Zumbis já foram usados de todos os modos possíveis e imagináveis no cinema, e mesmo que a metáfora da seria sul-coreana não seja inovadora - os mortos-vivos como resultado do descaso criminoso dos poderosos em relação aos pobres, esfomeados e doentes -, a execução da série não merece menos do que muitos aplausos. Ao ignorar a necessidade imediata de gerar fã service e substituir isto pela consistência narrativa, que conquista não pela superficialidade de cenas apoteóticas, mas pela construção dos eventos em torno de sua clímax, a série ensina, muito bem, por que tipos como La Casa de Papel falham como arte, embora gerem engajamento imediato. Aqui, a trama não se dobra aos personagens e como são percebidos pelo público, mas o contrário, estes agem em benefício daquela, alimentando o sentimento de que a) ninguém está a salvo e b) as decisões tomadas serão lógicas e, por isto, envolventes.
Sua reconstrução de época é exemplar, convidando-nos à Dinastia Joseon que iniciou em meados do século XIV até o final do século XIX; seu terror é autêntico, investindo bastante no gore e na violência como alternativas eficientes para retratar o desespero daqueles que tentam evitar ser mordidos e, pior, transformados em criaturas iguais àquelas. E enquanto Bae Doona e Ju-Ji-Hun estão irrepreensíveis como os heroicos personagens-centrais, Kim Hye Jun é o tipo de vilã que adoramos odiar. Se a série tropeça, é só na lógica interna que rege a contaminação e os pontos fracos dos zumbis, revelados ao longo do desenrolar da trama que culmina, porém, no tipo de desfecho que já nos deixa ansiosos para saber a data da próxima temporada.
Deixei meu queixo no chão muitas vezes enquanto assistia a este elenco talentoso e incrível de atores que, muitas vezes são mal aproveitados em papéis coadjuvantes, tomar as rédeas da narrativa que relata os fatos reais que culminaram, por omissão, no atentado de 11 de setembro. Explico: a CIA e o FBI tinham informações sólidas de que Osama Bin Laden estava planejando atacar os Estados Unidos e, por questões internas de rivalidade, terminaram por sonegar informações que poderiam ser cruciais para impedir o ato terrorista. A série é ligada em 220 Volts enquanto seus personagens caminham para cima e para baixo, criando tensão a partir de diálogos mais cortantes que arame farpado, ou em viagens internacionais a países predominantemente muçulmanos a fim de tentar cortar pela raiz o Al Qaeda. E é impressionante percebe sua fidelidade a fatos, cortesia do documentarista vencedor do Oscar e co-criador da minissérie Alex Gibney.
Mais importante também é perceber como o islamismo não é o vilão, mas as pessoas que o subvertem para atender suas agendas. O interrogatório comandado por Tahar Rahim, o excepcional ator francês de O Profeta, de um terrorista preso, com base no ensinamento do Alcorão resume perfeitamente que a série não está criticando esta ou aquela religião - pelo contrário, tenta justapor o cristianismo de John O'Neil e o islamismo de Ali Soufan como se fossem, no final das contas, a mesma tentativa de encontrar refúgio para os problemas que assolam a alma. Ao abrir mão do maniqueísmo, a minissérie permite que os personagens sejam mais do que pensávamos ser, e ao reunir um elenco robusto, com Peter Sarsgaard, Bill Camp, Alec Baldwin e o conciliador Michael Stuhlbarg, torna esta história real de omissão criminosa, eu diria, em uma experiência gratificante de disputa por poder onde esta não deveria existir.
Comédia... o gênero pode ser o subjetivo quanto for, quer dizer, o que é engraçado para mim, pode não ser para você, mas é relevante observar como o diretor Armando Iannucci tem empregado seus filmes para transformar o humor em ferramenta de discussão social de um microcosmos da sociedade sob estresse máximo (como ocorreu em In the Loop e no recente A Morte de Stalin), levando-o a tomar decisões atrapalhadas e bem humoradas mesmo quando estas estão fundadas na tragédia. A cena, p. ex., em que passageiros não acreditam nas ordens superiores por conta de notícia falsa e tentam "sair" da espaçonave apenas para serem engolidos pela vastidão do cosmos é uma prova de como pode haver crítica e sátira mesmo em momentos cruéis. Tudo depende de como se conta a história.
Armando não tem carência de atores comprometidos em sua visão - Hugh Laurie, o Dr. House, está divertido como o capitão falso, enquanto Josh Gad emprega seus excessos de um jeito praticamente infantil. A narrativa namora o estilo semi-documental, como The Office, com a câmera captando instantes inusitados e constrangedores, enquanto realiza um zoom durante a ação, como se dissesse para si mesmo, "opa, vamos aproximar disto aqui". Além disto, a narrativa discute, a sua maneira, a cultura da celebridade, a estupidez de parte da camada mais rica da sociedade, a religião como ópio do povo etc, e quando você vir o rosto de um líder religioso bastante querido, iluminado em um monte de merda espacial (literalmente) e atraindo fiéis, você sabe que não está com uma comédia típica.
Não acredito que haja muito mais a ser explorado no projeto Treadstone, ou mesmo no projeto Blackbriar, além do que o cânone cinematográfico já realizou, em três produções que redefiniram certos aspectos do gênero de ação (a trilogia Jason Bourne: Identidade, Supremacia e Ultimato) e outros dois excedentes, mas não de todo descartáveis (Legado e Jason Bourne). É igual a esta série, que tem como qualidade o fato de investir em lutas coreografadas e em perseguições de carro na mesma pegada da série de filmes, embora careça de um personagem-central intenso como era Matt Damon e tenha a pretensão de, exclusivamente, chover no molhado quando o assunto são os assassinos programáveis.
Ou seja, o compromisso é apenas para os fãs duro de matar do gênero, com sequências competentes e bem executadas por todos os episódios, embora a sensação final seja de que faltou algo: a direção de Paul Greengrass, que tinha o controle absoluto da agilidade e energia das sequências montadas com cortes velocíssimos, mas não incompreensíveis; a fotografia adiamantada de Oliver Wood, substituída pela fotografia chapada e tradicional da televisão. Também me incomodaram o excesso de personagens e de linhas narrativas confusas e mal-resolvidas, culminando em uma série cujo maior atrativo seja transportar, da forma como pode, sequências de ação do cinema à televisão. Nada mais.
Na esteira de dramas criminais como Breaking Bad, Ozark sempre bateu na trave. Nunca deixou de ser envolvente, porque existe algo assim em personagens imorais e criminosos dispostos a realizar o necessário para sobreviver e proteger os seus. Além disto, sempre houve imenso talento detrás das câmeras que tornou os arredores do lago que dá nome à série um ambiente hostil (a paleta azulada que recobre a fotografia é a marca registrada e o avesso do cartão-postal). Grandes atores, como são Jason Bateman, Laura Linney, Julia Garner, tornaram convincente a trajetória de crimes, com poças de sangue que nem Marty seria capaz de lavar igual realiza com o dinheiro do tráfico de drogas de cartel mexicano. Assim, a série manteve-se constante, com reviravoltas bem planejadas e executadas, mas não atingiu o nível de grandeza que alcança no penúltimo episódio da temporada...
O tipo de episódio que toda série precisa para que, ao olharmos para trás, saibamos por que investimos tempo e sentimento em personagens que, a princípio, não mereciam isto. Ao introduzir o irmão de Wendy, interpretado por Tom Pelphrey, a série aumenta a aposta colocando, naquele ninho de cobras, um sujeito cuja integridade e moral aliados à doença psíquica formam um componente explosivo dentro daquele contexto. Laura Linney, mais do que Jason Bateman, brilha no relacionamento afetuoso e também conflituoso com Ben, ao passo que Janet McTeer está ainda mais segura como o liame dos Byrde e o cartel de Omar Navarro, sem pudor em trair quem quer que seja para salvar a própria pele. Com o apetite de quem deseja não ser apenas ótima, mas inesquecível, Ozark costura tramas e eventos que, quando menos esperamos, estão prestas a se interligar de forma inesperada e acachapante, tornando esta a melhor das três temporadas, e aquela que pavimenta um caminho de espinhos para as temporadas finais.
A esta altura, La Casa de Papel não resolverá suas contradições, nem seus defeitos. Os fãs não se importam com isto, então por que Álex Pina mudaria esta fórmula que provou ser vantajosa? A popular série espanhola é o resultado obtido em deixar fãs governarem as decisões criativas, em vez da arte como a única regente possível. Qual o resultado? Reviravoltas dependentes de sorte e de muitos e imprevisíveis comportamentos pessoais, a suspensão de descrença destoante da "genialidade" do Professor (ora, se o plano é tão inteligente, por que preciso aceitar absurdos e conveniências?), um desenvolvimento de personagens picareta, que abusa de soluções novelescas, conselhos amorosos, DRs ou que molda o passado para encaixar no presente - mesmo que isto não faça sentido - e a personalidade dos criminosos incoerentemente entre episódios a bel prazer da trama. E tempo narrativo é uma lição que Álex precisa aprender, pois nunca sabemos quantos dias se passaram dentro do Banco da Espanha: 4, 5 dias? Mas se for assim, como o Professor é capaz de enviar Marselha à Argélia, organizar a produção e afixação de pôsteres sobre um evento da trama, aglutinar mineradores, tudo em sintonia com o assalto?
Ah, é entretenimento! O Plano Perfeito também é e não precisa tratar a nossa inteligência como a de alguém impressionável por algo que Masterchef faz melhor: misturar uma trilha explosiva, cortes bruscos, gritaria, nervosismo e urgência, para construir sequências tensas pela forma, não por mérito. Onde existe mérito em Tokyo realizar cirurgia complexa e que médicos exigem uma década de conhecimento? Em ter um boina verde, igual a ele, Rambo, incapaz de matar personagem desacordada e acamada, de acertar um dos 5000 tiros disparados, de ser ingênuo o bastante em virar as costas e entregar sua vida a quem não deveria confiar? Em inserir flashbacks que estragam mais as Partes 1 & 2, pois se o Professor estava convencido da importância de infiltrar um aliado nos reféns (embora não sirva de nada), por que não tomou esta decisão no assalto à Casa da Moeda? Enquanto assistia, incrédulo com o que passava diante dos meus olhos, à cena ambientada no céu (?!), chegava à conclusão final de que Álex Pina crê mesmo que seus Dalís são heroicos e merecedores de redenção. Merecem a idolatria daqueles que os enxergar como Robin Hood - embora são apenas egoístas - e dos fãs. Merecem mesmo?
Engraçado: This Is Us não tem dificuldade em conciliar múltiplas linhas narrativas íntegra e coerentemente, ou ao menos não comete erros visíveis que chamem a atenção e tirem o espectador da experiência de acompanhar a árvore genealógica criada por Jack e Beca criar ramos fortes e longos, e estes, os seus próprios. Entretanto, a série tem tido imensa dificuldade nesta e na temporada passada em tornar seus eventos relevantes ou explorá-los de maneira que não pareçam apenas barrigas para completar a temporada. De novo, o segmento de Kevin é o mais desinteressante, não pelos problemas serem menos graves (alcoolismo, dificuldade de aceitação de si próprio, busca do amor verdadeiro etc), porém pela difícil encruzilhada percorrida pelo roteiro, passeando pelo relacionamento pedregoso com seu Tio Nicky, por romancezinhos com amores do passado e do presente e rixas com Randall, sugeridas desde a infância / adolescência, e agora realizadas bruscamente. Mas também a subtrama de Kate apresenta solavancos na introdução de conflitos envolvendo Toby - lembram de como o vimos no episódio final da temporada passada? -, que somente serve para evidenciar que a série tem perdido o tônus de gestar dramas individuais com a mesma força que faz coletivamente ao tratar os Pearsons com uma entidade só.
Por outro lado, existem momentos geniais, como os episódios inicial e final - misteriosos em como introduzem personagens naquela família - e os episódios trigêmeos intitulados "A Hell of Week". Enquanto os dramas nas três primeiras temporadas tinham raízes bem fundas na morte precoce do patriarca, Jack, esta agora enxergar em Beca seu propósito em manter a jornada de autoconhecimento, (re)descoberta e ação de uma família, cujas alegrias e tristezas são as chaves para entender, pela ficção, a vida aqui fora.
Se alguém comentasse com você sobre esta trama e dissesse que era ficção, você daria de ombros. Chamaria de inverossímil, forçado, viajante, escolha o adjetivo. Mas, quantas vezes preciso repetir que a vida real é mais estranha do que a ficção? Com reviravoltas a cada 5 minutos, a maioria destas surpreendente, a rixa entre o dono de um zoológico no interior dos Estados Unidos, Joe Exotic, e a defensora dos felinos, Carole Baskin, rende uma experiência fascinante em analisar como valores humanos podem se degradar por motivos egoísticos (fama, ganância, pirraça etc). Por maiores que sejam as ressalvas que possuamos, acreditamos que Joe ama os tigres que enjaula e que deseja gerar empatia da população para auxiliar na proteção destes predadores - cuja população em liberdade é menor do que (pasmem) em cativeiro -, enquanto Carole surge como o melhor tipo de hipócrita: a que tenta convencer seu séquito de seguidores de que não realiza o MESMO que Joe, em situações ainda piores.
Mais tridimensionais do que estes personagens, não há, ainda mais quando conhecemos os esqueletos que cada um deles possui no armário, como a suspeita de que Carole seja a responsável pela morte do ex-marido (milionário) ou de que Joe e outros criadores tão fascinantes quanto ele usam os tigres como forma de exercer poder e atração sexual. À medida em que a batalha afunila em direção ao catártico e inesperado desfecho, os tigres, que deveriam ser o objeto de proteção de ambos, acabam escanteados, na triste ironia de que, enquanto a humanidade briga entre si, a natureza perece.
Por não gestar expectativas, costumo ser apanhado de surpresa por narrativas iguais a esta e, sim, ao lado do cuidadoso trabalho de reconstrução da Áustria do século XIX, este é o maior trunfo desta série que não pretende biografar o médico neurologista e psiquiatra e pai da psicanálise Sigmund Freud, mas empregá-lo como um assistente da investigação policial de crimes cometidos por um assassino em série e ainda de uma conspiração para assassinar o monarca do império austríaco. Oi? Incredulidade é um sentimento constante no seriado alemão, primeiro ao escalar Freud para ser a versão de Sherlock Holmes com um problema materno, depois por tentar reproduzir a mesma vibe de O Alienista, aqui com a adição ainda de elementos sobrenaturais misturados a definição, bem pobrezinha, dos pontos centrais estudados por Freud.
As atuações são, quando muito, bidimensionais: quem interpreta os mocinhos têm mais sorte, como o inspetor Georg Friedrich, cuja aparência de zero amigos não significa que não tenha os fins nobres exigidos de sua profissão. E a lealdade de Franz Poschacher a este amigo aumenta as apostas em relação a estes personagens nos episódios finais. Já Fleur e Freud não têm muito o que fazer, enquanto os vilões, nossa, poderiam ser menos caricatos? Mas, curiosamente, a série ainda é intrigante e convidativa, não tanto para que descubramos seus mistérios (óbvios, geralmente), e sim para percebermos a elasticidade da arte em inserir um personagem histórico em thriller policial, onde jamais imaginaríamos assisti-lo. Eu não assistiria a uma segunda temporada, embora não seja por isto que não vá reconhecer que esta fora uma experiência... inesperadamente inusitada.
Não tenho problema nenhum com filmes ou séries voltados ao público infanto-juvenil. Pelo contrário, gosto bastante, sobretudo quando respeitam que a idade não é o equivalente a infantilidade, no sentido pejorativo. Com coadjuvantes que preferem soltar frases de efeito ou piadinhas ao invés de reconhecer a seriedade da jornada, ao estilo Senhor dos Anéis e cuja comparação encerra aí, a narrativa estabelece ainda vilões incompetentes o bastante a ponto de serem incapazes de capturar jovens que mal conseguem empunhar espadas e escudos, não por méritos destes ou de poderes mágicos, mas por situações tolas criadas pelo roteiro. Funcionaria se estivéssemos tratando de uma comédia, não de uma aventura fantástica onde não há espaço para este tipo de humor. Além disto, onde deveria haver o desenvolvimento de personagens, há somente um vazio de propósitos e motivações apto a levar a história de um ponto a outro e criar o antagonismo luz e escuridão que rende um dos efeitos especiais mais tacanhas de tempos recentes.
Ruby Ashbourne Serkis, filha de Andy Serkis (que aparece no segundo episódio), é quem está melhor e mais apta a brilhar graças à reviravolta que o roteiro lhe proporciona, um dentre os raros pontos positivos juntamente com a escolha de locações, que passeia por cenários medievais da Grã-Bretanha para construir o design de produção da narrativa (que, ainda assim, apela a efeitos computadorizados para preencher o restante, criando cenas embaraçosas, como aquela em que a cidade é vista do alto e podemos enxergar o green screen). Uma fantasia que poderia ser ingênua, caso assim desejasse, mas é só infantil. E não positivamente.
Não confundamos saudosismo com qualidade. Reencontrar Sir Patrick Stewart em seu papel de maior destaque é como rever um amigo querido que há muito não víamos, resgatar uma parte da memória que mexe com sentimentos afetivos e perdoar deslizes que não ignoraríamos noutras circunstâncias. Podemos apreciar o que "Picard" traz de bom, mas também reconhecer que, em meio a esta nova jornada pelas estrelas, existe muito buraco negro que a equipe de criação nem disfarça tentar tampar. Personagens do tempo da Nova Geração retornam enquanto outros mais são introduzidos - embora desenvolvidos superficialmente - à medida que Picard abandona a produção da vinícola onde aproveita seus anos de aposentadoria, em direção de honrar a memória de seu melhor amigo, o Comandante Data.
É óbvio que quem tiver familiaridade, ao menos, com os quatro filmes da Nova Geração, aproveitará melhor os easter eggs. Contudo, como história de origem de uma tripulação própria, dá para ir sendo apresentado no ritmo sereno da narrativa, igual à personalidade da figura central: um homem que viveu já incontáveis aventuras, agregador, diplomático e que nutre esperança na capacidade das pessoas para o bem.
Pode parecer a resposta da Amazon Prime para Narcos, quando na realidade é a versão nua e crua do vencedor do Oscar Traffic, lembram? Co-desenvolvida e co-dirigida pelo italiano Stefano Sollima (da série Gomorra), pelo dinamarquês Janus Metz (de Borg vs McEnroe) e pelo argentino Pablo Trapero (de Abutres e O Clã), a série é o equivalente a uma bomba-relógio, prestes a estourar, enquanto amarra histórias paralelas ocorridas ao redor do mundo, retratando o funcionamento do comércio da cocaína, a disputa e guerra pelo poder e os danos colaterais provocados naqueles que movimentam as engrenagens do vício. E viciado é como você ficara com 8-episódios, que duram o tempo necessário no ritmo idem para que fiquemos apreensivos e investem no tipo de fotografia granulado e que denota bem o mundo sombrio e desesperançoso em que habitam seus personagens.
E, confesso, aprecio tramas conectadas iguais a este, que revelam como a ação realizada em determinado país provoca consequências naqueles interdependentes, e à medida que avançamos na história - que é simples, se pensarmos bem - vamos estreitando as opções concedidas pelo roteiro, que evita dobrar-se para poupar os personagens do destino que lhes aguarda. E você terá sentimentos de amor e ódio por este elenco afiado e constante, capitaneado pela excepcional Andrea Riseborough (apenas Deus para explicar como esta atriz não está no panteão de Hollywood), e com atuações bastante marcantes de Adriano Chiaramida (Don Minu) e Harold Torres (Manuel), com destaque ainda para Dane DeHaan e Gabriel Byrne, que participa do primeiro episódio apenas. Pra completar, a violência nua e cru e a trilha sonora tornam esta, até então, a melhor série de ficção vista no ano.
Aproveitar-se do outro para lucrar benefício indevido enraivece. Empobrecer muitos para, com isto, encher o bolso de acionistas ou o seu próprio é dos crimes mais hediondos que poderia existir. E, mesmo assim, jamais são punidos exemplarmente, com o idêntico rigor de quem furta uma sacola de pão para alimentar a família. A tática suja do maior banco do mundo, a apropriação do fundo soberano de uma nação, a estratégia desumana do genro de Donald Trump para tapar o buraco causado por uma aposta comercial atrapalhada são temas de episódios que alargam a capacidade do ser humano de agir como canalha para ter mais e mais e mais e mais... é, vocês entenderam.
E depois de escutar os prantos de um idoso, furtado de suas propriedades e economias por causa da má regulamentação da curatela nos Estados Unidos, ou de acompanhar a batalha Davi contra Golias entre uma comunidade no Texas e um megaempreendimento chinês, poluidor contumaz e responsável por matar, pouco a pouco, a natureza e a todos nós, chegamos aquele que para mim é o melhor episódio, Ouro Sujo. O didatismo serve para explicar a lavagem de dinheiro para aqueles que não entendem e a narração de uma garota, cujo rosto não conheceremos, reforça uma vítima invisível do mercado clandestino e, direta ou indiretamente, estimulado por empresários, políticos, banqueiros e todos mais que permitem que o tráfico de drogas continue a enrique impunemente os mercadores da morte. Eita série para mexer comigo, minuto a minuto.
Pelo seu modo de produção, com livros lançados anualmente, não é possível esperar que Stephen King preze sempre pela originalidade, requentando medos bastante semelhantes a obas passadas (It - A Coisa me vem à cabeça, porque a trama repete a história de um ser fantástico que se alimenta de crianças e povoa a mente dos habitantes de uma cidade pacata com medo) e drenando a inspiração dos clássicos da literatura do gênero (Drácula, de Bram Stoker, é a referência da série, com direito ao seu próprio escravo Renfield). Mas isto não impede que os 10 episódios, de cozimento no paciente fogo baixio, recompensem pela maneira com que nos relacionamos com os dramas dos personagens, que, em geral, agem com a racionalidade e a desconfiança que teríamos diante de um caso assim e bem que também apresentam dramas e características que lhes conferem tridimensionalidade. Até Marc Menchaca estabelece, com muito sucesso, um sujeito perturbado e traumatizado com o seu Jack Hoskins, que começamos detestando até estabelecermos uma compaixão em razão de seu gesto final.
Que dizer então de Ben Mendelsohn, o substituto de Gary Oldman na TV e nos cinemas, com uma atuação marcada sutilmente pela tristeza e angústia, ou Cynthia Erivo, decidida em suas convicções e sensível quando a narrativa assim exige. É fácil curtir o ritmo mais compassado da narrativa ou perdoar os momentos clássicos em que um personagem, ao responder as perguntas de outro, passa informações vitais ao público acerca da natureza do tal Cuco em diálogos expositivos. E com sua fotografia lavada, cujas cores não vibram nem chamam a atenção, e a atmosfera opressiva, a narrativa conduz o espectador em direção à caverna da aflição e do desespero até proporcionar, na conclusão, a satisfação de um adeus bem dado.
Escrever também é forma de exorcizar demônios e arrependo-me de, quando mais jovem, em 2005, ter desdenhado de assistir, nos cinemas, a O Segredo da Montanha porque não queria ver "um filme de dois vaqueiros gays". Tenho vergonha de quem era nesta época, e agradeço a vida e ao cinema por me darem a chance de desconstrução com a extirpação da semente do preconceito que poderia crescer. É esta uma das razões de ser essencial esta série documental, ilustrando o histórico da representatividade LGBTQ na televisão americana, desde o período em que os gays eram ridicularizados e ofendidos em horário nobre, tratados como tragédias ambulantes apenas esperando chegar a AIDS ou vistos como vilões imorais cujo destino era a morte. E assistir a criaturas peçonhentas, políticos e religiosos homofóbicos e pessoas desumanas - estes, os vilões da vida real - desqualificarem outros somente por quem escolheram ser e amar é uma das cenas mais degradantes de nós como humanidade.
Por que sair do armário implicaria no backlash? Por que um beijo homossexual merece reprimenda e censura? Por que o sexo gay nas telas é tabu? Questões iguais a esta pulam na cabeça a cada passo na escada extensa da representatividade, não só artística, como aquela capitaneada por pessoas como o político Harvey Milk. Mesmo porque eu, homem branco e heterossexual, não compreenderei exatamente o que significa lutar para poder ser quem se é, contar a própria história ou manter a vida profissional ou a própria vida depois de tê-lo feito, pois a iguais como eu, a vida deu tudo de mão beijada neste sentido e eu cresci vendo pessoas iguais a mim protagonizando aventuras, comédias e histórias de amor. A nós, portanto, cabe a empatia em aceitar o cubo mágico que temos em nossas salas e nossos smartphones como meios de desmonte da desinformação e discriminação pela contação de outras histórias, e a série é certeira em como estabelece sua cronologia, na seleção rica de imagens de arquivos e de depoimentos coletados para que você entre e saía um humano melhor do que antes. Você tem o direito de desligar a série ou passar direto por conteúdo LGTBQ, como eu narrei, perdendo a oportunidade de assistir a histórias engrandecedoras como a obra-prima de Ang Lee. Mas adianto: vale mais a pena ser humano do que ser amargo.
Com menos e mais enxutos episódios do que a temporada anterior, este reencontro com Takeshi Kovacs na capa de Anthony Mackie é também mais objetivo, evitando a salada de subtramas descartáveis e mal-resolvidas e praticamente anulando cenas de sexo que não combinam com a urgência da narrativa, enquanto preserva as consequências violentas das ações dos personagens e permite o debate de temas filosóficos, como a imortalidade como instrumento claro de segregação de classes sociais. Como comentei na crítica da temporada passada, não existe nada narrativa ou visualmente inédito na adaptação dos livros de Richard Morgan, inclusive a característica noir que havia, agora está bem mais diluída e perto do inexistente.
Assim, por mais que a narrativa saiba para onde deseja ir e como irá percorrer o caminho, não há dúvida de que se tornou uma ficção-científica ainda mais genérica do que antes. É competente, sem dúvidas, e cumpre seu papel. Contudo, apenas vai mais além quando se volta a Poe e Dig 301, as inteligências artificiais que revelam mais traços humanos do que os próprios humanos da narrativa. São personagens que florescem pela maneira com que se dedicam, bits e bytes, ao próximo. E por mais que Anthony Mackie esteja bem no papel título, seu Kovacs exibe uma personalidade nitidamente diferente da apresentada por Joel Kinnaman, criando uma incoerência entre as temporadas que só não é mais problemática porque a série mudou tanto de lá pra cá. Como alguém que muda de capa. A série para preencher a lacuna de quem curte ficções-científicas de ação e não se incomoda de rever inspirações e temas melhor discutidos antes.
Imagine The Office, mas dentro do ambiente corporativo da empresa desenvolvedora do popular jogo que intitula a série. Ok, tirado o humor cáustico e sarcástico que as versões norte-americana e britânica tiveram, esta sitcom apresenta personagens extravagantes o bastante para serem irresistíveis em meio a situações absurdamente distante de nós mas que conversam com os problemas do mundo contemporâneo de modo descontraído, leve e necessário. Em certo episódio, p. ex., a equipe precisa encontrar uma forma de expulsar jogadores neonazistas do game e, à medida que bolam estratégias, terminam por pontuar a assustadora quantidade de grupos de ódio existentes e qual a melhor forma de derrotá-los (impedindo que estes tenham voz, por isso evito bater-boca com trolls assim, já que é isto que desejam). Noutro episódio, o mundo tóxico dos games é exposto pelo modo como as mulheres gamers sofrem agressões misóginas e machistas.
Tudo isto com um bom humor afiado para que a crítica seja aceita com maior facilidade. É como um xarope adocicado, cujo gosto amargo é substituído pelo adocicado, embora seja ainda eficaz como medicamento. E, despretensiosamente, esta série começa a conquistar o público e, sem que percebamos, estamos carentes porque os seus 9 episódios passam rápido demais.
Nenhuma viva alma discordará de quão é chocante este documentário! Ao exibir fotos de Gabriel Fernandez, um garotinho de 8 anos, violentamente torturado e morto pela mãe e padrasto, a direção de Brian Knappenberger toma a rota mais fácil e decepciona aqueles que desejavam, pela própria premissa da minissérie, que fosse explorado mais sobre um cenário que permite que casos iguais a este se multipliquem em Los Angeles. Dedicar a maior parte do tempo ao julgamento de Isauro e Pearl e sublinhar todas as torturas físicas e psicológicas por que Gabriel passou mexem com o brio do espectador, pois claro somos humanos, mas não servem à investigação contra a negligência criminosa do Estado.
A minissérie sempre fica interessante quando desvia o foco do tribunal e das narrativas já conhecidas que, obviamente, conduzirão Isauro e Pearl à condenação, e passa a verter o olhar aqueles que, diante de absurdas evidências diárias de maus tratos, teriam o dever de agir para resgatar o garoto do lar abusivo onde estava. Alguns poderiam ter feito mais do que fizeram - como familiares e professores -; outros tinham dever legal de agir, porém não o fizeram. Este é o tema do documentário, como autoridades e cidadãos fecham os olhos à violência sofrida pela juventude, e ao negligenciar mergulhar de cabeça sobre isto que mexe no vespeiro dos poderosos e dividir atenção com os pais, Brian Knappenberger terminou por escolher o caminho menos louvável: aquele que recompensa nosso instinto óbvio de ver justiça sendo feita, mas não massageia nosso intelecto satisfatoriamente.
Oi, Carrie, A Estranha. Com o corte de cabelo baixo, o corpo ensaguentado já no primeiro minuto e problemas da puberdade, a Sydney de Sophia Lillis - em estágio para ser a nova Jean Grey dos X-Men da Disney/Marvel - não deve muito à célebre personagem da obra de Stephen King e eternizada por Sissy Spacek. E, em 7 episódios curtos que funcionam na mesma vibe de "The End of the F***ing World", a série nos apresenta à típica colegial norte-americana, com problemas familiares, financeiros e emocionais a ponto de ser uma panela de pressão prestes a extravasar de tanto sentimento reprimido. Sophia é uma atriz talentosa capaz de conferir traços inéditos a uma personagem a cujo drama já assistimos em filmes melhores anteriormente, bem como são interessantes os coadjuvantes, embora não apresentam absolutamente nada de inovador.
A trama também não pretende oferecer nada de novo, empregando ainda a pressão típica de um baile de formatura para encenar seu clímax - igual a, cof cof, Carrie - e estabelecer o palco perfeito para os recém descobertos superpoderes de Sydney. Dá para maratonar numa sentada, curtir a boa seleção musical e apreciar certas decisões estilísticas, porém nem mesmo estas posso afirmar serem criações para a série, pois em muito semelhantes à já citada série de Jonathan Entwistle. Fico na torcida para que o desfecho chocante - mas não inesperado - abra portas em matéria de desenvolvimento dos personagens e de criação de uma segunda temporada verdadeiramente original.
Existe conforto no fim quando se está em paz consigo mesmo. É o que aconteceu com The Good Place, que nunca tentou ser mais do que idealizada por Michael Shur - uma comédia irreverente e existencialista - e soube encerrar sua existência no instante mais apropriado, sem um episódio a mais ou a menos. Por 12 capítulos, esta temporada final apresentou momentos profundos e divertidos em igual medida, enquanto Eleanor - sem Chidi -, Michael e os demais tentaram estabelecer uma experiência para comprovar que medir a conduta humana por boas ações não é a melhor maneira de prova para aferir se estavam se transformando em pessoas boas. Tudo isto com a comédia absurda e bem refinada, marca registrada de até então.
Mas aí chegamos no capítulo final, dirigido pelo próprio criador Michael Shur. E, em seus 54 minutos, a série nos convida a experimentar o gosto agridoce do fim perfeito. À medida que nos despedimos de personagens que continuariam sendo agradáveis ainda que numa vigésima temporada, aprendemos em que consiste o prazer de estar vivo: a morte. Não o evento propriamente dito, mas sua iminência. É isto o que confere relevância a cada dia, a cada nascer do sol, saber que amanhã podemos não estar mais aqui para experimentar mais isto. Esta verdade é revelada de modo cômico - não seria diferente -, mas ilustrando o poder criativo do humor como forma de discutir questões filosóficas maiores, que é isto que tem sido feito desde o primeiro episódio. E quando nos espantamos, já estamos meio caminho engasgados com pedaços do nosso próprio coração, rasgados a cada adeus de uma premissa inteligentíssima, de personagens por quem sentimos imenso carinho e de uma série que não temeu em aceitar o momento de parar.
Nazista bom é nazista...? Já sabemos a resposta da pergunta. Este também é o desejo da equipe multi-étnica encabeçada por Al Pacino: caçar os sobreviventes do regime de Hitler, que fugiram aos Estados Unidos e se esconderam no meio da sociedade democrática que detestavam, onde contaminam, no baixo ou alto escalão, as decisões tomadas em prol de todos. Não se engane, a série aparenta ser uma fábula dos anos 70 apenas como a forma para disseminar sua metáfora de que as sociedades mundiais, ainda hoje, estão cheias de vírus nazistas. É por isto que, entre os episódios, há esquetes irreverentes, p. ex. um jogo de adivinhação em que o apresentador quebra a quarta parede para perguntar a cada um de nós por que odiamos os judeus (nesta toda, negros, homossexuais e outros). Assim, a narrativa discute seus temas atuais - política de ódio e intolerância e de não inclusividade -, usando ainda diálogos brilhantes, como aquele em que um nazista ensina a culpabilizar um negro porque eles sempre levam a culpa de tudo.
Ao mesmo tempo, a irreverência está misturada com muita violência e vingança, e quem não gosta desta, certo? Seus personagens são interessantes, cada um a própria forma e conteúdo cunhado desde os campos de concentração, com as influências do cinema dos anos 70 evidentes nos grandes letreiros e no estilo que muitos chamarão de Tarantinesco (como se Tarantino houvesse inventado o cinema e não explorado o que já existia para ter uma linguagem própria, né?). Aliás, confesso, existe uma homenagem ao diretor em uma cena que parece saída de Bastardos Inglórios. Além disso, podemos sentir os dramas de cada um, em especial do ótimo Logan Lerman, que contrasta com outro jovem, o também de destaque Greg Austin, e enxergamos dois tipos de juventude: uma que fomenta o ódio, outro, a vingança. E a série ensina que alimentar esta é como colher tempestades, dando a deixa de que a solução para encontrar paz consigo mesmo é não se deixar consumir por este ímpeto. Mas com uma reviravolta igual a dos 20 minutos finais, melhor deixar este tema ferver por mais algumas temporadas, não é mesmo?
A gente não valoriza o tanto que deveria esta série da Netflix, que manteve a consistência e padrão de qualidade temporada por temporada, combinando fatos, alguns documentais, e a licença dramática para narrar a história dos cartéis mexicanos. Continuando de onde a temporada passada encerrou - o assassinato de Kiki -, a trama está ainda mais intrincada ao por no jogo os chefões de cada praça (Tijuana, Sinaloa, Juaréz etc), federalizados sob o jugo do 'Poderoso Chefão' Félix Gallardo. Diego Luna permite enxergarmos insegurança em como cria o gângster clássico: aquele que evita sujar o terno de sangue e, quem sabe, acredita ser um CEO gerenciando uma firma multi-bilionária que comercializa produtos de interesse da população. E é curioso como, às vezes, chegamos a torcer por ele, diferente de quando acompanhávamos Pablo Escobar ou os Cavalheiros de Cali. Contrariamente, o agente da DEA vivido por um Scoot McNairy toma decisões que parecem imorais, embora sejam necessárias para vencer a guerra das drogas. E que ambos sejam comparados aos clássicos Scarface e Serpico, personagens interpretados por Al Pacino, é um resumo bem do que trata a trama.
Que é, acima de tudo, intrincada de tal maneira que chegamos a perder as estribeiras de quem comanda qual praça e qual o interesse naquele momento. Isto ainda é misturado a uma subtrama política bastante contemporânea - as drogas financiando as campanhas -, e mesmo a aspectos semi-shakespeareanos, como o romance envolvendo Pablo Acosta e Mimi. Tudo isto sem abrir mão da violência explícita praticada pelos cartéis e as viradas do roteiro, que vem e vão como alianças são formadas e desintegradas, levando à conclusão estarrecedora e realista feita na conversa (ficcionalizada, evidente) entre Félix e Walt de como a cadeia de ações resultaria no que é hoje a epidemia mexicana.
Com a colaboração de M. Night Shyamalan na direção de 2 dos 9 episódios, a série de terror da Apple+ é o equivalente a uma agulha de coleta de sangue. Até suportamos o incômodo que provoca, mas jamais conseguimos esquecer que a agulha está dentro de nós. Esta sensação aflitiva é misturada ao macabro da trama propriamente dita, enquanto descobrimos a história dos Turner e por que seu Jericó é um bebê de brinquedo. Contar além disto significaria soltar spoilers desnecessários; apenas saiba que a chegada de uma babá fundamentalista altera a rotina da família. O tom da direção de Shyamalan é herdado pelos demais diretores da série, que mimetizam a câmera que se move com discrição e sutileza e permanece sempre bastante perto dos personagens, em primeiríssimos planos desconfortáveis.
E o roteiro estabeleça personagens cujas características seminais acolhem, com carinho, metáforas: Sean, chefe de cozinha, perdeu o paladar e apela à esposa ou mesmo à babá para ser sua provadora de pratos; Dorothy, jornalista, cuja filmoteca é um templo para si mesma, é a única capaz de enganar-se e não enxergar o óbvio diante de si. Entre eles, a própria casa de múltiplos andares é um personagem que também dialoga com a narrativa, apresentando-nos a seus cômodo como alguém faria à medida que fôssemos conhecendo suas nuances. Episódios de 30 minutos, refinadamente construídos para provocarem mais do que assustarem, levam a narrativa até o desfecho que, embora pareça um anticlímax por não explicar todos os pormenores da trama (aliás, por que precisaria?), resolve o mistério familiar e deixa os mais fantásticos para as temporadas seguintes. E a agulha, bem, que alívio tirá-la.
A pergunta parece retórica, pois um dos assassinos condenados pela morte do ativista negro é também confesso. Entretanto, ainda que existam incertezas não solucionadas, creio que a finalidade do documentário seja demonstrar que MUITOS contribuíram, de alguma forma a esta tragédia. E a minissérie faz um bom trabalho em resgatar quem foi Malcolm X e sua importância para o movimento negro dos anos 50 / 60, servindo como um contraponto, quer dizer, um complemento a Martin Luther King. Se este pregava (até por ser pastor) a harmonia e conciliação como instrumentos de combate à segregação e ao racismo, Malcolm X não defendia o gesto de virar a outra face, afinal, os brancos não faziam isto; também não defendia o perdão porque os brancos não o buscavam. Sua mensagem era mais raivosa em defender a violência como forma de enfrentar os supremacistas brancos. Ante as agressões sofridas por seus irmãos, quem pode afirmar que estava errado?
Assim, o documentário é um meio de entrar em contato com a palavra de Malcolm X, até hoje viva diante de injustiças étnicas, raciais e humanas, e testemunhar como o poder do Estado (no caso, o FBI de Hoover) contribuiu para o assassinato e também para a perícia negligente, para assim dizer o mínimo. Ainda apresenta o surgimento do islamismo dentro dos EUA e o legado deixado pelo líder, mesmos 6 décadas após sua morte.
Kingdom (2ª Temporada)
4.3 146Zumbis já foram usados de todos os modos possíveis e imagináveis no cinema, e mesmo que a metáfora da seria sul-coreana não seja inovadora - os mortos-vivos como resultado do descaso criminoso dos poderosos em relação aos pobres, esfomeados e doentes -, a execução da série não merece menos do que muitos aplausos. Ao ignorar a necessidade imediata de gerar fã service e substituir isto pela consistência narrativa, que conquista não pela superficialidade de cenas apoteóticas, mas pela construção dos eventos em torno de sua clímax, a série ensina, muito bem, por que tipos como La Casa de Papel falham como arte, embora gerem engajamento imediato. Aqui, a trama não se dobra aos personagens e como são percebidos pelo público, mas o contrário, estes agem em benefício daquela, alimentando o sentimento de que a) ninguém está a salvo e b) as decisões tomadas serão lógicas e, por isto, envolventes.
Sua reconstrução de época é exemplar, convidando-nos à Dinastia Joseon que iniciou em meados do século XIV até o final do século XIX; seu terror é autêntico, investindo bastante no gore e na violência como alternativas eficientes para retratar o desespero daqueles que tentam evitar ser mordidos e, pior, transformados em criaturas iguais àquelas. E enquanto Bae Doona e Ju-Ji-Hun estão irrepreensíveis como os heroicos personagens-centrais, Kim Hye Jun é o tipo de vilã que adoramos odiar. Se a série tropeça, é só na lógica interna que rege a contaminação e os pontos fracos dos zumbis, revelados ao longo do desenrolar da trama que culmina, porém, no tipo de desfecho que já nos deixa ansiosos para saber a data da próxima temporada.
The Looming Tower
3.9 25Deixei meu queixo no chão muitas vezes enquanto assistia a este elenco talentoso e incrível de atores que, muitas vezes são mal aproveitados em papéis coadjuvantes, tomar as rédeas da narrativa que relata os fatos reais que culminaram, por omissão, no atentado de 11 de setembro. Explico: a CIA e o FBI tinham informações sólidas de que Osama Bin Laden estava planejando atacar os Estados Unidos e, por questões internas de rivalidade, terminaram por sonegar informações que poderiam ser cruciais para impedir o ato terrorista. A série é ligada em 220 Volts enquanto seus personagens caminham para cima e para baixo, criando tensão a partir de diálogos mais cortantes que arame farpado, ou em viagens internacionais a países predominantemente muçulmanos a fim de tentar cortar pela raiz o Al Qaeda. E é impressionante percebe sua fidelidade a fatos, cortesia do documentarista vencedor do Oscar e co-criador da minissérie Alex Gibney.
Mais importante também é perceber como o islamismo não é o vilão, mas as pessoas que o subvertem para atender suas agendas. O interrogatório comandado por Tahar Rahim, o excepcional ator francês de O Profeta, de um terrorista preso, com base no ensinamento do Alcorão resume perfeitamente que a série não está criticando esta ou aquela religião - pelo contrário, tenta justapor o cristianismo de John O'Neil e o islamismo de Ali Soufan como se fossem, no final das contas, a mesma tentativa de encontrar refúgio para os problemas que assolam a alma. Ao abrir mão do maniqueísmo, a minissérie permite que os personagens sejam mais do que pensávamos ser, e ao reunir um elenco robusto, com Peter Sarsgaard, Bill Camp, Alec Baldwin e o conciliador Michael Stuhlbarg, torna esta história real de omissão criminosa, eu diria, em uma experiência gratificante de disputa por poder onde esta não deveria existir.
Avenue 5 (1ª Temporada)
3.2 26 Assista AgoraComédia... o gênero pode ser o subjetivo quanto for, quer dizer, o que é engraçado para mim, pode não ser para você, mas é relevante observar como o diretor Armando Iannucci tem empregado seus filmes para transformar o humor em ferramenta de discussão social de um microcosmos da sociedade sob estresse máximo (como ocorreu em In the Loop e no recente A Morte de Stalin), levando-o a tomar decisões atrapalhadas e bem humoradas mesmo quando estas estão fundadas na tragédia. A cena, p. ex., em que passageiros não acreditam nas ordens superiores por conta de notícia falsa e tentam "sair" da espaçonave apenas para serem engolidos pela vastidão do cosmos é uma prova de como pode haver crítica e sátira mesmo em momentos cruéis. Tudo depende de como se conta a história.
Armando não tem carência de atores comprometidos em sua visão - Hugh Laurie, o Dr. House, está divertido como o capitão falso, enquanto Josh Gad emprega seus excessos de um jeito praticamente infantil. A narrativa namora o estilo semi-documental, como The Office, com a câmera captando instantes inusitados e constrangedores, enquanto realiza um zoom durante a ação, como se dissesse para si mesmo, "opa, vamos aproximar disto aqui". Além disto, a narrativa discute, a sua maneira, a cultura da celebridade, a estupidez de parte da camada mais rica da sociedade, a religião como ópio do povo etc, e quando você vir o rosto de um líder religioso bastante querido, iluminado em um monte de merda espacial (literalmente) e atraindo fiéis, você sabe que não está com uma comédia típica.
Treadstone (1ª Temporada)
3.7 8 Assista AgoraNão acredito que haja muito mais a ser explorado no projeto Treadstone, ou mesmo no projeto Blackbriar, além do que o cânone cinematográfico já realizou, em três produções que redefiniram certos aspectos do gênero de ação (a trilogia Jason Bourne: Identidade, Supremacia e Ultimato) e outros dois excedentes, mas não de todo descartáveis (Legado e Jason Bourne). É igual a esta série, que tem como qualidade o fato de investir em lutas coreografadas e em perseguições de carro na mesma pegada da série de filmes, embora careça de um personagem-central intenso como era Matt Damon e tenha a pretensão de, exclusivamente, chover no molhado quando o assunto são os assassinos programáveis.
Ou seja, o compromisso é apenas para os fãs duro de matar do gênero, com sequências competentes e bem executadas por todos os episódios, embora a sensação final seja de que faltou algo: a direção de Paul Greengrass, que tinha o controle absoluto da agilidade e energia das sequências montadas com cortes velocíssimos, mas não incompreensíveis; a fotografia adiamantada de Oliver Wood, substituída pela fotografia chapada e tradicional da televisão. Também me incomodaram o excesso de personagens e de linhas narrativas confusas e mal-resolvidas, culminando em uma série cujo maior atrativo seja transportar, da forma como pode, sequências de ação do cinema à televisão. Nada mais.
Ozark (3ª Temporada)
4.4 316Na esteira de dramas criminais como Breaking Bad, Ozark sempre bateu na trave. Nunca deixou de ser envolvente, porque existe algo assim em personagens imorais e criminosos dispostos a realizar o necessário para sobreviver e proteger os seus. Além disto, sempre houve imenso talento detrás das câmeras que tornou os arredores do lago que dá nome à série um ambiente hostil (a paleta azulada que recobre a fotografia é a marca registrada e o avesso do cartão-postal). Grandes atores, como são Jason Bateman, Laura Linney, Julia Garner, tornaram convincente a trajetória de crimes, com poças de sangue que nem Marty seria capaz de lavar igual realiza com o dinheiro do tráfico de drogas de cartel mexicano. Assim, a série manteve-se constante, com reviravoltas bem planejadas e executadas, mas não atingiu o nível de grandeza que alcança no penúltimo episódio da temporada...
O tipo de episódio que toda série precisa para que, ao olharmos para trás, saibamos por que investimos tempo e sentimento em personagens que, a princípio, não mereciam isto. Ao introduzir o irmão de Wendy, interpretado por Tom Pelphrey, a série aumenta a aposta colocando, naquele ninho de cobras, um sujeito cuja integridade e moral aliados à doença psíquica formam um componente explosivo dentro daquele contexto. Laura Linney, mais do que Jason Bateman, brilha no relacionamento afetuoso e também conflituoso com Ben, ao passo que Janet McTeer está ainda mais segura como o liame dos Byrde e o cartel de Omar Navarro, sem pudor em trair quem quer que seja para salvar a própria pele. Com o apetite de quem deseja não ser apenas ótima, mas inesquecível, Ozark costura tramas e eventos que, quando menos esperamos, estão prestas a se interligar de forma inesperada e acachapante, tornando esta a melhor das três temporadas, e aquela que pavimenta um caminho de espinhos para as temporadas finais.
La Casa de Papel (Parte 4)
3.7 658 Assista AgoraA esta altura, La Casa de Papel não resolverá suas contradições, nem seus defeitos. Os fãs não se importam com isto, então por que Álex Pina mudaria esta fórmula que provou ser vantajosa? A popular série espanhola é o resultado obtido em deixar fãs governarem as decisões criativas, em vez da arte como a única regente possível. Qual o resultado? Reviravoltas dependentes de sorte e de muitos e imprevisíveis comportamentos pessoais, a suspensão de descrença destoante da "genialidade" do Professor (ora, se o plano é tão inteligente, por que preciso aceitar absurdos e conveniências?), um desenvolvimento de personagens picareta, que abusa de soluções novelescas, conselhos amorosos, DRs ou que molda o passado para encaixar no presente - mesmo que isto não faça sentido - e a personalidade dos criminosos incoerentemente entre episódios a bel prazer da trama. E tempo narrativo é uma lição que Álex precisa aprender, pois nunca sabemos quantos dias se passaram dentro do Banco da Espanha: 4, 5 dias? Mas se for assim, como o Professor é capaz de enviar Marselha à Argélia, organizar a produção e afixação de pôsteres sobre um evento da trama, aglutinar mineradores, tudo em sintonia com o assalto?
Ah, é entretenimento! O Plano Perfeito também é e não precisa tratar a nossa inteligência como a de alguém impressionável por algo que Masterchef faz melhor: misturar uma trilha explosiva, cortes bruscos, gritaria, nervosismo e urgência, para construir sequências tensas pela forma, não por mérito. Onde existe mérito em Tokyo realizar cirurgia complexa e que médicos exigem uma década de conhecimento? Em ter um boina verde, igual a ele, Rambo, incapaz de matar personagem desacordada e acamada, de acertar um dos 5000 tiros disparados, de ser ingênuo o bastante em virar as costas e entregar sua vida a quem não deveria confiar? Em inserir flashbacks que estragam mais as Partes 1 & 2, pois se o Professor estava convencido da importância de infiltrar um aliado nos reféns (embora não sirva de nada), por que não tomou esta decisão no assalto à Casa da Moeda? Enquanto assistia, incrédulo com o que passava diante dos meus olhos, à cena ambientada no céu (?!), chegava à conclusão final de que Álex Pina crê mesmo que seus Dalís são heroicos e merecedores de redenção. Merecem a idolatria daqueles que os enxergar como Robin Hood - embora são apenas egoístas - e dos fãs. Merecem mesmo?
This Is Us (4ª Temporada)
4.6 271 Assista AgoraEngraçado: This Is Us não tem dificuldade em conciliar múltiplas linhas narrativas íntegra e coerentemente, ou ao menos não comete erros visíveis que chamem a atenção e tirem o espectador da experiência de acompanhar a árvore genealógica criada por Jack e Beca criar ramos fortes e longos, e estes, os seus próprios. Entretanto, a série tem tido imensa dificuldade nesta e na temporada passada em tornar seus eventos relevantes ou explorá-los de maneira que não pareçam apenas barrigas para completar a temporada. De novo, o segmento de Kevin é o mais desinteressante, não pelos problemas serem menos graves (alcoolismo, dificuldade de aceitação de si próprio, busca do amor verdadeiro etc), porém pela difícil encruzilhada percorrida pelo roteiro, passeando pelo relacionamento pedregoso com seu Tio Nicky, por romancezinhos com amores do passado e do presente e rixas com Randall, sugeridas desde a infância / adolescência, e agora realizadas bruscamente. Mas também a subtrama de Kate apresenta solavancos na introdução de conflitos envolvendo Toby - lembram de como o vimos no episódio final da temporada passada? -, que somente serve para evidenciar que a série tem perdido o tônus de gestar dramas individuais com a mesma força que faz coletivamente ao tratar os Pearsons com uma entidade só.
Por outro lado, existem momentos geniais, como os episódios inicial e final - misteriosos em como introduzem personagens naquela família - e os episódios trigêmeos intitulados "A Hell of Week". Enquanto os dramas nas três primeiras temporadas tinham raízes bem fundas na morte precoce do patriarca, Jack, esta agora enxergar em Beca seu propósito em manter a jornada de autoconhecimento, (re)descoberta e ação de uma família, cujas alegrias e tristezas são as chaves para entender, pela ficção, a vida aqui fora.
A Máfia dos Tigres (1ª Temporada)
4.0 219Se alguém comentasse com você sobre esta trama e dissesse que era ficção, você daria de ombros. Chamaria de inverossímil, forçado, viajante, escolha o adjetivo. Mas, quantas vezes preciso repetir que a vida real é mais estranha do que a ficção? Com reviravoltas a cada 5 minutos, a maioria destas surpreendente, a rixa entre o dono de um zoológico no interior dos Estados Unidos, Joe Exotic, e a defensora dos felinos, Carole Baskin, rende uma experiência fascinante em analisar como valores humanos podem se degradar por motivos egoísticos (fama, ganância, pirraça etc). Por maiores que sejam as ressalvas que possuamos, acreditamos que Joe ama os tigres que enjaula e que deseja gerar empatia da população para auxiliar na proteção destes predadores - cuja população em liberdade é menor do que (pasmem) em cativeiro -, enquanto Carole surge como o melhor tipo de hipócrita: a que tenta convencer seu séquito de seguidores de que não realiza o MESMO que Joe, em situações ainda piores.
Mais tridimensionais do que estes personagens, não há, ainda mais quando conhecemos os esqueletos que cada um deles possui no armário, como a suspeita de que Carole seja a responsável pela morte do ex-marido (milionário) ou de que Joe e outros criadores tão fascinantes quanto ele usam os tigres como forma de exercer poder e atração sexual. À medida em que a batalha afunila em direção ao catártico e inesperado desfecho, os tigres, que deveriam ser o objeto de proteção de ambos, acabam escanteados, na triste ironia de que, enquanto a humanidade briga entre si, a natureza perece.
Freud (1ª Temporada)
3.0 186 Assista AgoraPor não gestar expectativas, costumo ser apanhado de surpresa por narrativas iguais a esta e, sim, ao lado do cuidadoso trabalho de reconstrução da Áustria do século XIX, este é o maior trunfo desta série que não pretende biografar o médico neurologista e psiquiatra e pai da psicanálise Sigmund Freud, mas empregá-lo como um assistente da investigação policial de crimes cometidos por um assassino em série e ainda de uma conspiração para assassinar o monarca do império austríaco. Oi? Incredulidade é um sentimento constante no seriado alemão, primeiro ao escalar Freud para ser a versão de Sherlock Holmes com um problema materno, depois por tentar reproduzir a mesma vibe de O Alienista, aqui com a adição ainda de elementos sobrenaturais misturados a definição, bem pobrezinha, dos pontos centrais estudados por Freud.
As atuações são, quando muito, bidimensionais: quem interpreta os mocinhos têm mais sorte, como o inspetor Georg Friedrich, cuja aparência de zero amigos não significa que não tenha os fins nobres exigidos de sua profissão. E a lealdade de Franz Poschacher a este amigo aumenta as apostas em relação a estes personagens nos episódios finais. Já Fleur e Freud não têm muito o que fazer, enquanto os vilões, nossa, poderiam ser menos caricatos? Mas, curiosamente, a série ainda é intrigante e convidativa, não tanto para que descubramos seus mistérios (óbvios, geralmente), e sim para percebermos a elasticidade da arte em inserir um personagem histórico em thriller policial, onde jamais imaginaríamos assisti-lo. Eu não assistiria a uma segunda temporada, embora não seja por isto que não vá reconhecer que esta fora uma experiência... inesperadamente inusitada.
Carta ao Rei (1ª Temporada)
2.7 26 Assista AgoraNão tenho problema nenhum com filmes ou séries voltados ao público infanto-juvenil. Pelo contrário, gosto bastante, sobretudo quando respeitam que a idade não é o equivalente a infantilidade, no sentido pejorativo. Com coadjuvantes que preferem soltar frases de efeito ou piadinhas ao invés de reconhecer a seriedade da jornada, ao estilo Senhor dos Anéis e cuja comparação encerra aí, a narrativa estabelece ainda vilões incompetentes o bastante a ponto de serem incapazes de capturar jovens que mal conseguem empunhar espadas e escudos, não por méritos destes ou de poderes mágicos, mas por situações tolas criadas pelo roteiro. Funcionaria se estivéssemos tratando de uma comédia, não de uma aventura fantástica onde não há espaço para este tipo de humor. Além disto, onde deveria haver o desenvolvimento de personagens, há somente um vazio de propósitos e motivações apto a levar a história de um ponto a outro e criar o antagonismo luz e escuridão que rende um dos efeitos especiais mais tacanhas de tempos recentes.
Ruby Ashbourne Serkis, filha de Andy Serkis (que aparece no segundo episódio), é quem está melhor e mais apta a brilhar graças à reviravolta que o roteiro lhe proporciona, um dentre os raros pontos positivos juntamente com a escolha de locações, que passeia por cenários medievais da Grã-Bretanha para construir o design de produção da narrativa (que, ainda assim, apela a efeitos computadorizados para preencher o restante, criando cenas embaraçosas, como aquela em que a cidade é vista do alto e podemos enxergar o green screen). Uma fantasia que poderia ser ingênua, caso assim desejasse, mas é só infantil. E não positivamente.
Star Trek: Picard (1ª Temporada)
3.8 53 Assista AgoraNão confundamos saudosismo com qualidade. Reencontrar Sir Patrick Stewart em seu papel de maior destaque é como rever um amigo querido que há muito não víamos, resgatar uma parte da memória que mexe com sentimentos afetivos e perdoar deslizes que não ignoraríamos noutras circunstâncias. Podemos apreciar o que "Picard" traz de bom, mas também reconhecer que, em meio a esta nova jornada pelas estrelas, existe muito buraco negro que a equipe de criação nem disfarça tentar tampar. Personagens do tempo da Nova Geração retornam enquanto outros mais são introduzidos - embora desenvolvidos superficialmente - à medida que Picard abandona a produção da vinícola onde aproveita seus anos de aposentadoria, em direção de honrar a memória de seu melhor amigo, o Comandante Data.
É óbvio que quem tiver familiaridade, ao menos, com os quatro filmes da Nova Geração, aproveitará melhor os easter eggs. Contudo, como história de origem de uma tripulação própria, dá para ir sendo apresentado no ritmo sereno da narrativa, igual à personalidade da figura central: um homem que viveu já incontáveis aventuras, agregador, diplomático e que nutre esperança na capacidade das pessoas para o bem.
ZeroZeroZero (1ª Temporada)
4.3 21 Assista AgoraPode parecer a resposta da Amazon Prime para Narcos, quando na realidade é a versão nua e crua do vencedor do Oscar Traffic, lembram? Co-desenvolvida e co-dirigida pelo italiano Stefano Sollima (da série Gomorra), pelo dinamarquês Janus Metz (de Borg vs McEnroe) e pelo argentino Pablo Trapero (de Abutres e O Clã), a série é o equivalente a uma bomba-relógio, prestes a estourar, enquanto amarra histórias paralelas ocorridas ao redor do mundo, retratando o funcionamento do comércio da cocaína, a disputa e guerra pelo poder e os danos colaterais provocados naqueles que movimentam as engrenagens do vício. E viciado é como você ficara com 8-episódios, que duram o tempo necessário no ritmo idem para que fiquemos apreensivos e investem no tipo de fotografia granulado e que denota bem o mundo sombrio e desesperançoso em que habitam seus personagens.
E, confesso, aprecio tramas conectadas iguais a este, que revelam como a ação realizada em determinado país provoca consequências naqueles interdependentes, e à medida que avançamos na história - que é simples, se pensarmos bem - vamos estreitando as opções concedidas pelo roteiro, que evita dobrar-se para poupar os personagens do destino que lhes aguarda. E você terá sentimentos de amor e ódio por este elenco afiado e constante, capitaneado pela excepcional Andrea Riseborough (apenas Deus para explicar como esta atriz não está no panteão de Hollywood), e com atuações bastante marcantes de Adriano Chiaramida (Don Minu) e Harold Torres (Manuel), com destaque ainda para Dane DeHaan e Gabriel Byrne, que participa do primeiro episódio apenas. Pra completar, a violência nua e cru e a trilha sonora tornam esta, até então, a melhor série de ficção vista no ano.
Na Rota do Dinheiro Sujo (2ª Temporada)
4.0 2 Assista AgoraAproveitar-se do outro para lucrar benefício indevido enraivece. Empobrecer muitos para, com isto, encher o bolso de acionistas ou o seu próprio é dos crimes mais hediondos que poderia existir. E, mesmo assim, jamais são punidos exemplarmente, com o idêntico rigor de quem furta uma sacola de pão para alimentar a família. A tática suja do maior banco do mundo, a apropriação do fundo soberano de uma nação, a estratégia desumana do genro de Donald Trump para tapar o buraco causado por uma aposta comercial atrapalhada são temas de episódios que alargam a capacidade do ser humano de agir como canalha para ter mais e mais e mais e mais... é, vocês entenderam.
E depois de escutar os prantos de um idoso, furtado de suas propriedades e economias por causa da má regulamentação da curatela nos Estados Unidos, ou de acompanhar a batalha Davi contra Golias entre uma comunidade no Texas e um megaempreendimento chinês, poluidor contumaz e responsável por matar, pouco a pouco, a natureza e a todos nós, chegamos aquele que para mim é o melhor episódio, Ouro Sujo. O didatismo serve para explicar a lavagem de dinheiro para aqueles que não entendem e a narração de uma garota, cujo rosto não conheceremos, reforça uma vítima invisível do mercado clandestino e, direta ou indiretamente, estimulado por empresários, políticos, banqueiros e todos mais que permitem que o tráfico de drogas continue a enrique impunemente os mercadores da morte. Eita série para mexer comigo, minuto a minuto.
The Outsider
3.7 228 Assista AgoraPelo seu modo de produção, com livros lançados anualmente, não é possível esperar que Stephen King preze sempre pela originalidade, requentando medos bastante semelhantes a obas passadas (It - A Coisa me vem à cabeça, porque a trama repete a história de um ser fantástico que se alimenta de crianças e povoa a mente dos habitantes de uma cidade pacata com medo) e drenando a inspiração dos clássicos da literatura do gênero (Drácula, de Bram Stoker, é a referência da série, com direito ao seu próprio escravo Renfield). Mas isto não impede que os 10 episódios, de cozimento no paciente fogo baixio, recompensem pela maneira com que nos relacionamos com os dramas dos personagens, que, em geral, agem com a racionalidade e a desconfiança que teríamos diante de um caso assim e bem que também apresentam dramas e características que lhes conferem tridimensionalidade. Até Marc Menchaca estabelece, com muito sucesso, um sujeito perturbado e traumatizado com o seu Jack Hoskins, que começamos detestando até estabelecermos uma compaixão em razão de seu gesto final.
Que dizer então de Ben Mendelsohn, o substituto de Gary Oldman na TV e nos cinemas, com uma atuação marcada sutilmente pela tristeza e angústia, ou Cynthia Erivo, decidida em suas convicções e sensível quando a narrativa assim exige. É fácil curtir o ritmo mais compassado da narrativa ou perdoar os momentos clássicos em que um personagem, ao responder as perguntas de outro, passa informações vitais ao público acerca da natureza do tal Cuco em diálogos expositivos. E com sua fotografia lavada, cujas cores não vibram nem chamam a atenção, e a atmosfera opressiva, a narrativa conduz o espectador em direção à caverna da aflição e do desespero até proporcionar, na conclusão, a satisfação de um adeus bem dado.
Visible: Out on Television
4.6 6 Assista AgoraEscrever também é forma de exorcizar demônios e arrependo-me de, quando mais jovem, em 2005, ter desdenhado de assistir, nos cinemas, a O Segredo da Montanha porque não queria ver "um filme de dois vaqueiros gays". Tenho vergonha de quem era nesta época, e agradeço a vida e ao cinema por me darem a chance de desconstrução com a extirpação da semente do preconceito que poderia crescer. É esta uma das razões de ser essencial esta série documental, ilustrando o histórico da representatividade LGBTQ na televisão americana, desde o período em que os gays eram ridicularizados e ofendidos em horário nobre, tratados como tragédias ambulantes apenas esperando chegar a AIDS ou vistos como vilões imorais cujo destino era a morte. E assistir a criaturas peçonhentas, políticos e religiosos homofóbicos e pessoas desumanas - estes, os vilões da vida real - desqualificarem outros somente por quem escolheram ser e amar é uma das cenas mais degradantes de nós como humanidade.
Por que sair do armário implicaria no backlash? Por que um beijo homossexual merece reprimenda e censura? Por que o sexo gay nas telas é tabu? Questões iguais a esta pulam na cabeça a cada passo na escada extensa da representatividade, não só artística, como aquela capitaneada por pessoas como o político Harvey Milk. Mesmo porque eu, homem branco e heterossexual, não compreenderei exatamente o que significa lutar para poder ser quem se é, contar a própria história ou manter a vida profissional ou a própria vida depois de tê-lo feito, pois a iguais como eu, a vida deu tudo de mão beijada neste sentido e eu cresci vendo pessoas iguais a mim protagonizando aventuras, comédias e histórias de amor. A nós, portanto, cabe a empatia em aceitar o cubo mágico que temos em nossas salas e nossos smartphones como meios de desmonte da desinformação e discriminação pela contação de outras histórias, e a série é certeira em como estabelece sua cronologia, na seleção rica de imagens de arquivos e de depoimentos coletados para que você entre e saía um humano melhor do que antes. Você tem o direito de desligar a série ou passar direto por conteúdo LGTBQ, como eu narrei, perdendo a oportunidade de assistir a histórias engrandecedoras como a obra-prima de Ang Lee. Mas adianto: vale mais a pena ser humano do que ser amargo.
Altered Carbon (2ª Temporada)
3.5 82 Assista AgoraCom menos e mais enxutos episódios do que a temporada anterior, este reencontro com Takeshi Kovacs na capa de Anthony Mackie é também mais objetivo, evitando a salada de subtramas descartáveis e mal-resolvidas e praticamente anulando cenas de sexo que não combinam com a urgência da narrativa, enquanto preserva as consequências violentas das ações dos personagens e permite o debate de temas filosóficos, como a imortalidade como instrumento claro de segregação de classes sociais. Como comentei na crítica da temporada passada, não existe nada narrativa ou visualmente inédito na adaptação dos livros de Richard Morgan, inclusive a característica noir que havia, agora está bem mais diluída e perto do inexistente.
Assim, por mais que a narrativa saiba para onde deseja ir e como irá percorrer o caminho, não há dúvida de que se tornou uma ficção-científica ainda mais genérica do que antes. É competente, sem dúvidas, e cumpre seu papel. Contudo, apenas vai mais além quando se volta a Poe e Dig 301, as inteligências artificiais que revelam mais traços humanos do que os próprios humanos da narrativa. São personagens que florescem pela maneira com que se dedicam, bits e bytes, ao próximo. E por mais que Anthony Mackie esteja bem no papel título, seu Kovacs exibe uma personalidade nitidamente diferente da apresentada por Joel Kinnaman, criando uma incoerência entre as temporadas que só não é mais problemática porque a série mudou tanto de lá pra cá. Como alguém que muda de capa. A série para preencher a lacuna de quem curte ficções-científicas de ação e não se incomoda de rever inspirações e temas melhor discutidos antes.
Mythic Quest (1ª Temporada)
3.9 15 Assista AgoraImagine The Office, mas dentro do ambiente corporativo da empresa desenvolvedora do popular jogo que intitula a série. Ok, tirado o humor cáustico e sarcástico que as versões norte-americana e britânica tiveram, esta sitcom apresenta personagens extravagantes o bastante para serem irresistíveis em meio a situações absurdamente distante de nós mas que conversam com os problemas do mundo contemporâneo de modo descontraído, leve e necessário. Em certo episódio, p. ex., a equipe precisa encontrar uma forma de expulsar jogadores neonazistas do game e, à medida que bolam estratégias, terminam por pontuar a assustadora quantidade de grupos de ódio existentes e qual a melhor forma de derrotá-los (impedindo que estes tenham voz, por isso evito bater-boca com trolls assim, já que é isto que desejam). Noutro episódio, o mundo tóxico dos games é exposto pelo modo como as mulheres gamers sofrem agressões misóginas e machistas.
Tudo isto com um bom humor afiado para que a crítica seja aceita com maior facilidade. É como um xarope adocicado, cujo gosto amargo é substituído pelo adocicado, embora seja ainda eficaz como medicamento. E, despretensiosamente, esta série começa a conquistar o público e, sem que percebamos, estamos carentes porque os seus 9 episódios passam rápido demais.
O Caso Gabriel Fernandez
4.3 147 Assista AgoraNenhuma viva alma discordará de quão é chocante este documentário! Ao exibir fotos de Gabriel Fernandez, um garotinho de 8 anos, violentamente torturado e morto pela mãe e padrasto, a direção de Brian Knappenberger toma a rota mais fácil e decepciona aqueles que desejavam, pela própria premissa da minissérie, que fosse explorado mais sobre um cenário que permite que casos iguais a este se multipliquem em Los Angeles. Dedicar a maior parte do tempo ao julgamento de Isauro e Pearl e sublinhar todas as torturas físicas e psicológicas por que Gabriel passou mexem com o brio do espectador, pois claro somos humanos, mas não servem à investigação contra a negligência criminosa do Estado.
A minissérie sempre fica interessante quando desvia o foco do tribunal e das narrativas já conhecidas que, obviamente, conduzirão Isauro e Pearl à condenação, e passa a verter o olhar aqueles que, diante de absurdas evidências diárias de maus tratos, teriam o dever de agir para resgatar o garoto do lar abusivo onde estava. Alguns poderiam ter feito mais do que fizeram - como familiares e professores -; outros tinham dever legal de agir, porém não o fizeram. Este é o tema do documentário, como autoridades e cidadãos fecham os olhos à violência sofrida pela juventude, e ao negligenciar mergulhar de cabeça sobre isto que mexe no vespeiro dos poderosos e dividir atenção com os pais, Brian Knappenberger terminou por escolher o caminho menos louvável: aquele que recompensa nosso instinto óbvio de ver justiça sendo feita, mas não massageia nosso intelecto satisfatoriamente.
I Am Not Okay With This (1ª Temporada)
3.7 352 Assista AgoraOi, Carrie, A Estranha. Com o corte de cabelo baixo, o corpo ensaguentado já no primeiro minuto e problemas da puberdade, a Sydney de Sophia Lillis - em estágio para ser a nova Jean Grey dos X-Men da Disney/Marvel - não deve muito à célebre personagem da obra de Stephen King e eternizada por Sissy Spacek. E, em 7 episódios curtos que funcionam na mesma vibe de "The End of the F***ing World", a série nos apresenta à típica colegial norte-americana, com problemas familiares, financeiros e emocionais a ponto de ser uma panela de pressão prestes a extravasar de tanto sentimento reprimido. Sophia é uma atriz talentosa capaz de conferir traços inéditos a uma personagem a cujo drama já assistimos em filmes melhores anteriormente, bem como são interessantes os coadjuvantes, embora não apresentam absolutamente nada de inovador.
A trama também não pretende oferecer nada de novo, empregando ainda a pressão típica de um baile de formatura para encenar seu clímax - igual a, cof cof, Carrie - e estabelecer o palco perfeito para os recém descobertos superpoderes de Sydney. Dá para maratonar numa sentada, curtir a boa seleção musical e apreciar certas decisões estilísticas, porém nem mesmo estas posso afirmar serem criações para a série, pois em muito semelhantes à já citada série de Jonathan Entwistle. Fico na torcida para que o desfecho chocante - mas não inesperado - abra portas em matéria de desenvolvimento dos personagens e de criação de uma segunda temporada verdadeiramente original.
The Good Place (4ª Temporada)
4.3 330 Assista AgoraExiste conforto no fim quando se está em paz consigo mesmo. É o que aconteceu com The Good Place, que nunca tentou ser mais do que idealizada por Michael Shur - uma comédia irreverente e existencialista - e soube encerrar sua existência no instante mais apropriado, sem um episódio a mais ou a menos. Por 12 capítulos, esta temporada final apresentou momentos profundos e divertidos em igual medida, enquanto Eleanor - sem Chidi -, Michael e os demais tentaram estabelecer uma experiência para comprovar que medir a conduta humana por boas ações não é a melhor maneira de prova para aferir se estavam se transformando em pessoas boas. Tudo isto com a comédia absurda e bem refinada, marca registrada de até então.
Mas aí chegamos no capítulo final, dirigido pelo próprio criador Michael Shur. E, em seus 54 minutos, a série nos convida a experimentar o gosto agridoce do fim perfeito. À medida que nos despedimos de personagens que continuariam sendo agradáveis ainda que numa vigésima temporada, aprendemos em que consiste o prazer de estar vivo: a morte. Não o evento propriamente dito, mas sua iminência. É isto o que confere relevância a cada dia, a cada nascer do sol, saber que amanhã podemos não estar mais aqui para experimentar mais isto. Esta verdade é revelada de modo cômico - não seria diferente -, mas ilustrando o poder criativo do humor como forma de discutir questões filosóficas maiores, que é isto que tem sido feito desde o primeiro episódio. E quando nos espantamos, já estamos meio caminho engasgados com pedaços do nosso próprio coração, rasgados a cada adeus de uma premissa inteligentíssima, de personagens por quem sentimos imenso carinho e de uma série que não temeu em aceitar o momento de parar.
Hunters (1ª Temporada)
3.9 235 Assista AgoraNazista bom é nazista...? Já sabemos a resposta da pergunta. Este também é o desejo da equipe multi-étnica encabeçada por Al Pacino: caçar os sobreviventes do regime de Hitler, que fugiram aos Estados Unidos e se esconderam no meio da sociedade democrática que detestavam, onde contaminam, no baixo ou alto escalão, as decisões tomadas em prol de todos. Não se engane, a série aparenta ser uma fábula dos anos 70 apenas como a forma para disseminar sua metáfora de que as sociedades mundiais, ainda hoje, estão cheias de vírus nazistas. É por isto que, entre os episódios, há esquetes irreverentes, p. ex. um jogo de adivinhação em que o apresentador quebra a quarta parede para perguntar a cada um de nós por que odiamos os judeus (nesta toda, negros, homossexuais e outros). Assim, a narrativa discute seus temas atuais - política de ódio e intolerância e de não inclusividade -, usando ainda diálogos brilhantes, como aquele em que um nazista ensina a culpabilizar um negro porque eles sempre levam a culpa de tudo.
Ao mesmo tempo, a irreverência está misturada com muita violência e vingança, e quem não gosta desta, certo? Seus personagens são interessantes, cada um a própria forma e conteúdo cunhado desde os campos de concentração, com as influências do cinema dos anos 70 evidentes nos grandes letreiros e no estilo que muitos chamarão de Tarantinesco (como se Tarantino houvesse inventado o cinema e não explorado o que já existia para ter uma linguagem própria, né?). Aliás, confesso, existe uma homenagem ao diretor em uma cena que parece saída de Bastardos Inglórios. Além disso, podemos sentir os dramas de cada um, em especial do ótimo Logan Lerman, que contrasta com outro jovem, o também de destaque Greg Austin, e enxergamos dois tipos de juventude: uma que fomenta o ódio, outro, a vingança. E a série ensina que alimentar esta é como colher tempestades, dando a deixa de que a solução para encontrar paz consigo mesmo é não se deixar consumir por este ímpeto. Mas com uma reviravolta igual a dos 20 minutos finais, melhor deixar este tema ferver por mais algumas temporadas, não é mesmo?
Narcos: México (2ª Temporada)
4.0 59 Assista AgoraA gente não valoriza o tanto que deveria esta série da Netflix, que manteve a consistência e padrão de qualidade temporada por temporada, combinando fatos, alguns documentais, e a licença dramática para narrar a história dos cartéis mexicanos. Continuando de onde a temporada passada encerrou - o assassinato de Kiki -, a trama está ainda mais intrincada ao por no jogo os chefões de cada praça (Tijuana, Sinaloa, Juaréz etc), federalizados sob o jugo do 'Poderoso Chefão' Félix Gallardo. Diego Luna permite enxergarmos insegurança em como cria o gângster clássico: aquele que evita sujar o terno de sangue e, quem sabe, acredita ser um CEO gerenciando uma firma multi-bilionária que comercializa produtos de interesse da população. E é curioso como, às vezes, chegamos a torcer por ele, diferente de quando acompanhávamos Pablo Escobar ou os Cavalheiros de Cali. Contrariamente, o agente da DEA vivido por um Scoot McNairy toma decisões que parecem imorais, embora sejam necessárias para vencer a guerra das drogas. E que ambos sejam comparados aos clássicos Scarface e Serpico, personagens interpretados por Al Pacino, é um resumo bem do que trata a trama.
Que é, acima de tudo, intrincada de tal maneira que chegamos a perder as estribeiras de quem comanda qual praça e qual o interesse naquele momento. Isto ainda é misturado a uma subtrama política bastante contemporânea - as drogas financiando as campanhas -, e mesmo a aspectos semi-shakespeareanos, como o romance envolvendo Pablo Acosta e Mimi. Tudo isto sem abrir mão da violência explícita praticada pelos cartéis e as viradas do roteiro, que vem e vão como alianças são formadas e desintegradas, levando à conclusão estarrecedora e realista feita na conversa (ficcionalizada, evidente) entre Félix e Walt de como a cadeia de ações resultaria no que é hoje a epidemia mexicana.
Servant (1ª Temporada)
3.9 199 Assista AgoraCom a colaboração de M. Night Shyamalan na direção de 2 dos 9 episódios, a série de terror da Apple+ é o equivalente a uma agulha de coleta de sangue. Até suportamos o incômodo que provoca, mas jamais conseguimos esquecer que a agulha está dentro de nós. Esta sensação aflitiva é misturada ao macabro da trama propriamente dita, enquanto descobrimos a história dos Turner e por que seu Jericó é um bebê de brinquedo. Contar além disto significaria soltar spoilers desnecessários; apenas saiba que a chegada de uma babá fundamentalista altera a rotina da família. O tom da direção de Shyamalan é herdado pelos demais diretores da série, que mimetizam a câmera que se move com discrição e sutileza e permanece sempre bastante perto dos personagens, em primeiríssimos planos desconfortáveis.
E o roteiro estabeleça personagens cujas características seminais acolhem, com carinho, metáforas: Sean, chefe de cozinha, perdeu o paladar e apela à esposa ou mesmo à babá para ser sua provadora de pratos; Dorothy, jornalista, cuja filmoteca é um templo para si mesma, é a única capaz de enganar-se e não enxergar o óbvio diante de si. Entre eles, a própria casa de múltiplos andares é um personagem que também dialoga com a narrativa, apresentando-nos a seus cômodo como alguém faria à medida que fôssemos conhecendo suas nuances. Episódios de 30 minutos, refinadamente construídos para provocarem mais do que assustarem, levam a narrativa até o desfecho que, embora pareça um anticlímax por não explicar todos os pormenores da trama (aliás, por que precisaria?), resolve o mistério familiar e deixa os mais fantásticos para as temporadas seguintes. E a agulha, bem, que alívio tirá-la.
Quem Matou Malcolm X?
4.2 14 Assista AgoraA pergunta parece retórica, pois um dos assassinos condenados pela morte do ativista negro é também confesso. Entretanto, ainda que existam incertezas não solucionadas, creio que a finalidade do documentário seja demonstrar que MUITOS contribuíram, de alguma forma a esta tragédia. E a minissérie faz um bom trabalho em resgatar quem foi Malcolm X e sua importância para o movimento negro dos anos 50 / 60, servindo como um contraponto, quer dizer, um complemento a Martin Luther King. Se este pregava (até por ser pastor) a harmonia e conciliação como instrumentos de combate à segregação e ao racismo, Malcolm X não defendia o gesto de virar a outra face, afinal, os brancos não faziam isto; também não defendia o perdão porque os brancos não o buscavam. Sua mensagem era mais raivosa em defender a violência como forma de enfrentar os supremacistas brancos. Ante as agressões sofridas por seus irmãos, quem pode afirmar que estava errado?
Assim, o documentário é um meio de entrar em contato com a palavra de Malcolm X, até hoje viva diante de injustiças étnicas, raciais e humanas, e testemunhar como o poder do Estado (no caso, o FBI de Hoover) contribuiu para o assassinato e também para a perícia negligente, para assim dizer o mínimo. Ainda apresenta o surgimento do islamismo dentro dos EUA e o legado deixado pelo líder, mesmos 6 décadas após sua morte.