O Império (do Besteirol) Contra-Ataca: Reboot, de Kevin Smith é o filme mais surtado sobre a hollywood surtada dos dias de hoje. E o diretor debocha mesmo de tudo e todos, sem pudor ou medo. A dupla Jay e Silent Bob continua afiadíssima e mais louca do que nunca. Conta ainda com a presença de antigos parceiros de seus filmes anteriores (Dogma, Procura-se Amy, O Balconista). Para fãs do nerdismo mais puro!
A ÚLTIMA COISA QUE ELE QUERIA é a parte do catálogo da Netflix que desperdiça dinheiro e erra feio. Tinha tudo para dar certo, elenco, motivação, mas... Ficou no mas. P.S: não adianta. Eu não consigo entender porque a Anne Hathaway faz tanto esforço para destruir a própria carreira.
CARCEREIROS - O FILME funciona melhor como veículo de ação do que como registro da vida dos funcionários de penitenciária. E é, inclusive, inferior à série global nesse sentido. Talvez um ator mais arrojado do que o Rodrigo Lombardi desse um outro tom â trama. Fiquei com aquela sensação de "está faltando alguma coisa, mas ele preferiram cobrir as lacunas com os velhos personagens clichês de sempre".
A primeira vez que ouvi falar de UM VIOLINISTA NO TELHADO, de Norman Jewison, foi numa chamada do Corujão na Rede Globo (era o final dos anos 1980) e não dei muita bola. Como fui tolo! Trata-se de um interessante projeto sobre as agruras de uma família de baixa renda tendo de lidar com as mudanças de costumes e tradições de sua comunidade (no caso, a rabínica). E Topol, ator que protagoniza o longa, dá um show à parte na pele do pai que precisa lidar a duras penas com a decisão de suas filhas de escolherem seus próprios maridos.
Histeria atroz (Uma reflexão pessoal sobre O grito, de Edvard Munch)
O mundo das artes plásticas é, no mínimo, um tanto irônico. E por vezes, é bom que se diga, eu o considero mórbido. Porém, não vejo a morbidez nesse caso como algo menor, um defeito, um deslize. Pelo contrário. Minha relação com esse mundo das artes volta e meia precisa gerar controvérsia e há uma legítima adoração de minha parte pelo amargor, pela rigidez, pelo exótico, por aquilo que outros podem chamar prematuramente de negativo.
Em outras palavras: gosto do mórbido como reflexão. Acho-a mais do que justa. E nesse sentido poucos quadros na história mundial das artes plásticas chamaram tanto a minha atenção quanto O grito, de Edvard Munch (1863-1944).
E é preciso confessar aqui logo de cara: minha relação com a pintura não começa exatamente com o quadro em si. E sim com uma imagem que, na minha cabeça, sempre fez alusão à pintura. Falo da imagem que vejo do homem gritando no filme Pink Floyd: the wall, do diretor de cinema Alan Parker. E desde já adianto: se não há nenhuma relação entre filme e pintura, então eu cheguei até esta adoração e por conseguinte este texto por mera coincidência e nada mais.
A cultura pop nos últimos anos fez uma correlação entre O grito, de Munch, e a máscara do antagonista da série de filmes de suspense Pânico. Contudo, não gosto dessa referência. Acho até que ela diminui o trabalho do pintor.
O grito faz parte de uma série de trabalhos de Munch que ficou conhecida como A frisa da vida (ou um poema sobre o amor, a vida e a morte). E ele expunha seus quadros à ação da neve e da chuva, com o intuito de perder um pouco o controle do resultado final plástico. Em suma, um visionário de sua própria era. Detalhe: enganam-se aqueles que pensam existir apenas uma versão da tela. Só de litogravuras - que serviam de base para a criação - ele imprimiu 45, sendo que algumas foram coloridas à mão.
Muitos estudiosos interpretam a reação do personagem na tela - o grito em si - como fruto da ansiedade daqueles tempos ou do desespero pessoal do autor. E não estão completamente errados, não!
E, além disso, acredito piamente que esse sentimento do quadro perdura até os dias de hoje. Digo mais: tenho minhas dúvidas se o autor não estaria se sentindo ainda pior nesse século XXI no qual estamos tendo de encarar muitas das piores resoluções humanas de toda a nossa história. Ou seja, vivemos na prática uma espécie de histeria atroz (e vejo a tela de Munch gritando também sobre isso!).
Quando tiverem um tempo livre, procurem pela versão online do quadro na internet. Diferentemente da exatidão pintada por Goya e Leonardo da Vinci, a obra de Munch tem imagens distorcidas, já vi gente chamando até de "quase um borrão" e isso é proposital. Isso dialoga abertamente com o momento que o pintor vinha passando.
Ele parece esmiuçar o desespero de forma nítida, sem fingir sentimentos.
E nesse momento me pego refletindo sobre aqueles tempos amargos, sem a comodidade oferecida pela tecnologia (que tanto tem lobotomizado as gerações atuais!), sobre a dificuldade de criar em qualquer esfera, não somente a pintura. Era uma época em que, muitas vezes, artistas eram sinônimo de demoníacos, malditos. Portanto, qualquer obra artística, mais do que a ótica da beleza, do entretenimento, do gerar prazer aos outros, era preciso ser enxergada como um ato de sobrevivência.
E como sobreviver hoje em dia após anos e anos de artistas fundamentais como Munch, quando tudo parece tão vazio, tão raso de significado, tão fácil para uma minoria elitista cada vez mais covarde e blasé?
A meu ver, Munch elevou tanto o padrão do seu tempo que acabou por nos tornar acomodados em excesso por medo de tentar atingi-lo ou entendê-lo. E isso é muito ruim. Entretanto, ele faz algo também tão pessoal, tão acima da média, que me parece quase obrigatório estudar a vida e a obra de homens fora de série como ele.
Para isso servem (ou deveriam servir, pelo menos) as artes. O problema é a falta de curiosidade do mundo contemporâneo, cada vez mais apegado ao óbvio, ao mais do mesmo. E não é à toa que a tela está gritando até hoje!
P.S atrasado: mais de duas semanas depois de escrever este artigo leio numa matéria do Estado de São Paulo que pesquisadores tentam explicar para os fãs de artes plásticas porque O grito está desbotando, perdendo suas cores originais. E me pego pensando: não será isso proposital numa época em que tudo parece ter perdido completamente o seu sentido original? Talvez seu autor esteja cansado de gritar em vão e prefira desaparecer. Ou talvez seja apenas eu, este projeto de autor, vendo demais e enlouquecendo novamente.
Intoxicados ao extremo (Midsommar: o mal não espera a noite é uma alegoria sobre a sociedade que busca a perfeição em todos os aspectos e só encontra contradição)
Neguem o quanto quiser os moralistas de plantão, mas a cruel verdade é que nos tornamos uma sociedade intoxicada. Por absolutamente tudo. Buscamos na realidade enfadonha do dia-a-dia razões para acreditar que o mundo pode ser perfeito, acima de qualquer suspeita. E há até quem viva de prometer isso aos outros à cifras milionárias (e como vive bem essa gente que engana os outros!). Nos acostumamos a fingir que não há razões para acreditar em derrotas, em perda de tempo, que tudo pode ser lindo, irretocável, para sempre. E mesmo os depressivos escondem de si mesmo e dos outros a triste realidade que são suas vidas miseráveis, pela metade, mesquinhando afetos.
E após terminar de assistir o fantástico Midsommar: o mal não espera a noite, de Ari Aster, só posso agradecer pelo fato de não ser o único disposto a falar sobre isso e sobre como o século XXI vem transformando seres humanos em máquinas insensíveis.
A história de Dani (Florence Pugh, fantástica) é sintomática para entendermos o que a sociedade se tornou nas últimas décadas. Ela chegou naquele ponto da vida em que nada mais parece fazer sentido. Seu relacionamento amoroso chegou àquele ponto da estrada em que é melhor sair do carro e refazer o trajeto (mas ela adia a decisão o máximo que pode!), mesmo seu convívio com os pais é delicado e ela decidiu se afastar, morar sozinha. Contudo, quando seus genitores falecem num incêndio mórbido, toda sua fortaleza interior rui e ela sente dentro de si que o pior ainda está por vir.
Diante de um quadro tão funesto, ela vê na possibilidade de viajar com o namorado e seus colegas de faculdade para uma comunidade religiosa chamada Haarga, um pequeno vilarejo no interior da Suécia, uma espécie de fuga. Mais do que isso: um motivo para recomeçar longe de tudo que até então lhe fazia mal.
O problema, como todas as pessoas que buscam um recomeço, uma vida linda, um emprego dos sonhos, etc, é a eterna mania de idealizarmos o lugar para onde vamos. E quando Dani se depara com as diretrizes e o estilo de vida da comunidade, ela percebe a duras penas que nada - realmente nada - vem fácil na vida.
E esse é exatamente o grande legado deixado pelo longa: Aster realiza uma interessante alegoria sobre a eterna busca humana por aquilo que, na maioria das vezes, só existe no papel. Pois na prática as regras do jogo são sempre outras.
Venho percebendo aqui no Brasil de uns dez anos para cá o crescimento de uma indústria do positivismo extremo. As matérias jornalísticas volta e meia chamam a atual sociedade de geração cristal e, honestamente, eles não estão errados. Vivemos em meio à uma humanidade que esconde sofrimentos, varre desavenças e derrotas para debaixo do tapete, para fingir que elas não existem. No entanto, essas mesmas pessoas se esquecem que tudo isso cobrará seu preço mais a frente.
Os colegas de Christian (Jack Reynor), namorado de Dani, que buscam realizar uma tese sobre a comunidade, também não entendem que a vida não se resume à obtenção de seus sonhos e a realização de seus projetos. Eles simplesmente bloqueiam de suas mentes, de sua torta realidade, o fato de a existência exigir deles uma contrapartida.
Em outras palavras: queremos dos outros, mas não queremos que os outros queiram nada da gente. A eterna mania de nos olharmos como superiores em relação à nossa própria espécie.
O diretor disse durante a realização do projeto ter alterado o rumo da história por conta do término amargo de um relacionamento amoroso. E a meu ver, saiu engrandecido dessa história toda. Vejo em seu filme sinais claros de amadurecimento (principalmente em comparação ao seu longa anterior, Hereditário, que não me causou grandes impressões na época em que foi lançado) e também de uma pessoa que percebeu, como eu, que a sociedade vem arruinando sua própria história por acreditar num mundo ilusório onde tudo é motivo de festa, vitória e celebração.
Ao final do filme (e o último take é extraordinário, na medida em que reflete exatamente esse lado egoísta da sociedade, que vê o outro como seu inferior, como alguém que deve "pagar a qualquer custo" por algo que lhe tenha feito) vejo estupefato a consequência dessa intoxicação extrema pela qual estamos passando nas últimas décadas.
Muito se fala em cura no século XXI. Entretanto, me pergunto quem será o curandeiro nesse mundo onde os próprios doentes escondem suas enfermidades.
P.S (na verdade, uma pequena sugestão): prestem atenção, fãs de terror, em como as cenas mais horrendas, mais incômodas de todo o filme, são apresentadas ao público com o dia claro, ao contrário do que se vê normalmente no gênero.
P.S: se você já viu A vila, de M. Night Shyamalan, e gostou não vai querer perder esse filme por nada no mundo.
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O dia em que eu não vi os Rolling Stones (Memórias de "infância" 16)
Memória é uma coisa engraçada. E essa aqui, especificamente, na verdade nem é uma memória de infância realmente (como costumam ser os textos dessa série), pois nessa ocasião eu já me encontrava com 29 anos. Mas mesmo assim volta e meia vem à tona em minha mente.
E eu precisei do auxílio do jornalista e apresentador da Rede Globo Zeca Camargo - que volta e meia faz uns vídeos curtos em sua página no facebook - para me lembrar que eu ainda não tinha falado dessa história por aqui.
Refiro-me ao show da banda de rock Rolling Stones na praia de Copacabana no dia 18 de fevereiro de 2006, um evento que marcou época (e marca até hoje) na vida de milhões de brasileiros. E segundo o público estimado pelas autoridades nacionais, foram mais de 1,3 milhão de pessoas inundando as areias de copa em frente ao Copacabana Palace Hotel.
Mas o registro em questão aqui é de como eu não consegui ver o show ao vivo, junto com a galera gritando em massa na praia.
E a grande saga começou ainda dentro do ônibus. Eu morava no Méier nessa ocasião e decidi encarar essa aventura junto com minha mãe e minha irmã. E digo mais: foi minha mãe, no auge dos seus 55 anos, a mais interessada na aventura. Meu pai disse que estávamos perdendo o nosso tempo, que era roubada aquilo, mas nada que ele nos dissesse nos demoveria de nossa decisão.
Pegamos o 457 lotado, os fãs berravam as canções do quarteto enquanto se empurravam emocionados. E a viagem até hoje me pareceu interminável, tamanha a lerdeza do motorista. Contudo, se vocês acham que demorar para chegar ao bairro foi uma luta inglória, pior ainda descobrir que precisávamos saltar do ônibus bem antes da orla. As ruas da zona sul já começavam a ser interditadas para o grande evento.
Não me lembro ao certo a rua em que descemos, mas de uma coisa eu tenho memória fotográfica: do enxame enlouquecido de pessoas, de todas as etnias, todas querendo ver Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts 0800 (daquelas façanhas que dificilmente se repetirão na história do país).
Roqueiros, roqueiros e mais roqueiros. Mulheres lindíssimas. Seres os mais exóticos possíveis. Gente que se achava sósia dos cantores dando pinta de pseudo celebridade. Havia uma mulata - nunca me esqueci dessa mulher - com um cabelo enorme preso a uma espécie de coque, que eu tenho certeza que se ela estivesse com as madeixas soltas elas arrastariam pelo chão. E ela cantava "Sympathy for the devil" a plenos pulmões.
Minha mãe olhava a todo momento para os lados, procurando minha irmã. Para não perdê-la de vista. Mas quando sentiu o cheiro indistinguível da maconha rolando no ar, vinda de um grupo de motoqueiros na linha Hell's angels, ela parou no meio da rua (ainda estávamos bem longe da areia da praia) e nos disse: "vai dar merda isso aqui! temos que ir embora o quanto antes".
Minha irmã, estressada, concordou com ela na mesma hora. Ela odiava tumultos e gente se empurrando (tanto que sempre guardou com desalento a experiência de ter ido certa vez, com minha mãe e minhas tias, ao Cordão da Bola Preta, no centro da cidade). Eu custei um pouco mais a entender a situação, mas houve um momento em que pensei comigo: "na hora da voltar pra casa pode ser tarde demais e aí a tragédia já aconteceu".
Resultado dessa equação insólita: uma segunda saga para encontrarmos um ônibus e voltarmos para a casa. E quando chegamos em casa, meu pai nos olhou quase às gargalhadas e debochado disse: "eu falei pra vocês! onde tem coisa de graça, tem confusão".
Frustrado, espero a noite chegar para assistir o show, que foi televisionado pela Rede Globo. Foram duas horas de pedras rolando, "Jumping Jack flash", "It's only rock n' roll", "Honky tonk woman", "Start me up", "Brown sugar" e, claro, o desfecho arrasador, com "(I can't get no) Satisfaction" acompanhado de sacos de pipoca doce e de batatas Ruffles.
As panorâmicas que exibiam a multidão que tomou a praia deixaram a minha mãe ainda mais assustada e também aliviada por estar em casa. "Quero ver esse povo todo chegar em casa quando o show acabar!", ela disse. E eu acenei com a cabeça em concordância na mesma hora. Acho que até hoje eu não encaro as edições do Rock in Rio por causa dessa experiência caótica. Na boa... Não tenho mais pique, nem idade para isso!
Mas que no fundo, no fundo, eu queria ver os caras ao vivo, ah eu queria! Mas não deu. Ficou pra próxima encarnação, gente.
O efeito bumerangue (Joias brutas e esse mundo cretino em que tudo se baseia em lucro e apostas)
Vocês por acaso já viram garotos brincando com bumerangues? Pois eu já. No final dos anos 1990 eu costumava frequentar, aos domingos, um terreno que existe atrás da Cinemateca do MAM, no Aterro do Flamengo. Ali encontrei muita gente jogando frescobol, casais namorando, os fanáticos por aeromodelismo e a garotada que curtia bumerangues. E havia um garoto antipático de nome Rogério que se achava um grande mestre na arte de atirar bumerangues. Mais: ele volta e meia jogava na cara dos outros garotos que seus bumerangues eram importados e, por isso, mais difíceis de jogar.
Certa ocasião ele atirou seu bumerangue com uma força tão desmedida que quando o objeto regressou na sua direção atingiu em cheio o seu rosto. Várias pessoas ao redor correram para socorrê-lo, chegaram a levá-lo para o pronto-socorro e alguns dos garotos de quem ele debochou chegaram a sussurrar: "bem feito! assim ele para de contar vantagem!". Só tornei a rever Rogério mais uma vez, meses depois, e ele ficou com uma cicatriz feia no supercílio.
Por que estou contando tudo isso? Porque esta semana enfim consegui assistir Joias brutas, dos irmãos Benny e Josh Safdie, e me peguei refletindo sobre a mesma situação que envolveu o jovem Rogério 20 anos atrás: a daquelas pessoas que querem levar suas vidas até as últimas consequências, sem respeitar ninguém e se esquecem do ciclo natural da vida e do quanto ela é capaz de aprontar para nos pôr no nosso devido lugar.
Joias brutas nos traz a história de Howard Ratner (Adam Sandler, naquela que é talvez a melhor interpretação de sua carreira), o estereótipo clássico do oportunista e picareta profissional. Ele usa sua joalheria como mero disfarce de legitimidade para uma vida de mentiras e armações as mais variadas. Contudo, internamente, ele se encontra falido, às vésperas de um divórcio que ele quer evitar a qualquer custo, e mesmo seus familiares não acreditam 100% em seu juízo de valor. Em outras palavras: é um ser humano que caminha a passos largos rumo ao abismo (e nem se dá conta disso).
E quando ele acredita ver sua maré de azar ficando para trás com a chegada de um diamante etíope raro, a vida lhe prega mais uma peça - mostrando que nem sempre a realidade conspira a nosso favor - e ele se vê envolvido numa roubada de proporções estratosféricas, que envolve inclusive o astro da NBA Kevin Garnett.
O filme dos irmãos Safdie é um retrato nu e cru, sem rodeios, de nossa sociedade de valores deturpados, onde tudo é sinônimo de apostas, poder, status sociais e patrimônios elevadíssimos. Em suma: deixamos de ser homens e nos tornamos mercadorias sedentas por valor. E esse valor não pode ser baixo.
E desse misto de atletas profissionais viciados em superstições (a adoração de Garnett pelo diamante bruto é praticamente patológica!), cantores de hip-hop meia boca que se acreditam deuses revolucionários da indústria fonográfica contemporânea e que por conta disso se sentem no direito de pisar em quem for, por qualquer motivo e a eterna entourage de sanguessugas que volta e meia rodeiam aqueles que detém o dinheiro do mundo nasce praticamente um ensaio seco e realíssimo sobre a usura no século XXI.
Algumas pessoas nos portais de cinema e nas redes sociais ficaram um tanto quanto decepcionadas com a não-indicação de Sandler ao Oscar de melhor ator desse ano, mas cá entre nós, eu acredito que ele não tinha a menor chance, embora sua atuação seja realmente um ponto forte do filme. Se o Eddie Murphy (por Meu nome é Dolemite) e o Taron Egerton (por Rocketman) ficaram de fora, com Sandler não seria diferente. E olha que nem o De Niro (por O irlandês) conseguiu vaga esse ano!
Outra coisa: talvez eu tenha enxergado demais ou não tenha entendido o suficiente, mas achei que a interpretação de Sandler me lembrou um pouco o Al Pacino dos últimos anos. Aquele jeito de falar quase um esporro, como se estivesse brigando com todo mundo o tempo todo. Na boa... Ficou com cara de coisa copiada, que ele pegou de empréstimo. Mas como eu disse lá em cima: talvez eu tenha visto demais.
No final o que temos de concreto é mais um bom projeto da ótima produtora A24, que vem se destacando nos últimos anos com produções fora da chamada "zona de conforto" (e para quem está por fora e não ligou os pontos ainda, a produtora é responsável por longas como O farol, de Robert Eggers; Midsommar: o mal não espera a noite, de Ari Laster; Anos 90, de Jonah Hill; Gloria Bell, de Sebastián Lelio, entre outras pérolas).
P.S: seja Rogério ou Howard, o mundo anda cheio de babacas se achando indestrutíveis e acima de qualquer deslize ou derrota. O problema é que eles sempre se esquecem que o mundo tem suas próprias regras e nem sempre está apto a atender nossas expectativas ou sonhos.
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AVES DE RAPINA: ARLEQUINA E SUA EMANCIPAÇÃO FANTABULOSA é a DC voltando a ser a DC enjoativa que quer copiar a Marvel com suas piadinhas excessivas e cenas de ação estilosas, depois de realizar o fenômeno CORINGA (que, na verdade, nem é tão DC assim se levarmos em consideração o que a empresa tem feito nos últimos anos!). Espero que a atriz Margot Robbie tenha a sabedoria necessária para partir rumo a um novo caminho e abandone a Arlequina o quanto antes. Na boa... O personagem, para mim, já está esgotado. Esse é mais um dos inúmeros filmes que me fazem pensar o tempo todo no quanto hollywood precisa se reinventar urgentemente e perceber que o cinema de super-herói é um modismo como tantos outros que passaram pela meca do cinema e que também tem, como tantos outros, o seu prazo de validade. E esse prazo a meu ver já se expirou.
Marionete de si mesmo (Um lindo dia na vizinhança e a eterna dificuldade que nós, seres humanos, temos de crescer, de seguir em frente)
Eu me lembro, quando estava na casa dos meus 30 anos, de ouvir pela primeira vez sobre os escândalos que aconteciam nos bastidores dos programas infantis que eu assistia no fim dos anos 80 e início dos 90. Via declarações do tipo "a Xuxa belisca os seus baixinhos" até "crianças de cor são boicotadas nas gravações". E também me lembro das práticas ilícitas e sujas envolvendo grupos musicais compostos exclusivamente por crianças, como Trem da Alegria (vi há pouco tempo, inclusive, uma entrevista desabafo com a cantora Patricia Marx metendo a boca no trombone sobre aquela época). E me recordo que nem a Disney e o seu famigerado Clube do Mickey escaparam dos comentários maliciosos. Só para vocês terem uma ideia do nível que foi a coisa, procurem na internet pelo depoimento do ator Corey Feldman - de filmes como Os garotos perdidos e Os Goonies - a respeito dos assédios que sofreu em hollywood ainda criança.
Por que decidi escrever esse primeiro parágrafo tão extenso no começo desta crítica? Porque me senti revivendo tudo isso, todo esse sentimento, quando acabei de assistir esta semana nos cinemas o longa Um lindo dia na vizinhança, de Marielle Heller.
O filme de Heller aborda a amarga história do jornalista investigativo da revista Esquire Lloyd Vogel (Matthew Rhys), um homem que empurra a vida com a barriga por reviver constantemente a relação traumática que tem com o pai, Jerry (Chris Cooper), a quem culpa por deixar ele e sua irmã sozinhos no momento mais difícil de suas vidas. E sua melancolia o persegue por todos os setores de sua vida: no casamento, a esposa Andrea (Susan Kelechi Watson) já não sabe mais o que fazer para trazê-lo de volta à vida. E no trabalho, ele se tornou a pessoa difícil da redação, a persona non grata a quem ninguém quer dar entrevista.
Quando sua chefe na redação o delega a missão de entrevistar o maior ícone dos programas infantis de toda a América, o lendário Fred Rogers (Tom Hanks, como há muito tempo não via nos cinemas), ele pensa tratar-se de um trote, pois tal personagem não se encaixa no perfil do tipo de artista e celebridade com quem ele costuma trabalhar.
E Rogers é realmente o seu exato oposto: um homem extremamente positivo, que acredita na esperança e na recuperação de pessoas frágeis ou massacradas pelos deslizes da vida. Um homem que vê a dor, o sofrimento e a morte como ciclos da nossa existência e não como razões para simplesmente desistirmos. E isso de alguma maneira incomoda Lloyd.
Mais do que isso: Lloyd acredita que por ter vivido uma infância tão traumática não é capaz de ver a humanidade com outro olhar que não seja negativo. Ele é praticamente um marionete de si mesmo.
Vocês devem estar se perguntando: como assim? A pessoa real, o verdadeiro Lloyd Vogel, aquele que deveria seguir em frente, superar suas adversidades, saber perdoar o próximo, está escondido por trás de um personagem que ele próprio criou, amargo, sempre apontando os defeitos dos outros, sempre fugindo da responsabilidade de sentar e colocar os pingos nos is. E por isso, na sua visão deturpada de mundo, ele acredita piamente na impossibilidade de Fred Rogers ser um homem sem defeitos. Ele precisa encontrar algum fantasma escondido no armário que assombre a vida desse homem comum, que ganhou a fama de herói americano.
Ao final da projeção, vejo algumas pessoas intrigadas, talvez pensando se tudo aquilo era real de fato ou apenas mais uma versão bonitinha para agradar aos fãs de um ícone da televisão. E me pego pensando no quanto, muitas vezes, procuramos o inimigo no lugar errado só para satisfazer nosso próprio ego e nossa eterna mania de rotular os outros.
Com a idolatria ao que chamamos de globalização e esse século que mal começou e já está dando o que falar (de pior) em todos os sentidos, percebo o quanto nos tornamos uma sociedade stalker, que gosta de perseguir os outros, ver o pior nos demais, às vezes como forma de exaltar a si própria. E tudo isso é muito triste.
Algumas pessoas que escrevem sobre cinema na internet rotularam Um lindo dia na vizinhança de "cansativo" e "decepcionante". E eu discordo em gênero, número e grau. O filme de Marielle Heller me fez pensar no quanto temos dificuldade de amadurecer, de olhar para frente com outros olhos, de virar a página a respeito do que outras pessoas nos fizeram (e nos magoou tanto). Ninguém nunca nos prometeu que a vida seria fácil e pelo andar da carruagem, prevejo ainda mais relutância e desafios no futuro. E como sobreviver a isso sem levantar a cabeça e recomeçar do zero? Não sei vocês, mas parece-me à primeira vista impossível!
Ou em outras palavras (para quem prefere uma opinião mais curta do que a minha reflexão do parágrafo anterior): Um lindo dia na vizinhança é o filme mais humano - no sentido de investigador - que eu vi nessa temporada de prêmios. E acreditem: isso não é pouca coisa, não!
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Foi uma grata surpresa já nesse início de 2020. Mas é preciso que o espectador tenha paciência, dê tempo ao filme para que a narrativa se concretiza. Quem está acostumado à adrenalina e megalomania não vai curtir!
A última esperança (1917, de Sam Mendes, é um passeio brilhante pelo caos e o horror da guerra)
Se existe um gênero cinematográfico que tem tudo a ver com a temporada de prêmios (leia-se: Oscar, Globo de ouro, Guilds, etc) e volta e meia dá as caras com uma produção inovadora ou, ao menos, bem feita esse gênero é o filme de guerra. E muitas vezes eles são vítimas de grandes roubalheiras na história dos mesmos prêmios (Spielberg que o diga!).
Esse ano a bola de vez - e ela vendo sendo rotulada de forma ingrata como a "aposta anti-Netflix para vencer o Oscar de melhor filme" - é 1917, do diretor inglês Sam Mendes (que já faturou o prêmio em 2000 com Beleza americana).
1917 não possui um roteiro de deixar os críticos e os votantes da academia de queixo caído. Pelo contrário. É uma história mais do que simples sobre dois soldados, Blake (Dean-Charles Chapman) e Schofield (George MacKay, que muitos acreditavam que figuraria na lista de indicados a melhor ator por conta da força da ala britânica entre os votantes do Oscar e dos sindicatos) que precisam adentrar o território inimigo em plena primeira guerra mundial para entregar uma carta que pede aos superiores no front que cancelem uma ataque que poderá levar à morte 1600 soldados.
Em outras palavras: eles são a última esperança no intuito de evitar uma grande tragédia.
Contudo, quando o assunto é a parte técnica do longa, 1917 exibe todas as suas cartas na manga e entrega um espetáculo audiovisual digno das maiores produções já feitas no gênero. Montado de maneira a ser visto como um filme rodado num único plano-sequência (assim como aconteceu com Birdman, de Alejandro González Iñáttitú, outro longa mau visto em sua época que acabou calando a boca dos críticos e puristas e levando a estatueta de melhor filme), ele acaba por narrar uma espécie de "passeio rumo ao inferno".
Portanto, saibam segurar a respiração, meus caros leitores, pois este é daqueles projetos capazes de mexer com a sua cabeça e a sua capacidade de compreensão take a take, minuto a minuto. Enquanto os dois soldados atravessam os destroços do que um dia foi um país, vemos o retrato do horror, do caos, da ganância e da eterna mania dos homens de se acharem melhores do que a sua própria espécie naquilo que ele tem de mais vivo e cruel.
O filme a meu ver está repleto de citações diretas à outros filmes de guerra. Que o diga a própria carta a ser entregue pelos soldados que me remeteu a carta que passava de mão em mão entre os soldados do filme O resgate do soldado Ryan, de Steven Spielberg. E nos instantes finais, quando Schofield está perto de entregar a mensagem à seu destinatário, talvez eu tenha enxergado demais, mas me remeteu ao clássico Gallipoli, do diretor Peter Weir, feito no início dos anos 1980, que tem como protagonista o ator Mel Gibson no início da carreira.
Vi alguns críticos da internet (sempre eles!) reclamando do final chocho do longa, em comparação aos outros competidores de melhor filme. Honestamente, vejo nessa mentalidade a eterna mania do público contemporâneo - viciado em remakes e franquias de ação - de querer que tudo acabe de forma espetacular, retumbante, avassaladora, à la Senhor dos Anéis e Game of Thrones. E não acredito que a sétima arte deva se render única e exclusivamente a isso.
Na verdade, ao desfecho do filme me peguei perguntando sobre o que o soldado, terminada a árdua missão, estava pensando. Talvez sobre o sentido da guerra, que no final das contas é praticamente nenhum? Ou se já havia passado da hora de lhe mandarem de volta para a casa e rever sua família? E cá entre nós: qualquer produção cinematográfica que termine me fazendo pensar, durante a volta para casa, num algo a mais já valeu o meu dia.
Segundo os resultados da temporada de prêmios até agora 1917 é o favorito absoluto ao Oscar de melhor filme desse ano. Tem quem diga até que já é barbada faz tempo. E não acredito que será injusto. Diferentemente do prêmio conferido ao insuportável Guerra ao terror, de Kathryn Bigelow, em 2010, último filme de guerra a ganhar a estatueta, o longa de Sam Mendes tem alma própria, diferentemente do filme de Bigelow que, na época, pegou carona no lobby político e na eterna mania dos norte-americanos de emularem o sofrimento decorrente da tragédia do 11 de setembro.
É, Netflix... Eu até queria torcer por vocês, mas não deu. De novo.
Guerra para principiantes (Jojo Rabbit, de Taika Waititi, é um flerte irônico entre o nazismo e a fábula)
O cinema é capaz de nos encantar, de nos provocar, de promover polêmicas com tão pouco. E às vezes, é capaz também de ironizar de forma extremamente inteligente. E mesmo assim nem todo mundo irá entender a mensagem (ainda mais numa era moralista em excesso como essa na qual estamos vivendo).
Jojo Rabbit, do diretor Taika Waititi, é um exemplar raro dessa categoria que ironiza fatos históricos. Daqueles projetos que já nascem dando o que falar, por tratar o nazismo pela alcunha do deboche e da fábula (algo que os moralistas excessivos vão reclamar, por acreditarem que o tema - sórdido por excelência - está sendo diminuído ou levado em pouca consideração; e os neonazistas mais ainda, pois irão rotular o longa de "ofensivo e desrespeitoso à causa").
Contudo, o diretor não deu bola para nenhum dos dois grupos e contou a história de Jojo Beltzer (o ótimo ator mirim Roman Griffin Davis), um garoto de meros 10 anos de idade, membro da juventude hitlerista, que sonha em fazer parte da guarda pessoal do fuhrer Adolf Hitler, com quem conversa ocasionalmente, na linha amigo imaginário. E tudo prometia sair às mil maravilhas ao ser chamado para o treinamento de guerra para novos soldados quando descobre, escondida em sua casa, a jovem judia Elsa (Thomasin McKenzie), com quem começa a trocar informações e, por conseguinte, passa a ter uma outra visão da guerra.
Até então, tirando a versão imaginária de hitler - que é vivido de forma impagável pelo próprio diretor do filme - suas únicas fontes de confiança eram a mãe, Rosie (Scarlett Johansson), que é terminantemente contra o regime, e o Capitão K. (Sam Rockwell), responsável pelo treinamento dos jovens soldados e uma figura que parece suprir a carência do pai de Jojo, de quem não tem notícias há anos por estar em combate.
E é desse choque cultural aliado, logicamente, a todo o clima infanto-juvenil que permeia a narrativa do filme que está o verdadeiro encanto desse projeto.
Em muitos aspectos, guardadas as devidas proporções, Jojo Rabbit é um filme que dialoga com o extraordinário A vida é bela, do diretor italiano Roberto Benigni (que ganhou dois oscars pelo filme). Se na produção italiana vemos Guido transformar a guerra aos olhos do filho, Giosué, num jogo, aqui eu tive a ligeira impressão de estar vendo o que Giosué teria visto de fato se não tivesse a figura paterna para protegê-lo de todo mal a todo instante.
Em outras palavras, o que vemos é uma guerra para principiantes, que pensam ter maturidade para entender o que de fato está acontecendo, mas na verdade não passam de ingênuos quando têm de lidar com o mundo cruel em que vivemos.
Confesso que foi uma grata surpresa ver esse filme na lista de indicados ao Oscar deste ano. E já andei vendo alguns críticos na internet se dizendo incomodados com o contexto criado pelo filme. Mas como disse no primeiro parágrafo e repito: às vezes é preciso incomodar, polemizar, e principalmente ironizar.
Vejo Jojo Rabbit como um filme mais do que necessário para entendermos esse século XXI cheio de pessoas amargas, que levam tudo para o âmbito ou da discussão ou da fé cega, extremada. Parece que perdemos a capacidade de rir de nós mesmos e do nosso passado. E por mais duro que pareça, às vezes é preciso rir também de nossas derrotas. Isso não é uma questão de insultar os judeus, mas sim de sobreviver a um mundo que caminha para o caos todo santo dia. Levamos tudo a ferro e fogo e não acredito, sinceramente. que isso nos levará a algum lugar.
Em suma; o filme pode ser o seu inimigo público número 1 ou sua bóia salva-vidas para seguir em frente e tentar ser alguém melhor de novo. E de novo. E de novo. E isso cabe única e exclusivamente a você, espectador!
E pensar que eu acreditava que esse diretor (que ficou famoso aqui no país após dirigir Thor: Ragnarok) fosse se transformar num novo J. J. Abrams, refém de franquias e projetos multimilionários. Não só queimou a minha língua como ganhou minha atenção para futuros projetos. Disseram que ele estava associado ao live action de Akira, mas o site do IMDb não informa mais isso. Uma pena. Confesso que eu veria esse projeto também.
Resultado: mais um nome para a minha lista de diretores "para ficar de olho sempre que puder".
As vanguardistas (Adoráveis mulheres, de Greta Gerwig, e o sacrifício que as mulheres tiveram que fazer num passado não tão remoto assim)
O feminismo e o empoderamento são duas pautas do momento nesse século XXI cheio de controvérsias e mentiras sendo vendidas como fake news. Entretanto, muitas vezes eu tenho a impressão que a causa feminina vem sendo vendida nos últimos anos ou de forma exagerada e ilusória ou de forma leviana, acabando por se transformar num reles mimimi de gente que gosta de reclamar de tudo e ponto (eu sei... vai ter gente me chamando de machista por causa desse trecho aqui).
Faltam, em muitos casos, verossimilhança nos discursos. Mais parece remorso, vontade de se vingar (e isso precisa ser combatido também). E em nada dialoga essa cultura com os esforços promovidos por mulheres como Jane Austin, Virginia Woolf, Clarice Lispector, Florbela Espanca, George Elliot (que, reza a lenda, também era mulher, mas assinava como homem pois era a única forma de publicar algo naquela época) e tantos outros nomes da literatura - e também da arte em geral.
Me peguei pensando nisso ao final da sessão de Adoráveis mulheres, segundo longa dirigido pela atriz e diretora Greta Gerwig, e me tornei ainda mais fã do filme.
O longa, que está na lista dos cotados ao Oscar desse ano, conta a história das irmãs March e sua luta para permanecerem relevantes em meio a uma sociedade extremamente burguesa e patriarcal. Amy (Florence Pugh) é o retrato vivo de como a sociedade da época enxergava a mulher e o papel que ela devia ter: uma pessoa voltada para o casamento e nada mais. Meg (Emma Watson) é aquela que fica em cima do muro. Almeja construir um lar para si, mas não se vê como a pessoa responsável por tirar a família da situação de pobreza na qual se encontra. Beth (Eliza Scanlen), é a mais tímida e debilitada das irmãs, e prefere se esconder atrás do piano, seu único e verdadeiro talento. E, finalmente, Jo (Saorsie Ronan), que poderia facilmente ser rotulada por muitos como a ovelha negra da família, mas na verdade é à mulher à frente do seu tempo, a escritora, a personificação viva de tudo o que Jane Austen e a própria Louisa May Alcott (cujo romance originou esse filme) viam de errado na maneira como as mulheres eram vistas nesse período.
Contudo, mais do que a tarefa árdua de narrar a luta e as escolhas dessas quatro mulheres - e adorei particularmente a ideia da diretora trabalhar a narrativa através de flashbacks, alternando o ontem e o hoje de forma precisa -, ficou claro (pelo menos para mim) estar diante de um grupo de vanguardistas, que tiveram de lutar contra o sistema, contra o regime machista que não consegue sequer entender uma mulher que não deseja se casar, contra suas próprias opiniões, para chegar a um caminho que lhes soasse lúcido.
Não sei se já disse isso em minhas críticas anteriores sobre cinema, mas sempre tenho problemas com filmes de época, históricos, de realeza britânica, etc, pois sempre tenho a impressão de que "quem já viu um, já viu todos". Mas Adoráveis mulheres não cabe nessa categoria. Embora esta seja sua oitava adaptação para os cinemas, a história encontrou no trabalho sublime de Gerwig uma forma de entendermos essa mulher de ontem e também questionar se a mulher de hoje de fato entendeu a luta pela qual essas mulheres visionárias passaram. Pois, cá entre nós, às vezes me parece que elas (as de hoje) desaprenderam tudo. O que é uma pena.
Isso sem contar personagens menores, mas indispensáveis para compor a trama e a luta pela qual elas passam, como a tia resmungona (interpretada de forma brilhante pela diva Meryl Streep), o jovem e rebelde Laurie (Timothée Chalamet), que ama alucinadamente Jo, mas não consegue entender completamente a força daquela mulher que não pretende se render a um papel secundário ou a uma vida conforme regras machistas e desiguais e também o seu pai, Mr. Lawrence (Chris Cooper) que entende como poucos naquele meio a dor de perder uma filha e não encontrar nada que de fato a substitua. Todos, sem exceção, embora coadjuvantes, são absolutamente necessários para entendermos as agruras e restrições pelas quais essas mulheres têm de passar.
Até mesmo a mãe (Laura Dern), que aprendeu a renunciar e jogar o jogo com o passar dos anos, funciona como uma espécie de voz da consciência, sempre incentivando as filhas a fazerem suas próprias escolhas. E acreditem: por mais que pareça, isso não é nada fácil de fazer.
Ao final da sessão, as luzes se acendem e vejo mais mulheres do que homens na sala de projeção. E por um momento fico triste, pois acredito que nós também precisamos conhecer essa história. Precisamos parar com essa mania de nos vermos como protagonistas o tempo todo. Há uma parte grande da sociedade que não deseja mais que o mundo continue desse jeito. Mais do que isso: vejo que algumas mulheres choram, orgulhosas com o desfecho da trama.
E nesse momento também vou às lágrimas, pois lembro do sacrifício que minha mãe e minhas tias fizeram para que eu e meus sobrinhos chegássemos a algum lugar. Faço parte de uma família onde homens sempre foram minoria e me orgulho disso. Sem essas mulheres fortes, poderosas, eu certamente não estaria aqui hoje escrevendo este texto. E é disso que se trata o longa-metragem de Greta Gerwig: sacrifício.
Então você, mulher moderna, engajada, empoderada, não torne gratuita uma luta que é muito mais do que apenas espaço no mercado de trabalho, roupas de marca, chefias em postos de trabalho. Não. Tem a ver com respeito. Algo em falta na atual humanidade.
E como é bom saber que essas mulheres decidiram enfrentar essa batalha de cabeça erguida!
Se existe de fato a expressão cinema experimental, David Lynch a realizou com louvor em ERASERHEAD. E não se trata de um filme fácil de assistir. Tenho até um vizinho que chama essa experiência aqui de "pequenas colagens" (e, honestamente, eu o entendo). A filmografia de Lynch não é para todo mundo. Na verdade, nunca foi.
E aqui ele realiza, a meu ver, o seu projeto mais ousado.
PRÊT-A-PORTER, de Robert Altman, embora mediano dentro de sua filmografia, realiza um interessante painel sobre o mundo da moda e seus personagens cafajestes, excêntricos, metidos a besta, etc etc etc...
Meu único porém com o filme é que senti falta de personagens mais agressivos. E nesse universo controverso tem muito disso!
Definitivamente John Schlesinger é das melhores coisas que o cinema americano produziu em toda a sua história. Pena que a nova geração de "cinéfilos" não faça a menor ideia de quem ele seja. E com O DIA DO GAFANHOTO ele realiza quase que o filme definitivo sobre a grande paranóia que é os Estados Unidos, com sua eterna mania de fama e se vender como a maior nação de todos os tempos. Esmiuça hollywood de forma amarga, mas necessária, e mostra que intolerância e vaidade são dois crimes capitais naquela pátria desde priscas eras.
Procurem. De vez em quando ele reprisa no Paramount Channel. E vale cada segundo do seu tempo.
Durante os últimos anos o posto de filme mais louco que eu tinha assistido até então cabia à KABOOM, de Gregg Araki. Tanto que saí da sala de cinema na época pensando: "sério, esse diretor tomou ácido para realizar o projeto". Pois agora essa categoria tem um novo campeão. Trata-se de BATISMO FATAL, do lendário diretor Roger Corman. Ele propõe uma viagem psicodélica por uma América distópica, pós-guerra, onde Edgar Allan Poe conversa com Deus diretamente, pequenas seitas e cultos disputam territórios da maneira mais louca que você puder imaginar, isso sem contar com a presença da atriz Talia Shire (a eterna Adrian da franquia ROCKY) explodindo - isso mesmo que eu disse! - de tanto comer. Qualquer comparação com a Dona Redonda da novela global SARAMANDAIA não é mera coincidência. Para os fãs de filmes surtados e fora da casinha, esse é um prato cheio.
P.S: a trilha sonora da banda Country Joe and the Fish já vale por metade do filme.
Pequenas traições (Um dia de chuva em Nova York é Woody Allen avisando - de novo - que o amor não é uma ciência exata)
O amor não é uma ciência exata e a sétima arte não cansa de avisar isso aos cinéfilos. E provavelmente o melhor exemplo disso que eu conheço é a cinematografia do diretor Woody Allen (que voltou a ser odiado nos últimos tempos por seus delitos do passado). Poucos em hollywood se debruçaram tanto sobre as distorções e os dilemas que envolvem os relacionamentos amorosos quanto ele.
Com seu novo longa, Um dia de chuva em Nova York - que chegou a ter sua distribuição adiada aqui no Brasil, não somente por conta das acusações de assédio contra ele como também pelo processo que ele moveu contra a produtora do filme, a Amazon Studios -, Allen usa sua visão de mundo sobre a América contemporânea e a indústria das celebridades para nos mostrar que vivemos num mundo repleto de pequenas traições (e sequer nos damos conta disso em alguns momentos).
O casal que dita o ritmo do filme é composto por Gatsby Welles (Timothée Chalamet, o atual queridinho de hollywood, após a fama conquistada por Me chame pelo seu nome), um dos muitos garotos privilegiados dessa América esnobe, que cursa uma das melhores universidades da Ivy League, mas está sempre reclamando de tudo, sempre passando a imagem de estar entediado de forma constante com a vida; e Ashleigh Enright (Elle Fanning), o estereótipo vivo dessa imprensa sensacionalista dos dias de hoje: uma profissional mal-formada, que cita referências apenas para acobertar a sua falta de informação sobre o tema, e que trata o próprio trabalho como uma reles paixão.
Ambos vêm para a Big Apple para passar um fim de semana e conhecer os pais de Gasby, mas Ashleigh tem uma entrevista marcada com Roland Pollard (Liev Schreiber), um famoso cineasta por quem a jovem repórter tem verdadeira tara (ela o considera praticamente um Van Gogh do cinema). Contudo, Roland é um artista inseguro e acredita estar realizando um novo trabalho muito aquém do que esperava. E por conta disso desaparece no meio do encontro, fazendo com que a jovem corra a cidade toda, acompanhada do produtor do longa, atrás dele. Enquanto isso, Gatsby esbarra com a jovem Chan Tyrell (Selena Gomez), que é irmã mais nova de uma ex-namorada que teve no passado e esse encontro faz com que ele reveja sua atual relação.
Porém, mais do que uma sucessão de encontros e desencontros (as horas vão passando e ele vai percebendo que tudo o que o casal havia planejado fazer não se concretizará), a narrativa proposta por Allen foca numa subtrama mais interessante: o quanto estamos dispostos a ir para realizarmos nossas expectativas, mesmo que isso vá prejudicar a relação a dois.
Como disse no título do artigo, Um dia de chuva em Nova York é um filme sobre traições. Mas não traições gigantescas, ofensivas. Pequenas traições, muitas vezes baseadas em atitudes impensadas ou simplesmente pela vontade de um ego inflamado ou de uma carreira bem sucedida que volta e meia costuma bater ponto para testar a boa fé de qualquer relação que se preze. Vi em algumas críticas postadas na internet gente reclamando desse aspecto do longa, dizendo que o filme vende uma imagem ruim da sociedade. Honestamente, não tive essa percepção.
Prefiro acreditar, ao invés disso, na teoria proposta por Zygmunt Bauman: a de que vivemos numa modernidade líquida, onde nada parece durar o tempo que gostaríamos. Nunca foi tão difícil manter um relacionamento amoroso como nos tempos atuais. Para todos os lugares que olho vejo casais reclamando de invasão de privacidade, falta de respeito, tratamento diferenciado para homens e mulheres, uma enorme parcela da sociedade reclamando do culto ao passado, quando a mulher se "contentava" em ser submissa. E o resultado disso na prática são casamentos efêmeros, o aumento da homossexualidade (o que gera muita intolerância e homofobia) e pessoas preferindo viver sozinhas, segundo a ótica do "antes só do que mal acompanhado".
O que o diretor faz é pegar o clima reinante na hollywood atual, baseado em movimentos como o Me too e o Oscar so white, fora as inúmeras acusações de assédio que tomaram conta da meca do cinema nos últimos anos, e desdobrá-lo num cenário mais cotidiano, apontando as falhas de caráter de uma sociedade que sempre primou por se vender como a maior nação de todas e que depois da tragédia do 11 de setembro entrou, isso sim, em colapso, lutando contra sua própria inabilidade para recomeçar do zero.
Ao final da sessão as luzes se acendem e eu vejo uma sala bem mais vazia do que o habitual num filme de Woody Allen. "As pessoas andam amargas atualmente", penso. Tudo é motivo para ressentimento e apontar o dedo acusador para os demais.
Entretanto, mesmo com o clima adverso a ele, Allen acerta na mosca e entrega um filme interessante e reflexivo. Precisamos urgentemente nos reencontramos como sociedade. Precisamos reaprender a viver juntos e respeitar o próximo, suas escolhas, suas identidades. Não fazer do outro um reles acompanhante que precisa estar disponível somente quando desejamos. Do contrário, acabaremos por virar robôs rancorosos, que ficam à espreita, aguardando as falhas alheias para depois poderem dizer, se sentindo vitoriosos: "eu avisei que ele não valia nada".
E isso, meus caros leitores, não é nada produtivo. Não mesmo.
O marginal de hollywood (Meu nome é Dolemite e o cinema americano além dos holofotes e do tapete vermelho)
O cinema, além de reprodutor da realidade, volta e meia vive da fama de grandes nomes que fizeram da indústria cinematográfica o que ela é hoje. Há cineastas que conseguiram transformar seus sobrenomes em gêneros próprios, emocionando milhões de espectadores ao redor do mundo. É o caso de gigantes como Fellini, Bergman, Kurosawa, Rosselini, Almodóvar, Truffaut, Godard, etc etc etc. Contudo, ninguém transformou essa faceta num negócio lucrativo tão bem quanto hollywood. A meca do cinema é famosa por construir legados que ultrapassam gerações e gerações. Spike Lee, John Cassavetes, Sam Peckinpah, John Ford, Steven Spielberg, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e tantos outros são provas vivas disso.
Há, porém, um outro lado da sétima arte ao redor do mundo que normalmente é boicotado ou varrido para debaixo do tapete por clás de moralistas e demagogos (e eles sempre tentaram catalogar o cinema à sua imagem e semelhança). Falo dos cineastas marginais, do universo underground que também merece o seu quinhão de estrelato e reconhecimento, seja por sua coragem de enfrentar o star system, seja pela ousadia de incomodar com temas polêmicos, que normalmente agridem aos olhos e ouvidos mais puritanos.
E desse segundo grupo é louvável, como fez o diretor Craig Brewer no inacreditável Meu nome é Dolemite, falar de artistas como Rudy Ray Moore. Recentemente, durante uma entrevista a um talk show para divulgar o longa, o comediante Eddie Murphy - que interpreta Rudy no filme - o chamou de "um guerrilheiro do cinema". E não é exagero, não! O cara é realmente um fenômeno se levarmos em consideração o que ele conquistou.
Rudy Ray Moore tinha tudo para não ser ninguém. Vinha de uma carreira praticamente esgotada no stand up comedy, e muitos acreditavam que ele insistia de teimoso que era. Mas ele não desistiu e viu na possibilidade de trazer para o palco as piadas sujas que ouvia nas ruas um filão. Dito e feito. Tornou-se o grande nome do humor adulto na América.
Entretanto, não satisfeito, decidiu: vou produzir meu próprio longa-metragem. E após convencer o ator D'Urville Martin (Wesley Snipes) a dirigí-lo, engendrou uma das maiores empreitadas da história do cinema americano. Mas assim como seu contemporâneo Melvyn Van Peebles e a galera da Blaxploitation teve que enfrentar os tubarões dos grandes estúdios e o eterno corporativismo do setor para realizar o seu maior sonho.
O que mais me interessou no projeto foi o fato de estarmos falando de um marginal do cinema, de um homem que teve de, muitas vezes, mudar de trajetória, alterar seus planos originais, para atingir seu objetivo final. É o exemplar perfeito do filme sobre como fazer um filme quando você não se encaixa no perfil do diretor para aqueles que financiam filmes. Entenderam? É por aí.
O que vemos nas quase duas horas de projeção é um grande convite a conhecermos o mundo dos excluídos, aqueles que a indústria não quer ver no tapete vermelho, pois não atendem aos interesses e necessidades do mercado (na visão deles, é claro!). E mesmo assim eles insistem, arrombam portas, desmentem críticos, viram a estrutura do mercado de cabeça para baixo.
Pessoas como Rudy Ray Moore não precisam de reconhecimento da Academia, muito menos de festas em sua homenagem no cultuado Governors Award. Não, não, não! Eles conseguiram coisa muita maior do que isso. Eles derrubaram muito mais do que a quarta parede (assunto que volta e meia povoa a cabeça de milhares de críticos aqui no Brasil). E cada dia mais eu tenho certeza de que a indústria cinematográfica, e não somente a hollywoodiana, precisa de mais pessoas como ele.
A sétima arte anda carente de coragem, principalmente na América, que se rendeu a formatos, franquias, remakes, etc, de pessoas que não temam uma indústria, um sistema político ou mesmo fanáticos religiosos (algo que temos vivido atualmente em nosso país). E que bom seria se todo ano, ao invés de um novo Michael Bay ou um novo James Cameron, pudéssemos nos deparar com mais artistas autorais ou, ao menos, com mais culhões para apontar as feridas da sociedade e do mundo como um todo!
Para muitos Rudy talvez não passe de um homem oportunista, que forçou a barra para chegar lá, que só queria jogar na cara dos brancos o quanto podia também. Eu vejo além disso. Vejo-o como resistência, como alguém que deveria produzir um legado no mercado cinematográfico. Podem ter certeza: Não haveria Jordan Peele, Steve McQueen, Barry Jenkins e Ryan Coogler (e cito aqui apenas os grandes diretores negros da atualidade) não fossem homens à frente do seu tempo como Rudy Ray Moore.
E como é bom saber que essa história de perseverança e luta foi contada para as próximas gerações. Obrigado!
Interessante ver ZARDOZ após mais de quatro décadas de sua realização e perceber que o mundo descrito pelo diretor John Boorman não é muito diferente do que estamos vivenciando nesse século XXI (embora a narrativa do longa se passe no ano de 2293). Uma sociedade alienada, algemada por ideias nonsenses, provenientes de gurus metafísicos que não passam, isso sim, de grandes charlatões. Aqui, até o sono é considerado obsoleto, pois é considerado improdutivo. Seu protagonista, Zed (Sean Connery), é um homem fadado a exterminar pessoas, convicto de sua devoção a um totem - que nada mais é do que uma versão futurista de O MÁGICO DE OZ. Entretanto, ele é capturado por uma comunidade (que mais parece uma seita religiosa) baseada em doutrinas radicais e que relega ao ostracismo e a um envelhecimento precoce todo aquele que a defronte. Nas entrelinhas do roteiro pessoas vivendo em criogenia, a sexualização como modus operandi para se chegar a certas conclusões e referências às mais diversas à Alegoria da Caverna, de Platão.
P.S: qualquer comparação entre o personagem de Connery e o Neo (de MATRIX) e também à Édipo, de Sófocles, não é mera coincidência...
P.S 2: a escolha do diretor por uma narrativa que flerte com a ficção científica é um mero disfarce para enganar o espectador. Fique atento!
Pequenas traições (Um dia de chuva em Nova York é Woody Allen avisando - de novo - que o amor não é uma ciência exata)
O amor não é uma ciência exata e a sétima arte não cansa de avisar isso aos cinéfilos. E provavelmente o melhor exemplo disso que eu conheço é a cinematografia do diretor Woody Allen (que voltou a ser odiado nos últimos tempos por seus delitos do passado). Poucos em hollywood se debruçaram tanto sobre as distorções e os dilemas que envolvem os relacionamentos amorosos quanto ele.
Com seu novo longa, Um dia de chuva em Nova York - que chegou a ter sua distribuição adiada aqui no Brasil, não somente por conta das acusações de assédio contra ele como também pelo processo que ele moveu contra a produtora do filme, a Amazon Studios -, Allen usa sua visão de mundo sobre a América contemporânea e a indústria das celebridades para nos mostrar que vivemos num mundo repleto de pequenas traições (e sequer nos damos conta disso em alguns momentos).
O casal que dita o ritmo do filme é composto por Gatsby Welles (Timothée Chalamet, o atual queridinho de hollywood, após a fama conquistada por Me chame pelo seu nome), um dos muitos garotos privilegiados dessa América esnobe, que cursa uma das melhores universidades da Ivy League, mas está sempre reclamando de tudo, sempre passando a imagem de estar entediado de forma constante com a vida; e Ashleigh Enright (Elle Fanning), o estereótipo vivo dessa imprensa sensacionalista dos dias de hoje: uma profissional mal-formada, que cita referências apenas para acobertar a sua falta de informação sobre o tema, e que trata o próprio trabalho como uma reles paixão.
Ambos vêm para a Big Apple para passar um fim de semana e conhecer os pais de Gasby, mas Ashleigh tem uma entrevista marcada com Roland Pollard (Liev Schreiber), um famoso cineasta por quem a jovem repórter tem verdadeira tara (ela o considera praticamente um Van Gogh do cinema). Contudo, Roland é um artista inseguro e acredita estar realizando um novo trabalho muito aquém do que esperava. E por conta disso desaparece no meio do encontro, fazendo com que a jovem corra a cidade toda, acompanhada do produtor do longa, atrás dele. Enquanto isso, Gatsby esbarra com a jovem Chan Tyrell (Selena Gomez), que é irmã mais nova de uma ex-namorada que teve no passado e esse encontro faz com que ele reveja sua atual relação.
Porém, mais do que uma sucessão de encontros e desencontros (as horas vão passando e ele vai percebendo que tudo o que o casal havia planejado fazer não se concretizará), a narrativa proposta por Allen foca numa subtrama mais interessante: o quanto estamos dispostos a ir para realizarmos nossas expectativas, mesmo que isso vá prejudicar a relação a dois.
Como disse no título do artigo, Um dia de chuva em Nova York é um filme sobre traições. Mas não traições gigantescas, ofensivas. Pequenas traições, muitas vezes baseadas em atitudes impensadas ou simplesmente pela vontade de um ego inflamado ou de uma carreira bem sucedida que volta e meia costuma bater ponto para testar a boa fé de qualquer relação que se preze. Vi em algumas críticas postadas na internet gente reclamando desse aspecto do longa, dizendo que o filme vende uma imagem ruim da sociedade. Honestamente, não tive essa percepção.
Prefiro acreditar, ao invés disso, na teoria proposta por Zygmunt Bauman: a de que vivemos numa modernidade líquida, onde nada parece durar o tempo que gostaríamos. Nunca foi tão difícil manter um relacionamento amoroso como nos tempos atuais. Para todos os lugares que olho vejo casais reclamando de invasão de privacidade, falta de respeito, tratamento diferenciado para homens e mulheres, uma enorme parcela da sociedade reclamando do culto ao passado, quando a mulher se "contentava" em ser submissa. E o resultado disso na prática são casamentos efêmeros, o aumento da homossexualidade (o que gera muita intolerância e homofobia) e pessoas preferindo viver sozinhas, segundo a ótica do "antes só do que mal acompanhado".
O que o diretor faz é pegar o clima reinante na hollywood atual, baseado em movimentos como o Me too e o Oscar so white, fora as inúmeras acusações de assédio que tomaram conta da meca do cinema nos últimos anos, e desdobrá-lo num cenário mais cotidiano, apontando as falhas de caráter de uma sociedade que sempre primou por se vender como a maior nação de todas e que depois da tragédia do 11 de setembro entrou, isso sim, em colapso, lutando contra sua própria inabilidade para recomeçar do zero.
Ao final da sessão as luzes se acendem e eu vejo uma sala bem mais vazia do que o habitual num filme de Woody Allen. "As pessoas andam amargas atualmente", penso. Tudo é motivo para ressentimento e apontar o dedo acusador para os demais.
Entretanto, mesmo com o clima adverso a ele, Allen acerta na mosca e entrega um filme interessante e reflexivo. Precisamos urgentemente nos reencontramos como sociedade. Precisamos reaprender a viver juntos e respeitar o próximo, suas escolhas, suas identidades. Não fazer do outro um reles acompanhante que precisa estar disponível somente quando desejamos. Do contrário, acabaremos por virar robôs rancorosos, que ficam à espreita, aguardando as falhas alheias para depois poderem dizer, se sentindo vitoriosos: "eu avisei que ele não valia nada".
E isso, meus caros leitores, não é nada produtivo. Não mesmo.
A guerra nua e crua (Apocalipse now completa 40 anos)
Começo a escrever uma crítica sobre o mais recente filme de Eddie Murphy quando leio nos jornais O estado de São Paulo e Folha de São Paulo que o filme Apocalipse now, de Francis Ford Coppola, completou quatro décadas de existência. Resultado: paro tudo o que estou fazendo até então e coloco o word na tela branca de novo para falar de uma das maiores obras-primas da história de hollywood e do cinema mundial.
Que me perdoe quem não gosta do filme, mas considero o longa-metragem de guerra dirigido pelo mestre que entregou ao cinema a trilogia O poderoso chefão o maior filme de guerra já feito até hoje. Digo mais: Apocalipse now é a guerra nua a crua, sem rodeios, um tapa na cara do espectador. E para vocês terem uma ligeira ideia do meu fanatismo pelo longa o documentário que conta a saga pela qual Coppola passou para realizar este filme - o também extraordinário Apocalipse de um cineasta, dirigido pelo trio Fax Bahr, George Hickenlooper e Eleanor Coppola - é também de uma visceralidade que eu poucas vezes vi no gênero e merece todos os meus elogios ad aeternum.
Apocalipse now é daquelas produções que só acontecem uma a cada década (e isso com muita sorte!) e um projeto que tinha tudo, mas tudo mesmo, para dar errado. A começar pelo ator Martin Sheen que enfartou durante as gravações e as inúmeras exigências envolvendo o ator Marlon Brando, que pediu 3 milhões de dólares por três semanas de trabalho no set (independente de seu trabalho ser usado ou não na montagem ou as filmagens com ele acontecerem de fato ou não). Entretanto, quiseram os deuses do cinema que o projeto fosse finalizado e entrasse para a história, ganhando inclusive a Palma de ouro em Cannes.
O filme narra a missão do Capitão Benjamim L. Willard (Sheen) na guerra do vietnã em 1970, que precisa encontrar - e matar - o Coronel Walter E. Kurtz (Brando), dado como louco por seus superiores e considerado um perigo para o exército norte-americano. Contudo, não se iludam com a simplicidade de meu resumo genérico. Trata-se de uma viagem alucinante que retratará todas as nuances e paranoias da guerra na forma de homens/soldados destruídos seja pelo front, seja por seus líderes hierárquicos.
Há um pouco de tudo na selva vietnamita: oficiais fanáticos por surfe, soldados rasos cujo único sonho é conseguir ver novamente uma mulher bonita em trajes sumários, helicópteros bombardeando cidades ao som de Richard Wagner, e mais, podem ter certeza, muito mais.
Dizem as lendas urbanas que regem o mundo das celebridades e dos tabloides sensacionalistas que foi com este filme que Coppola tomou uma decisão que pontuaria todo o restante de sua carreira: nunca mais se envolver em projetos cinematográficos gigantescos e milionários. E, honestamente, eu o entendo. Fico imaginando Frank quando viu Marlon Brando completamente fora do peso e careca no set de filmagem, logo ele que no passado foi um dos maiores ícones de beleza da história do cinema americano. Ele deve ter pensado na hora: "onde eu fui amarrar o meu burro!". Isso fora problemas com orçamento e prazos a cumprir.
Existem filmes e filmes. Os primeiros são aqueles que à priori muitos não apostam, chegam a debochar deles, jogam na cara do diretor "por que é que você quer perder o seu tempo envolvido nisto?". E quando menos se espera eles entram para a história, ganham Oscar, marcam uma geração, tornam-se cults. Já os segundos são aqueles que por mais que os detratores tentem, nada irá fazê-los deixar de existir, cumprir com o que está estabelecido para acontecer. Eles se tornarão gigantescos por mais que tentem impedí-los. Apocalipse now faz parte dessa segunda categoria.
Em 2001 o diretor lançou uma versão estendida do filme chamada Apocalipse now redux com quase três horas de duração e o público cativo do longa foi à loucura. Foi aqui, neste momento, que começou a minha relação quase doentia de devoção ao projeto.
Coppola fez parte de uma geração (tem gente que chama de Nova Hollywood, tem gente que chama de geração Easy Rider) que revolucionou a forma de se fazer cinema na América. Seus amigos, Steven Spielberg, Martin Scorsese, William Friedkin, Brian de Palma, Peter Bogdanovich e tantos outros, transformaram hollywood de forma definitiva com produções que entraram não só para a história como ditarão conceitos a serem seguidos nas décadas seguintes. Era o que se chamava de cinema de autor. Algo muito diferente do que vemos hoje em dia, num mercado cooptado por estúdios que visam, na maioria das vezes, unicamente o lucro.
Por que estou comentando isto? Porque acredito piamente que uma produção como Apocalipse now só poderia existir numa época como essa, que propiciasse o mínimo de liberdade criativa para seus autores. Do contrário, seria apenas mais um filme comercial que, com muita boa vontade, talvez conseguisse realizar mais duas ou três sequências, transformando-se numa reles franquia. Porém, conheço pessoas que também escrevem sobre cinema que preferem dizer que eu estou falando bobagem. Enfim, cada um segue a filosofia de vida que melhor lhe agrada.
Ver uma obra-prima como essa completar 40 anos e mesmo assim persistir relevante e gerando debates para gerações e mais gerações de cinéfilos é um feito que só me faz amar ainda mais o cinema e deixar claro o quanto eu estava certo quando decidi fazer da sétima arte uma parte da minha vida. Eu não seria ninguém não fossem momentos como esse!
Vida longa à Coppola e seu projeto extraordinário! E que venha o cinquentenário...
O Império (do Besteirol) Contra-Ataca: Reboot
2.9 49 Assista AgoraO Império (do Besteirol) Contra-Ataca: Reboot, de Kevin Smith é o filme mais surtado sobre a hollywood surtada dos dias de hoje. E o diretor debocha mesmo de tudo e todos, sem pudor ou medo. A dupla Jay e Silent Bob continua afiadíssima e mais louca do que nunca. Conta ainda com a presença de antigos parceiros de seus filmes anteriores (Dogma, Procura-se Amy, O Balconista). Para fãs do nerdismo mais puro!
A Última Coisa que Ele Queria
2.1 162 Assista AgoraA ÚLTIMA COISA QUE ELE QUERIA é a parte do catálogo da Netflix que desperdiça dinheiro e erra feio. Tinha tudo para dar certo, elenco, motivação, mas... Ficou no mas. P.S: não adianta. Eu não consigo entender porque a Anne Hathaway faz tanto esforço para destruir a própria carreira.
Carcereiros: O Filme
3.0 50CARCEREIROS - O FILME funciona melhor como veículo de ação do que como registro da vida dos funcionários de penitenciária. E é, inclusive, inferior à série global nesse sentido. Talvez um ator mais arrojado do que o Rodrigo Lombardi desse um outro tom â trama. Fiquei com aquela sensação de "está faltando alguma coisa, mas ele preferiram cobrir as lacunas com os velhos personagens clichês de sempre".
Um Violinista no Telhado
4.2 134 Assista AgoraA primeira vez que ouvi falar de UM VIOLINISTA NO TELHADO, de Norman Jewison, foi numa chamada do Corujão na Rede Globo (era o final dos anos 1980) e não dei muita bola. Como fui tolo! Trata-se de um interessante projeto sobre as agruras de uma família de baixa renda tendo de lidar com as mudanças de costumes e tradições de sua comunidade (no caso, a rabínica). E Topol, ator que protagoniza o longa, dá um show à parte na pele do pai que precisa lidar a duras penas com a decisão de suas filhas de escolherem seus próprios maridos.
Uma pena que essa hollywood não exista mais!!!
Edvard Munch
4.4 13Histeria atroz
(Uma reflexão pessoal sobre O grito, de Edvard Munch)
O mundo das artes plásticas é, no mínimo, um tanto irônico. E por vezes, é bom que se diga, eu o considero mórbido. Porém, não vejo a morbidez nesse caso como algo menor, um defeito, um deslize. Pelo contrário. Minha relação com esse mundo das artes volta e meia precisa gerar controvérsia e há uma legítima adoração de minha parte pelo amargor, pela rigidez, pelo exótico, por aquilo que outros podem chamar prematuramente de negativo.
Em outras palavras: gosto do mórbido como reflexão. Acho-a mais do que justa. E nesse sentido poucos quadros na história mundial das artes plásticas chamaram tanto a minha atenção quanto O grito, de Edvard Munch (1863-1944).
E é preciso confessar aqui logo de cara: minha relação com a pintura não começa exatamente com o quadro em si. E sim com uma imagem que, na minha cabeça, sempre fez alusão à pintura. Falo da imagem que vejo do homem gritando no filme Pink Floyd: the wall, do diretor de cinema Alan Parker. E desde já adianto: se não há nenhuma relação entre filme e pintura, então eu cheguei até esta adoração e por conseguinte este texto por mera coincidência e nada mais.
A cultura pop nos últimos anos fez uma correlação entre O grito, de Munch, e a máscara do antagonista da série de filmes de suspense Pânico. Contudo, não gosto dessa referência. Acho até que ela diminui o trabalho do pintor.
O grito faz parte de uma série de trabalhos de Munch que ficou conhecida como A frisa da vida (ou um poema sobre o amor, a vida e a morte). E ele expunha seus quadros à ação da neve e da chuva, com o intuito de perder um pouco o controle do resultado final plástico. Em suma, um visionário de sua própria era. Detalhe: enganam-se aqueles que pensam existir apenas uma versão da tela. Só de litogravuras - que serviam de base para a criação - ele imprimiu 45, sendo que algumas foram coloridas à mão.
Muitos estudiosos interpretam a reação do personagem na tela - o grito em si - como fruto da ansiedade daqueles tempos ou do desespero pessoal do autor. E não estão completamente errados, não!
E, além disso, acredito piamente que esse sentimento do quadro perdura até os dias de hoje. Digo mais: tenho minhas dúvidas se o autor não estaria se sentindo ainda pior nesse século XXI no qual estamos tendo de encarar muitas das piores resoluções humanas de toda a nossa história. Ou seja, vivemos na prática uma espécie de histeria atroz (e vejo a tela de Munch gritando também sobre isso!).
Quando tiverem um tempo livre, procurem pela versão online do quadro na internet. Diferentemente da exatidão pintada por Goya e Leonardo da Vinci, a obra de Munch tem imagens distorcidas, já vi gente chamando até de "quase um borrão" e isso é proposital. Isso dialoga abertamente com o momento que o pintor vinha passando.
Ele parece esmiuçar o desespero de forma nítida, sem fingir sentimentos.
E nesse momento me pego refletindo sobre aqueles tempos amargos, sem a comodidade oferecida pela tecnologia (que tanto tem lobotomizado as gerações atuais!), sobre a dificuldade de criar em qualquer esfera, não somente a pintura. Era uma época em que, muitas vezes, artistas eram sinônimo de demoníacos, malditos. Portanto, qualquer obra artística, mais do que a ótica da beleza, do entretenimento, do gerar prazer aos outros, era preciso ser enxergada como um ato de sobrevivência.
E como sobreviver hoje em dia após anos e anos de artistas fundamentais como Munch, quando tudo parece tão vazio, tão raso de significado, tão fácil para uma minoria elitista cada vez mais covarde e blasé?
A meu ver, Munch elevou tanto o padrão do seu tempo que acabou por nos tornar acomodados em excesso por medo de tentar atingi-lo ou entendê-lo. E isso é muito ruim. Entretanto, ele faz algo também tão pessoal, tão acima da média, que me parece quase obrigatório estudar a vida e a obra de homens fora de série como ele.
Para isso servem (ou deveriam servir, pelo menos) as artes. O problema é a falta de curiosidade do mundo contemporâneo, cada vez mais apegado ao óbvio, ao mais do mesmo. E não é à toa que a tela está gritando até hoje!
P.S atrasado: mais de duas semanas depois de escrever este artigo leio numa matéria do Estado de São Paulo que pesquisadores tentam explicar para os fãs de artes plásticas porque O grito está desbotando, perdendo suas cores originais. E me pego pensando: não será isso proposital numa época em que tudo parece ter perdido completamente o seu sentido original? Talvez seu autor esteja cansado de gritar em vão e prefira desaparecer. Ou talvez seja apenas eu, este projeto de autor, vendo demais e enlouquecendo novamente.
Midsommar: O Mal Não Espera a Noite
3.6 2,8K Assista AgoraIntoxicados ao extremo
(Midsommar: o mal não espera a noite é uma alegoria sobre a sociedade que busca a perfeição em todos os aspectos e só encontra contradição)
Neguem o quanto quiser os moralistas de plantão, mas a cruel verdade é que nos tornamos uma sociedade intoxicada. Por absolutamente tudo. Buscamos na realidade enfadonha do dia-a-dia razões para acreditar que o mundo pode ser perfeito, acima de qualquer suspeita. E há até quem viva de prometer isso aos outros à cifras milionárias (e como vive bem essa gente que engana os outros!). Nos acostumamos a fingir que não há razões para acreditar em derrotas, em perda de tempo, que tudo pode ser lindo, irretocável, para sempre. E mesmo os depressivos escondem de si mesmo e dos outros a triste realidade que são suas vidas miseráveis, pela metade, mesquinhando afetos.
E após terminar de assistir o fantástico Midsommar: o mal não espera a noite, de Ari Aster, só posso agradecer pelo fato de não ser o único disposto a falar sobre isso e sobre como o século XXI vem transformando seres humanos em máquinas insensíveis.
A história de Dani (Florence Pugh, fantástica) é sintomática para entendermos o que a sociedade se tornou nas últimas décadas. Ela chegou naquele ponto da vida em que nada mais parece fazer sentido. Seu relacionamento amoroso chegou àquele ponto da estrada em que é melhor sair do carro e refazer o trajeto (mas ela adia a decisão o máximo que pode!), mesmo seu convívio com os pais é delicado e ela decidiu se afastar, morar sozinha. Contudo, quando seus genitores falecem num incêndio mórbido, toda sua fortaleza interior rui e ela sente dentro de si que o pior ainda está por vir.
Diante de um quadro tão funesto, ela vê na possibilidade de viajar com o namorado e seus colegas de faculdade para uma comunidade religiosa chamada Haarga, um pequeno vilarejo no interior da Suécia, uma espécie de fuga. Mais do que isso: um motivo para recomeçar longe de tudo que até então lhe fazia mal.
O problema, como todas as pessoas que buscam um recomeço, uma vida linda, um emprego dos sonhos, etc, é a eterna mania de idealizarmos o lugar para onde vamos. E quando Dani se depara com as diretrizes e o estilo de vida da comunidade, ela percebe a duras penas que nada - realmente nada - vem fácil na vida.
E esse é exatamente o grande legado deixado pelo longa: Aster realiza uma interessante alegoria sobre a eterna busca humana por aquilo que, na maioria das vezes, só existe no papel. Pois na prática as regras do jogo são sempre outras.
Venho percebendo aqui no Brasil de uns dez anos para cá o crescimento de uma indústria do positivismo extremo. As matérias jornalísticas volta e meia chamam a atual sociedade de geração cristal e, honestamente, eles não estão errados. Vivemos em meio à uma humanidade que esconde sofrimentos, varre desavenças e derrotas para debaixo do tapete, para fingir que elas não existem. No entanto, essas mesmas pessoas se esquecem que tudo isso cobrará seu preço mais a frente.
Os colegas de Christian (Jack Reynor), namorado de Dani, que buscam realizar uma tese sobre a comunidade, também não entendem que a vida não se resume à obtenção de seus sonhos e a realização de seus projetos. Eles simplesmente bloqueiam de suas mentes, de sua torta realidade, o fato de a existência exigir deles uma contrapartida.
Em outras palavras: queremos dos outros, mas não queremos que os outros queiram nada da gente. A eterna mania de nos olharmos como superiores em relação à nossa própria espécie.
O diretor disse durante a realização do projeto ter alterado o rumo da história por conta do término amargo de um relacionamento amoroso. E a meu ver, saiu engrandecido dessa história toda. Vejo em seu filme sinais claros de amadurecimento (principalmente em comparação ao seu longa anterior, Hereditário, que não me causou grandes impressões na época em que foi lançado) e também de uma pessoa que percebeu, como eu, que a sociedade vem arruinando sua própria história por acreditar num mundo ilusório onde tudo é motivo de festa, vitória e celebração.
Ao final do filme (e o último take é extraordinário, na medida em que reflete exatamente esse lado egoísta da sociedade, que vê o outro como seu inferior, como alguém que deve "pagar a qualquer custo" por algo que lhe tenha feito) vejo estupefato a consequência dessa intoxicação extrema pela qual estamos passando nas últimas décadas.
Muito se fala em cura no século XXI. Entretanto, me pergunto quem será o curandeiro nesse mundo onde os próprios doentes escondem suas enfermidades.
P.S (na verdade, uma pequena sugestão): prestem atenção, fãs de terror, em como as cenas mais horrendas, mais incômodas de todo o filme, são apresentadas ao público com o dia claro, ao contrário do que se vê normalmente no gênero.
P.S: se você já viu A vila, de M. Night Shyamalan, e gostou não vai querer perder esse filme por nada no mundo.
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Rolling Stones - A Bigger Bang Tour Brazil 2006
4.3 1O dia em que eu não vi os Rolling Stones
(Memórias de "infância" 16)
Memória é uma coisa engraçada. E essa aqui, especificamente, na verdade nem é uma memória de infância realmente (como costumam ser os textos dessa série), pois nessa ocasião eu já me encontrava com 29 anos. Mas mesmo assim volta e meia vem à tona em minha mente.
E eu precisei do auxílio do jornalista e apresentador da Rede Globo Zeca Camargo - que volta e meia faz uns vídeos curtos em sua página no facebook - para me lembrar que eu ainda não tinha falado dessa história por aqui.
Refiro-me ao show da banda de rock Rolling Stones na praia de Copacabana no dia 18 de fevereiro de 2006, um evento que marcou época (e marca até hoje) na vida de milhões de brasileiros. E segundo o público estimado pelas autoridades nacionais, foram mais de 1,3 milhão de pessoas inundando as areias de copa em frente ao Copacabana Palace Hotel.
Mas o registro em questão aqui é de como eu não consegui ver o show ao vivo, junto com a galera gritando em massa na praia.
E a grande saga começou ainda dentro do ônibus. Eu morava no Méier nessa ocasião e decidi encarar essa aventura junto com minha mãe e minha irmã. E digo mais: foi minha mãe, no auge dos seus 55 anos, a mais interessada na aventura. Meu pai disse que estávamos perdendo o nosso tempo, que era roubada aquilo, mas nada que ele nos dissesse nos demoveria de nossa decisão.
Pegamos o 457 lotado, os fãs berravam as canções do quarteto enquanto se empurravam emocionados. E a viagem até hoje me pareceu interminável, tamanha a lerdeza do motorista. Contudo, se vocês acham que demorar para chegar ao bairro foi uma luta inglória, pior ainda descobrir que precisávamos saltar do ônibus bem antes da orla. As ruas da zona sul já começavam a ser interditadas para o grande evento.
Não me lembro ao certo a rua em que descemos, mas de uma coisa eu tenho memória fotográfica: do enxame enlouquecido de pessoas, de todas as etnias, todas querendo ver Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts 0800 (daquelas façanhas que dificilmente se repetirão na história do país).
Roqueiros, roqueiros e mais roqueiros. Mulheres lindíssimas. Seres os mais exóticos possíveis. Gente que se achava sósia dos cantores dando pinta de pseudo celebridade. Havia uma mulata - nunca me esqueci dessa mulher - com um cabelo enorme preso a uma espécie de coque, que eu tenho certeza que se ela estivesse com as madeixas soltas elas arrastariam pelo chão. E ela cantava "Sympathy for the devil" a plenos pulmões.
Minha mãe olhava a todo momento para os lados, procurando minha irmã. Para não perdê-la de vista. Mas quando sentiu o cheiro indistinguível da maconha rolando no ar, vinda de um grupo de motoqueiros na linha Hell's angels, ela parou no meio da rua (ainda estávamos bem longe da areia da praia) e nos disse: "vai dar merda isso aqui! temos que ir embora o quanto antes".
Minha irmã, estressada, concordou com ela na mesma hora. Ela odiava tumultos e gente se empurrando (tanto que sempre guardou com desalento a experiência de ter ido certa vez, com minha mãe e minhas tias, ao Cordão da Bola Preta, no centro da cidade). Eu custei um pouco mais a entender a situação, mas houve um momento em que pensei comigo: "na hora da voltar pra casa pode ser tarde demais e aí a tragédia já aconteceu".
Resultado dessa equação insólita: uma segunda saga para encontrarmos um ônibus e voltarmos para a casa. E quando chegamos em casa, meu pai nos olhou quase às gargalhadas e debochado disse: "eu falei pra vocês! onde tem coisa de graça, tem confusão".
Frustrado, espero a noite chegar para assistir o show, que foi televisionado pela Rede Globo. Foram duas horas de pedras rolando, "Jumping Jack flash", "It's only rock n' roll", "Honky tonk woman", "Start me up", "Brown sugar" e, claro, o desfecho arrasador, com "(I can't get no) Satisfaction" acompanhado de sacos de pipoca doce e de batatas Ruffles.
As panorâmicas que exibiam a multidão que tomou a praia deixaram a minha mãe ainda mais assustada e também aliviada por estar em casa. "Quero ver esse povo todo chegar em casa quando o show acabar!", ela disse. E eu acenei com a cabeça em concordância na mesma hora. Acho que até hoje eu não encaro as edições do Rock in Rio por causa dessa experiência caótica. Na boa... Não tenho mais pique, nem idade para isso!
Mas que no fundo, no fundo, eu queria ver os caras ao vivo, ah eu queria! Mas não deu. Ficou pra próxima encarnação, gente.
Joias Brutas
3.7 1,1K Assista AgoraO efeito bumerangue
(Joias brutas e esse mundo cretino em que tudo se baseia em lucro e apostas)
Vocês por acaso já viram garotos brincando com bumerangues? Pois eu já. No final dos anos 1990 eu costumava frequentar, aos domingos, um terreno que existe atrás da Cinemateca do MAM, no Aterro do Flamengo. Ali encontrei muita gente jogando frescobol, casais namorando, os fanáticos por aeromodelismo e a garotada que curtia bumerangues. E havia um garoto antipático de nome Rogério que se achava um grande mestre na arte de atirar bumerangues. Mais: ele volta e meia jogava na cara dos outros garotos que seus bumerangues eram importados e, por isso, mais difíceis de jogar.
Certa ocasião ele atirou seu bumerangue com uma força tão desmedida que quando o objeto regressou na sua direção atingiu em cheio o seu rosto. Várias pessoas ao redor correram para socorrê-lo, chegaram a levá-lo para o pronto-socorro e alguns dos garotos de quem ele debochou chegaram a sussurrar: "bem feito! assim ele para de contar vantagem!". Só tornei a rever Rogério mais uma vez, meses depois, e ele ficou com uma cicatriz feia no supercílio.
Por que estou contando tudo isso? Porque esta semana enfim consegui assistir Joias brutas, dos irmãos Benny e Josh Safdie, e me peguei refletindo sobre a mesma situação que envolveu o jovem Rogério 20 anos atrás: a daquelas pessoas que querem levar suas vidas até as últimas consequências, sem respeitar ninguém e se esquecem do ciclo natural da vida e do quanto ela é capaz de aprontar para nos pôr no nosso devido lugar.
Joias brutas nos traz a história de Howard Ratner (Adam Sandler, naquela que é talvez a melhor interpretação de sua carreira), o estereótipo clássico do oportunista e picareta profissional. Ele usa sua joalheria como mero disfarce de legitimidade para uma vida de mentiras e armações as mais variadas. Contudo, internamente, ele se encontra falido, às vésperas de um divórcio que ele quer evitar a qualquer custo, e mesmo seus familiares não acreditam 100% em seu juízo de valor. Em outras palavras: é um ser humano que caminha a passos largos rumo ao abismo (e nem se dá conta disso).
E quando ele acredita ver sua maré de azar ficando para trás com a chegada de um diamante etíope raro, a vida lhe prega mais uma peça - mostrando que nem sempre a realidade conspira a nosso favor - e ele se vê envolvido numa roubada de proporções estratosféricas, que envolve inclusive o astro da NBA Kevin Garnett.
O filme dos irmãos Safdie é um retrato nu e cru, sem rodeios, de nossa sociedade de valores deturpados, onde tudo é sinônimo de apostas, poder, status sociais e patrimônios elevadíssimos. Em suma: deixamos de ser homens e nos tornamos mercadorias sedentas por valor. E esse valor não pode ser baixo.
E desse misto de atletas profissionais viciados em superstições (a adoração de Garnett pelo diamante bruto é praticamente patológica!), cantores de hip-hop meia boca que se acreditam deuses revolucionários da indústria fonográfica contemporânea e que por conta disso se sentem no direito de pisar em quem for, por qualquer motivo e a eterna entourage de sanguessugas que volta e meia rodeiam aqueles que detém o dinheiro do mundo nasce praticamente um ensaio seco e realíssimo sobre a usura no século XXI.
Algumas pessoas nos portais de cinema e nas redes sociais ficaram um tanto quanto decepcionadas com a não-indicação de Sandler ao Oscar de melhor ator desse ano, mas cá entre nós, eu acredito que ele não tinha a menor chance, embora sua atuação seja realmente um ponto forte do filme. Se o Eddie Murphy (por Meu nome é Dolemite) e o Taron Egerton (por Rocketman) ficaram de fora, com Sandler não seria diferente. E olha que nem o De Niro (por O irlandês) conseguiu vaga esse ano!
Outra coisa: talvez eu tenha enxergado demais ou não tenha entendido o suficiente, mas achei que a interpretação de Sandler me lembrou um pouco o Al Pacino dos últimos anos. Aquele jeito de falar quase um esporro, como se estivesse brigando com todo mundo o tempo todo. Na boa... Ficou com cara de coisa copiada, que ele pegou de empréstimo. Mas como eu disse lá em cima: talvez eu tenha visto demais.
No final o que temos de concreto é mais um bom projeto da ótima produtora A24, que vem se destacando nos últimos anos com produções fora da chamada "zona de conforto" (e para quem está por fora e não ligou os pontos ainda, a produtora é responsável por longas como O farol, de Robert Eggers; Midsommar: o mal não espera a noite, de Ari Laster; Anos 90, de Jonah Hill; Gloria Bell, de Sebastián Lelio, entre outras pérolas).
P.S: seja Rogério ou Howard, o mundo anda cheio de babacas se achando indestrutíveis e acima de qualquer deslize ou derrota. O problema é que eles sempre se esquecem que o mundo tem suas próprias regras e nem sempre está apto a atender nossas expectativas ou sonhos.
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Instinto Predador
1.9 29 Assista AgoraNicolas Cage fazendo aquilo que ele sabe de melhor nos últimos tempos: sendo canastrão (e com direito a trilha sonora brasileira e tudo!).
Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa
3.4 1,4KAVES DE RAPINA: ARLEQUINA E SUA EMANCIPAÇÃO FANTABULOSA é a DC voltando a ser a DC enjoativa que quer copiar a Marvel com suas piadinhas excessivas e cenas de ação estilosas, depois de realizar o fenômeno CORINGA (que, na verdade, nem é tão DC assim se levarmos em consideração o que a empresa tem feito nos últimos anos!). Espero que a atriz Margot Robbie tenha a sabedoria necessária para partir rumo a um novo caminho e abandone a Arlequina o quanto antes. Na boa... O personagem, para mim, já está esgotado. Esse é mais um dos inúmeros filmes que me fazem pensar o tempo todo no quanto hollywood precisa se reinventar urgentemente e perceber que o cinema de super-herói é um modismo como tantos outros que passaram pela meca do cinema e que também tem, como tantos outros, o seu prazo de validade. E esse prazo a meu ver já se expirou.
Um Lindo Dia Na Vizinhança
3.5 273 Assista AgoraMarionete de si mesmo
(Um lindo dia na vizinhança e a eterna dificuldade que nós, seres humanos, temos de crescer, de seguir em frente)
Eu me lembro, quando estava na casa dos meus 30 anos, de ouvir pela primeira vez sobre os escândalos que aconteciam nos bastidores dos programas infantis que eu assistia no fim dos anos 80 e início dos 90. Via declarações do tipo "a Xuxa belisca os seus baixinhos" até "crianças de cor são boicotadas nas gravações". E também me lembro das práticas ilícitas e sujas envolvendo grupos musicais compostos exclusivamente por crianças, como Trem da Alegria (vi há pouco tempo, inclusive, uma entrevista desabafo com a cantora Patricia Marx metendo a boca no trombone sobre aquela época). E me recordo que nem a Disney e o seu famigerado Clube do Mickey escaparam dos comentários maliciosos. Só para vocês terem uma ideia do nível que foi a coisa, procurem na internet pelo depoimento do ator Corey Feldman - de filmes como Os garotos perdidos e Os Goonies - a respeito dos assédios que sofreu em hollywood ainda criança.
Por que decidi escrever esse primeiro parágrafo tão extenso no começo desta crítica? Porque me senti revivendo tudo isso, todo esse sentimento, quando acabei de assistir esta semana nos cinemas o longa Um lindo dia na vizinhança, de Marielle Heller.
O filme de Heller aborda a amarga história do jornalista investigativo da revista Esquire Lloyd Vogel (Matthew Rhys), um homem que empurra a vida com a barriga por reviver constantemente a relação traumática que tem com o pai, Jerry (Chris Cooper), a quem culpa por deixar ele e sua irmã sozinhos no momento mais difícil de suas vidas. E sua melancolia o persegue por todos os setores de sua vida: no casamento, a esposa Andrea (Susan Kelechi Watson) já não sabe mais o que fazer para trazê-lo de volta à vida. E no trabalho, ele se tornou a pessoa difícil da redação, a persona non grata a quem ninguém quer dar entrevista.
Quando sua chefe na redação o delega a missão de entrevistar o maior ícone dos programas infantis de toda a América, o lendário Fred Rogers (Tom Hanks, como há muito tempo não via nos cinemas), ele pensa tratar-se de um trote, pois tal personagem não se encaixa no perfil do tipo de artista e celebridade com quem ele costuma trabalhar.
E Rogers é realmente o seu exato oposto: um homem extremamente positivo, que acredita na esperança e na recuperação de pessoas frágeis ou massacradas pelos deslizes da vida. Um homem que vê a dor, o sofrimento e a morte como ciclos da nossa existência e não como razões para simplesmente desistirmos. E isso de alguma maneira incomoda Lloyd.
Mais do que isso: Lloyd acredita que por ter vivido uma infância tão traumática não é capaz de ver a humanidade com outro olhar que não seja negativo. Ele é praticamente um marionete de si mesmo.
Vocês devem estar se perguntando: como assim? A pessoa real, o verdadeiro Lloyd Vogel, aquele que deveria seguir em frente, superar suas adversidades, saber perdoar o próximo, está escondido por trás de um personagem que ele próprio criou, amargo, sempre apontando os defeitos dos outros, sempre fugindo da responsabilidade de sentar e colocar os pingos nos is. E por isso, na sua visão deturpada de mundo, ele acredita piamente na impossibilidade de Fred Rogers ser um homem sem defeitos. Ele precisa encontrar algum fantasma escondido no armário que assombre a vida desse homem comum, que ganhou a fama de herói americano.
Ao final da projeção, vejo algumas pessoas intrigadas, talvez pensando se tudo aquilo era real de fato ou apenas mais uma versão bonitinha para agradar aos fãs de um ícone da televisão. E me pego pensando no quanto, muitas vezes, procuramos o inimigo no lugar errado só para satisfazer nosso próprio ego e nossa eterna mania de rotular os outros.
Com a idolatria ao que chamamos de globalização e esse século que mal começou e já está dando o que falar (de pior) em todos os sentidos, percebo o quanto nos tornamos uma sociedade stalker, que gosta de perseguir os outros, ver o pior nos demais, às vezes como forma de exaltar a si própria. E tudo isso é muito triste.
Algumas pessoas que escrevem sobre cinema na internet rotularam Um lindo dia na vizinhança de "cansativo" e "decepcionante". E eu discordo em gênero, número e grau. O filme de Marielle Heller me fez pensar no quanto temos dificuldade de amadurecer, de olhar para frente com outros olhos, de virar a página a respeito do que outras pessoas nos fizeram (e nos magoou tanto). Ninguém nunca nos prometeu que a vida seria fácil e pelo andar da carruagem, prevejo ainda mais relutância e desafios no futuro. E como sobreviver a isso sem levantar a cabeça e recomeçar do zero? Não sei vocês, mas parece-me à primeira vista impossível!
Ou em outras palavras (para quem prefere uma opinião mais curta do que a minha reflexão do parágrafo anterior): Um lindo dia na vizinhança é o filme mais humano - no sentido de investigador - que eu vi nessa temporada de prêmios. E acreditem: isso não é pouca coisa, não!
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A Grande Mentira
3.4 126Foi uma grata surpresa já nesse início de 2020. Mas é preciso que o espectador tenha paciência, dê tempo ao filme para que a narrativa se concretiza. Quem está acostumado à adrenalina e megalomania não vai curtir!
1917
4.2 1,8K Assista AgoraA última esperança
(1917, de Sam Mendes, é um passeio brilhante pelo caos e o horror da guerra)
Se existe um gênero cinematográfico que tem tudo a ver com a temporada de prêmios (leia-se: Oscar, Globo de ouro, Guilds, etc) e volta e meia dá as caras com uma produção inovadora ou, ao menos, bem feita esse gênero é o filme de guerra. E muitas vezes eles são vítimas de grandes roubalheiras na história dos mesmos prêmios (Spielberg que o diga!).
Esse ano a bola de vez - e ela vendo sendo rotulada de forma ingrata como a "aposta anti-Netflix para vencer o Oscar de melhor filme" - é 1917, do diretor inglês Sam Mendes (que já faturou o prêmio em 2000 com Beleza americana).
1917 não possui um roteiro de deixar os críticos e os votantes da academia de queixo caído. Pelo contrário. É uma história mais do que simples sobre dois soldados, Blake (Dean-Charles Chapman) e Schofield (George MacKay, que muitos acreditavam que figuraria na lista de indicados a melhor ator por conta da força da ala britânica entre os votantes do Oscar e dos sindicatos) que precisam adentrar o território inimigo em plena primeira guerra mundial para entregar uma carta que pede aos superiores no front que cancelem uma ataque que poderá levar à morte 1600 soldados.
Em outras palavras: eles são a última esperança no intuito de evitar uma grande tragédia.
Contudo, quando o assunto é a parte técnica do longa, 1917 exibe todas as suas cartas na manga e entrega um espetáculo audiovisual digno das maiores produções já feitas no gênero. Montado de maneira a ser visto como um filme rodado num único plano-sequência (assim como aconteceu com Birdman, de Alejandro González Iñáttitú, outro longa mau visto em sua época que acabou calando a boca dos críticos e puristas e levando a estatueta de melhor filme), ele acaba por narrar uma espécie de "passeio rumo ao inferno".
Portanto, saibam segurar a respiração, meus caros leitores, pois este é daqueles projetos capazes de mexer com a sua cabeça e a sua capacidade de compreensão take a take, minuto a minuto. Enquanto os dois soldados atravessam os destroços do que um dia foi um país, vemos o retrato do horror, do caos, da ganância e da eterna mania dos homens de se acharem melhores do que a sua própria espécie naquilo que ele tem de mais vivo e cruel.
O filme a meu ver está repleto de citações diretas à outros filmes de guerra. Que o diga a própria carta a ser entregue pelos soldados que me remeteu a carta que passava de mão em mão entre os soldados do filme O resgate do soldado Ryan, de Steven Spielberg. E nos instantes finais, quando Schofield está perto de entregar a mensagem à seu destinatário, talvez eu tenha enxergado demais, mas me remeteu ao clássico Gallipoli, do diretor Peter Weir, feito no início dos anos 1980, que tem como protagonista o ator Mel Gibson no início da carreira.
Vi alguns críticos da internet (sempre eles!) reclamando do final chocho do longa, em comparação aos outros competidores de melhor filme. Honestamente, vejo nessa mentalidade a eterna mania do público contemporâneo - viciado em remakes e franquias de ação - de querer que tudo acabe de forma espetacular, retumbante, avassaladora, à la Senhor dos Anéis e Game of Thrones. E não acredito que a sétima arte deva se render única e exclusivamente a isso.
Na verdade, ao desfecho do filme me peguei perguntando sobre o que o soldado, terminada a árdua missão, estava pensando. Talvez sobre o sentido da guerra, que no final das contas é praticamente nenhum? Ou se já havia passado da hora de lhe mandarem de volta para a casa e rever sua família? E cá entre nós: qualquer produção cinematográfica que termine me fazendo pensar, durante a volta para casa, num algo a mais já valeu o meu dia.
Segundo os resultados da temporada de prêmios até agora 1917 é o favorito absoluto ao Oscar de melhor filme desse ano. Tem quem diga até que já é barbada faz tempo. E não acredito que será injusto. Diferentemente do prêmio conferido ao insuportável Guerra ao terror, de Kathryn Bigelow, em 2010, último filme de guerra a ganhar a estatueta, o longa de Sam Mendes tem alma própria, diferentemente do filme de Bigelow que, na época, pegou carona no lobby político e na eterna mania dos norte-americanos de emularem o sofrimento decorrente da tragédia do 11 de setembro.
É, Netflix... Eu até queria torcer por vocês, mas não deu. De novo.
Jojo Rabbit
4.2 1,6K Assista AgoraGuerra para principiantes
(Jojo Rabbit, de Taika Waititi, é um flerte irônico entre o nazismo e a fábula)
O cinema é capaz de nos encantar, de nos provocar, de promover polêmicas com tão pouco. E às vezes, é capaz também de ironizar de forma extremamente inteligente. E mesmo assim nem todo mundo irá entender a mensagem (ainda mais numa era moralista em excesso como essa na qual estamos vivendo).
Jojo Rabbit, do diretor Taika Waititi, é um exemplar raro dessa categoria que ironiza fatos históricos. Daqueles projetos que já nascem dando o que falar, por tratar o nazismo pela alcunha do deboche e da fábula (algo que os moralistas excessivos vão reclamar, por acreditarem que o tema - sórdido por excelência - está sendo diminuído ou levado em pouca consideração; e os neonazistas mais ainda, pois irão rotular o longa de "ofensivo e desrespeitoso à causa").
Contudo, o diretor não deu bola para nenhum dos dois grupos e contou a história de Jojo Beltzer (o ótimo ator mirim Roman Griffin Davis), um garoto de meros 10 anos de idade, membro da juventude hitlerista, que sonha em fazer parte da guarda pessoal do fuhrer Adolf Hitler, com quem conversa ocasionalmente, na linha amigo imaginário. E tudo prometia sair às mil maravilhas ao ser chamado para o treinamento de guerra para novos soldados quando descobre, escondida em sua casa, a jovem judia Elsa (Thomasin McKenzie), com quem começa a trocar informações e, por conseguinte, passa a ter uma outra visão da guerra.
Até então, tirando a versão imaginária de hitler - que é vivido de forma impagável pelo próprio diretor do filme - suas únicas fontes de confiança eram a mãe, Rosie (Scarlett Johansson), que é terminantemente contra o regime, e o Capitão K. (Sam Rockwell), responsável pelo treinamento dos jovens soldados e uma figura que parece suprir a carência do pai de Jojo, de quem não tem notícias há anos por estar em combate.
E é desse choque cultural aliado, logicamente, a todo o clima infanto-juvenil que permeia a narrativa do filme que está o verdadeiro encanto desse projeto.
Em muitos aspectos, guardadas as devidas proporções, Jojo Rabbit é um filme que dialoga com o extraordinário A vida é bela, do diretor italiano Roberto Benigni (que ganhou dois oscars pelo filme). Se na produção italiana vemos Guido transformar a guerra aos olhos do filho, Giosué, num jogo, aqui eu tive a ligeira impressão de estar vendo o que Giosué teria visto de fato se não tivesse a figura paterna para protegê-lo de todo mal a todo instante.
Em outras palavras, o que vemos é uma guerra para principiantes, que pensam ter maturidade para entender o que de fato está acontecendo, mas na verdade não passam de ingênuos quando têm de lidar com o mundo cruel em que vivemos.
Confesso que foi uma grata surpresa ver esse filme na lista de indicados ao Oscar deste ano. E já andei vendo alguns críticos na internet se dizendo incomodados com o contexto criado pelo filme. Mas como disse no primeiro parágrafo e repito: às vezes é preciso incomodar, polemizar, e principalmente ironizar.
Vejo Jojo Rabbit como um filme mais do que necessário para entendermos esse século XXI cheio de pessoas amargas, que levam tudo para o âmbito ou da discussão ou da fé cega, extremada. Parece que perdemos a capacidade de rir de nós mesmos e do nosso passado. E por mais duro que pareça, às vezes é preciso rir também de nossas derrotas. Isso não é uma questão de insultar os judeus, mas sim de sobreviver a um mundo que caminha para o caos todo santo dia. Levamos tudo a ferro e fogo e não acredito, sinceramente. que isso nos levará a algum lugar.
Em suma; o filme pode ser o seu inimigo público número 1 ou sua bóia salva-vidas para seguir em frente e tentar ser alguém melhor de novo. E de novo. E de novo. E isso cabe única e exclusivamente a você, espectador!
E pensar que eu acreditava que esse diretor (que ficou famoso aqui no país após dirigir Thor: Ragnarok) fosse se transformar num novo J. J. Abrams, refém de franquias e projetos multimilionários. Não só queimou a minha língua como ganhou minha atenção para futuros projetos. Disseram que ele estava associado ao live action de Akira, mas o site do IMDb não informa mais isso. Uma pena. Confesso que eu veria esse projeto também.
Resultado: mais um nome para a minha lista de diretores "para ficar de olho sempre que puder".
Adoráveis Mulheres
4.0 975 Assista AgoraAs vanguardistas
(Adoráveis mulheres, de Greta Gerwig, e o sacrifício que as mulheres tiveram que fazer num passado não tão remoto assim)
O feminismo e o empoderamento são duas pautas do momento nesse século XXI cheio de controvérsias e mentiras sendo vendidas como fake news. Entretanto, muitas vezes eu tenho a impressão que a causa feminina vem sendo vendida nos últimos anos ou de forma exagerada e ilusória ou de forma leviana, acabando por se transformar num reles mimimi de gente que gosta de reclamar de tudo e ponto (eu sei... vai ter gente me chamando de machista por causa desse trecho aqui).
Faltam, em muitos casos, verossimilhança nos discursos. Mais parece remorso, vontade de se vingar (e isso precisa ser combatido também). E em nada dialoga essa cultura com os esforços promovidos por mulheres como Jane Austin, Virginia Woolf, Clarice Lispector, Florbela Espanca, George Elliot (que, reza a lenda, também era mulher, mas assinava como homem pois era a única forma de publicar algo naquela época) e tantos outros nomes da literatura - e também da arte em geral.
Me peguei pensando nisso ao final da sessão de Adoráveis mulheres, segundo longa dirigido pela atriz e diretora Greta Gerwig, e me tornei ainda mais fã do filme.
O longa, que está na lista dos cotados ao Oscar desse ano, conta a história das irmãs March e sua luta para permanecerem relevantes em meio a uma sociedade extremamente burguesa e patriarcal. Amy (Florence Pugh) é o retrato vivo de como a sociedade da época enxergava a mulher e o papel que ela devia ter: uma pessoa voltada para o casamento e nada mais. Meg (Emma Watson) é aquela que fica em cima do muro. Almeja construir um lar para si, mas não se vê como a pessoa responsável por tirar a família da situação de pobreza na qual se encontra. Beth (Eliza Scanlen), é a mais tímida e debilitada das irmãs, e prefere se esconder atrás do piano, seu único e verdadeiro talento. E, finalmente, Jo (Saorsie Ronan), que poderia facilmente ser rotulada por muitos como a ovelha negra da família, mas na verdade é à mulher à frente do seu tempo, a escritora, a personificação viva de tudo o que Jane Austen e a própria Louisa May Alcott (cujo romance originou esse filme) viam de errado na maneira como as mulheres eram vistas nesse período.
Contudo, mais do que a tarefa árdua de narrar a luta e as escolhas dessas quatro mulheres - e adorei particularmente a ideia da diretora trabalhar a narrativa através de flashbacks, alternando o ontem e o hoje de forma precisa -, ficou claro (pelo menos para mim) estar diante de um grupo de vanguardistas, que tiveram de lutar contra o sistema, contra o regime machista que não consegue sequer entender uma mulher que não deseja se casar, contra suas próprias opiniões, para chegar a um caminho que lhes soasse lúcido.
Não sei se já disse isso em minhas críticas anteriores sobre cinema, mas sempre tenho problemas com filmes de época, históricos, de realeza britânica, etc, pois sempre tenho a impressão de que "quem já viu um, já viu todos". Mas Adoráveis mulheres não cabe nessa categoria. Embora esta seja sua oitava adaptação para os cinemas, a história encontrou no trabalho sublime de Gerwig uma forma de entendermos essa mulher de ontem e também questionar se a mulher de hoje de fato entendeu a luta pela qual essas mulheres visionárias passaram. Pois, cá entre nós, às vezes me parece que elas (as de hoje) desaprenderam tudo. O que é uma pena.
Isso sem contar personagens menores, mas indispensáveis para compor a trama e a luta pela qual elas passam, como a tia resmungona (interpretada de forma brilhante pela diva Meryl Streep), o jovem e rebelde Laurie (Timothée Chalamet), que ama alucinadamente Jo, mas não consegue entender completamente a força daquela mulher que não pretende se render a um papel secundário ou a uma vida conforme regras machistas e desiguais e também o seu pai, Mr. Lawrence (Chris Cooper) que entende como poucos naquele meio a dor de perder uma filha e não encontrar nada que de fato a substitua. Todos, sem exceção, embora coadjuvantes, são absolutamente necessários para entendermos as agruras e restrições pelas quais essas mulheres têm de passar.
Até mesmo a mãe (Laura Dern), que aprendeu a renunciar e jogar o jogo com o passar dos anos, funciona como uma espécie de voz da consciência, sempre incentivando as filhas a fazerem suas próprias escolhas. E acreditem: por mais que pareça, isso não é nada fácil de fazer.
Ao final da sessão, as luzes se acendem e vejo mais mulheres do que homens na sala de projeção. E por um momento fico triste, pois acredito que nós também precisamos conhecer essa história. Precisamos parar com essa mania de nos vermos como protagonistas o tempo todo. Há uma parte grande da sociedade que não deseja mais que o mundo continue desse jeito. Mais do que isso: vejo que algumas mulheres choram, orgulhosas com o desfecho da trama.
E nesse momento também vou às lágrimas, pois lembro do sacrifício que minha mãe e minhas tias fizeram para que eu e meus sobrinhos chegássemos a algum lugar. Faço parte de uma família onde homens sempre foram minoria e me orgulho disso. Sem essas mulheres fortes, poderosas, eu certamente não estaria aqui hoje escrevendo este texto. E é disso que se trata o longa-metragem de Greta Gerwig: sacrifício.
Então você, mulher moderna, engajada, empoderada, não torne gratuita uma luta que é muito mais do que apenas espaço no mercado de trabalho, roupas de marca, chefias em postos de trabalho. Não. Tem a ver com respeito. Algo em falta na atual humanidade.
E como é bom saber que essas mulheres decidiram enfrentar essa batalha de cabeça erguida!
Eraserhead
3.9 922 Assista AgoraSe existe de fato a expressão cinema experimental, David Lynch a realizou com louvor em ERASERHEAD. E não se trata de um filme fácil de assistir. Tenho até um vizinho que chama essa experiência aqui de "pequenas colagens" (e, honestamente, eu o entendo). A filmografia de Lynch não é para todo mundo. Na verdade, nunca foi.
E aqui ele realiza, a meu ver, o seu projeto mais ousado.
Prêt-à-Porter
3.4 44 Assista AgoraPRÊT-A-PORTER, de Robert Altman, embora mediano dentro de sua filmografia, realiza um interessante painel sobre o mundo da moda e seus personagens cafajestes, excêntricos, metidos a besta, etc etc etc...
Meu único porém com o filme é que senti falta de personagens mais agressivos. E nesse universo controverso tem muito disso!
O Dia do Gafanhoto
3.7 21Definitivamente John Schlesinger é das melhores coisas que o cinema americano produziu em toda a sua história. Pena que a nova geração de "cinéfilos" não faça a menor ideia de quem ele seja. E com O DIA DO GAFANHOTO ele realiza quase que o filme definitivo sobre a grande paranóia que é os Estados Unidos, com sua eterna mania de fama e se vender como a maior nação de todos os tempos. Esmiuça hollywood de forma amarga, mas necessária, e mostra que intolerância e vaidade são dois crimes capitais naquela pátria desde priscas eras.
Procurem. De vez em quando ele reprisa no Paramount Channel. E vale cada segundo do seu tempo.
Batismo Fatal
3.0 5Durante os últimos anos o posto de filme mais louco que eu tinha assistido até então cabia à KABOOM, de Gregg Araki. Tanto que saí da sala de cinema na época pensando: "sério, esse diretor tomou ácido para realizar o projeto". Pois agora essa categoria tem um novo campeão. Trata-se de BATISMO FATAL, do lendário diretor Roger Corman. Ele propõe uma viagem psicodélica por uma América distópica, pós-guerra, onde Edgar Allan Poe conversa com Deus diretamente, pequenas seitas e cultos disputam territórios da maneira mais louca que você puder imaginar, isso sem contar com a presença da atriz Talia Shire (a eterna Adrian da franquia ROCKY) explodindo - isso mesmo que eu disse! - de tanto comer. Qualquer comparação com a Dona Redonda da novela global SARAMANDAIA não é mera coincidência. Para os fãs de filmes surtados e fora da casinha, esse é um prato cheio.
P.S: a trilha sonora da banda Country Joe and the Fish já vale por metade do filme.
Um Dia de Chuva em Nova York
3.2 294 Assista AgoraPequenas traições
(Um dia de chuva em Nova York é Woody Allen avisando - de novo - que o amor não é uma ciência exata)
O amor não é uma ciência exata e a sétima arte não cansa de avisar isso aos cinéfilos. E provavelmente o melhor exemplo disso que eu conheço é a cinematografia do diretor Woody Allen (que voltou a ser odiado nos últimos tempos por seus delitos do passado). Poucos em hollywood se debruçaram tanto sobre as distorções e os dilemas que envolvem os relacionamentos amorosos quanto ele.
Com seu novo longa, Um dia de chuva em Nova York - que chegou a ter sua distribuição adiada aqui no Brasil, não somente por conta das acusações de assédio contra ele como também pelo processo que ele moveu contra a produtora do filme, a Amazon Studios -, Allen usa sua visão de mundo sobre a América contemporânea e a indústria das celebridades para nos mostrar que vivemos num mundo repleto de pequenas traições (e sequer nos damos conta disso em alguns momentos).
O casal que dita o ritmo do filme é composto por Gatsby Welles (Timothée Chalamet, o atual queridinho de hollywood, após a fama conquistada por Me chame pelo seu nome), um dos muitos garotos privilegiados dessa América esnobe, que cursa uma das melhores universidades da Ivy League, mas está sempre reclamando de tudo, sempre passando a imagem de estar entediado de forma constante com a vida; e Ashleigh Enright (Elle Fanning), o estereótipo vivo dessa imprensa sensacionalista dos dias de hoje: uma profissional mal-formada, que cita referências apenas para acobertar a sua falta de informação sobre o tema, e que trata o próprio trabalho como uma reles paixão.
Ambos vêm para a Big Apple para passar um fim de semana e conhecer os pais de Gasby, mas Ashleigh tem uma entrevista marcada com Roland Pollard (Liev Schreiber), um famoso cineasta por quem a jovem repórter tem verdadeira tara (ela o considera praticamente um Van Gogh do cinema). Contudo, Roland é um artista inseguro e acredita estar realizando um novo trabalho muito aquém do que esperava. E por conta disso desaparece no meio do encontro, fazendo com que a jovem corra a cidade toda, acompanhada do produtor do longa, atrás dele. Enquanto isso, Gatsby esbarra com a jovem Chan Tyrell (Selena Gomez), que é irmã mais nova de uma ex-namorada que teve no passado e esse encontro faz com que ele reveja sua atual relação.
Porém, mais do que uma sucessão de encontros e desencontros (as horas vão passando e ele vai percebendo que tudo o que o casal havia planejado fazer não se concretizará), a narrativa proposta por Allen foca numa subtrama mais interessante: o quanto estamos dispostos a ir para realizarmos nossas expectativas, mesmo que isso vá prejudicar a relação a dois.
Como disse no título do artigo, Um dia de chuva em Nova York é um filme sobre traições. Mas não traições gigantescas, ofensivas. Pequenas traições, muitas vezes baseadas em atitudes impensadas ou simplesmente pela vontade de um ego inflamado ou de uma carreira bem sucedida que volta e meia costuma bater ponto para testar a boa fé de qualquer relação que se preze. Vi em algumas críticas postadas na internet gente reclamando desse aspecto do longa, dizendo que o filme vende uma imagem ruim da sociedade. Honestamente, não tive essa percepção.
Prefiro acreditar, ao invés disso, na teoria proposta por Zygmunt Bauman: a de que vivemos numa modernidade líquida, onde nada parece durar o tempo que gostaríamos. Nunca foi tão difícil manter um relacionamento amoroso como nos tempos atuais. Para todos os lugares que olho vejo casais reclamando de invasão de privacidade, falta de respeito, tratamento diferenciado para homens e mulheres, uma enorme parcela da sociedade reclamando do culto ao passado, quando a mulher se "contentava" em ser submissa. E o resultado disso na prática são casamentos efêmeros, o aumento da homossexualidade (o que gera muita intolerância e homofobia) e pessoas preferindo viver sozinhas, segundo a ótica do "antes só do que mal acompanhado".
O que o diretor faz é pegar o clima reinante na hollywood atual, baseado em movimentos como o Me too e o Oscar so white, fora as inúmeras acusações de assédio que tomaram conta da meca do cinema nos últimos anos, e desdobrá-lo num cenário mais cotidiano, apontando as falhas de caráter de uma sociedade que sempre primou por se vender como a maior nação de todas e que depois da tragédia do 11 de setembro entrou, isso sim, em colapso, lutando contra sua própria inabilidade para recomeçar do zero.
Ao final da sessão as luzes se acendem e eu vejo uma sala bem mais vazia do que o habitual num filme de Woody Allen. "As pessoas andam amargas atualmente", penso. Tudo é motivo para ressentimento e apontar o dedo acusador para os demais.
Entretanto, mesmo com o clima adverso a ele, Allen acerta na mosca e entrega um filme interessante e reflexivo. Precisamos urgentemente nos reencontramos como sociedade. Precisamos reaprender a viver juntos e respeitar o próximo, suas escolhas, suas identidades. Não fazer do outro um reles acompanhante que precisa estar disponível somente quando desejamos. Do contrário, acabaremos por virar robôs rancorosos, que ficam à espreita, aguardando as falhas alheias para depois poderem dizer, se sentindo vitoriosos: "eu avisei que ele não valia nada".
E isso, meus caros leitores, não é nada produtivo. Não mesmo.
Meu Nome é Dolemite
3.8 362 Assista AgoraO marginal de hollywood
(Meu nome é Dolemite e o cinema americano além dos holofotes e do tapete vermelho)
O cinema, além de reprodutor da realidade, volta e meia vive da fama de grandes nomes que fizeram da indústria cinematográfica o que ela é hoje. Há cineastas que conseguiram transformar seus sobrenomes em gêneros próprios, emocionando milhões de espectadores ao redor do mundo. É o caso de gigantes como Fellini, Bergman, Kurosawa, Rosselini, Almodóvar, Truffaut, Godard, etc etc etc. Contudo, ninguém transformou essa faceta num negócio lucrativo tão bem quanto hollywood. A meca do cinema é famosa por construir legados que ultrapassam gerações e gerações. Spike Lee, John Cassavetes, Sam Peckinpah, John Ford, Steven Spielberg, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e tantos outros são provas vivas disso.
Há, porém, um outro lado da sétima arte ao redor do mundo que normalmente é boicotado ou varrido para debaixo do tapete por clás de moralistas e demagogos (e eles sempre tentaram catalogar o cinema à sua imagem e semelhança). Falo dos cineastas marginais, do universo underground que também merece o seu quinhão de estrelato e reconhecimento, seja por sua coragem de enfrentar o star system, seja pela ousadia de incomodar com temas polêmicos, que normalmente agridem aos olhos e ouvidos mais puritanos.
E desse segundo grupo é louvável, como fez o diretor Craig Brewer no inacreditável Meu nome é Dolemite, falar de artistas como Rudy Ray Moore. Recentemente, durante uma entrevista a um talk show para divulgar o longa, o comediante Eddie Murphy - que interpreta Rudy no filme - o chamou de "um guerrilheiro do cinema". E não é exagero, não! O cara é realmente um fenômeno se levarmos em consideração o que ele conquistou.
Rudy Ray Moore tinha tudo para não ser ninguém. Vinha de uma carreira praticamente esgotada no stand up comedy, e muitos acreditavam que ele insistia de teimoso que era. Mas ele não desistiu e viu na possibilidade de trazer para o palco as piadas sujas que ouvia nas ruas um filão. Dito e feito. Tornou-se o grande nome do humor adulto na América.
Entretanto, não satisfeito, decidiu: vou produzir meu próprio longa-metragem. E após convencer o ator D'Urville Martin (Wesley Snipes) a dirigí-lo, engendrou uma das maiores empreitadas da história do cinema americano. Mas assim como seu contemporâneo Melvyn Van Peebles e a galera da Blaxploitation teve que enfrentar os tubarões dos grandes estúdios e o eterno corporativismo do setor para realizar o seu maior sonho.
O que mais me interessou no projeto foi o fato de estarmos falando de um marginal do cinema, de um homem que teve de, muitas vezes, mudar de trajetória, alterar seus planos originais, para atingir seu objetivo final. É o exemplar perfeito do filme sobre como fazer um filme quando você não se encaixa no perfil do diretor para aqueles que financiam filmes. Entenderam? É por aí.
O que vemos nas quase duas horas de projeção é um grande convite a conhecermos o mundo dos excluídos, aqueles que a indústria não quer ver no tapete vermelho, pois não atendem aos interesses e necessidades do mercado (na visão deles, é claro!). E mesmo assim eles insistem, arrombam portas, desmentem críticos, viram a estrutura do mercado de cabeça para baixo.
Pessoas como Rudy Ray Moore não precisam de reconhecimento da Academia, muito menos de festas em sua homenagem no cultuado Governors Award. Não, não, não! Eles conseguiram coisa muita maior do que isso. Eles derrubaram muito mais do que a quarta parede (assunto que volta e meia povoa a cabeça de milhares de críticos aqui no Brasil). E cada dia mais eu tenho certeza de que a indústria cinematográfica, e não somente a hollywoodiana, precisa de mais pessoas como ele.
A sétima arte anda carente de coragem, principalmente na América, que se rendeu a formatos, franquias, remakes, etc, de pessoas que não temam uma indústria, um sistema político ou mesmo fanáticos religiosos (algo que temos vivido atualmente em nosso país). E que bom seria se todo ano, ao invés de um novo Michael Bay ou um novo James Cameron, pudéssemos nos deparar com mais artistas autorais ou, ao menos, com mais culhões para apontar as feridas da sociedade e do mundo como um todo!
Para muitos Rudy talvez não passe de um homem oportunista, que forçou a barra para chegar lá, que só queria jogar na cara dos brancos o quanto podia também. Eu vejo além disso. Vejo-o como resistência, como alguém que deveria produzir um legado no mercado cinematográfico. Podem ter certeza: Não haveria Jordan Peele, Steve McQueen, Barry Jenkins e Ryan Coogler (e cito aqui apenas os grandes diretores negros da atualidade) não fossem homens à frente do seu tempo como Rudy Ray Moore.
E como é bom saber que essa história de perseverança e luta foi contada para as próximas gerações. Obrigado!
Zardoz
3.3 80 Assista AgoraInteressante ver ZARDOZ após mais de quatro décadas de sua realização e perceber que o mundo descrito pelo diretor John Boorman não é muito diferente do que estamos vivenciando nesse século XXI (embora a narrativa do longa se passe no ano de 2293). Uma sociedade alienada, algemada por ideias nonsenses, provenientes de gurus metafísicos que não passam, isso sim, de grandes charlatões. Aqui, até o sono é considerado obsoleto, pois é considerado improdutivo. Seu protagonista, Zed (Sean Connery), é um homem fadado a exterminar pessoas, convicto de sua devoção a um totem - que nada mais é do que uma versão futurista de O MÁGICO DE OZ. Entretanto, ele é capturado por uma comunidade (que mais parece uma seita religiosa) baseada em doutrinas radicais e que relega ao ostracismo e a um envelhecimento precoce todo aquele que a defronte. Nas entrelinhas do roteiro pessoas vivendo em criogenia, a sexualização como modus operandi para se chegar a certas conclusões e referências às mais diversas à Alegoria da Caverna, de Platão.
P.S: qualquer comparação entre o personagem de Connery e o Neo (de MATRIX) e também à Édipo, de Sófocles, não é mera coincidência...
P.S 2: a escolha do diretor por uma narrativa que flerte com a ficção científica é um mero disfarce para enganar o espectador. Fique atento!
Um Dia de Chuva em Nova York
3.2 294 Assista AgoraPequenas traições
(Um dia de chuva em Nova York é Woody Allen avisando - de novo - que o amor não é uma ciência exata)
O amor não é uma ciência exata e a sétima arte não cansa de avisar isso aos cinéfilos. E provavelmente o melhor exemplo disso que eu conheço é a cinematografia do diretor Woody Allen (que voltou a ser odiado nos últimos tempos por seus delitos do passado). Poucos em hollywood se debruçaram tanto sobre as distorções e os dilemas que envolvem os relacionamentos amorosos quanto ele.
Com seu novo longa, Um dia de chuva em Nova York - que chegou a ter sua distribuição adiada aqui no Brasil, não somente por conta das acusações de assédio contra ele como também pelo processo que ele moveu contra a produtora do filme, a Amazon Studios -, Allen usa sua visão de mundo sobre a América contemporânea e a indústria das celebridades para nos mostrar que vivemos num mundo repleto de pequenas traições (e sequer nos damos conta disso em alguns momentos).
O casal que dita o ritmo do filme é composto por Gatsby Welles (Timothée Chalamet, o atual queridinho de hollywood, após a fama conquistada por Me chame pelo seu nome), um dos muitos garotos privilegiados dessa América esnobe, que cursa uma das melhores universidades da Ivy League, mas está sempre reclamando de tudo, sempre passando a imagem de estar entediado de forma constante com a vida; e Ashleigh Enright (Elle Fanning), o estereótipo vivo dessa imprensa sensacionalista dos dias de hoje: uma profissional mal-formada, que cita referências apenas para acobertar a sua falta de informação sobre o tema, e que trata o próprio trabalho como uma reles paixão.
Ambos vêm para a Big Apple para passar um fim de semana e conhecer os pais de Gasby, mas Ashleigh tem uma entrevista marcada com Roland Pollard (Liev Schreiber), um famoso cineasta por quem a jovem repórter tem verdadeira tara (ela o considera praticamente um Van Gogh do cinema). Contudo, Roland é um artista inseguro e acredita estar realizando um novo trabalho muito aquém do que esperava. E por conta disso desaparece no meio do encontro, fazendo com que a jovem corra a cidade toda, acompanhada do produtor do longa, atrás dele. Enquanto isso, Gatsby esbarra com a jovem Chan Tyrell (Selena Gomez), que é irmã mais nova de uma ex-namorada que teve no passado e esse encontro faz com que ele reveja sua atual relação.
Porém, mais do que uma sucessão de encontros e desencontros (as horas vão passando e ele vai percebendo que tudo o que o casal havia planejado fazer não se concretizará), a narrativa proposta por Allen foca numa subtrama mais interessante: o quanto estamos dispostos a ir para realizarmos nossas expectativas, mesmo que isso vá prejudicar a relação a dois.
Como disse no título do artigo, Um dia de chuva em Nova York é um filme sobre traições. Mas não traições gigantescas, ofensivas. Pequenas traições, muitas vezes baseadas em atitudes impensadas ou simplesmente pela vontade de um ego inflamado ou de uma carreira bem sucedida que volta e meia costuma bater ponto para testar a boa fé de qualquer relação que se preze. Vi em algumas críticas postadas na internet gente reclamando desse aspecto do longa, dizendo que o filme vende uma imagem ruim da sociedade. Honestamente, não tive essa percepção.
Prefiro acreditar, ao invés disso, na teoria proposta por Zygmunt Bauman: a de que vivemos numa modernidade líquida, onde nada parece durar o tempo que gostaríamos. Nunca foi tão difícil manter um relacionamento amoroso como nos tempos atuais. Para todos os lugares que olho vejo casais reclamando de invasão de privacidade, falta de respeito, tratamento diferenciado para homens e mulheres, uma enorme parcela da sociedade reclamando do culto ao passado, quando a mulher se "contentava" em ser submissa. E o resultado disso na prática são casamentos efêmeros, o aumento da homossexualidade (o que gera muita intolerância e homofobia) e pessoas preferindo viver sozinhas, segundo a ótica do "antes só do que mal acompanhado".
O que o diretor faz é pegar o clima reinante na hollywood atual, baseado em movimentos como o Me too e o Oscar so white, fora as inúmeras acusações de assédio que tomaram conta da meca do cinema nos últimos anos, e desdobrá-lo num cenário mais cotidiano, apontando as falhas de caráter de uma sociedade que sempre primou por se vender como a maior nação de todas e que depois da tragédia do 11 de setembro entrou, isso sim, em colapso, lutando contra sua própria inabilidade para recomeçar do zero.
Ao final da sessão as luzes se acendem e eu vejo uma sala bem mais vazia do que o habitual num filme de Woody Allen. "As pessoas andam amargas atualmente", penso. Tudo é motivo para ressentimento e apontar o dedo acusador para os demais.
Entretanto, mesmo com o clima adverso a ele, Allen acerta na mosca e entrega um filme interessante e reflexivo. Precisamos urgentemente nos reencontramos como sociedade. Precisamos reaprender a viver juntos e respeitar o próximo, suas escolhas, suas identidades. Não fazer do outro um reles acompanhante que precisa estar disponível somente quando desejamos. Do contrário, acabaremos por virar robôs rancorosos, que ficam à espreita, aguardando as falhas alheias para depois poderem dizer, se sentindo vitoriosos: "eu avisei que ele não valia nada".
E isso, meus caros leitores, não é nada produtivo. Não mesmo.
Apocalypse Now
4.3 1,2K Assista AgoraA guerra nua e crua
(Apocalipse now completa 40 anos)
Começo a escrever uma crítica sobre o mais recente filme de Eddie Murphy quando leio nos jornais O estado de São Paulo e Folha de São Paulo que o filme Apocalipse now, de Francis Ford Coppola, completou quatro décadas de existência. Resultado: paro tudo o que estou fazendo até então e coloco o word na tela branca de novo para falar de uma das maiores obras-primas da história de hollywood e do cinema mundial.
Que me perdoe quem não gosta do filme, mas considero o longa-metragem de guerra dirigido pelo mestre que entregou ao cinema a trilogia O poderoso chefão o maior filme de guerra já feito até hoje. Digo mais: Apocalipse now é a guerra nua a crua, sem rodeios, um tapa na cara do espectador. E para vocês terem uma ligeira ideia do meu fanatismo pelo longa o documentário que conta a saga pela qual Coppola passou para realizar este filme - o também extraordinário Apocalipse de um cineasta, dirigido pelo trio Fax Bahr, George Hickenlooper e Eleanor Coppola - é também de uma visceralidade que eu poucas vezes vi no gênero e merece todos os meus elogios ad aeternum.
Apocalipse now é daquelas produções que só acontecem uma a cada década (e isso com muita sorte!) e um projeto que tinha tudo, mas tudo mesmo, para dar errado. A começar pelo ator Martin Sheen que enfartou durante as gravações e as inúmeras exigências envolvendo o ator Marlon Brando, que pediu 3 milhões de dólares por três semanas de trabalho no set (independente de seu trabalho ser usado ou não na montagem ou as filmagens com ele acontecerem de fato ou não). Entretanto, quiseram os deuses do cinema que o projeto fosse finalizado e entrasse para a história, ganhando inclusive a Palma de ouro em Cannes.
O filme narra a missão do Capitão Benjamim L. Willard (Sheen) na guerra do vietnã em 1970, que precisa encontrar - e matar - o Coronel Walter E. Kurtz (Brando), dado como louco por seus superiores e considerado um perigo para o exército norte-americano. Contudo, não se iludam com a simplicidade de meu resumo genérico. Trata-se de uma viagem alucinante que retratará todas as nuances e paranoias da guerra na forma de homens/soldados destruídos seja pelo front, seja por seus líderes hierárquicos.
Há um pouco de tudo na selva vietnamita: oficiais fanáticos por surfe, soldados rasos cujo único sonho é conseguir ver novamente uma mulher bonita em trajes sumários, helicópteros bombardeando cidades ao som de Richard Wagner, e mais, podem ter certeza, muito mais.
Dizem as lendas urbanas que regem o mundo das celebridades e dos tabloides sensacionalistas que foi com este filme que Coppola tomou uma decisão que pontuaria todo o restante de sua carreira: nunca mais se envolver em projetos cinematográficos gigantescos e milionários. E, honestamente, eu o entendo. Fico imaginando Frank quando viu Marlon Brando completamente fora do peso e careca no set de filmagem, logo ele que no passado foi um dos maiores ícones de beleza da história do cinema americano. Ele deve ter pensado na hora: "onde eu fui amarrar o meu burro!". Isso fora problemas com orçamento e prazos a cumprir.
Existem filmes e filmes. Os primeiros são aqueles que à priori muitos não apostam, chegam a debochar deles, jogam na cara do diretor "por que é que você quer perder o seu tempo envolvido nisto?". E quando menos se espera eles entram para a história, ganham Oscar, marcam uma geração, tornam-se cults. Já os segundos são aqueles que por mais que os detratores tentem, nada irá fazê-los deixar de existir, cumprir com o que está estabelecido para acontecer. Eles se tornarão gigantescos por mais que tentem impedí-los. Apocalipse now faz parte dessa segunda categoria.
Em 2001 o diretor lançou uma versão estendida do filme chamada Apocalipse now redux com quase três horas de duração e o público cativo do longa foi à loucura. Foi aqui, neste momento, que começou a minha relação quase doentia de devoção ao projeto.
Coppola fez parte de uma geração (tem gente que chama de Nova Hollywood, tem gente que chama de geração Easy Rider) que revolucionou a forma de se fazer cinema na América. Seus amigos, Steven Spielberg, Martin Scorsese, William Friedkin, Brian de Palma, Peter Bogdanovich e tantos outros, transformaram hollywood de forma definitiva com produções que entraram não só para a história como ditarão conceitos a serem seguidos nas décadas seguintes. Era o que se chamava de cinema de autor. Algo muito diferente do que vemos hoje em dia, num mercado cooptado por estúdios que visam, na maioria das vezes, unicamente o lucro.
Por que estou comentando isto? Porque acredito piamente que uma produção como Apocalipse now só poderia existir numa época como essa, que propiciasse o mínimo de liberdade criativa para seus autores. Do contrário, seria apenas mais um filme comercial que, com muita boa vontade, talvez conseguisse realizar mais duas ou três sequências, transformando-se numa reles franquia. Porém, conheço pessoas que também escrevem sobre cinema que preferem dizer que eu estou falando bobagem. Enfim, cada um segue a filosofia de vida que melhor lhe agrada.
Ver uma obra-prima como essa completar 40 anos e mesmo assim persistir relevante e gerando debates para gerações e mais gerações de cinéfilos é um feito que só me faz amar ainda mais o cinema e deixar claro o quanto eu estava certo quando decidi fazer da sétima arte uma parte da minha vida. Eu não seria ninguém não fossem momentos como esse!
Vida longa à Coppola e seu projeto extraordinário! E que venha o cinquentenário...