, capaz de passar por cima de quem seja para alcançar seus objetivos. É bom acompanhar uma personagem assim, que desafia a percepção do público e exige que nós criemos laços com quem cujas atitudes não concordamos inteiramente. Motivo para isto não lhe falta, é onde entra o aspecto histórico da série, associada ao passado colonialista holandês e com o qual conversa, comentando simbolicamente as razões de termos classes mais abastadas do que outras.
Estilisticamente, a série também é sombria e evocativa em como remete a filmes como "De Olhos Bem Fechados" e sabe construir tensão a partir de planos estáticos, em que podemos apreciar com calma o design de produção (muitas vezes simétrico). Faltou-lhe porém uma direção segura para guiar a narrativa do início ao fim, dissecando com mais profundidade seus elementos centrais, o que fica difícil com um roteiro despreocupado em responder as perguntas mais elementares que possamos ter. Ficamos mais na sensação e antecipação do que na realização, embora isto não signifique que #Ares não tenha pano para manga em temporadas futuras.
A história do astro da NFL Aaron Hernandez é cativante para quem gosta de crimes reais. Alcançando um status impressionante apesar da idade, o jogador terminou acusado pelo assassinato do namorado de sua cunhada, e isto desenterrou seu passado inesperado e traumático. Como houve uma ampla e ostensiva cobertura midiática do caso, havia bastante conteúdo com que o diretor Geno McDermott pudesse trabalhar, e isto acaba tornando prolixa a narrativa. Aqui, estamos discutindo a infância de Aaron; ali, como a morte prematura de seu pai e seu relacionamento com a mãe atrapalharam seu desenvolvimento humano e social; sua orientação sexual também emerge na discussão com críticas à liga norte-americana, assim como a ligação do esporte à ETC, uma doença degenerativa cerebral provocada por colisões.
Muitos elementos na discussão desviam o foco daquilo que mais importa: o interessante e trágico personagem central. No entanto, ao longo de três episódios mais inchados do que o necessário, podemos criar alguma empatia com Aaron, embora nada viria a justificar as suas ações. Não chega a ser um mergulho prolífico na mente perturbada deste homem, embora almeje ser, nem nas minúcias do julgamento, cujos trechos são os momentos mais interessantes da narrativa (como as sucessivas olhadelas sobre o ombro, enquanto uma figura paterna de Aaron no esporte chegava para testemunhar). De toda maneira, são 3 horas que permitem que estejamos mais familiarizados com o ser humano e este caso recente e emblemático da justiça norte-americana.
Por gostar de suspenses investigativos, eu talvez tenha aceitado as conveniências do roteiro desta minissérie com maior facilidade. Ele não é mais do que medíocre, infelizmente. Desde o princípio, prevíamos que um personagem apontado como o suspeito não seria o culpado, embora fosse uma trilha investigativa que a narrativa desse mais atenção do que deveria. A própria estrutura já antecipava onde está o culpado que demoramos 8 episódios para conhecer, afinal, ninguém daria tanta atenções a certos personagens se estes não fossem substanciais na solução final.
Também me incomodou nossa falta de contato com os podcasts de Poppy Parnell, que é muito bem sucedida nisto, embora o roteiro evite se aprofundar nesse mundo a ponto de não fazer diferença alguma a mídia onde ela trabalha. Poderia ser jornalista, poderia ser detetive, ser podcaster não representa nenhum adicional além da contemporaneidade à personagem. É uma pena também que muitas linhas narrativas são encerradas com um desmazelo, e vocês chegaram a pensar nas consequências a um paciente acamado que dependia de uma pensão mensal? O que salva? Octavia Spencer e Aaron Paul são joias boas de se assistir e, nem que por acidente, os episódios em duração enxuta ajudam-nos a nos envolver mais com um suspense que, porém, poderia ser melhor bem realizado caso se importasse mais com seus personagens, as consequências de suas decisões e os mundos em que vivem. Sem isto, é apenas um passatempo esquecível para quem gosta do gênero.
Passada a era do monstruoso Nosferatu de Max Schreck ou do diabolicamente sedutor Drácula de Gary Oldman, a repaginada do vampiro icônico de Bram Stoker tem em Claes Bang uma escolha ineficiente: seu semblante curioso e dominador até relembra a criatura secular, admiradora de arte e do ser humano em geral, porém existe um senso de humor que não encontra no ator o macabro ou ácido, apenas o humor involuntário. Isto também vale para Dolly Wells, que falha em descobrir o tom adequado para interpretar a lendária Van Helsing. Falta de tom, a propósito, é o que a série tem em desvantagem, preferindo ser o terror-B kitsch (= brega) do que investir no que torna Drácula um mito literário que inspirou uma geração de fãs.
Enquanto o primeiro episódio aparenta às vezes ser promissor, sobretudo por se manter fiel ao livro, o segundo aposta em maus efeitos especiais e decisões muito equivocadas (afinal, até quando iremos retratar personagens jogando xadrez como se isto fosse um indicador obrigatório de sua inteligência?). Mas nada me preparou para o último capítulo: seu conceito inicial é intrigante, embora a execução provoque o misto de incredulidade e de vergonha alheia. E aí somos bombardeados com diálogos horrorosos (queria poder compartilhar o meu favorito, porém aí estaria soltando um spoiler), uma construção toda desastrada e um desfecho surreal de decepcionante.
Pouca patinação artística e profundidade na caracterização do transtorno bipolar, muito melodrama novelesco. O roteiro da série encabeçada pela eficiente e envolvente Kaya Scodelario desliza em direção ao drama adolescente a todo momento, estabelecendo relacionamentos superficiais e inconstantes a partir de quem está afim de quem e quem transou com quem ou de competidores que não pestanejam em fazer cara de birra para seus desafetos. Quando se aproxima das temáticas mais relevantes, como o racismo institucionalizado ou o relacionamento mãe e filhas e destas entre si, resolve apostar em clichês já vistos em outras oportunidades de forma melhor, apenas chovendo no molhado.
Onde deveria haver personagens envolventes, estão estereótipos que sequer superam seu drama particular (acredite, todos têm problemas para dar e vender), estão diante de outro menos convincente, alimentando a sensação de que existe muito acontecendo, quando na realidade só existem problemas mal resolvidos varridos debaixo do carpete. Aspirando a ser um Cisne Negro, particularmente na forma com que almeja abordar a doença psíquica da protagonista em torno de sua obsessão pelo ringue de patinação e a relação problemática consigo e com a mãe, Spin Out está mais perto mesmo de ser uma cópia de Malhação. Com a diferença de que ser estrelada por uma atriz talentosa como é Kaya.
Sentirei falta da doce e cativante ingenuidade com que Anne e os seus enxergam, pelas lentes de ontem, os mesmos problemas do mundo de hoje, expandidos com a adição de questões fora do centro feminista (daí a inclusão de subtrama de nativos-americanos ou maior atenção a Bash e sua família). A constatação é melancólica, pois se Anne enfrenta com as armas que tem problemas atuais no passado, isto só significa que permanecemos caminhando em círculos ao redor de nossa própria (des)humanidade, embora contagiados por sua paixão vibrante por um mundo ideal. Estão também contagiados quem permanece a seu redor, e é bom chegar ao fim sabendo que os personagens caminharam adiante não para trás (ainda que não no mesmo passo de Anne).
Amybeth McNulty é o coração de uma série que, mesmo quando cria conflitos somente por hábito, já que são resolvidos com facilidade e uma conversa minutos depois (tipo as brigas com Marilla ou Diana), reconhece que o inconformismo da protagonista com este meio onde vive acaba sendo sua locomotiva emocional. As cores calorosas intercaladas com as sombras onde os homens maquinam seus planos, a sensação de aconchego um pouco após termos sofrido e chorado por dentro com Anne, o ambiente de uma Green Gables que tem a sorte de ter em seu meio alguém capaz de mudar a dinâmica somente com ideias chamadas progressistas (= igualdade e respeito), quando estas deveriam ser reconhecidas só como o que são: humanas. Uma pena que algumas subtramas não têm seu desfecho adequado com a despedida de uma série que até tem defeitos, facilmente eclipsados pelo sol que Anne representa.
Precisaria de mais espaço para comentar tudo que gostaria sobre a série âncora da Apple+. Sua discussão sobre o movimento Me Too dentro dos corredores de grande conglomerado da mídia permite que entendamos que, na maioria das vezes, assédio veste máscaras sutis para não parecer abuso (cito o brilhante diálogo entre os amigos Steve Carell e Martin Short para entender como os predadores não são iguais). Além disto, ao tratar do tema dentro de uma queda de braços por poder, é fácil perceber o motivo por que algumas mulheres se omitem de enxergar as coisas como ela são ou enxergar a cumplicidade masculina que permite que um ambiente de trabalho vire um espaço tóxico. A série é cirúrgica, realiza a maior parte das perguntas certas e evita a banalização do tema, guardando revelações mais chocantes para episódios futuros.
A escolha de Steve Carell, a propósito, torna a série ainda melhor, porque sua aparência simpática serve de contraponto aos seus atos monstruosos (e sempre é gostoso assistir ao ator fora de sua zona de conforto). Já Witherspoon e Aniston estão em sintonia, ainda que esta última apele demais aos trejeitos da Rachel Green em uma série que NÃO É DE COMÉDIA (a cena, nos dez minutos finais, em que Aniston corre atrás de Witherspoon de braços balançando no lado do corpo é vergonhosa). A série também tem muitos excessos - como o namoro entre Yanko e Claire, mais uma tentativa de a série dizer "Olha, também tem relações saudáveis dentro das empresas" - e poderia investir melhor na excepcional e tocante Hannah (vivida pela incrível Gugu Mbatha-Raw), mas os episódios finais, uou, dão a sensação de estarmos presos sob a água, até conseguirmos subir a superfície e respirar uma breve e aliviante lufada de ar.
Mais enxuta e movimentada do que a temporada anterior (ao todo, são cerca de 2 horas a menos), esta sequência marca nosso reencontro com a família Robinson da Júpiter 2 com a determinação de manter o espectador aflito até o último momento, antes de um salvador intervir e salvar, mais uma vez, os heróis do perigo. Por causa da frequência, acaba sendo um recurso narrativo apelativo, produto de um roteiro que é menos inteligente do que acha ser e mais compromissado a desafiar sua lógica para criar cenas de ação empolgantes. É, contudo, uma melhora nítida comparada com a temporada passada, permitindo que seus personagens sejam desenvolvidos à medida que enfrentam os muitos perigos diante de si e sem abusar de flashbacks e diálogos expositivos para isto.
O centro emocional da série permanece sendo a família, cujos membros são as peças de uma máquina funcional que produz soluções de acordo com o pareamento proposto pela narrativa: a genialidade de Maureen com o coração menos infantil de Will, o pragmatismo de Judy e a determinação de John, ou o bom humor de Penny e a coragem de Don West. As combinações funcionam porque estão sempre em constante amadurecimento, e ainda que canse que os Robinson confiem, meia dúzia de vezes, na engenhosa e manipuladora Dra. Smith, é interessante que as circunstâncias em que isto acontece são modificadas. E, por fim, o relacionamento de Will e Robô, mais determinístico, um último episódio para lá de excitante e os efeitos especiais deixam um saldo positivo na aventura futurista de uma família que apenas está perdida no espaço quando os seus não estão juntos.
Sabe-se lá qual seja o motivo por que nós, espectadores, somos fascinados por figuras perturbadoras como Luka Magnotta (parecido com um Ken humano) e crimes reais que desafiam nossa compreensão de humanidade. Talvez isto crie a falsa percepção de que somos bondosos e incapazes de cometer as atrocidades retratadas, de que, no final das contas, podemos retornar à bolha em que vivemos depois de espiar o que existe de pior dentro de cada um, nossa capacidade para o mal inato e inexplicável. É como surfar das páginas coloridas da internet em direção ao buraco negro da deep web (se bem que hoje, basta acessar as redes sociais para obter o mesmo efeito), uma viagem sem volta em um documentário envolvente, enxuto e que ainda revela a capacidade investigativa (ou de se alimentar de iscas) de detetives improváveis protegidos detrás do computador.
Como a trama se desenrola desafia nossa capacidade de antecipação, assim como seu desfecho questionável, que tenta dividir a responsabilidade da criação de monstros com arte e mídias, quando na verdade é exclusivamente daquele que comete os atos citados. Permanecemos na posição defensiva, esperando uma reviravolta na forma de entrevista com um membro da família ou insights que deixamos passar nas provas (como um close dado em um momento específico do primeiro vídeo). Existem perguntas sem respostas, hipóteses assumidas pela direção de Mark Lewis não necessariamente demonstradas a ponto de não termos dúvidas, porém no geral, é um documentário de 3 horas assustador e impossível de não ser devorado numa mordida só.
Eu já achava a produção de 2007 bastante decente e atraente, apesar de soterrada pela overdose de adaptações young adult, então a série revelou ser particularmente cativante em sua tentativa de expandir o universo criado por Philip Pullman, preenchendo lacunas que não poderiam ser preenchidas em apenas 2 horas e oferecendo um multiverso mais consistente e melhor acabado do que antes. Sua temática também é madura e cristalina: uma crítica ao obscurantismo / alienação desejado pela religiosidade, cujas igrejas (ou Magistérios) desejam ter o monopólio do conhecimento para pastorear seu rebanho de fiéis. No lugar, o que Asriel busca é a iluminação, a democratização do conhecimento e isto sem abrir mão da espiritualidade que, na narrativa, é simbolizada pelos daemons.
Dafne Keen oferece uma performance totalmente diferente daquela que a apresentou ao público em Logan, e já prova que é uma atriz merecedora de atenção, alternando entre a curiosidade que a define e a tragédia e responsabilidade que existem em sua jornada. Já o elenco adulto é consistente, com uma participação calorosa de Lin-Manuel Miranda, um destes intérpretes que conquistam o espectador com um sorriso e aquele jeitão de artista clássico da Era de Ouro de Hollywood. Com uma trilha sonora empolgante - costumo citar que clássicos do cinema e televisão precisam de uma trilha idem -, fotografia sombria não a ponto de ignorar a fantasia da trilogia Fronteiras do Universo e ambição acima da média, His Dark Materials ainda dá alô a outra série young adult: Desventuras em Série, ao revelar como as crianças (nossa geração) acabam vítimas dos pecados de nossos pais (a geração passada). A estes, recordo o poeta Bob Dylan: saiam da estrada nova, se não puderem ajudar a construí-la. E se eu citei Dylan, a série deve ser boa mesmo.
Difícil manter o senso crítico inabalável quando somos bombardeados pelas opiniões de canais de séries comentando sobre The Witcher, que ainda tem a seu favor ser baseado num livro e, depois, jogo de videogame com base sólida de fãs. Parece até heresia falar algo que seria óbvio, como a dificuldade (ou impossibilidade) de firmar a menor empatia com a série quando esta é cheia de atores inexpressivos e emocionalmente engessados, a começar por Henry Cavill, que torna Geralt no anti-herói menos agradável da televisão, julgando pelos grunhidos, pela dicção rouca e pela incapacidade de ter, dramaticamente, o que oferece fisicamente naquilo que a série tem de melhor: seus duelos sanguinários e violentos. Assim como ele, Anya Chalotra e Freya Allan também são incapazes de tornar suas personagens em algo mais do que jovens mulheres calejadas pela percepção e/ou escolhas dos outros.
Pior: a estrutura da narrativa ainda tenta vender a ideia de que a série é mais inteligente do que parece. Suas três linhas do tempo que, eventualmente, se encontrarão são mais confusas do que engenhosas, evidenciando ainda o caráter episódico da série que trata sobre um grande evento (a invasão de Nilfgaard) que fica a margem e refém dos contos estrelados por Geralt. "Márcio, mas é assim que é o livro!", dirá o fã mais ardoroso, para quem responderei pela enésima vez: nem sempre o que funciona na literatura, funciona também no cinema, artes diferentes desde a concepção. Se a literatura é uma arte mais subjetiva, em que nós concretizamos o mundo idealizado pelo autor, o cinema, porém, proporciona apenas a visão de seu criador. E a do mundo de The Witcher está longe de ser satisfatória até para quem está em crise de abstinência do gênero fantástico.
Esta série de mundo alternativo (como era O Homem no Castelo Alto) recompensa quem está familiarizado com a corrida espacial a partir de documentários como "Apollo 11" e "Mercury - O Espaço é Delas" e apresenta o que seria do mundo se a União Soviética vencesse os EUA. Se o 'se' é um troço fascinante quando explora as possibilidades que a história nos negou - e como isto interferiria, inclusive, nas eleições presidenciais norte-americanas e mesmo na Guerra do Vietnã -, melhor é ver o empenho da equipe em criar uma série instigante do princípio ao fim até quando os episódios parecem mais extensos do que deveriam ser. Seu roteiro tem alternativas que, confesso, desafiam o bom senso ou a verossimilhança, embora convençam na dramaticidade que proporcionam. Assim, ainda que possamos torcer o nariz para os treinamentos-relâmpago de astronautas, nós aceitamos esta licença poética porque, dentro da trama, tais recursos funcionam.
Tudo melhora quando a série debanda para o espaço, respeitando a física (então, nada de sons no vácuo, senão bem específicos quando há ar ou vibrações) para estabelecer cenas de ação empolgantes que nos deixam na beira da cadeira. Além de tudo isto, o roteiro arregaça as mangas e entende como as perdas que deixa no caminho são as pedras necessárias para construir uma estrada em direção à Lua e ao espaço como um todo.
Sou um defensor da adaptação cinematográfica de Zack Snyder, particularmente como altera o desfecho da HQ para algo menos, digamos, cefalópode e mais verossímil no contexto narrativo. Contudo, sempre tive a curiosidade de assistir a uma chuva de lulas (de sapos já vi), e esta série não somente evita tornar este incidente meteorológico na baboseira que poderia ser nas mãos de alguém menos habilidoso,como também amarra sua narrativa à tensão racial atual americana, com o fortalecimento de grupos supremacistas neonazistas que se sentem“inferiorizados” desde que os escravocratas sulistas perderam a guerra civil.Como racismo mexe com meu brio, a série apertava meus botões da raiva aqui pela ação dos que se apropriaram de um símbolo da justiça (a máscara de Rorschach)e, ali, do prazer e satisfação ao oferecer a resposta que um racista merece, ao mesmo tempo em que valoriza o trabalho policial digno e honesto. Com o roteiro bem arquitetado, possibilitando que as interrogações que tínhamos no início e as linhas de tempo paralelas sejam amarradas e resolvidas satisfatoriamente, sobra espaço para atuações maiúsculas que atravessam o espectro da seriedade e comprometimento de Regina King e Tim Blake Nelson à arrogância com certa comicidade de Jeremy Irons (que é perfeito como Ozymandias) e Hong Chau. E a série proporciona episódios que beiram o brilhantismo, como aquele que retrata o encontro do Dr. Manhattan com uma personagem e um construído a partir do efeito da pílula chamada Nostalgia – que deveria ser apelidada de Empatia. Afinal de contas, somente quando nos colocamos na pele do próximo podemos entender seu sofrimento e sermos, de fato, chamados de heróis. E sabe o melhor?Ninguém precisa de máscara ou superpoder para isso.
No cinema e televisão, existem trama e narrativa, sendo esta a forma como a primeira é contada. Sim, sem as elipses (= os saltos temporais através de linhas narrativas), seria mais fácil digerir a lógica que rege a rebelião de Dolores e Maeve ou o despertar de Bernard e do Homem de Preto etc, mas seria tão prazeroso quanto? Com uma lógica parecida com a que Lost introduziu nas séries, cada episódio tenta estabelecer seus personagens centrais e prepara o terreno para o inevitável embate, proporcionando questionamentos que, talvez, pareçam improváveis no primeiro momento, embora permitam que a série amadureça e evolua em seus temas. Além do existencialismo da temporada inicial, uma parte do que compõe a humanidade, o livre arbítrio, desempenha um papel crucial agora, pois todos os personagens são construídos em torno de algo inato que pode ou não haver sido inserido artificialmente dentro de suas cabeças. Afinal, o que move os anfitriões: seus desígnios autônomos (violentos, majoritariamente) ou aqueles adicionados em seu algoritmo? Afinal, faz diferença se foram eles ou os ‘deuses’ criadores que decidiram seus rumos?
Podemos até questionar se o roteiro (da série) resistiria à análise retrospectiva, e só o fato de inserirmos esta questão já demonstra a possibilidade de haver furos, por outro lado, se devoramos cada episódio com atenção redobrada por um trabalho de elenco impecável e alternativas que, confesso, jamais teria imaginado para uma continuação, é sinal de que o trabalho continua em um nível alto em comparação com a maioria do conteúdo existente na televisão. Existe uma cena pós-créditos que revela o destino do Homem de Preto / William.
Se a sensação deixada por boa parte da temporada é a de que não parece mais haver um obstáculo a ser derrubado por Midge Maisel, incapaz de não oferecer uma performance extraordinária nos palcos e de não conquistar quem deseja com seu jeito autêntico, falastrão e envolvente de ser, existe muito em jogo para todos os demais personagens ao seu redor e, como o tempo demonstrará, para ela mesma. Susie merece os holofotes ao tentar agenciar alguém inagenciável e sua frustração por conta de seu vício é tão tocante quanto a decepção de uma ruptura contratual. Já se o impulso inicial é de sorrir da situação em que se encontram Rose e Abe, a necessidade de se reinventar como pessoas novas dirige a trama em direção a uma constatação inevitável: a de que mãe e filha enfrentam um inimigo comum na imagem invisível de quem tenta impedi-las de ser quem são. Por fim, Joel oferece um ângulo mais favorável do que o do homem adúltero das temporadas passadas.
Diferente do começo difícil, sem suporte senão na própria força de vontade e no desejo de vencer, Midge agora está na situação confortável de quem curte o produto de seu trabalho e sua genialidade. Seus defeitos, que a humanizam como personagem, estão mais evidentes; suas qualidades, idem, e é impossível não sorrir pelo menos a cada meia dúzia de palavras que ela solta em um ritmo intenso e inteligente; sua doce irresponsabilidade, produto de sua vaidade discreta torna difícil, contudo, que enxergue que, na escada do sucesso, às vezes há degraus que inevitavelmente tropeçaremos. E a conclusão desta trilogia abre também as portas para a já anunciada quarta temporada que tem muito a oferecer.
A maior batalha travada pelos caçadores de bruxa deste futuro distópico é contra a luz, que coloca, nas palavras de sua Rainha, os homens acima de Deus. Apenas por esta definição, a série estrelada por Jason Momoa chama nossa atenção, revelando como as autoridades empregam a fé e a religião a seu bel prazer como instrumento de manobra do povo, empurrando-o contra os seus para apaziguar uma inexistente ira divina. Antes, se caçavam mulheres além de seu tempo, queimando-as nas fogueiras; agora, caça-se quem enxerga no mundo de cegos. E conhecer este mundo incrível fotografado nas florestas do Canadá é o diferencial desta série: das lutas e mesmo o modo como Baba Voss elimina seus inimigos circulando a espada pelos seus pescoços (já que balançá-la no ar pode lhe desestabilizar sem acertar o alvo), até o comprometimento dos atores em tentar não “enxergar”, tudo isto já vale o tempo investido.
Que, porém, poderia ser melhor se a série se mantivesse no mesmo ritmo do primeiro episódio. Ao tentar embarcar em uma jornada de sobrevivência, em que parece andar em círculos em torno dos próprios personagens e conflitos, e apostar em alternativas fáceis do roteiro (como deficientes visuais construiriam uma barragem de pedras que devem pesar toneladas? Ou como quem nunca foi alfabetizado aprenderia a ler livros complexos sobre os mais variados assuntos?), a série decepciona, apenas reencontrando o caminho na performance dominante de Momoa, um destes brutos que aprendemos a amar. Muito promissora, é verdade, mas incapaz de atender as altas expectativas criadas em seu início.
Na linha da comédia do absurdo de The Good Place, Daniel Rezende idealiza o mundo dos anjos da guarda, digo, angelus como o equivalente a uma repartição burocrática e enfadonha. Até aí, nada de novo, vide a série britânica Miracle Workers, mas o exemplar nacional tem como diferencial o elemento inquisitivo e anárquico que motiva Uli a quebrar as regras do sistema e estabelecer suas próprias que, embora produzam consequências menos felizes do que imaginava, tem a inspiração da transgressão, da correção de rumo capaz de atualizar nossas crenças além da fé cega e irracional para uma fé mais social e em favor do próximo. Até aí, a série é um barato, até embarcar num romance água com açúcar que não a leva a lugar algum e desperdiça o que havia de melhor nas questões existenciais.
Por outro lado, IMPOSSÍVEL não se apaixonar por Victor Lamoglia, que tem um quê de Fábio Porchat com um humor mais bonachão e expansivo, Júlia Rabello, com a mistura hilária de sarcasmo e desalento, Danilo de Moura, que é a revelação da série a partir da forma conservadora com que enxerga seu trabalho, e o chefão quadrado da repartição vivido pelo sempre eficiente Augusto Madeira. Da para curtir sem receio de enjoar, até quando a série derrapa na mesma burocracia que Uli subverteria sem pensar duas vezes.
Locke & Key (1ª Temporada)
3.6 187 Assista AgoraLendo o nome de Joe Hill nos créditos, muitos podem ignorar que a premissa inspirada desta série adaptada da graphic novel homônima só poderia ser fruto da cabeça de um tipo igual a Stephen King, que é o pai de Joe. E que não desaponta quando o assunto é criatividade, já que ao longo de 10 episódios, descobrimos um mundo mágico de chaves capazes de abrir portas para onde desejarmos visitar, inclusive as nossas memórias, até mesmo invocar sombras ameaçadoras. A propósito, é uma delícia visitar universos iguais a este que nos recordam como é bom estar diante de uma obra original, não derivada de tantas anteriores. Assim, o ar desajuizado típico da infância/adolescência está combinado com a seriedade com que a família Locke tenta atravessar o luto pela perda do patriarca, e existe um esforço perceptível em preservar o equilíbrio entre estas influências, mesmo que a narrativa tropece muitas vezes em conciliar o tom. Aqui e ali, os jovens agem como se não estivessem diante de uma situação urgente e ameaçadora.
Muito por causa da atuação de Laysla De Oliveira, que cria uma vilã que nos convence de seu propósito maligno apenas pelo modo como caminha e encara as vítimas em potencial. Seu empenho é rivalizado por momentos, que confesso não serem tão frequentes quanto eu desejaria, de desenvolvimento dramático da família Locke em torno de suas tragédias - além da familiar, a íntima também. O modo como Emilia enfrenta literalmente seus medos ou como Tyler confronta um ex-amigo a fim de remover um peso que carregava sobre as costas, até Bode (que você deverá recordar como o Georgie de It - A Coisa), que vive um típico garoto do cinema de fantasia dos anos 80, encantado com as possibilidades diante de si, que mal enxerga que também há uma parcela de maldade naquilo tudo (o "sabre de luz" multicolorido ou as referências a Nárnia ilustram sua inconsequência diante de tudo o que acontece). É uma série divertida, agitada, amedrontadora e com possibilidades, além das apresentadas nesta satisfatória história de origem.
Prescrição Fatal
4.1 18Inconformado com a morte do filho e ainda em assistir a jovens enveredando o mesmo caminho letal das drogas, o farmacêutico Dan Schneider fez o que 99,9% das pessoas não fazem ante a injustiça: arregaçou as mangas e agiu, ao invés de apenas lamentar e ignorar o meio onde vive. Heroico a ponto de ser obsessivo e invasivo, Dan gravava as autoridades de quem cobrava providências e os clientes da farmácia onde atendia de um modo paranoico, eu diria. Isto, porém, não apaga como Dan ajudou a comunidade onde habita a reconhecer a crise dos opioides.
Entretanto, nem tudo são flores, pois a minissérie documental está construída em torno de excessos descasados do tema central: a responsabilidade de uma corporação química em povoar o mercado com medicament... digo, drogas pesadas, lucrar bilhões com isto para, após, lavar as mãos de seus crimes, culpando usuários e médicos. O primeiro episódio é, p. ex., a narração da solução de um caso de polícia, que não ajuda o desenvolvimento da série senão em expor o comportamento de Dan até as últimas consequências. Se a estrutura não é das mais engenhosas, sobra o desejo de acertar da dupla de diretores em sua missão de expor o mercado de opioides e como é fácil subverter o consumo somente diante dos lucros que a comercialização proporciona. Ah, lucros, que cegam uma das vilãs da narrativa - cuja participação é, para dizer o mínimo, chocante por ser imprevisível - ou mesmo o dono do estabelecimento onde Dan trabalhava, pois a presença do farmacêutico inibia a compra pelos jovens - as vítimas óbvias - ou restringia apenas aos casos em que fosse mais recomendada. Eu adoro séries que desmascaram corporações e empresários desonestos pelo que são, abutres devorando carne humana em busca dos trocados que aumentarão sua fortuna, e mesmo que a justiça humana às vezes tarde ou falhe, difícil não reconhecer o poder mínimo que tem a exposição de uma história obrigatória igual a esta. Obrigado, Dan!
Não Fale com Estranhos
3.4 184 Assista AgoraChega a impressionar o desserviço que minisséries de mistério iguais a esta fazem com o suspense. Parece que o desejo é somente manter o espectador preso no binge-watching, por razão outra que não a ansiedade pelo final. Pouco importa se o desenvolvimento da trama faz algum sentido. Ou se os personagens serão desenvolvidos apropriadamente ou se iremos nos importar com estes à medida que a trama avança. O importante é saciar a nossa curiosidade com reviravoltas e, enfim, com desfecho, revelando muito a respeito de como seus realizadores enxergam a sociedade contemporânea: pessoas imediatistas que tão logo devorem a conclusão de algo, já estão na expectativa para o que virá após, como se o ato de fechar o livro (ou desligar a televisão) não devesse provocar consequências no leitor (espectador).
Com seu visual desinteressantíssimo (fotografia e direção pedestres, preocupados com o mínimo: enquadrar o ator, iluminá-lo e gritar "ação" e "corta"), os personagens criados pelo novelista de suspenses-B Harlan Coben (que ano passado teve o nome associado a outra produção meia-boca, "Safe") habitam em bairros de classe média alta e ostentam luxos, até ser revelado que suas vidas foram construídas com a argamassa dos segredos. Não é a toa que, lá no meio, uma demolição expõe o que estava abrigado em suas paredes. É que demolir é a etapa inicial para reconstruir (= recomeçar), desta vez de forma honesta e moral. O dilema é: viver na ignorância ou na mentira ou abrir os olhos, por mais doloroso que isto seja, à verdade? A trama é engenhosa em misturar subtramas tangenciais, não necessariamente interconectadas, porém as atuações canastronas, os diálogos ruins e a impressão de que apenas o final irá salvar 8 episódios do marasmo são o gosto amargo que fica ao final.
O Mandaloriano: Star Wars (1ª Temporada)
4.4 532 Assista AgoraUm antídoto depois que A Ascensão Skywalker encerrou com notas amargas uma saga que se estendia por 4 décadas, esta série resgata o que existe de engenhoso, fantástico e atraente no universo Star Wars. Com muitos efeitos práticos coexistindo com CGI, design de criaturas que demanda o trabalho de maquiagem cada vez melhor e a direção de arte plural, O Mandaloriano devolve a franquia ao simples: em vez da confusa trajetória familiar de Jedi e Sith e a política do Império contra República, uma história básica, o que não significa que não seja satisfatória, sobre o heroísmo relutante de quem coloca o próximo a frente de seus próprios interesses. Convenhamos, um tema que necessitávamos.
Com heroísmo, há também sacrifício. E como a construção dos coadjuvantes e figurantes funciona na maioria das vezes, passamos a nos importar com estes que gravitam ao redor da órbita do caçador de recompensas e da Criança que decide proteger. Com seus olhões de mangá, dentinhos salientes e o visual remissivo a um dos personagens mais icônicos da ficção-científica, o "Bebê Yoda" é irresistível a cada cena em que aparece, não apenas por sua função "fofa", mas também pela participação narrativa de um super-ser ainda em contato com a Força que existe dentro de si. Já Pedro Pascal tem a dificílima tarefa de atuar apenas com o tom de voz (ainda por cima, digitalmente alterado, o que torna mais complicada sua missão) e o corpo para criar um personagem que remete, claro, a Boba e Jango Fett, embora não pudesse ser mais diferente. E com episódios no tamanho certo e, salvo uma barriguinha no meio em episódios que parecem apenas preencher tabela, esta série é um sopro de alívio para quem deseja consumir, com qualidade, sua dose anual de Star Wars.
Ragnarok (1ª Temporada)
3.4 177 Assista AgoraSe for para colocar os pingos nos “is”, esta série nórdica é a típica história de origem de um super-herói (no caso, um deus) descobrindo ser dono de poderes inumanos que deverão ser usados para enfrentar aqueles que ameaçam a existência humana. Referida ameaça não é, na maior parte do tempo, direta, corroendo a base da sociedade a partir da destruição do meio ambiente e da opressão de muitos para que poucos usufruam o bom e o melhor no topo de seu Olímpio. Opa, eu misturei as mitologias! Mas isto é culpa da narrativa que afrouxa o que deveria ser seu ponto forte para cuidar de temas menos relevantes ou mal explorados: o amor adolescente não correspondido, a frustração de não usufruir as riquezas que acreditava dever possuir, a rejeição da identidade. E não está errado quem comparar a série à Crepúsculo, em como transforma seus seres milenares em sujeitos mimados, irresponsáveis e inconsequentes a ponto de a sequência final do terceiro episódio ser constrangedora em sua execução.
Não ajuda que o protagonista David Stakston seja apático enquanto, erraticamente, descobre quem é na realidade. Um bruto de bom coração, o ator que vive Magne (ou Thor) apresenta dificuldade em expressar sua confusão a respeito de seus sentimentos, de forma que quando confessa seu amor a uma colega, permanecemos surpresos com a ousada declaração, pois não esperávamos isto de um sujeito nitidamente tímido e retraído. Jonas Strand Gravli não está melhor: seu Laurits é mentiroso e oportunista como imaginávamos de Loki, mas, diferente de Tom Hiddleston, cuja inveja e ressentimento eram os motores de sua inadequação familiar, estamos apenas diante de um “aborrecente” com delírios de grandeza. Não é a fotografia dos fiordes noruegueses nem as promessas que a temporada inicial realiza que alterará que esta é mais uma série que desperdiça a premissa intrigante por aquilo que já cansamos de assistir... em versões melhores.
Onisciente (1ª Temporada)
3.4 74 Assista AgoraCertas séries curtas passam a impressão de que sua história seria melhor servida caso optassem pelo formato de longa-metragem, e esta utopia orwelliana é exemplo disto. Ao tratar de uma sociedade em vigilância constante como forma de enfrentar os altos índices de criminalidade, a série de Pedro Aguilera priva os personagens do direito à privacidade e estabelece temas de discussão que casam muito bem com a realidade brasileira, como a necessidade de a corporação central (o Sistema Onisciente) vender um produto a fim de atingir municípios que, ainda, não compraram a proposta. O que ganham em troca? Todo o orçamento de segurança pública. E o roteiro, embora remeta ao conhecido paradigma do sistema - quando um defensor do status quo precisa ir contra a malha defendida após sofrer uma injustiça - faz o trabalho bem em explorar os benefícios e vulnerabilidades que a onisciência possibilitaria à sociedade.
Carla Salle está muito bem em conciliar o desejo de integrar a corporação - estimulada pelo pai - e o emprego de seu conhecimento especializado em informática para burlar o sistema e empreender sua investigação. As escolhas da personagem já proporcionam oportunidades para que Carla explore decisões negativas - traições, manipulações etc - para obter um resultado positivo. Porém, o roteiro às vezes exagera ao revelar como o sistema que deveria ser próximo ao perfeito tem DEZENAS de falhas evidentes e que tornam inverossímil como ninguém até então haver explorado. Além disto, não faltam diálogos exagerados, como aquele que põe Nina e o irmão diante de seu algoz. Ainda assim, as cartas são reveladas e o gancho deixado para a continuação é satisfatório o bastante para curtir mais esta ficção-científica nacional. Preferiria que fosse um longa condensado, porém.
Sex Education (2ª Temporada)
4.3 592 Assista AgoraContemporânea, Sex Education entende o que muitos defensores da moral alheia falham em cogitar em suas mentes minúsculas: ensinar sexualidade para jovens é uma resposta ao sem número de questões que estes vivenciam em relação ao próprio corpo e desejo e um instrumento importante para reduzir cenários negativos (DSTs, gravidez indesejada na adolescência etc). E a série encontrou em Michael Groff o melhor tipo de antagonista que há: o sujeito que de tanto reprimir o que sente, acabou por crer ser sua cruzada impor isto aos demais, mal notando a infelicidade que provoca dentro da família. Abstinência não é a resposta; conhecimento, sim. E auto-conhecimento, inclusive.
A temporada, portanto, reafirma o talento da série em tocar em temas delicados (mas que deveriam ser normais) com bossa e tato, tratando temas que, para uns, seriam tabu, com naturalidade. Seu elenco plural coloca letra maiúscula em Representatividade, e, por mais que, eventualmente, pareça inverossímil que tantas pessoas diferentes dividam a mesma escola e mantenham um tratamento digno e não discriminatório uns para com os outros, é compreensível que a série adote este otimismo e evite problematizar certas questões que fugiriam ao tema central da narrativa. As atuações permanecem em um nível elevado, as decisões estéticas (desde a cena inicial envolvendo a rotina de auto-amor de Otis) são inteligentes e descoladas sem esquecer de manter o pé na narrativa, e a trilha sonora é a cereja no bolo da temporada que ensina muito sobre nós e sobre como deveríamos lidar com o próximo.
Ares (1ª Temporada)
3.1 65 Assista AgoraEsta série de terror holandesa tem potencial para explorar melhor seus temas. A frente da narrativa está Rosa, uma mulher fora dos padrões da sociedade secreta que dá nome à série e que age não de modo trivial, mas fora da caixinha. Ao enxergar em Ares a chance de ser mais do que sua posição social lhe permitiria ser, Rose aproxima-se do conceito de anti-heroína, capaz de passar por cima de quem seja para alcançar seus objetivos. É bom acompanhar uma personagem assim, que desafia a percepção do público e exige que nós criemos laços com quem cujas atitudes não concordamos inteiramente. Motivo para isto não lhe falta, é onde entra o aspecto histórico da série, associada ao passado colonialista holandês e com o qual conversa, comentando simbolicamente as razões de termos classes mais abastadas do que outras.
Estilisticamente, a série também é sombria e evocativa em como remete a filmes como "De Olhos Bem Fechados" e sabe construir tensão a partir de planos estáticos, em que podemos apreciar com calma o design de produção (muitas vezes simétrico). Faltou-lhe porém uma direção segura para guiar a narrativa do início ao fim, dissecando com mais profundidade seus elementos centrais, o que fica difícil com um roteiro despreocupado em responder as perguntas mais elementares que possamos ter. Ficamos mais na sensação e antecipação do que na realização, embora isto não signifique que #Ares não tenha pano para manga em temporadas futuras.
A Mente do Assassino: Aaron Hernandez
3.9 47 Assista AgoraA história do astro da NFL Aaron Hernandez é cativante para quem gosta de crimes reais. Alcançando um status impressionante apesar da idade, o jogador terminou acusado pelo assassinato do namorado de sua cunhada, e isto desenterrou seu passado inesperado e traumático. Como houve uma ampla e ostensiva cobertura midiática do caso, havia bastante conteúdo com que o diretor Geno McDermott pudesse trabalhar, e isto acaba tornando prolixa a narrativa. Aqui, estamos discutindo a infância de Aaron; ali, como a morte prematura de seu pai e seu relacionamento com a mãe atrapalharam seu desenvolvimento humano e social; sua orientação sexual também emerge na discussão com críticas à liga norte-americana, assim como a ligação do esporte à ETC, uma doença degenerativa cerebral provocada por colisões.
Muitos elementos na discussão desviam o foco daquilo que mais importa: o interessante e trágico personagem central. No entanto, ao longo de três episódios mais inchados do que o necessário, podemos criar alguma empatia com Aaron, embora nada viria a justificar as suas ações. Não chega a ser um mergulho prolífico na mente perturbada deste homem, embora almeje ser, nem nas minúcias do julgamento, cujos trechos são os momentos mais interessantes da narrativa (como as sucessivas olhadelas sobre o ombro, enquanto uma figura paterna de Aaron no esporte chegava para testemunhar). De toda maneira, são 3 horas que permitem que estejamos mais familiarizados com o ser humano e este caso recente e emblemático da justiça norte-americana.
A Verdade Seja Dita (1ª Temporada)
3.3 22Por gostar de suspenses investigativos, eu talvez tenha aceitado as conveniências do roteiro desta minissérie com maior facilidade. Ele não é mais do que medíocre, infelizmente. Desde o princípio, prevíamos que um personagem apontado como o suspeito não seria o culpado, embora fosse uma trilha investigativa que a narrativa desse mais atenção do que deveria. A própria estrutura já antecipava onde está o culpado que demoramos 8 episódios para conhecer, afinal, ninguém daria tanta atenções a certos personagens se estes não fossem substanciais na solução final.
Também me incomodou nossa falta de contato com os podcasts de Poppy Parnell, que é muito bem sucedida nisto, embora o roteiro evite se aprofundar nesse mundo a ponto de não fazer diferença alguma a mídia onde ela trabalha. Poderia ser jornalista, poderia ser detetive, ser podcaster não representa nenhum adicional além da contemporaneidade à personagem. É uma pena também que muitas linhas narrativas são encerradas com um desmazelo, e vocês chegaram a pensar nas consequências a um paciente acamado que dependia de uma pensão mensal? O que salva? Octavia Spencer e Aaron Paul são joias boas de se assistir e, nem que por acidente, os episódios em duração enxuta ajudam-nos a nos envolver mais com um suspense que, porém, poderia ser melhor bem realizado caso se importasse mais com seus personagens, as consequências de suas decisões e os mundos em que vivem. Sem isto, é apenas um passatempo esquecível para quem gosta do gênero.
Drácula (1ª Temporada)
3.1 419Passada a era do monstruoso Nosferatu de Max Schreck ou do diabolicamente sedutor Drácula de Gary Oldman, a repaginada do vampiro icônico de Bram Stoker tem em Claes Bang uma escolha ineficiente: seu semblante curioso e dominador até relembra a criatura secular, admiradora de arte e do ser humano em geral, porém existe um senso de humor que não encontra no ator o macabro ou ácido, apenas o humor involuntário. Isto também vale para Dolly Wells, que falha em descobrir o tom adequado para interpretar a lendária Van Helsing. Falta de tom, a propósito, é o que a série tem em desvantagem, preferindo ser o terror-B kitsch (= brega) do que investir no que torna Drácula um mito literário que inspirou uma geração de fãs.
Enquanto o primeiro episódio aparenta às vezes ser promissor, sobretudo por se manter fiel ao livro, o segundo aposta em maus efeitos especiais e decisões muito equivocadas (afinal, até quando iremos retratar personagens jogando xadrez como se isto fosse um indicador obrigatório de sua inteligência?). Mas nada me preparou para o último capítulo: seu conceito inicial é intrigante, embora a execução provoque o misto de incredulidade e de vergonha alheia. E aí somos bombardeados com diálogos horrorosos (queria poder compartilhar o meu favorito, porém aí estaria soltando um spoiler), uma construção toda desastrada e um desfecho surreal de decepcionante.
Spin Out (1ª Temporada)
4.0 145 Assista AgoraPouca patinação artística e profundidade na caracterização do transtorno bipolar, muito melodrama novelesco. O roteiro da série encabeçada pela eficiente e envolvente Kaya Scodelario desliza em direção ao drama adolescente a todo momento, estabelecendo relacionamentos superficiais e inconstantes a partir de quem está afim de quem e quem transou com quem ou de competidores que não pestanejam em fazer cara de birra para seus desafetos. Quando se aproxima das temáticas mais relevantes, como o racismo institucionalizado ou o relacionamento mãe e filhas e destas entre si, resolve apostar em clichês já vistos em outras oportunidades de forma melhor, apenas chovendo no molhado.
Onde deveria haver personagens envolventes, estão estereótipos que sequer superam seu drama particular (acredite, todos têm problemas para dar e vender), estão diante de outro menos convincente, alimentando a sensação de que existe muito acontecendo, quando na realidade só existem problemas mal resolvidos varridos debaixo do carpete. Aspirando a ser um Cisne Negro, particularmente na forma com que almeja abordar a doença psíquica da protagonista em torno de sua obsessão pelo ringue de patinação e a relação problemática consigo e com a mãe, Spin Out está mais perto mesmo de ser uma cópia de Malhação. Com a diferença de que ser estrelada por uma atriz talentosa como é Kaya.
Anne com um E (3ª Temporada)
4.6 571 Assista AgoraSentirei falta da doce e cativante ingenuidade com que Anne e os seus enxergam, pelas lentes de ontem, os mesmos problemas do mundo de hoje, expandidos com a adição de questões fora do centro feminista (daí a inclusão de subtrama de nativos-americanos ou maior atenção a Bash e sua família). A constatação é melancólica, pois se Anne enfrenta com as armas que tem problemas atuais no passado, isto só significa que permanecemos caminhando em círculos ao redor de nossa própria (des)humanidade, embora contagiados por sua paixão vibrante por um mundo ideal. Estão também contagiados quem permanece a seu redor, e é bom chegar ao fim sabendo que os personagens caminharam adiante não para trás (ainda que não no mesmo passo de Anne).
Amybeth McNulty é o coração de uma série que, mesmo quando cria conflitos somente por hábito, já que são resolvidos com facilidade e uma conversa minutos depois (tipo as brigas com Marilla ou Diana), reconhece que o inconformismo da protagonista com este meio onde vive acaba sendo sua locomotiva emocional. As cores calorosas intercaladas com as sombras onde os homens maquinam seus planos, a sensação de aconchego um pouco após termos sofrido e chorado por dentro com Anne, o ambiente de uma Green Gables que tem a sorte de ter em seu meio alguém capaz de mudar a dinâmica somente com ideias chamadas progressistas (= igualdade e respeito), quando estas deveriam ser reconhecidas só como o que são: humanas. Uma pena que algumas subtramas não têm seu desfecho adequado com a despedida de uma série que até tem defeitos, facilmente eclipsados pelo sol que Anne representa.
The Morning Show (1ª Temporada)
4.4 208Precisaria de mais espaço para comentar tudo que gostaria sobre a série âncora da Apple+. Sua discussão sobre o movimento Me Too dentro dos corredores de grande conglomerado da mídia permite que entendamos que, na maioria das vezes, assédio veste máscaras sutis para não parecer abuso (cito o brilhante diálogo entre os amigos Steve Carell e Martin Short para entender como os predadores não são iguais). Além disto, ao tratar do tema dentro de uma queda de braços por poder, é fácil perceber o motivo por que algumas mulheres se omitem de enxergar as coisas como ela são ou enxergar a cumplicidade masculina que permite que um ambiente de trabalho vire um espaço tóxico. A série é cirúrgica, realiza a maior parte das perguntas certas e evita a banalização do tema, guardando revelações mais chocantes para episódios futuros.
A escolha de Steve Carell, a propósito, torna a série ainda melhor, porque sua aparência simpática serve de contraponto aos seus atos monstruosos (e sempre é gostoso assistir ao ator fora de sua zona de conforto). Já Witherspoon e Aniston estão em sintonia, ainda que esta última apele demais aos trejeitos da Rachel Green em uma série que NÃO É DE COMÉDIA (a cena, nos dez minutos finais, em que Aniston corre atrás de Witherspoon de braços balançando no lado do corpo é vergonhosa). A série também tem muitos excessos - como o namoro entre Yanko e Claire, mais uma tentativa de a série dizer "Olha, também tem relações saudáveis dentro das empresas" - e poderia investir melhor na excepcional e tocante Hannah (vivida pela incrível Gugu Mbatha-Raw), mas os episódios finais, uou, dão a sensação de estarmos presos sob a água, até conseguirmos subir a superfície e respirar uma breve e aliviante lufada de ar.
Perdidos no Espaço (2ª Temporada)
4.0 106 Assista AgoraMais enxuta e movimentada do que a temporada anterior (ao todo, são cerca de 2 horas a menos), esta sequência marca nosso reencontro com a família Robinson da Júpiter 2 com a determinação de manter o espectador aflito até o último momento, antes de um salvador intervir e salvar, mais uma vez, os heróis do perigo. Por causa da frequência, acaba sendo um recurso narrativo apelativo, produto de um roteiro que é menos inteligente do que acha ser e mais compromissado a desafiar sua lógica para criar cenas de ação empolgantes. É, contudo, uma melhora nítida comparada com a temporada passada, permitindo que seus personagens sejam desenvolvidos à medida que enfrentam os muitos perigos diante de si e sem abusar de flashbacks e diálogos expositivos para isto.
O centro emocional da série permanece sendo a família, cujos membros são as peças de uma máquina funcional que produz soluções de acordo com o pareamento proposto pela narrativa: a genialidade de Maureen com o coração menos infantil de Will, o pragmatismo de Judy e a determinação de John, ou o bom humor de Penny e a coragem de Don West. As combinações funcionam porque estão sempre em constante amadurecimento, e ainda que canse que os Robinson confiem, meia dúzia de vezes, na engenhosa e manipuladora Dra. Smith, é interessante que as circunstâncias em que isto acontece são modificadas. E, por fim, o relacionamento de Will e Robô, mais determinístico, um último episódio para lá de excitante e os efeitos especiais deixam um saldo positivo na aventura futurista de uma família que apenas está perdida no espaço quando os seus não estão juntos.
Don't F**k With Cats: Uma Caçada Online
4.2 326 Assista AgoraSabe-se lá qual seja o motivo por que nós, espectadores, somos fascinados por figuras perturbadoras como Luka Magnotta (parecido com um Ken humano) e crimes reais que desafiam nossa compreensão de humanidade. Talvez isto crie a falsa percepção de que somos bondosos e incapazes de cometer as atrocidades retratadas, de que, no final das contas, podemos retornar à bolha em que vivemos depois de espiar o que existe de pior dentro de cada um, nossa capacidade para o mal inato e inexplicável. É como surfar das páginas coloridas da internet em direção ao buraco negro da deep web (se bem que hoje, basta acessar as redes sociais para obter o mesmo efeito), uma viagem sem volta em um documentário envolvente, enxuto e que ainda revela a capacidade investigativa (ou de se alimentar de iscas) de detetives improváveis protegidos detrás do computador.
Como a trama se desenrola desafia nossa capacidade de antecipação, assim como seu desfecho questionável, que tenta dividir a responsabilidade da criação de monstros com arte e mídias, quando na verdade é exclusivamente daquele que comete os atos citados. Permanecemos na posição defensiva, esperando uma reviravolta na forma de entrevista com um membro da família ou insights que deixamos passar nas provas (como um close dado em um momento específico do primeiro vídeo). Existem perguntas sem respostas, hipóteses assumidas pela direção de Mark Lewis não necessariamente demonstradas a ponto de não termos dúvidas, porém no geral, é um documentário de 3 horas assustador e impossível de não ser devorado numa mordida só.
His Dark Materials - Fronteiras do Universo (1ª Temporada)
4.0 166 Assista AgoraEu já achava a produção de 2007 bastante decente e atraente, apesar de soterrada pela overdose de adaptações young adult, então a série revelou ser particularmente cativante em sua tentativa de expandir o universo criado por Philip Pullman, preenchendo lacunas que não poderiam ser preenchidas em apenas 2 horas e oferecendo um multiverso mais consistente e melhor acabado do que antes. Sua temática também é madura e cristalina: uma crítica ao obscurantismo / alienação desejado pela religiosidade, cujas igrejas (ou Magistérios) desejam ter o monopólio do conhecimento para pastorear seu rebanho de fiéis. No lugar, o que Asriel busca é a iluminação, a democratização do conhecimento e isto sem abrir mão da espiritualidade que, na narrativa, é simbolizada pelos daemons.
Dafne Keen oferece uma performance totalmente diferente daquela que a apresentou ao público em Logan, e já prova que é uma atriz merecedora de atenção, alternando entre a curiosidade que a define e a tragédia e responsabilidade que existem em sua jornada. Já o elenco adulto é consistente, com uma participação calorosa de Lin-Manuel Miranda, um destes intérpretes que conquistam o espectador com um sorriso e aquele jeitão de artista clássico da Era de Ouro de Hollywood. Com uma trilha sonora empolgante - costumo citar que clássicos do cinema e televisão precisam de uma trilha idem -, fotografia sombria não a ponto de ignorar a fantasia da trilogia Fronteiras do Universo e ambição acima da média, His Dark Materials ainda dá alô a outra série young adult: Desventuras em Série, ao revelar como as crianças (nossa geração) acabam vítimas dos pecados de nossos pais (a geração passada). A estes, recordo o poeta Bob Dylan: saiam da estrada nova, se não puderem ajudar a construí-la. E se eu citei Dylan, a série deve ser boa mesmo.
The Witcher (1ª Temporada)
3.9 926 Assista AgoraDifícil manter o senso crítico inabalável quando somos bombardeados pelas opiniões de canais de séries comentando sobre The Witcher, que ainda tem a seu favor ser baseado num livro e, depois, jogo de videogame com base sólida de fãs. Parece até heresia falar algo que seria óbvio, como a dificuldade (ou impossibilidade) de firmar a menor empatia com a série quando esta é cheia de atores inexpressivos e emocionalmente engessados, a começar por Henry Cavill, que torna Geralt no anti-herói menos agradável da televisão, julgando pelos grunhidos, pela dicção rouca e pela incapacidade de ter, dramaticamente, o que oferece fisicamente naquilo que a série tem de melhor: seus duelos sanguinários e violentos. Assim como ele, Anya Chalotra e Freya Allan também são incapazes de tornar suas personagens em algo mais do que jovens mulheres calejadas pela percepção e/ou escolhas dos outros.
Pior: a estrutura da narrativa ainda tenta vender a ideia de que a série é mais inteligente do que parece. Suas três linhas do tempo que, eventualmente, se encontrarão são mais confusas do que engenhosas, evidenciando ainda o caráter episódico da série que trata sobre um grande evento (a invasão de Nilfgaard) que fica a margem e refém dos contos estrelados por Geralt. "Márcio, mas é assim que é o livro!", dirá o fã mais ardoroso, para quem responderei pela enésima vez: nem sempre o que funciona na literatura, funciona também no cinema, artes diferentes desde a concepção. Se a literatura é uma arte mais subjetiva, em que nós concretizamos o mundo idealizado pelo autor, o cinema, porém, proporciona apenas a visão de seu criador. E a do mundo de The Witcher está longe de ser satisfatória até para quem está em crise de abstinência do gênero fantástico.
For All Mankind (1ª Temporada)
4.2 43 Assista AgoraEsta série de mundo alternativo (como era O Homem no Castelo Alto) recompensa quem está familiarizado com a corrida espacial a partir de documentários como "Apollo 11" e "Mercury - O Espaço é Delas" e apresenta o que seria do mundo se a União Soviética vencesse os EUA. Se o 'se' é um troço fascinante quando explora as possibilidades que a história nos negou - e como isto interferiria, inclusive, nas eleições presidenciais norte-americanas e mesmo na Guerra do Vietnã -, melhor é ver o empenho da equipe em criar uma série instigante do princípio ao fim até quando os episódios parecem mais extensos do que deveriam ser. Seu roteiro tem alternativas que, confesso, desafiam o bom senso ou a verossimilhança, embora convençam na dramaticidade que proporcionam. Assim, ainda que possamos torcer o nariz para os treinamentos-relâmpago de astronautas, nós aceitamos esta licença poética porque, dentro da trama, tais recursos funcionam.
Tudo melhora quando a série debanda para o espaço, respeitando a física (então, nada de sons no vácuo, senão bem específicos quando há ar ou vibrações) para estabelecer cenas de ação empolgantes que nos deixam na beira da cadeira. Além de tudo isto, o roteiro arregaça as mangas e entende como as perdas que deixa no caminho são as pedras necessárias para construir uma estrada em direção à Lua e ao espaço como um todo.
Watchmen
4.4 562 Assista AgoraSou um defensor da adaptação cinematográfica de Zack Snyder, particularmente como altera o desfecho da HQ para algo menos, digamos, cefalópode e mais verossímil no contexto narrativo. Contudo, sempre tive a curiosidade de assistir a uma chuva de lulas (de sapos já vi), e esta série não somente evita tornar este incidente meteorológico na baboseira que poderia ser nas mãos de alguém menos habilidoso,como também amarra sua narrativa à tensão racial atual americana, com o fortalecimento de grupos supremacistas neonazistas que se sentem“inferiorizados” desde que os escravocratas sulistas perderam a guerra civil.Como racismo mexe com meu brio, a série apertava meus botões da raiva aqui pela ação dos que se apropriaram de um símbolo da justiça (a máscara de Rorschach)e, ali, do prazer e satisfação ao oferecer a resposta que um racista merece, ao mesmo tempo em que valoriza o trabalho policial digno e honesto.
Com o roteiro bem arquitetado, possibilitando que as interrogações que tínhamos no início e as linhas de tempo paralelas sejam amarradas e resolvidas satisfatoriamente, sobra espaço para atuações maiúsculas que atravessam o espectro da seriedade e comprometimento de Regina King e Tim Blake Nelson à arrogância com certa comicidade de Jeremy Irons (que é perfeito como Ozymandias) e Hong Chau. E a série proporciona episódios que beiram o brilhantismo, como aquele que retrata o encontro do Dr. Manhattan com uma personagem e um construído a partir do efeito da pílula chamada Nostalgia – que deveria ser apelidada de Empatia. Afinal de contas, somente quando nos colocamos na pele do próximo podemos entender seu sofrimento e sermos, de fato, chamados de heróis. E sabe o melhor?Ninguém precisa de máscara ou superpoder para isso.
Westworld (2ª Temporada)
4.2 491No cinema e televisão, existem trama e narrativa, sendo esta a forma como a primeira é contada. Sim, sem as elipses (= os saltos temporais através de linhas narrativas), seria mais fácil digerir a lógica que rege a rebelião de Dolores e Maeve ou o despertar de Bernard e do Homem de Preto etc, mas seria tão prazeroso quanto? Com uma lógica parecida com a que Lost introduziu nas séries, cada episódio tenta estabelecer seus personagens centrais e prepara o terreno para o inevitável embate, proporcionando questionamentos que, talvez, pareçam improváveis no primeiro momento, embora permitam que a série amadureça e evolua em seus temas. Além do existencialismo da temporada inicial, uma parte do que compõe a humanidade, o livre arbítrio, desempenha um papel crucial agora, pois todos os personagens são construídos em torno de algo inato que pode ou não haver sido inserido artificialmente dentro de suas cabeças. Afinal, o que move os anfitriões: seus desígnios autônomos (violentos, majoritariamente) ou aqueles adicionados em seu algoritmo? Afinal, faz diferença se foram eles ou os ‘deuses’ criadores que decidiram seus rumos?
Podemos até questionar se o roteiro (da série) resistiria à análise retrospectiva, e só o fato de inserirmos esta questão já demonstra a possibilidade de haver furos, por outro lado, se devoramos cada episódio com atenção redobrada por um trabalho de elenco impecável e alternativas que, confesso, jamais teria imaginado para uma continuação, é sinal de que o trabalho continua em um nível alto em comparação com a maioria do conteúdo existente na televisão. Existe uma cena pós-créditos que revela o destino do Homem de Preto / William.
Maravilhosa Sra. Maisel (3ª Temporada)
4.4 131 Assista AgoraSe a sensação deixada por boa parte da temporada é a de que não parece mais haver um obstáculo a ser derrubado por Midge Maisel, incapaz de não oferecer uma performance extraordinária nos palcos e de não conquistar quem deseja com seu jeito autêntico, falastrão e envolvente de ser, existe muito em jogo para todos os demais personagens ao seu redor e, como o tempo demonstrará, para ela mesma. Susie merece os holofotes ao tentar agenciar alguém inagenciável e sua frustração por conta de seu vício é tão tocante quanto a decepção de uma ruptura contratual. Já se o impulso inicial é de sorrir da situação em que se encontram Rose e Abe, a necessidade de se reinventar como pessoas novas dirige a trama em direção a uma constatação inevitável: a de que mãe e filha enfrentam um inimigo comum na imagem invisível de quem tenta impedi-las de ser quem são. Por fim, Joel oferece um ângulo mais favorável do que o do homem adúltero das temporadas passadas.
Diferente do começo difícil, sem suporte senão na própria força de vontade e no desejo de vencer, Midge agora está na situação confortável de quem curte o produto de seu trabalho e sua genialidade. Seus defeitos, que a humanizam como personagem, estão mais evidentes; suas qualidades, idem, e é impossível não sorrir pelo menos a cada meia dúzia de palavras que ela solta em um ritmo intenso e inteligente; sua doce irresponsabilidade, produto de sua vaidade discreta torna difícil, contudo, que enxergue que, na escada do sucesso, às vezes há degraus que inevitavelmente tropeçaremos. E a conclusão desta trilogia abre também as portas para a já anunciada quarta temporada que tem muito a oferecer.
See (1ª Temporada)
3.6 126 Assista AgoraA maior batalha travada pelos caçadores de bruxa deste futuro distópico é contra a luz, que coloca, nas palavras de sua Rainha, os homens acima de Deus. Apenas por esta definição, a série estrelada por Jason Momoa chama nossa atenção, revelando como as autoridades empregam a fé e a religião a seu bel prazer como instrumento de manobra do povo, empurrando-o contra os seus para apaziguar uma inexistente ira divina. Antes, se caçavam mulheres além de seu tempo, queimando-as nas fogueiras; agora, caça-se quem enxerga no mundo de cegos. E conhecer este mundo incrível fotografado nas florestas do Canadá é o diferencial desta série: das lutas e mesmo o modo como Baba Voss elimina seus inimigos circulando a espada pelos seus pescoços (já que balançá-la no ar pode lhe desestabilizar sem acertar o alvo), até o comprometimento dos atores em tentar não “enxergar”, tudo isto já vale o tempo investido.
Que, porém, poderia ser melhor se a série se mantivesse no mesmo ritmo do primeiro episódio. Ao tentar embarcar em uma jornada de sobrevivência, em que parece andar em círculos em torno dos próprios personagens e conflitos, e apostar em alternativas fáceis do roteiro (como deficientes visuais construiriam uma barragem de pedras que devem pesar toneladas? Ou como quem nunca foi alfabetizado aprenderia a ler livros complexos sobre os mais variados assuntos?), a série decepciona, apenas reencontrando o caminho na performance dominante de Momoa, um destes brutos que aprendemos a amar. Muito promissora, é verdade, mas incapaz de atender as altas expectativas criadas em seu início.
Ninguém Tá Olhando (1ª Temporada)
3.9 174 Assista AgoraNa linha da comédia do absurdo de The Good Place, Daniel Rezende idealiza o mundo dos anjos da guarda, digo, angelus como o equivalente a uma repartição burocrática e enfadonha. Até aí, nada de novo, vide a série britânica Miracle Workers, mas o exemplar nacional tem como diferencial o elemento inquisitivo e anárquico que motiva Uli a quebrar as regras do sistema e estabelecer suas próprias que, embora produzam consequências menos felizes do que imaginava, tem a inspiração da transgressão, da correção de rumo capaz de atualizar nossas crenças além da fé cega e irracional para uma fé mais social e em favor do próximo. Até aí, a série é um barato, até embarcar num romance água com açúcar que não a leva a lugar algum e desperdiça o que havia de melhor nas questões existenciais.
Por outro lado, IMPOSSÍVEL não se apaixonar por Victor Lamoglia, que tem um quê de Fábio Porchat com um humor mais bonachão e expansivo, Júlia Rabello, com a mistura hilária de sarcasmo e desalento, Danilo de Moura, que é a revelação da série a partir da forma conservadora com que enxerga seu trabalho, e o chefão quadrado da repartição vivido pelo sempre eficiente Augusto Madeira. Da para curtir sem receio de enjoar, até quando a série derrapa na mesma burocracia que Uli subverteria sem pensar duas vezes.