Saber o momento de concluir uma história é tão importante quanto encerrá-la de maneira satisfatória. Por 3 temporadas, a distopia de um mundo dominado por forças tirânicas do nazifascismo encantou pelo multiverso de possibilidades apresentado. Sua força estava não em nos (e se) encantar só com a reinterpretação da história, mas em revelar como homens comuns (o nome John Smith é o João da Silva americano) podiam ser impelidos a atos monstruosos, quando noutra realidade seriam homens de família, que se reuniam com os amigos para uma cerveja nos fins de semana. Ou seja, a ideia de que todos nós podemos ser fascistas se tomarmos uma decisão errada é atrativa até para o mundo em que vivemos hoje. E que bom que Rufus Sewell seja hábil em proporcionar esta discussão com uma atuação multifacetada para um personagem complexo.
Contudo, se a série entende seu conceito e suas implicações, não sabe bem o que fazer com tantos personagens, como Juliana, abandonada da condição de protagonista para ser um instrumento com inspirações sobrenaturais inexplicáveis e um papel decorativo. E por mais que sejam as mulheres que ajudem a derrubar o muro fascista, é impressionante como muitas delas são melhor definidas por um momento do que pela construção: Bell e Yukiko mal têm chances de serem apresentadas, quanto mais desenvolvidas, e se Helen é quem é, isto se deve ao que apenas podemos imaginar que ocorreu na zona neutra. Ao fim, a série é uma discussão positiva, encerrada atrapalhada e apressadamente.
A série aposta em um estilo cinematográfico mais contemporâneo, com as canções mais recentes, emprego de efeitos especiais e inclusive de gírias e temas que parecem saídos da boca de um adolescente de hoje e não de séculos atrás (p. ex.: a divulgação de fotos íntimas, os nudes, adota um conceito curioso), e mesmo que isto não seja inovador, vide a Maria Antonieta de Sofia Coppola, é um jeito marcante de demonstrar que até hoje, o mito de Emily Dickinson continua sendo atual. Foi ela quem imortalizou o sobrenome de sua família, não os homens que a impediam de ser a poetisa que era ou viver os sonhos que sonhava para si, e assim, também o tema central da narrativa é atualíssimo. É intrigante como, p. ex., ser chamada de sufragista (ou seja, ter o direito a voto) naquela época, era tido como um xingamento para algumas mulheres, assim como hoje muitas não querem ser chamadas de feministas.
Sem o peso dramático intenso que havia em "Além das Palavras", em que Cynthia Nixon vivia uma Emily torturada e cínica, esta série tem o ar mais leve, o que não significa dizer menos relevantes, e isto é alcançado com a atuação balanceada de Hailee Steinfeld (uma das atrizes mais talentosas de sua geração) e também a de seu pai, Toby Huss, que é o personagem mais enigmático daquela família. Se o Sr. Dickinson amava sua filha mais do que os demais, reconhecendo nela a genialidade faltante em seus irmãos, era também um déspota em matéria de censura e recriminação patriarcal, e suas contradições ajudam a entender o machismo existente naquela época, cujas raízes persistem invisíveis ao olhar de uma parcela da sociedade que não cansa de sufocar as suas Emily Dickinsons.
Sempre que abaixo a guarda, a humanidade me surpreende com sua maldade. Neste caso, o assassinato por afogamento do garotinho Grégory, com 4 anos, cometido, como se acredita, por motivo de inveja da fortuna de seus pais. A minissérie investiga este caso paradigmático francês ocorrido nos anos 80 e com repercussões ainda hoje e proporciona aquilo que nós, viciados em crimes reais, procuram: uma tempestade perfeita em que não apenas a maldade do(s) criminoso(s), mas também a interferência do circo midiático e da atitude vaidosa de um magistrado mais preocupado com os holofotes do que com a justiça contribuíram para a situação que temos hoje.
Seus episódios são encadeados com revelações hediondas e chocantes, que parecem exigir de nós que não desliguemos a televisão. Além disto, promove questionamentos a respeito do sistema investigativo (policial, judiciário e jornalístico, por que não) e chance para que seus entrevistados revejam suas condutas a luz de quem hoje são. É também muito cativante em suas minúcias, oferecendo pano para que discutamos, ainda hoje, um caso dramático e que revela o pior de quem somos.
Isso é tão "Black Mirror", comentou a pessoa que acha que a ficção-científica, um dos gêneros mais antigos do cinema, foi inventada por Charlie Brooker no início da década. Dito isto, esta série britânica da Amazon revela que existem MUITOS tentáculos detrás de seu conceito intrigante, o de que nós e nossas vidas estariam conectados a uma rede social neural e mundial. E faz isto acrescentando elementos de terror que tornam a experiência ainda mais enriquecedora, ao propor uma forma de possessão cibernética que não deve nada aos casos "reais" vistos nos filmes. Do ponto de vista tecnológico, aliás, a série não cansa de surpreender em como imagina as inúmeras consequências de sua distopia, como o uso de hologramas que confere o caráter de contato humano a um tecido costurado com zeros e uns, e desenvolve-as de maneira adequada e inteligente.
Poderia, porém, ser mais inteligente a ponto de evitar soluções panacas do roteiro, como descobrir o esconderijo de algo praticando tropeçando sobre a coisa ou mexendo onde não deve. Também atrapalha que, quando chegamos aos 45 minutos do segundo tempo, ainda tenhamos subtramas mal resolvidas no chão, esperando que a série seja renovada para continuar sua história. Assim, em vez de ser uma obra independentemente concluída com uma porta aberta para upgrade, a série prefere empurrar com a barriga seus dramas. Aí está o ponto fraco deste algoritmo que conta, contudo, com bons intérpretes em um mundo que parece longe do nosso, mas não é.
Seria dificílimo (para não dizer impossível) replicar a conjunção de fatores que tornou a 1ª temporada de True Detective em um dos maiores momentos da televisão contemporânea, mas este retorno chega próximo. A dinâmica entre Mahershala Ali e Stephen Dorff - é sua melhor atuação - e deste com Scoot McNairy é desenvolvida com paciência e oportunismo para que as três linhas temporais evoquem temas comuns e encadeados pelos dizeres de Albert Einstein, afinal, passado e presente são apenas ilusões teimosamente persistentes. E o mistério central envolve mais do que só uma investigação que se estende ao longo de décadas, mas é também um ponto de partida para debater as complexas relações raciais e sociais existentes naquela região abandonada a própria sorte.
As atuações estão em um nível altíssimo, e se não frisei a personagem de Carmen Ejogo, é porque quero deixar registrado como é ela o pêndulo que move emocionalmente toda a trama a partir de como influencia o Detetive Hayes. Sua temática de memória e redenção é construída em torno de ciclos invisíveis, que enxergam o passado a partir da lente mais tenra e menos aguda do presente, culminando em um desfecho satisfatório em matéria de como nos despedimos dos personagens. Ainda assim, se o retorno empalidece em face ao original, é apenas porque Nic Pizzolatto esqueceu de afinar o roteiro para evitar que a resolução do caso fosse praticamente narrada nos minutos finais do último episódio, ao invés de ser descoberta. Como detetives verdadeiros fariam.
Em tudo o que a primeira temporada acertou, esta errou. A sensação é a de que Carlton Cuse - já substituído para a terceira temporada - perdeu a mão completamente, em uma trama que nada tem a mínima relação com o personagem criado por Tom Clancy. Se em todas as aparições passadas, Jack enfrentou o terrorismo (Jogos Patrióticos, Perigo Real e Imediato, Caçada ao Outubro Vermelho, A Soma de Todos os Medos e a temp. anterior), agora ele parece ser pivô da alternância de poder no típico regime totalitário da América Latina... da maneira míope com que os (bonzinhos e santos) norte-americanos enxergam, quero dizer. Impressiona como a série ignora completamente as mortes de venezuelanos, para se importar quando compatriotas perdem a vida ("você arriscou a vida de americanos inocentes", afirma a embaixadora, ignorando a morte dos demais), assim como também esquece que Jack é "apenas" um analista da CIA, por melhor treinado que seja. Ele não é um super-herói de ação que empunha uma metralhadora nas florestas tropicais do país, mas um sujeito cerebral, dotado de técnicas de sobrevivência e a sorte de estar na hora certa para salvar o mundo.
É difícil achar um argumento para defender uma série cujo roteiro é um queijo suíço, cheio de personagens e subtramas descartáveis e descartadas, cujas cenas de ação cansativas e mornas parecem inspiradas nos mesmos filmes anacrônicos da década de 80, de onde tira sua inspiração, e cujo vilão é o tipo maléfico e canastrão que atores como Jordi Mollà cansaram de interpretar. Pior, o posicionamento geopolítico da série é o de que os povos latinos críticos à interferência dos "gringos" em sua soberania são inimigos do povo, afinal, quem ousaria ir contra a nação divina do mundo?
Quando comentou que a ficção é sessão da tarde comparada com o mundo real visto nos documentários, vocês não acreditam. Esta história pega um cidadão do bem, pai e vizinho modelo, e tenciona expor sua identidade verdadeira: Ivan, o terrível, um dos mais nefastos e cruéis algozes judeus nos campos de extermínio de Treblinka e Sobibor. Será mesmo? Um dos méritos deste trabalho é administrar a dúvida que existe na cabeça do público: de cá, parece um caso de identidade trocada; de lá, encaramos um manipulador incansável e habilidoso defendido por um advogado igualmente competente. A pegada de suspense de tribunal torna o documentário ainda mais envolvente, pois construído a partir de imagens de arquivo e também dos depoimentos daqueles que participaram deste momento crucial da história de Israel.
Quem de fato era John Demjanjuk não vem ao caso. Não importa se, de fato, era Ivan ou um soldado qualquer que anuiu com os crimes cometidos pelo nazismo ou mesmo se um cidadão comum. O que mais perturba neste documentário é a ideia de que aquela pessoa cordial, educada e religiosa pode personificar, sob a máscara, o monstro do fascismo, sem que jamais desconfiemos da verdade. Quem fomos vs quem revelamos ser, sobretudo em tempos de redes sociais e avatares, é um dos xis debatidos com bastante propriedade por um relato histórico que DEVE ser conhecido por todos.
Essa história de bandido bom ser bandido morto ou torturado a base de um porrete onde está escrito 'direitos humanos' não cola. Bandido bom é bandido recluso, cumprindo sua pena com respeito a sua dignidade. De preferência, devolvido à sociedade como mais um de seus membros funcionais e produtivos, não como pária. E o maior mérito desta série é evitar cair no jogo de quem pensa de maneira maniqueísta e binária (a especialidade dos últimos anos). Os membros da Irmandade são brutais e monstruosos, SIM, mas também são os policiais e carcereiros que impõem um estado de desumanidade e ilegalidade para o qual fechamos os olhos junto com o governo e a mídia.
Aquilo por que lutam não é absurdo: melhores condições, e reconhecer isto não significa estar de acordo de como esta luta é travada. No meio disto, a personagem de Naruna Costa desponta como um pêndulo, movido para lá e para cá com base em princípios e especialmente no que precisa realizar para sobreviver, nem que isto importe em agir com ardil e indolência. Uma grande atriz trabalhando com uma protagonista maleável, apenas prejudicada por más decisões do roteiro, como aquela que a obriga a dispor de um corpo sorrateiramente e provocando consequências, sendo que a facção não hesitaria em ajudá-la, pois agiu para impedir um assalto ao caixa. Um desejo de criar conflitos para lá de artificiais e repetido mais vezes, como ao "esquecer" da existência de um personagem nos episódios 6 e 7 para trazê-lo de volta no 8º. Diretores talentosos do cinema nacional contemporâneo ajudam a conferir tensão a uma narrativa sem mocinhos, e uma atuação dominadora e impactante de Seu Jorge.
Confesso não ser fã de James e Alyssa, individualmente falando, mas admiro sua relação como o importante sinal de que o amor é um sentimento sem preconceitos. Até porque já cansei de assistir a romances envolvendo tipos perfeitinhos e idealizados, quando a vida prova, dia a dia, que o casal do mundo real foge das regras do cinema. Os desfuncionais James e Alyssa são mais significativos juntos do que já foram Tom Hanks e Meg Ryan em suas épocas de comédias românticas, por conseguirem exprimir tão bem a inadequação diário e o conforto emocional de encontrarem em sua cara metade a oportunidade de amadurecimento.
Este enfoque ganha a adição da problemática Bonnie, que acaba se transformando, a sua maneira, em um membro inusitado naquela relação (não do ponto de vista amoroso, claro, mas do projeto de um trio que tem traumas e dores particulares). No mais, a narrativa mantém o que deu certo antes: o humor sarcástico britânico que combina violência e a secura de seus personagens, o uso da trilha musical e do silêncio como expressões que o casal sonega a nós e o formalismo da imagem, que tenta dividir o quadro em metades exatas divididas entre os dois, reconhecendo a importância que um possui na vida do próximo. Um doce, ainda que amargo na maioria das vocês.
Gostosa de assistir porque tenta amaciar e suavizar temas difíceis recorrendo ao humor descolado de personagens que tentam parecer ser diferentes do que aquilo que sentem, e isto os diferencia da autenticidade do protagonista, Sam. Às vezes, sinto falta de sofrer um pouco pelos personagens, pois temos a sensação de que tudo se resolverá com paciência e resiliência enquanto assistimos ao desenrolar com um sorrisinho no rosto. E não é difícil descartar os problemas matrimoniais entre Elsa e Doug, porque parece que os atores não estão na mesma vibração do elenco jovem. Sério, Michael Rapaport, com quem eu jamais me impressionei, parece atingir o fundo do poço ao sempre reproduzir seus sentimentos e dores com a mesma cara de paisagem.
Quando falei jovem, deveria ter posto entre aspas, pois começa a ficar esquisito que Keir e Brigette interpretem jovens de 18/20 e 15/17, embora tenham 27 e 25 anos. Sem esta verossimilhança, ao menos podemos apreciar como ambos lidam com o amadurecimento sexual, questões familiares e acadêmicas, sem que a narrativa ignore o desenvolvimento de seus coadjuvantes e o alívio sentimental que estes encontram no convívio conjunto e na certeza de que a melhor resposta, para nós e para o próximo, é sempre a verdade. É uma lição que Sam ensina diariamente, com um jeito cativante e mais cinematográfico do que o do autista no mundo real, numa licença poética que podemos tolerar pelo tanto que a série nos recompensa.
É a antologia de que precisávamos: criada e com 4 episódios dirigidos por John Carney (de "Apenas Uma Vez", "Mesmo Se Nada Der Certo" e "Sing Street"), a trama é adaptada de contos enviados ao New York Times e oferece uma perspectiva sobre relacionamentos não tão modernos assim, porém despretensiosos, charmosos e sensíveis o bastante para nos envolver naquilo que move seus personagens carentes de por exemplo, um conselho, de quem os escute ou de uma aceitação maior de quem somos. Como esperado, há uma natural irregularidade, apesar de não afetar a constância da série, tendo seus episódios a capacidade de permanecerem acima da média.
Meu favorito? O primeiro episódio e também o último, este por uma surpresa na trama que ajuda a amarrar a série além do amor à cidade de Nova York, retratada por tantos ângulos e estações que parece que nós somos convidados a nos apaixonar pela grande maçã. E a seleção musical? Adoça a beleza e melancolia de histórias agradáveis e reflexivas, que revelam o ser humano como espécie gregária que é, ansiosa pela presença do próximo e sem a qual este não está completo.
Esta segunda temporada não modifica minha percepção quando escrevi sobre a anterior, a de uma comédia breve e prazerosa fundada na dinâmica entre Michael Douglas e Alan Arkin e no humor decorrente de situações características da terceira idade, apesar de não ser refém do riso fácil provocado. Existe mais no prato de Sandy e Norman do que antes: neste caso, na forma do reencontro com a filha, ex-viciada, e o romance com uma amiga do passado; em relação àquele, a descoberta (tardia) de que não é mais um adolescente inconsequente como julgava ser na forma de uma doença.
Existe dramaticidade no humor em momentos particulares, como a confissão de Martin (a adição de Paul Reiser forma um trio de idosos carismáticos), entretanto, na maior parte do tempo a série é mesmo a celebração da vida e amizade em detrimento dos pesares que a idade apresenta. É o compromisso que gostamos de ter em frente à televisão para aliviar o estresse. 25 minutos de camaradagem, lições de vida e novos aprendizados, um senso de familiaridade reforçado desde esta temporada, bem como deve ser o restaurante onde se confraternizam tantas vezes na semana quanto possível amigos que se entendem com um olhar apenas.
Conceitualmente, esta ficção-científica decepciona por não se aprofundar no tema central - clonagem - e quando o fez, é apenas para que o roteiro não ignore o ponto de partida no final das contas, com uma ou outra revelação curiosa, embora mal explorada, assim como são as consequências do procedimento. Por outro lado, em matéria de metáforas, aí sim a narrativa encontra propósito em confrontar os pares com objetivos claros: o primeiro para evidenciar que o Miles original e o clonado são a mesma pessoa, com o diferencial de que este não está manchado pelo estresse, depressão e rotina; o outro, para revelar de quem é a responsabilidade de a vida estar no marasmo que está - socos e pontapés misturados com mágoas e ressentimentos funcionam como se o próprio Miles estivesse estapeando a si próprio, e dizendo para seu reflexo no espelho de quem é a culpa pela vida haver saído dos rumos.
Não temos muito o que reclamar de Paul Rudd, que conserva o carisma irretocável a que estamos habituados, ao passo que explora outro tipo personagem com que já trabalhou, o homem branco americano de classe média que perdeu a alegria de viver. A estrutura da série também é envolvente, ao ir e vir no tempo para oferecer pontos de vista paralelos e complementares de determinados eventos, o que, com episódios curtos de 20-25 minutos, permitem que não desgrudemos ao término de cada episódio. Pode ser frustrante quando Spike Jonze, Michel Gondry ou Charlie Kaufman já explorarem melhor este tipo de ficção-científica calcada no mundo real, mas ao menos não é uma completa perda de tempo.
Como na temporada anterior, a série continua dedicada a desvendar as problemáticas da indústria alimentícia e oferecer alternativas e até soluções, mas não condenar o consumo de isto ou daquilo. Seu enfoque é em retratar como determinados mercados produtivos têm o poder de alterar, muitas vezes para pior, o entorno, com impacto nas camadas mais pobres e desassistidas da sociedade e no meio ambiente. A matemática é elementar: se uma super-empresa tem o poder de barganhar, economicamente, junto ao poder público, então tudo para ela, nada para os demais. Na cadeia capitalista, como demonstra a série, quem costuma sofrer os impactos são aqueles que trabalham de forma árdua, persistente e em contato direto com a produção (vide os episódios do açúcar e chocolate). A série ainda reforça a natureza humana de tentar tirar vantagem em cima do próximo (como ao comercializar água, um bem de todos, como se fosse um bem privado), a nossa natureza delinquente (em parte os episódios do abacate e vinho) e, por fim, a importância de ter um mercado regulado pelo Estado, em vez da utopia neoliberal de autorregulação. A série, assim, permanece um compromisso educativo e importante para que aprendamos que, como consumidores, quando não somos parte da solução, terminamos sendo parte do problema.
Como as 3 próximas temporadas foram pensadas conjuntamente, é natural que haja certa decepção com o desenrolar de determinados personagens (longe de terem revelado tudo o que existe por detrás de si) ou a abundância de tramas concorrentes envolvendo novos personagens, ciganos, escoceses, parlamentares em uma Europa que começa a respirar os ares do fascismo. Mas o desapontamento logo é deixado de lado quando assistimos a um Thomas Shelby niilista e existencialista, flertando com fantasmas do passado, suicídio, sucessão e um monstro maior do que ele próprio, na figura de um Sam Claflin como você nunca viu, tomando emprestado os maneirismos dos ditadores totalitários daquele período (de Hitler a Mussolini).
Sendo assim, como é a primeira parte de uma trinca, tem características introdutórias que são estendidas ao longo dos primeiros episódios que, depois, engrenam e desaguam na violência a que estamos habituados. Poderia haver mais refinamento no roteiro? Sim, do tipo que evitaria uma menção despretensiosa solta no ar como chave para os atos vistos no clímax ou a re-apresentação de um personagem-chave que, por mais que adoremos o reencontro, soa como uma traição ao que vivemos nas temporadas passadas. De toda forma, tem aquilo que os fãs dos Peaky "fuckin'" Blinders gostas e uma atuação maiúscula de Cillian Murphy. Difícil será esperar 2 anos para que a série chegue a sua conclusão.
Se pudesse escolher entra esta série e a comédia satírica "Eleição", assistir a Reese Witherspoon ene vezes. O que não significa que a série criada por Ryan Murphy não tenha lá seus momentos. Como é ambientada no interior da torre de marfim daqueles supostos messias escolhidos para guiar politicamente a sociedade, a série tem uma tendência a nos afastar de seus personagens: ora, por que diabos eu vou procurar me preocupar com ricos mimados que disputam o poder por razões egoísticas, mas não o bem maior da coletividade? Este elemento negativo ironicamente está acompanhado de um positivo: o distanciamento se traduz em uma análise crítica, cínica e sarcástica de como funciona a disputa por poder e qual o tamanho da ambição de seus candidatos.
Além disto, como na maioria das séries assinadas por Ryan, os diálogos são um ponto forte e o design de produção é bastante evocativo, ainda mais por estarmos dentro do meio de endinheirados que têm como adquirir arte que expresse sua personalidade ou inadequações. O elenco é muito bom - com participações especialíssimas no último episódio -, apesar da carismática Zoey Deutch acabar desperdiçada numa personagem cujo arco encerra abruptamente. Já a estética da série remete, em alguns episódios ao estilo de Wes Anderson, embora isto não seja mantido nos demais, criando um senso de irregularidade prejudicial à narrativa. Por fim, por mais que adore o breve episódio 5, que muito retrata o jovem eleitor moderno, não há como ignorar que a série sente com a falta de uma conclusão. No lugar, termina por substituí-la com um episódio-gancho para a temporada seguinte.
Após o desfecho da temporada passada sugerir que esta série do criador de Os Simpsons continuaria sua trama com humor irônico e sarcástico, aventura e senso de consequência, a sensação agora é de decepção e frustração. O roteiro preferiu amarrar com casualidade suas pontas soltas e partir para episódios desconectados um do outro que, embora sejam divertidos e preservem um humor inteligente com sacadas criativa, não interferem no todo. Parece que a fonte da criatividade secou com rapidez, tornando Bean, Elfo e Luci menos atraentes do que foram antes. É como a série tivesse se contentado com a mediocridade, em ser um mero passatempo diário de 20 e tantos minutos que não encanta nosso dia a dia, mas só busca preencher o tempo livre. E com tanto conteúdo disponível atualmente, existem formas melhores de ocupar o ócio do que se deixar trapacear pelos 2-episódios finais, que, na mesma onda da temporada anterior, conclui seu ciclo de modo arrebatador e com mais interrogações do que resposta. A diferença é que, agora, podemos ignorar as expectativas, caso haja uma terceira temporada.
Se você estiver com saudades de Phoebe "Fleabag" Waller-Bridge, esta sitcom britânica em 6-episódios pode ser um bálsamo temporário. Sua meia dúzia de adultos irritantes, desajustados e habitando a margem do que a sociedade média reputaria como normal não é necessariamente o grupo de personagens pelos quais tombaríamos em um amor incondicional. Eles também são melhor pensados como arquétipos do heterodoxo do que como seres autênticos com sentimentos idem, mas aí entra o talento da construção de Phoebe em, mesmo distanciando os personagens de nós a partir de características nem sempre elogiáveis, humanizá-los a partir das inseguranças emocionais sentidas que, no fundo, não são diferentes das nossas.
O humor da minissérie, pois não houve renovação ou promessa de Phoebe em fazê-lo, é tipicamente britânico, com muito sarcasmo e sacanagem dirigido ao público adulto. Além disto, o roteiro é intrigante: ao mesmo tempo em que usa e abusa de clichês clássicos - como o da amiga apaixonada pelo melhor amigo, com uma namorada careta e quadrada -, subverte-os a todo instante, criando alternativas narrativas que adicionam camadas aos personagens. Falta a sensação de desfecho, infelizmente, e maior polidez por parte de Phoebe. Entretanto, ser um diamante bruto talvez signifique a maior qualidade de uma série sobre pessoas assim.
Não dá para comparar, em matéria de qualidade, esta temporada com as antecessoras. A começar pela subtrama de Jack no Vietnã paralela à busca de Kevin pelo passado do pai, é nítido o esforço da narrativa em encontrar a linha mestre que guiará os eventos centrais e a emoção do espectador. São os famosos fillers ou barrigas, situações inseridas apenas para preencher a meta de 18-episódios de 40 minutos. Por outro lado, se esta temporada tem um nome é o de Beth Pearson, que enfim deixa a sombra do marido para estabelecer um drama crível de uma mulher de meia-idade que descobriu que jamais realizou o sonho de sua vida.
Além de mexer com o coração do espectador ao pôr em risco casal tão querido, a terceira temporada também balança com a gravidez de Kate e vários degraus depois o namoro de Kevin com Zoe. Não faltam sentimentos sinceros e aquelas lágrimas teimosas no canto de olho ao término de cada episódio, costurado da maneira como estamos acostumados: em torno de temas que existem em formas diversas em tempos distintos (adoro como Randall recorda uma briga dos pais e tenta evitar que a sua com Beth descambe para este grau). E o episódio final é como um sopro de alívio após as expectativas que construímos ao término da temporada anterior, ao mesmo tempo em que provoca surpresas e emoções contraditórias. Eu adoro esta série, mesmo quando revela indícios da maldição da terceira temporada.
Existem mais terrores do que podemos imaginar, e este exemplar francês está bem mais preocupado com a variável do entretenimento do que em assustar e deixar o público em estado de aflição. Parece, pensando bem, com aqueles livros de Stephen King, em que o foco está em discutir o próprio ofício de escritor a luz do pânico que provoca no leitor, não no medo propriamente dito, provocado por uma assombração (que aqui tem o nome bem sugestivo de Marianne). Daí porque haverá o coro dos descontentes que aguardavam um calhamaço de sustos e, quem sabe, a atmosfera opressiva, mal acostumados com séries da qualidade como "A Maldição da Residência Hill".
O objetivo daqui está em divertir de uma forma inconsequente, então demora para que a protagonista, que foge aos estereótipos habituais e inspira certa antipatia aos que julgam livros pela capa, tenha dimensão exata do que está enfrentando e precise procurar ajuda no próprio passado e nos que permaneceram fiéis ao seu lado. A atmosfera é macabra e sinistra, com trouxinhas amaldiçoadas, mãos que surgem de dentro do armário, criaturas mais assemelhadas em conceito à MoMo (lembram dela?) e um misto de religião e oculto. E, não se preocupe, você dormirá de luzes acesas no final dos episódios, com um senso de resolução que abre margem para eventuais continuações.
O documentário evita o quanto pode realizar as perguntas inconvenientes que forneceriam as respostas que desejaríamos ouvir. Ao invés disto, opta por uma abordagem simpática e leve, relacionando a vida familiar, acadêmica e profissional de um dos cérebros mais ágeis do mundo com os projetos tocados pela fundação que gere ao lado da esposa, Melinda. Cada um dos três episódios tenta conciliar uma parte mais íntima e pessoal (p. ex., como enfrentou a acusação de monopólio por parte da Microsoft) com um aspecto que ilustra o funcionamento de sua mente (p. ex., alternativas para erradicar a poliomielite no mundo). Mesmo que você não seja "tecnófilo" como Bill Gates, terá a percepção de que ao menos ele tenta empregar seus dons (sua mente e riqueza) para deixar um legado no mundo bem além do aspecto comercial.
O mais interessante nisso tudo é notar como, para implementar seus sonhos, não faltam os recursos mais diversos (financeiros, tecnológicos, pessoais), porém Bill sempre trava no muro da política. O que ele pode fazer contra o grupo terrorista Boko Haram que assassina os que tentam levar vacina aos cantos esquecidos da Nigéria? Ou como reagir à catástrofe de Fukushima que inviabilizou seu plano de implementar usinas de energia nuclear mais seguras para produzir energia limpa e diminuir as catástrofes ambientais? É a lição que esta minissérie documental deixa: nada na vida é binário como os zeros e uns que consolidaram Bill como um dos líderes do mundo e, infelizmente, mesmo para caras como ele, o resultado pode ser inalcançável. O que não quer dizer que a jornada não tenha valido a pena, para ele e para nós.
Eu poderia recomendar a nova série da Amazon somente por seu visual, que emprega a técnica da rotoscopia, em que, depois das filmagens com atores de carne e osso, equipe de animadores redesenham a ação. Isto ajuda a conferir a dose de surrealismo à trama e também confere liberdade para que a história seja contada. Uma liberdade que, contudo, não tem a protagonista Alma, presa ao trauma existencial de haver perdido o pai quando era bastante nova e de não ter conseguido superar esta dor. A personagem é admirável e complexa, sofre sentimentos com que podemos nos relacionar e não é condescendente com o que não funciona em sua vida. Rosa Salazar, mais uma vez detrás da maquiagem virtual, condensa uma atuação incrível e cheia de camadas.
A ciência da história ainda é um embrião e precisa se desenvolver melhor, quem sabe nas temporadas que virão, mas é um alento que se ouse forçar os neurônicos para pensar em teorias que fogem à trivialidade cinematográfica (não direi do que trata a trama e permitirei que vocês descubram por si só). Ao final, um drama envolto na embalagem da fantasia / ficção-científica que não tem medo de contradições, por que nós somos contraditórios por natureza, não se acovarda em tocar em temáticas traumáticas (suicídio, abandono), pois nós vivemos isto todos os dias, e assume seu lado humano no simples contato entre duas irmãs que se amam apesar de suas diferenças.
Admiro narrativas que conciliam múltiplos temas sem permitir que um eclipse o outro. Aqui, enquanto acompanhamos a investigação de um estuprador em série conduzida, com esmero, pela dupla Merritt Wever e Toni Collette - personagens que parecem ser complementares - também assistimos às consequências da descrença em relação ao depoimento de uma das vítimas, vivida por Kaitlyn Dever, e como isto a obriga de uma forma frequente a reviver o trauma de ser estuprada ene vezes. Paralelo a isto, a série ainda critica o sexismo estrutural dentro da polícia e justiça, e faz isto sem precisar de estereótipos ou caricaturas. Nenhum dos personagens age com maldade, mas apenas obedece à lei e às normas (estas, sim, erradas): assim, ninguém pensa em como são invasivas as múltiplas vezes que Marie precisa relatar a agressão sexual para pessoas diferentes, ou como esta é indiciada por denunciação caluniosa quando isto não ocorre nos demais crimes.
Mas nós percebemos, pois estamos do lado de fora e enxergamos a partir do ponto de vista privilegiado da narrativa. Será se, do ponto de vista de quem está dentro daquele, poderíamos enxergar as falhas do sistema? É uma reflexão posta pela narrativa que é também um ótimo exemplar do gênero policial, revelando quais são os procedimentos investigativos, os detalhes que a dupla de detetives detinha e os (inúmeros) becos sem saída em que pararam ao seguir linhas de raciocínio que não frutificaram. Um caso real não tão inacreditável assim, mas que inspira mais questões além de seus 8 episódios.
Quando assisto a produções com ênfase em criminosos, a minha preocupação está em como estes serão retratados: se endeusados como anti-heróis ou, no espectro oposto, se humanizados como sujeitos que tomaram decisões contrárias à lei. Como é reconfortante, portanto, confirmar que esta série britânica mantém seu senso de moralidade intacto, apesar de mexer com pessoas que poderiam seduzi-la a fazê-lo o contrário. Estamos na companhia de bandidos com firmes laços familiares e mesmo valores éticos, e nem por isso deixamos de conferir (e nos chocar com) as consequências monstruosas de ações que contaminam o entorno que tentam conservar fora da criminalidade.
É uma epopéia criminal que começa na Jamaica e deságua no Reino Unido, interessada não em elaborar sequências de ação desmedida ou conflitos desnecessários, mas em estabelecer com paciência as peças sobre o tabuleiro de xadrez. Assim, a narrativa permite que nós nos familiarizemos com aqueles homens e mulheres, seu cotidiano e seus valores, e estabelece a dinâmica das relações de poder antes de chacoalhar tudo com a disputa de gangues entre a de Dushane e Sully contra a de Jamie. Não os idealizamos, tampouco idolatramos, somente os tratamos como os seres humanos complexos e tridimensionais que são, estabelecidos em performances intensas e convincentes. Além disto, não existe um ponto sem nó firmemente dado na trama, enquanto a atmosfera noturna é marcada pela fotografia descolorada que reforça o pessimismo que deve estar associado ao crime. Olha, arrisco afirmar, é uma das melhores séries que vi no ano.
O Homem do Castelo Alto (4ª Temporada)
3.8 110Saber o momento de concluir uma história é tão importante quanto encerrá-la de maneira satisfatória. Por 3 temporadas, a distopia de um mundo dominado por forças tirânicas do nazifascismo encantou pelo multiverso de possibilidades apresentado. Sua força estava não em nos (e se) encantar só com a reinterpretação da história, mas em revelar como homens comuns (o nome John Smith é o João da Silva americano) podiam ser impelidos a atos monstruosos, quando noutra realidade seriam homens de família, que se reuniam com os amigos para uma cerveja nos fins de semana. Ou seja, a ideia de que todos nós podemos ser fascistas se tomarmos uma decisão errada é atrativa até para o mundo em que vivemos hoje. E que bom que Rufus Sewell seja hábil em proporcionar esta discussão com uma atuação multifacetada para um personagem complexo.
Contudo, se a série entende seu conceito e suas implicações, não sabe bem o que fazer com tantos personagens, como Juliana, abandonada da condição de protagonista para ser um instrumento com inspirações sobrenaturais inexplicáveis e um papel decorativo. E por mais que sejam as mulheres que ajudem a derrubar o muro fascista, é impressionante como muitas delas são melhor definidas por um momento do que pela construção: Bell e Yukiko mal têm chances de serem apresentadas, quanto mais desenvolvidas, e se Helen é quem é, isto se deve ao que apenas podemos imaginar que ocorreu na zona neutra. Ao fim, a série é uma discussão positiva, encerrada atrapalhada e apressadamente.
Dickinson (1ª Temporada)
4.2 53A série aposta em um estilo cinematográfico mais contemporâneo, com as canções mais recentes, emprego de efeitos especiais e inclusive de gírias e temas que parecem saídos da boca de um adolescente de hoje e não de séculos atrás (p. ex.: a divulgação de fotos íntimas, os nudes, adota um conceito curioso), e mesmo que isto não seja inovador, vide a Maria Antonieta de Sofia Coppola, é um jeito marcante de demonstrar que até hoje, o mito de Emily Dickinson continua sendo atual. Foi ela quem imortalizou o sobrenome de sua família, não os homens que a impediam de ser a poetisa que era ou viver os sonhos que sonhava para si, e assim, também o tema central da narrativa é atualíssimo. É intrigante como, p. ex., ser chamada de sufragista (ou seja, ter o direito a voto) naquela época, era tido como um xingamento para algumas mulheres, assim como hoje muitas não querem ser chamadas de feministas.
Sem o peso dramático intenso que havia em "Além das Palavras", em que Cynthia Nixon vivia uma Emily torturada e cínica, esta série tem o ar mais leve, o que não significa dizer menos relevantes, e isto é alcançado com a atuação balanceada de Hailee Steinfeld (uma das atrizes mais talentosas de sua geração) e também a de seu pai, Toby Huss, que é o personagem mais enigmático daquela família. Se o Sr. Dickinson amava sua filha mais do que os demais, reconhecendo nela a genialidade faltante em seus irmãos, era também um déspota em matéria de censura e recriminação patriarcal, e suas contradições ajudam a entender o machismo existente naquela época, cujas raízes persistem invisíveis ao olhar de uma parcela da sociedade que não cansa de sufocar as suas Emily Dickinsons.
Grégory
4.0 20 Assista AgoraSempre que abaixo a guarda, a humanidade me surpreende com sua maldade. Neste caso, o assassinato por afogamento do garotinho Grégory, com 4 anos, cometido, como se acredita, por motivo de inveja da fortuna de seus pais. A minissérie investiga este caso paradigmático francês ocorrido nos anos 80 e com repercussões ainda hoje e proporciona aquilo que nós, viciados em crimes reais, procuram: uma tempestade perfeita em que não apenas a maldade do(s) criminoso(s), mas também a interferência do circo midiático e da atitude vaidosa de um magistrado mais preocupado com os holofotes do que com a justiça contribuíram para a situação que temos hoje.
Seus episódios são encadeados com revelações hediondas e chocantes, que parecem exigir de nós que não desliguemos a televisão. Além disto, promove questionamentos a respeito do sistema investigativo (policial, judiciário e jornalístico, por que não) e chance para que seus entrevistados revejam suas condutas a luz de quem hoje são. É também muito cativante em suas minúcias, oferecendo pano para que discutamos, ainda hoje, um caso dramático e que revela o pior de quem somos.
The Feed (1ª Temporada)
3.2 27 Assista AgoraIsso é tão "Black Mirror", comentou a pessoa que acha que a ficção-científica, um dos gêneros mais antigos do cinema, foi inventada por Charlie Brooker no início da década. Dito isto, esta série britânica da Amazon revela que existem MUITOS tentáculos detrás de seu conceito intrigante, o de que nós e nossas vidas estariam conectados a uma rede social neural e mundial. E faz isto acrescentando elementos de terror que tornam a experiência ainda mais enriquecedora, ao propor uma forma de possessão cibernética que não deve nada aos casos "reais" vistos nos filmes. Do ponto de vista tecnológico, aliás, a série não cansa de surpreender em como imagina as inúmeras consequências de sua distopia, como o uso de hologramas que confere o caráter de contato humano a um tecido costurado com zeros e uns, e desenvolve-as de maneira adequada e inteligente.
Poderia, porém, ser mais inteligente a ponto de evitar soluções panacas do roteiro, como descobrir o esconderijo de algo praticando tropeçando sobre a coisa ou mexendo onde não deve. Também atrapalha que, quando chegamos aos 45 minutos do segundo tempo, ainda tenhamos subtramas mal resolvidas no chão, esperando que a série seja renovada para continuar sua história. Assim, em vez de ser uma obra independentemente concluída com uma porta aberta para upgrade, a série prefere empurrar com a barriga seus dramas. Aí está o ponto fraco deste algoritmo que conta, contudo, com bons intérpretes em um mundo que parece longe do nosso, mas não é.
True Detective (3ª Temporada)
4.0 285Seria dificílimo (para não dizer impossível) replicar a conjunção de fatores que tornou a 1ª temporada de True Detective em um dos maiores momentos da televisão contemporânea, mas este retorno chega próximo. A dinâmica entre Mahershala Ali e Stephen Dorff - é sua melhor atuação - e deste com Scoot McNairy é desenvolvida com paciência e oportunismo para que as três linhas temporais evoquem temas comuns e encadeados pelos dizeres de Albert Einstein, afinal, passado e presente são apenas ilusões teimosamente persistentes. E o mistério central envolve mais do que só uma investigação que se estende ao longo de décadas, mas é também um ponto de partida para debater as complexas relações raciais e sociais existentes naquela região abandonada a própria sorte.
As atuações estão em um nível altíssimo, e se não frisei a personagem de Carmen Ejogo, é porque quero deixar registrado como é ela o pêndulo que move emocionalmente toda a trama a partir de como influencia o Detetive Hayes. Sua temática de memória e redenção é construída em torno de ciclos invisíveis, que enxergam o passado a partir da lente mais tenra e menos aguda do presente, culminando em um desfecho satisfatório em matéria de como nos despedimos dos personagens. Ainda assim, se o retorno empalidece em face ao original, é apenas porque Nic Pizzolatto esqueceu de afinar o roteiro para evitar que a resolução do caso fosse praticamente narrada nos minutos finais do último episódio, ao invés de ser descoberta. Como detetives verdadeiros fariam.
Jack Ryan (2ª Temporada)
3.7 77Em tudo o que a primeira temporada acertou, esta errou. A sensação é a de que Carlton Cuse - já substituído para a terceira temporada - perdeu a mão completamente, em uma trama que nada tem a mínima relação com o personagem criado por Tom Clancy. Se em todas as aparições passadas, Jack enfrentou o terrorismo (Jogos Patrióticos, Perigo Real e Imediato, Caçada ao Outubro Vermelho, A Soma de Todos os Medos e a temp. anterior), agora ele parece ser pivô da alternância de poder no típico regime totalitário da América Latina... da maneira míope com que os (bonzinhos e santos) norte-americanos enxergam, quero dizer. Impressiona como a série ignora completamente as mortes de venezuelanos, para se importar quando compatriotas perdem a vida ("você arriscou a vida de americanos inocentes", afirma a embaixadora, ignorando a morte dos demais), assim como também esquece que Jack é "apenas" um analista da CIA, por melhor treinado que seja. Ele não é um super-herói de ação que empunha uma metralhadora nas florestas tropicais do país, mas um sujeito cerebral, dotado de técnicas de sobrevivência e a sorte de estar na hora certa para salvar o mundo.
É difícil achar um argumento para defender uma série cujo roteiro é um queijo suíço, cheio de personagens e subtramas descartáveis e descartadas, cujas cenas de ação cansativas e mornas parecem inspiradas nos mesmos filmes anacrônicos da década de 80, de onde tira sua inspiração, e cujo vilão é o tipo maléfico e canastrão que atores como Jordi Mollà cansaram de interpretar. Pior, o posicionamento geopolítico da série é o de que os povos latinos críticos à interferência dos "gringos" em sua soberania são inimigos do povo, afinal, quem ousaria ir contra a nação divina do mundo?
O Monstro ao Lado (1ª Temporada)
4.0 34 Assista AgoraQuando comentou que a ficção é sessão da tarde comparada com o mundo real visto nos documentários, vocês não acreditam. Esta história pega um cidadão do bem, pai e vizinho modelo, e tenciona expor sua identidade verdadeira: Ivan, o terrível, um dos mais nefastos e cruéis algozes judeus nos campos de extermínio de Treblinka e Sobibor. Será mesmo? Um dos méritos deste trabalho é administrar a dúvida que existe na cabeça do público: de cá, parece um caso de identidade trocada; de lá, encaramos um manipulador incansável e habilidoso defendido por um advogado igualmente competente. A pegada de suspense de tribunal torna o documentário ainda mais envolvente, pois construído a partir de imagens de arquivo e também dos depoimentos daqueles que participaram deste momento crucial da história de Israel.
Quem de fato era John Demjanjuk não vem ao caso. Não importa se, de fato, era Ivan ou um soldado qualquer que anuiu com os crimes cometidos pelo nazismo ou mesmo se um cidadão comum. O que mais perturba neste documentário é a ideia de que aquela pessoa cordial, educada e religiosa pode personificar, sob a máscara, o monstro do fascismo, sem que jamais desconfiemos da verdade. Quem fomos vs quem revelamos ser, sobretudo em tempos de redes sociais e avatares, é um dos xis debatidos com bastante propriedade por um relato histórico que DEVE ser conhecido por todos.
Irmandade (1ª Temporada)
4.0 159 Assista AgoraEssa história de bandido bom ser bandido morto ou torturado a base de um porrete onde está escrito 'direitos humanos' não cola. Bandido bom é bandido recluso, cumprindo sua pena com respeito a sua dignidade. De preferência, devolvido à sociedade como mais um de seus membros funcionais e produtivos, não como pária. E o maior mérito desta série é evitar cair no jogo de quem pensa de maneira maniqueísta e binária (a especialidade dos últimos anos). Os membros da Irmandade são brutais e monstruosos, SIM, mas também são os policiais e carcereiros que impõem um estado de desumanidade e ilegalidade para o qual fechamos os olhos junto com o governo e a mídia.
Aquilo por que lutam não é absurdo: melhores condições, e reconhecer isto não significa estar de acordo de como esta luta é travada. No meio disto, a personagem de Naruna Costa desponta como um pêndulo, movido para lá e para cá com base em princípios e especialmente no que precisa realizar para sobreviver, nem que isto importe em agir com ardil e indolência. Uma grande atriz trabalhando com uma protagonista maleável, apenas prejudicada por más decisões do roteiro, como aquela que a obriga a dispor de um corpo sorrateiramente e provocando consequências, sendo que a facção não hesitaria em ajudá-la, pois agiu para impedir um assalto ao caixa. Um desejo de criar conflitos para lá de artificiais e repetido mais vezes, como ao "esquecer" da existência de um personagem nos episódios 6 e 7 para trazê-lo de volta no 8º. Diretores talentosos do cinema nacional contemporâneo ajudam a conferir tensão a uma narrativa sem mocinhos, e uma atuação dominadora e impactante de Seu Jorge.
The End of the F***ing World (2ª Temporada)
3.9 315Confesso não ser fã de James e Alyssa, individualmente falando, mas admiro sua relação como o importante sinal de que o amor é um sentimento sem preconceitos. Até porque já cansei de assistir a romances envolvendo tipos perfeitinhos e idealizados, quando a vida prova, dia a dia, que o casal do mundo real foge das regras do cinema. Os desfuncionais James e Alyssa são mais significativos juntos do que já foram Tom Hanks e Meg Ryan em suas épocas de comédias românticas, por conseguirem exprimir tão bem a inadequação diário e o conforto emocional de encontrarem em sua cara metade a oportunidade de amadurecimento.
Este enfoque ganha a adição da problemática Bonnie, que acaba se transformando, a sua maneira, em um membro inusitado naquela relação (não do ponto de vista amoroso, claro, mas do projeto de um trio que tem traumas e dores particulares). No mais, a narrativa mantém o que deu certo antes: o humor sarcástico britânico que combina violência e a secura de seus personagens, o uso da trilha musical e do silêncio como expressões que o casal sonega a nós e o formalismo da imagem, que tenta dividir o quadro em metades exatas divididas entre os dois, reconhecendo a importância que um possui na vida do próximo. Um doce, ainda que amargo na maioria das vocês.
Atypical (3ª Temporada)
4.4 343 Assista AgoraGostosa de assistir porque tenta amaciar e suavizar temas difíceis recorrendo ao humor descolado de personagens que tentam parecer ser diferentes do que aquilo que sentem, e isto os diferencia da autenticidade do protagonista, Sam. Às vezes, sinto falta de sofrer um pouco pelos personagens, pois temos a sensação de que tudo se resolverá com paciência e resiliência enquanto assistimos ao desenrolar com um sorrisinho no rosto. E não é difícil descartar os problemas matrimoniais entre Elsa e Doug, porque parece que os atores não estão na mesma vibração do elenco jovem. Sério, Michael Rapaport, com quem eu jamais me impressionei, parece atingir o fundo do poço ao sempre reproduzir seus sentimentos e dores com a mesma cara de paisagem.
Quando falei jovem, deveria ter posto entre aspas, pois começa a ficar esquisito que Keir e Brigette interpretem jovens de 18/20 e 15/17, embora tenham 27 e 25 anos. Sem esta verossimilhança, ao menos podemos apreciar como ambos lidam com o amadurecimento sexual, questões familiares e acadêmicas, sem que a narrativa ignore o desenvolvimento de seus coadjuvantes e o alívio sentimental que estes encontram no convívio conjunto e na certeza de que a melhor resposta, para nós e para o próximo, é sempre a verdade. É uma lição que Sam ensina diariamente, com um jeito cativante e mais cinematográfico do que o do autista no mundo real, numa licença poética que podemos tolerar pelo tanto que a série nos recompensa.
Amor Moderno (1ª Temporada)
4.2 587É a antologia de que precisávamos: criada e com 4 episódios dirigidos por John Carney (de "Apenas Uma Vez", "Mesmo Se Nada Der Certo" e "Sing Street"), a trama é adaptada de contos enviados ao New York Times e oferece uma perspectiva sobre relacionamentos não tão modernos assim, porém despretensiosos, charmosos e sensíveis o bastante para nos envolver naquilo que move seus personagens carentes de por exemplo, um conselho, de quem os escute ou de uma aceitação maior de quem somos. Como esperado, há uma natural irregularidade, apesar de não afetar a constância da série, tendo seus episódios a capacidade de permanecerem acima da média.
Meu favorito? O primeiro episódio e também o último, este por uma surpresa na trama que ajuda a amarrar a série além do amor à cidade de Nova York, retratada por tantos ângulos e estações que parece que nós somos convidados a nos apaixonar pela grande maçã. E a seleção musical? Adoça a beleza e melancolia de histórias agradáveis e reflexivas, que revelam o ser humano como espécie gregária que é, ansiosa pela presença do próximo e sem a qual este não está completo.
O Método Kominsky (2ª Temporada)
4.3 50 Assista AgoraEsta segunda temporada não modifica minha percepção quando escrevi sobre a anterior, a de uma comédia breve e prazerosa fundada na dinâmica entre Michael Douglas e Alan Arkin e no humor decorrente de situações características da terceira idade, apesar de não ser refém do riso fácil provocado. Existe mais no prato de Sandy e Norman do que antes: neste caso, na forma do reencontro com a filha, ex-viciada, e o romance com uma amiga do passado; em relação àquele, a descoberta (tardia) de que não é mais um adolescente inconsequente como julgava ser na forma de uma doença.
Existe dramaticidade no humor em momentos particulares, como a confissão de Martin (a adição de Paul Reiser forma um trio de idosos carismáticos), entretanto, na maior parte do tempo a série é mesmo a celebração da vida e amizade em detrimento dos pesares que a idade apresenta. É o compromisso que gostamos de ter em frente à televisão para aliviar o estresse. 25 minutos de camaradagem, lições de vida e novos aprendizados, um senso de familiaridade reforçado desde esta temporada, bem como deve ser o restaurante onde se confraternizam tantas vezes na semana quanto possível amigos que se entendem com um olhar apenas.
Cara x Cara (1ª Temporada)
3.3 78 Assista AgoraConceitualmente, esta ficção-científica decepciona por não se aprofundar no tema central - clonagem - e quando o fez, é apenas para que o roteiro não ignore o ponto de partida no final das contas, com uma ou outra revelação curiosa, embora mal explorada, assim como são as consequências do procedimento. Por outro lado, em matéria de metáforas, aí sim a narrativa encontra propósito em confrontar os pares com objetivos claros: o primeiro para evidenciar que o Miles original e o clonado são a mesma pessoa, com o diferencial de que este não está manchado pelo estresse, depressão e rotina; o outro, para revelar de quem é a responsabilidade de a vida estar no marasmo que está - socos e pontapés misturados com mágoas e ressentimentos funcionam como se o próprio Miles estivesse estapeando a si próprio, e dizendo para seu reflexo no espelho de quem é a culpa pela vida haver saído dos rumos.
Não temos muito o que reclamar de Paul Rudd, que conserva o carisma irretocável a que estamos habituados, ao passo que explora outro tipo personagem com que já trabalhou, o homem branco americano de classe média que perdeu a alegria de viver. A estrutura da série também é envolvente, ao ir e vir no tempo para oferecer pontos de vista paralelos e complementares de determinados eventos, o que, com episódios curtos de 20-25 minutos, permitem que não desgrudemos ao término de cada episódio. Pode ser frustrante quando Spike Jonze, Michel Gondry ou Charlie Kaufman já explorarem melhor este tipo de ficção-científica calcada no mundo real, mas ao menos não é uma completa perda de tempo.
Rotten (2ª Temporada)
4.1 8 Assista AgoraComo na temporada anterior, a série continua dedicada a desvendar as problemáticas da indústria alimentícia e oferecer alternativas e até soluções, mas não condenar o consumo de isto ou daquilo. Seu enfoque é em retratar como determinados mercados produtivos têm o poder de alterar, muitas vezes para pior, o entorno, com impacto nas camadas mais pobres e desassistidas da sociedade e no meio ambiente. A matemática é elementar: se uma super-empresa tem o poder de barganhar, economicamente, junto ao poder público, então tudo para ela, nada para os demais. Na cadeia capitalista, como demonstra a série, quem costuma sofrer os impactos são aqueles que trabalham de forma árdua, persistente e em contato direto com a produção (vide os episódios do açúcar e chocolate). A série ainda reforça a natureza humana de tentar tirar vantagem em cima do próximo (como ao comercializar água, um bem de todos, como se fosse um bem privado), a nossa natureza delinquente (em parte os episódios do abacate e vinho) e, por fim, a importância de ter um mercado regulado pelo Estado, em vez da utopia neoliberal de autorregulação. A série, assim, permanece um compromisso educativo e importante para que aprendamos que, como consumidores, quando não somos parte da solução, terminamos sendo parte do problema.
Peaky Blinders: Sangue, Apostas e Navalhas (5ª Temporada)
4.4 257 Assista AgoraComo as 3 próximas temporadas foram pensadas conjuntamente, é natural que haja certa decepção com o desenrolar de determinados personagens (longe de terem revelado tudo o que existe por detrás de si) ou a abundância de tramas concorrentes envolvendo novos personagens, ciganos, escoceses, parlamentares em uma Europa que começa a respirar os ares do fascismo. Mas o desapontamento logo é deixado de lado quando assistimos a um Thomas Shelby niilista e existencialista, flertando com fantasmas do passado, suicídio, sucessão e um monstro maior do que ele próprio, na figura de um Sam Claflin como você nunca viu, tomando emprestado os maneirismos dos ditadores totalitários daquele período (de Hitler a Mussolini).
Sendo assim, como é a primeira parte de uma trinca, tem características introdutórias que são estendidas ao longo dos primeiros episódios que, depois, engrenam e desaguam na violência a que estamos habituados. Poderia haver mais refinamento no roteiro? Sim, do tipo que evitaria uma menção despretensiosa solta no ar como chave para os atos vistos no clímax ou a re-apresentação de um personagem-chave que, por mais que adoremos o reencontro, soa como uma traição ao que vivemos nas temporadas passadas. De toda forma, tem aquilo que os fãs dos Peaky "fuckin'" Blinders gostas e uma atuação maiúscula de Cillian Murphy. Difícil será esperar 2 anos para que a série chegue a sua conclusão.
The Politician (1ª Temporada)
3.7 115Se pudesse escolher entra esta série e a comédia satírica "Eleição", assistir a Reese Witherspoon ene vezes. O que não significa que a série criada por Ryan Murphy não tenha lá seus momentos. Como é ambientada no interior da torre de marfim daqueles supostos messias escolhidos para guiar politicamente a sociedade, a série tem uma tendência a nos afastar de seus personagens: ora, por que diabos eu vou procurar me preocupar com ricos mimados que disputam o poder por razões egoísticas, mas não o bem maior da coletividade? Este elemento negativo ironicamente está acompanhado de um positivo: o distanciamento se traduz em uma análise crítica, cínica e sarcástica de como funciona a disputa por poder e qual o tamanho da ambição de seus candidatos.
Além disto, como na maioria das séries assinadas por Ryan, os diálogos são um ponto forte e o design de produção é bastante evocativo, ainda mais por estarmos dentro do meio de endinheirados que têm como adquirir arte que expresse sua personalidade ou inadequações. O elenco é muito bom - com participações especialíssimas no último episódio -, apesar da carismática Zoey Deutch acabar desperdiçada numa personagem cujo arco encerra abruptamente. Já a estética da série remete, em alguns episódios ao estilo de Wes Anderson, embora isto não seja mantido nos demais, criando um senso de irregularidade prejudicial à narrativa. Por fim, por mais que adore o breve episódio 5, que muito retrata o jovem eleitor moderno, não há como ignorar que a série sente com a falta de uma conclusão. No lugar, termina por substituí-la com um episódio-gancho para a temporada seguinte.
(Des)Encanto (2ª Temporada)
3.8 86 Assista AgoraApós o desfecho da temporada passada sugerir que esta série do criador de Os Simpsons continuaria sua trama com humor irônico e sarcástico, aventura e senso de consequência, a sensação agora é de decepção e frustração. O roteiro preferiu amarrar com casualidade suas pontas soltas e partir para episódios desconectados um do outro que, embora sejam divertidos e preservem um humor inteligente com sacadas criativa, não interferem no todo. Parece que a fonte da criatividade secou com rapidez, tornando Bean, Elfo e Luci menos atraentes do que foram antes. É como a série tivesse se contentado com a mediocridade, em ser um mero passatempo diário de 20 e tantos minutos que não encanta nosso dia a dia, mas só busca preencher o tempo livre. E com tanto conteúdo disponível atualmente, existem formas melhores de ocupar o ócio do que se deixar trapacear pelos 2-episódios finais, que, na mesma onda da temporada anterior, conclui seu ciclo de modo arrebatador e com mais interrogações do que resposta. A diferença é que, agora, podemos ignorar as expectativas, caso haja uma terceira temporada.
Crashing (1ª Temporada)
3.9 142 Assista AgoraSe você estiver com saudades de Phoebe "Fleabag" Waller-Bridge, esta sitcom britânica em 6-episódios pode ser um bálsamo temporário. Sua meia dúzia de adultos irritantes, desajustados e habitando a margem do que a sociedade média reputaria como normal não é necessariamente o grupo de personagens pelos quais tombaríamos em um amor incondicional. Eles também são melhor pensados como arquétipos do heterodoxo do que como seres autênticos com sentimentos idem, mas aí entra o talento da construção de Phoebe em, mesmo distanciando os personagens de nós a partir de características nem sempre elogiáveis, humanizá-los a partir das inseguranças emocionais sentidas que, no fundo, não são diferentes das nossas.
O humor da minissérie, pois não houve renovação ou promessa de Phoebe em fazê-lo, é tipicamente britânico, com muito sarcasmo e sacanagem dirigido ao público adulto. Além disto, o roteiro é intrigante: ao mesmo tempo em que usa e abusa de clichês clássicos - como o da amiga apaixonada pelo melhor amigo, com uma namorada careta e quadrada -, subverte-os a todo instante, criando alternativas narrativas que adicionam camadas aos personagens. Falta a sensação de desfecho, infelizmente, e maior polidez por parte de Phoebe. Entretanto, ser um diamante bruto talvez signifique a maior qualidade de uma série sobre pessoas assim.
This Is Us (3ª Temporada)
4.5 261 Assista AgoraNão dá para comparar, em matéria de qualidade, esta temporada com as antecessoras. A começar pela subtrama de Jack no Vietnã paralela à busca de Kevin pelo passado do pai, é nítido o esforço da narrativa em encontrar a linha mestre que guiará os eventos centrais e a emoção do espectador. São os famosos fillers ou barrigas, situações inseridas apenas para preencher a meta de 18-episódios de 40 minutos. Por outro lado, se esta temporada tem um nome é o de Beth Pearson, que enfim deixa a sombra do marido para estabelecer um drama crível de uma mulher de meia-idade que descobriu que jamais realizou o sonho de sua vida.
Além de mexer com o coração do espectador ao pôr em risco casal tão querido, a terceira temporada também balança com a gravidez de Kate e vários degraus depois o namoro de Kevin com Zoe. Não faltam sentimentos sinceros e aquelas lágrimas teimosas no canto de olho ao término de cada episódio, costurado da maneira como estamos acostumados: em torno de temas que existem em formas diversas em tempos distintos (adoro como Randall recorda uma briga dos pais e tenta evitar que a sua com Beth descambe para este grau). E o episódio final é como um sopro de alívio após as expectativas que construímos ao término da temporada anterior, ao mesmo tempo em que provoca surpresas e emoções contraditórias. Eu adoro esta série, mesmo quando revela indícios da maldição da terceira temporada.
Marianne (1ª Temporada)
3.5 249Existem mais terrores do que podemos imaginar, e este exemplar francês está bem mais preocupado com a variável do entretenimento do que em assustar e deixar o público em estado de aflição. Parece, pensando bem, com aqueles livros de Stephen King, em que o foco está em discutir o próprio ofício de escritor a luz do pânico que provoca no leitor, não no medo propriamente dito, provocado por uma assombração (que aqui tem o nome bem sugestivo de Marianne). Daí porque haverá o coro dos descontentes que aguardavam um calhamaço de sustos e, quem sabe, a atmosfera opressiva, mal acostumados com séries da qualidade como "A Maldição da Residência Hill".
O objetivo daqui está em divertir de uma forma inconsequente, então demora para que a protagonista, que foge aos estereótipos habituais e inspira certa antipatia aos que julgam livros pela capa, tenha dimensão exata do que está enfrentando e precise procurar ajuda no próprio passado e nos que permaneceram fiéis ao seu lado. A atmosfera é macabra e sinistra, com trouxinhas amaldiçoadas, mãos que surgem de dentro do armário, criaturas mais assemelhadas em conceito à MoMo (lembram dela?) e um misto de religião e oculto. E, não se preocupe, você dormirá de luzes acesas no final dos episódios, com um senso de resolução que abre margem para eventuais continuações.
O Código Bill Gates
4.2 26O documentário evita o quanto pode realizar as perguntas inconvenientes que forneceriam as respostas que desejaríamos ouvir. Ao invés disto, opta por uma abordagem simpática e leve, relacionando a vida familiar, acadêmica e profissional de um dos cérebros mais ágeis do mundo com os projetos tocados pela fundação que gere ao lado da esposa, Melinda. Cada um dos três episódios tenta conciliar uma parte mais íntima e pessoal (p. ex., como enfrentou a acusação de monopólio por parte da Microsoft) com um aspecto que ilustra o funcionamento de sua mente (p. ex., alternativas para erradicar a poliomielite no mundo). Mesmo que você não seja "tecnófilo" como Bill Gates, terá a percepção de que ao menos ele tenta empregar seus dons (sua mente e riqueza) para deixar um legado no mundo bem além do aspecto comercial.
O mais interessante nisso tudo é notar como, para implementar seus sonhos, não faltam os recursos mais diversos (financeiros, tecnológicos, pessoais), porém Bill sempre trava no muro da política. O que ele pode fazer contra o grupo terrorista Boko Haram que assassina os que tentam levar vacina aos cantos esquecidos da Nigéria? Ou como reagir à catástrofe de Fukushima que inviabilizou seu plano de implementar usinas de energia nuclear mais seguras para produzir energia limpa e diminuir as catástrofes ambientais? É a lição que esta minissérie documental deixa: nada na vida é binário como os zeros e uns que consolidaram Bill como um dos líderes do mundo e, infelizmente, mesmo para caras como ele, o resultado pode ser inalcançável. O que não quer dizer que a jornada não tenha valido a pena, para ele e para nós.
Undone (1ª Temporada)
4.3 133 Assista AgoraEu poderia recomendar a nova série da Amazon somente por seu visual, que emprega a técnica da rotoscopia, em que, depois das filmagens com atores de carne e osso, equipe de animadores redesenham a ação. Isto ajuda a conferir a dose de surrealismo à trama e também confere liberdade para que a história seja contada. Uma liberdade que, contudo, não tem a protagonista Alma, presa ao trauma existencial de haver perdido o pai quando era bastante nova e de não ter conseguido superar esta dor. A personagem é admirável e complexa, sofre sentimentos com que podemos nos relacionar e não é condescendente com o que não funciona em sua vida. Rosa Salazar, mais uma vez detrás da maquiagem virtual, condensa uma atuação incrível e cheia de camadas.
A ciência da história ainda é um embrião e precisa se desenvolver melhor, quem sabe nas temporadas que virão, mas é um alento que se ouse forçar os neurônicos para pensar em teorias que fogem à trivialidade cinematográfica (não direi do que trata a trama e permitirei que vocês descubram por si só). Ao final, um drama envolto na embalagem da fantasia / ficção-científica que não tem medo de contradições, por que nós somos contraditórios por natureza, não se acovarda em tocar em temáticas traumáticas (suicídio, abandono), pois nós vivemos isto todos os dias, e assume seu lado humano no simples contato entre duas irmãs que se amam apesar de suas diferenças.
Inacreditável
4.4 424 Assista AgoraAdmiro narrativas que conciliam múltiplos temas sem permitir que um eclipse o outro. Aqui, enquanto acompanhamos a investigação de um estuprador em série conduzida, com esmero, pela dupla Merritt Wever e Toni Collette - personagens que parecem ser complementares - também assistimos às consequências da descrença em relação ao depoimento de uma das vítimas, vivida por Kaitlyn Dever, e como isto a obriga de uma forma frequente a reviver o trauma de ser estuprada ene vezes. Paralelo a isto, a série ainda critica o sexismo estrutural dentro da polícia e justiça, e faz isto sem precisar de estereótipos ou caricaturas. Nenhum dos personagens age com maldade, mas apenas obedece à lei e às normas (estas, sim, erradas): assim, ninguém pensa em como são invasivas as múltiplas vezes que Marie precisa relatar a agressão sexual para pessoas diferentes, ou como esta é indiciada por denunciação caluniosa quando isto não ocorre nos demais crimes.
Mas nós percebemos, pois estamos do lado de fora e enxergamos a partir do ponto de vista privilegiado da narrativa. Será se, do ponto de vista de quem está dentro daquele, poderíamos enxergar as falhas do sistema? É uma reflexão posta pela narrativa que é também um ótimo exemplar do gênero policial, revelando quais são os procedimentos investigativos, os detalhes que a dupla de detetives detinha e os (inúmeros) becos sem saída em que pararam ao seguir linhas de raciocínio que não frutificaram. Um caso real não tão inacreditável assim, mas que inspira mais questões além de seus 8 episódios.
Top Boy (3ª Temporada)
4.3 9 Assista AgoraQuando assisto a produções com ênfase em criminosos, a minha preocupação está em como estes serão retratados: se endeusados como anti-heróis ou, no espectro oposto, se humanizados como sujeitos que tomaram decisões contrárias à lei. Como é reconfortante, portanto, confirmar que esta série britânica mantém seu senso de moralidade intacto, apesar de mexer com pessoas que poderiam seduzi-la a fazê-lo o contrário. Estamos na companhia de bandidos com firmes laços familiares e mesmo valores éticos, e nem por isso deixamos de conferir (e nos chocar com) as consequências monstruosas de ações que contaminam o entorno que tentam conservar fora da criminalidade.
É uma epopéia criminal que começa na Jamaica e deságua no Reino Unido, interessada não em elaborar sequências de ação desmedida ou conflitos desnecessários, mas em estabelecer com paciência as peças sobre o tabuleiro de xadrez. Assim, a narrativa permite que nós nos familiarizemos com aqueles homens e mulheres, seu cotidiano e seus valores, e estabelece a dinâmica das relações de poder antes de chacoalhar tudo com a disputa de gangues entre a de Dushane e Sully contra a de Jamie. Não os idealizamos, tampouco idolatramos, somente os tratamos como os seres humanos complexos e tridimensionais que são, estabelecidos em performances intensas e convincentes. Além disto, não existe um ponto sem nó firmemente dado na trama, enquanto a atmosfera noturna é marcada pela fotografia descolorada que reforça o pessimismo que deve estar associado ao crime. Olha, arrisco afirmar, é uma das melhores séries que vi no ano.