Kubrick desconstruindo o egocentrismo e narcisismo do Tom Cruise por meio do tesão, Sydney Pollack falando sobre a realidade (e o cinema que quer emulá-la) ser mera questão de perspectiva e paranóia. Fuck: poetic cinema.
Não sabia que o Lynch tinha feito um filme sobre os 25 anos que o Agent Cooper ficou preso no labirinto do tempo, espaço e consciência da Black Lodge.
É um filme que parece o tempo todo estar a um passo de ser uma daquelas obra-primas não-intencionais, porém nunca consegue superar algumas limitações. Muito se fala de como o Lynch não pode montar a versão final do filme, porém acho que a própria direção dele erra a mão em alguns aspectos - o principal é que ele não consegue dar profundidade aos muitos dramas, o que acaba tirando força de todos os acontecimentos do filme e limitando os seus temas (é meio triste pensar em como o filme poderia tratar da consciência humana, com tantos pontos que envolvem isso - quem sabe era esse o grande interesse do Lynch no filme -, porém acaba faltando algo pra tudo se conectar como deveria). Mas de resto o filme acaba sendo tão divertido nesse seu mundinho ultra-apressado e expositivo que dá pra se divertir bastante. Há umas soluções visuais incriveís, o ritmo que o filme ganha na sua metade final é bem único e há uns pontos muito doidos no meio disso tudo. Muito se fala do filme do Jodorowsky, mas não sei se trocaria essa extravagância mística novelesca do Lynch pelo carnaval que ele queria fazer - e que, inclusive, possuía imensas chances de dar errado da mesma forma que esse filme deu.
A distância entre o ser e o querer tornada física - Deus tornado físico. A ambiguidade da vida e a ambiguidade divina. Acaba não sobrando muita coisa, só o desespero mesmo.
A grande interrogação de todo esse projeto é como o Malick faz um filme "sobre a cena musical de Austin" (ou seja, música popular como um todo) e não consegue atualizar um pouco que seja o seu modus operandis. Aqui ele tá falando sobre crise existencial dentro do meio artístico, mas é extremamente parecido de quando ele fala sobre núcleos familiares no pós-guerra, ou sobre gente na guerra, ou sobre o descobrimento das américas (e isso que eu não vi os dois últimos filmes dele). Tem diálogo e take aqui que se você joga no meio dos seus outros filmes não vai soar nada deslocado - porque eles estão é deslocados nesse filme.
Existe alguns momentos que o filme consegue extrair algo bem genuíno (Patti Smith e a química entre a Rooney Mara e o Ryan Gosling me vêm a cabeça), assim como tem algumas ideias e momentos que o Malick realmente parece sair um pouco daquele monotonia usual do seu cinema e adentrar em algo diferente, mas pra cada momento desse tem uns 2 ou 3 daquelas divagações que, nesse filme especialmente, não conseguem criar carga dramática nem filosófica alguma e só ficam soando vazias mesmo. Aliás o fraquíssimo núcleo dramático do filme explica porque essa repetição do Malick vai ladeira abaixo aqui: é uma história preguiçosa e fraca, que não se sustenta por si só e tenta usar como muletas essa filosofia de segunda categoria que tanto elevou o cinema do diretor em outros filmes (que não se sustentavam só nela), mas aí que ele cai de cara no chão. É uma pena porque quando o filme começou eu pensei "é realmente muito fácil fazer cinema contemplativo enquanto filma a Rooney Mara né", mas nem isso.
O cinema como emulação da realidade, mas a realidade como sentimentos e ideias e não acontecimentos propriamente ditos. Mesmo que seja tudo meio difuso, Parajanov entendia muito bem da criação e manipulação dos mais simples (ou complexos, depende de onde se olha) símbolos - realmente não sei se precisamos muito mais do que isso para um filme.
Gordard faz um cinema de símbolos, mas não de simbolismos: é inclusive engraçado como ele parece negar qualquer noção que ligue certo personagem a certa ideia (como um personagem que simbolizaria o industrial, o produtor de cinema ou coisa do tipo). Como o filme faz tão pouco sentido, a cada momento que ele parece querer tratar de uma relação de classes e de seus personagens ele parece estar fazendo uma esquete cômica absurda (uma separada da outra, desconexa da outra). O cinema pode ser uma indústria e a indústria pode ser o cinema, os dois podem ser lindos e feios, mas no fim o grande ponto do filme me pareceu ser como cada um é um artista e como cada artista é um grande nada - e como o grande nada é a arte por si só. Não faz muito sentido porque não precisa fazer; muitas vezes o filme parece um grande musical sobre esse ato de se fazer cinema e de se trabalhar - inclusive acho que a melhor cena do filme é a que uma câmera, com operadores e tudo, se perde em meio a uma cena sendo gravada no momento, logo antes da "nossa" câmera, do nosso olhar, se tornar o filme sendo gravado. Não é uma mistura de realidade e ficção porque a ficção do Godard é a realidade e vice-versa, com um universo inteiro perdido entre esses dois.
Hitchcock aqui entende que o mais assustador não é um sociopata a solta ou um crime de efeitos psicológicos, mas sim a própria estrutura da sociedade, com seus papéis e funções que se misturam e se confundem o tempo todo. Ninguém está errado e ninguém está certo: cada um apenas busca o melhor para si, tendo efeitos devastadores para um par de indivíduos - totalmente não intencional. Um Hitchcock inspiradíssimo e o Henry Fonda é uma dádiva.
Por mais que o filme tenha dificuldade em estabelecer a questão moral (do menino não querer matar), ele compensa tudo isso na forma que trata o romance e sua mitologia. A Bigelow tinha um controle tão forte sobre o filme que, em meia dúzia de takes, ela basicamente resolve toda a identidade dos vampiros - e isso que ainda aparecem um Lance Henriksen e um Bill Paxton inspiradíssimo para ajudar. E isso acaba interferindo na forma como ela faz esse romance ultra-dramático clássico funcionar, o colocando na roupagem de um western [noturno], em um contexto da violência dos anos 80 no cinema. E ainda tem a trilha do Tangerine Dream. Ela era foda demais nessa época mesmo.
Aparentemente todas as centenas de video essays falando sobre a paleta de cores pasteurizada dos filmes do MCU funcionou, que tal agora focarmos nisso de todo mundo querer destruir o universo?
Mas sério, só de o filme ter dado um pouco de cor e ter criado uma real identidade visual já é um passo imenso para a Marvel. Parece que ele realmente mergulha naquelas ideias visuais que o estúdio apresenta no Ant-Man e no Doctor Strange, mas não teve coragem de realmente as utilizar - como o set piece final, que se passa inteiramente dentro de um tipo de espaço que é só de passagem em outros filmes. Mesmo que a ação seja meio estéril em algumas cenas, são bem interessantes e divertidas as soluções visuais que o filme encontra em relação a isso.
De resto, ele funciona como um grande episódio de desenho animado, o que sinceramente apela demais pra mim (me lembrei vendo o filme que o James Gunn roterizou os filmes do Scooby-Doo, que sempre gostei quando era menor). É aquela economia pra apresentar conceitos e personagens, mas que funciona super bem, como com aqueles personagens dourados, que são apresentados basicamente por meio do visual e de piadas, e até mesmo com o Stallone. E o filme ainda consegue criar uma dinâmica que quebra a estrutura usual da Marvel, finalmente não tendo que apelar pra um set piece, sempre ruinzinho, no meio do filme - que inclusive é substituída pela cena mais legal dele. Quem sabe o único elemento que se desloque um pouco seja o drama, mas ele, à sua própria maneira, acaba funcionando quando o filme não tem uma mão muito pesada nele (na maioria das vezes), então nem chega a atrapalhar. Assim como a motivação do vilão: mesmo parecendo super deslocada quando apresentada - é um filme tão sóbrio e consistente que apela do nada pra um simples "eita ele quer matar todo mundo" (e querendo dar um peso dramático pra isso) -, mas, conforme o filme avança e com a ajuda do Kurt Russell, até mesmo ele acha o seu lugar.
Ainda não é nada extraordinário, mas só do filme conseguir construir uma identidade própria, com todos seus elementos funcionando e sem apelar nem pra uma seriadade descabida, nem pra uma pseudo-auto-consciência à la Deadpool, já é ótimo. Pago fácil pra ver uma bobajada cartunesca e criativa dessas regularmente.
É triste ver um diretor tão experiente fazendo um filme desses, que parece juntar tudo de ruim que pode se esperar de alguém nessa situação: revisionismo mal feito, tentativa de chocar usando as piores tendências atuais e bobajada filosófica que se acha mais inteligente do que é (agora as ações bobas não são fruto da vida humana como commodity de uma corporação, e sim porque o comandante é um "extremista da fé"). Aliás, é engraçado como filme, seguindo o exato contrário da crítica do filme de 79, realmente trata a vida humana (e a emoção, o luto) como simples commodity mesmo, simples mercadoria para o filme, se apoiando num realismo que é mais cínico e cheio de si do que qualquer coisa - só ver como todos os personagens do filme perdem seu parceiro e, em momento algum, o filme parece querer realmente tratar de luto. E o pior que é realmente uma pena que tudo acaba saindo desse jeito, já que a ideia de "conheci nossos Deuses e os matei" é tão absurda que é boa, mas num filme tão meia-boca e gratuito assim fica difícil engolir.
Pelo menos o filme acerta o número mínimo de Michael Fassbenders que cada blockbuster deveria ter hoje em dia.
"How can you call this science? Do you think Madam Currie would invite such comparisons?"
Muito bom assistir um filme que reconhece e acredita mesmo em toda sua vulgaridade e liberdade que tem para ser o que quiser - ainda mais se feito por um diretor que, se quer pautar o filme em um exercício completamente autoral, consegue o fazer sem parecer pedante ou intrometido com a trama. Perdido no espaço/tempo, assim como o próprio Drácula, o filme só se preocupa em ser o que é (ou o que decide ser). Porém, infelizmente essas histórias ultra-sexuais/carnais, que buscam essa exploração dramática do desejo, dificilmente funcionam pra mim, mesmo que esse tom over funcione em relação ao romance. Tem Tom Waits, Keanu Reeves, Winona Ryder e um monte de coisa sem nexo (coisas boas e ruins), mas infelizmente esse ponto principal do sexo não deu pra mim, deixando o filme um pouco maçante.
Por que sonhamos? Por que fazemos/assistimos filmes? O Lynch dos anos 2000 é realmente um dos mais interessante trabalhos revisionistas já feitos - olhando a própria obra, a aprimorando, atualizando, e, por fim, até a justificando.
Em um primeiro momento, o filme parece a antítese do que era Mulholland Drive: enquanto este se tratava da arte/sonho como escapatória, fuga de uma realidade que é um pesadelo, aqui o sonho/o filme em si seria o pesadelo, o problema, confundindo-se com a realidade, sendo impossível lidar com elas separadamente. O que, até certo ponto, ainda é o ponto de toda a história da Laura Dern, que é a busca de um equilíbrio, pela arte, em um mundo naturalmente desequilibrado - descobrindo que essa busca é completamente inútil. É de certa forma a destruição de toda a ferramente possibilitadora que Lynch encontrou na arte em Mulholland. A arte seria uma odisseia sem fim, sem solução; uma queda dentro da própria loucura, da própria ficção, porém que não haveria saída, em momento algum.
Mas a virada que o filme dá, em seus 10 minutos finais, acaba retomando toda a ideia do Mulholland Drive e em uma forma que vai além da escapatória, chegando a uma real redenção - aqui, a maldição que a Naomi Watts sofre ao fim de Mulholland se torna em uma purificação, em uma salvação. A odisseia da Laura Dern acha o seu fim e o seu objetivo: um acordo com o telespectador/o artista em busca de um sentido e de uma solução (que acaba sendo para ambos). O uso do Rabbits, trabalho paralelo do Lynch que ele inclui no filme, demonstra toda essa questão do ficcional dentro de trama de Dern. É uma outra obra, com outras ideias e outro ponto, mas sempre presente, representando todo o fator ficcional do filme que assistíamos, nós e a prostituta polonesa (não é à toa que a Laura Dern entra no set dos coelhos antes de encontrar sua telespectadora/criadora - ela se assume enquanto a ficção, se misturando com outra, das mais baratas (versão lynchiana para sitcoms)). Os 10 minutos do filme são dos mais lindos que me recordo de ver nos últimos tempos, porque é justamente tudo que busco na arte: uma Laura Dern que sofra com todos os meus problemas, os encare e venha por fim me dar um beijo, concretizando a exorcização deles e me fazendo encará-los na vida real. Quem sabe haja uma ideia maior aqui em relação ao artista propriamente dito, não só ao telespectador (ao contrário do Mulholland Drive, aqui a telespectadora literalmente cria a televisão em que assiste o filme, tendo conexão direta com ela), mas a lógica permanece a mesma: a arte como o grande exorcista da realidade.
Agora fica a dúvida de como essa ideias revisionistas tomarão lugar em sua nova obra abertamente revisionista, a nova temporada de Twin Peaks. Um Lynch que consegue justificar toda a liberdade e loucura de suas obras sem parecer pedante ou óbvio era realmente tudo o que eu queria.
Filme-memória ou memória-filme? Quem sabe uma memória-filme que virou um filme-memória? É maravilhoso o modo que Mekas abraça essas ideias aqui, com uma viagem baseada inteiramente em memórias, num passado, enquanto aquilo que acontecia, a todo momento, também se transformava em memória - e, como sempre para ele, em filme, com a realidade mais crua enquanto tragédia e em como redenção.
O Rob Zombie tem um bom catálogo de soluções visuais, mas quando se trata de execução mesmo, de colocar essa criatividade pra funcionar, o filme acaba parecendo apenas um Massacre da Serra Elétrica 2 só que sem toda a diversão e todo o fator cativante desse segundo. Não é nem por ser meio gratuito e apelativo, nem quem sabe por ser tão derivativo, mas é que as ideais do filme não parecem se conectar bem e fica só uma obra sem brilho algum. Uma pena, porque tem muita coisa legal e com bastante potencial aqui, quem sabe nos próximos filmes, com mais experiência, ele lidou melhor com isso.
Acho que é o filme mais completo da carreira do Hooper, conseguindo conciliar junto tantos conceitos já trabalhados e retrabalhados por ele (lugar físico mal assombrado, criaturas deformadas isoladas, possessões, interior do país, interior do interior, terror atmosférico, etc etc etc) e ainda sim conseguindo criar algo novo: quem sabe o grande propósito dessa carreira "recente" (que já envelheceu bastante) dele seja exatamente essa reciclagem, com uma roupagem estética completamente tosca e, à época, atual, mas criando uma experiência final nova. Aqui a atmosfera ainda serve como forma de andamento e como motivo do filme existir (como nos Chainsaw Massacres), mas também leva à construção de identidade do personagem principal, de uma forma hipnotizante e totalmente maluca e fora de si - como todo o filme é, na verdade. Começa como filme de casa assombrada, vira um terror de adolescente maconheiro, passa por uma fase de filme de zumbi e termina como um slasher de espaço físico limitado. E tem um clímax composto por um policial tocando a campainha, adolescentes fumando maconha e um embalsamento dando errado, então realmente não tenho do que reclamar. Tobe Hooper é um gênio como poucos.
O filme passa sua duração inteira gritando o quão B ele é (Guy Pearce em maquiagem de velho querendo conhecer Deus, jesus do céu), mas nunca aceita de fato isso. O Ridley Scott parece crer que tem um virtuosismo formal que vai compensar como tudo nisso aqui é absurdo, mas ele não sabe lidar bem com essas ideias (e nem com as ideias "super profundas" sobre os engenheiros) e no fim parece tudo vazio e tosco mesmo. E o pior que até num nível bem superficial o fim continua sendo sem propósito, não tendo um personagem sequer que não seja ou detestável ou mal desenvolvido - e daí a gente precisa aprender sobre a origem da vida com base neles. Acho que Alien vs Predador é muito mais inteligente, divertido e até mais profundo falando da natureza humana.
Eu só queria que o Alien-cachorro não existisse, só isso. É de um extremo mal-gosto, numa tentativa de fazer um ponto sobre natureza humana violenta totalmente tosco, dá gás pro drama Ripley/Aliens que também é horrível, ocupa um espaço de muito destaque dentro do filme e eu não consigo engolir isso. É um filme nada menos que ótimo antes daquilo: corporações se enlouquecendo, identidade na sociedade capitalista, Winona Ryder humanista, visuais ótimos e totalmente bregas (no bom sentido), a Sigourney Weaver claramente com uma cara "que que eu to fazendo aqui, eu sou melhor do que tudo isso" que encaixa perfeitamente na situação da personagem, a dinâmica do grupo é boa e o filme ainda sabe mexer com o Alien melhor que o 2º e o 3º. É um percursor claro dos Resident Evil, mas dirigido por um francês maluco e espalhafatoso - quem sabe uma versão circense dos filmes do W. S. Anderson. É engraçado, divertido, original e inteligente. Mas aí tem o Alien-cachorro gritando "oh no". Que saco.
Quem sabe se tivesse um andamento mais coerente seria um baita filmão. O Fincher parece que aqui criou toda a dinâmica pseudo-cyber punk que dominou o fim dos anos 90/início dos 00 e trabalha isso [surpreendentemente] bem: com um grupo tão pequeno de personagens, ele trata de todas aquelas coisinhas clichês de sociedade distópica e seita maluca de um jeito que muito filme dedicado a isso não consegue. Quem sabe a liberdade que o Fincher não teve na estruturação do filme ele teve na construção dos takes (e, numa certa extensão, na montagem, aquela cena da cremação é maravilhosa), que são de um expressionismo fantástico. Não é nem os ambientes que chamam a atenção, mas o modo que o Fincher captura eles e os insere na trama/no sentimento de Ripley - um ambiente que reflete no sentimento de desespero/decepção da Ripley; um ambiente de pessoas à margem em uma série sobre uma personagem que em todo filme é empurrada, sem parar, à margem. Pena que a trama não sabe muito pra onde ir, caindo em uns clichês bestas pra seguir em frente, mas ainda sim o resultado final é algo bem interessante.
O James Cameron parece que sempre trabalhou com uma dinâmica de incorporação mais do que inovação propriamente dita né. Não que na incorporação não se inove, mas aqui ele parece pegar toda uma dinâmica gore e plástica que já existia há tempos e insere em uma história completamente "normal" - sem explosões, sem exageros, sem excessos. Quem sabe pareça que quero dizer que é tudo simplista, mas talvez elegante é uma palavra melhor. O mesmo vale pra questão do gênero: releitura de filme de guerra e sci-fi (nesse caso, uma literal releitura), ambos na medida certa e sem exageros. Faz as 2 horas e meia passarem voando.
Não sei se existe uma obra maior do que essa sobre o efeito catártico da arte. Mesmo que o principal seja a questão do "sonho", se tratando de Lynch é praticamente natural fazer a relação "sonho = cinema", então no fim o ponto é realmente o filme enquanto maneira de exorcizar seus demônios. E que demônios. E que exorcização.
Lynch constrói um filme que é a sua cara num primeiro momento, inclusive com uns temas ótimos: a indústria cinematográfica é comandada pela Black Lodge de Twin Peaks, escapismo desenfreado, esquetes over-the-top sobre um ambiente sobrenatural, pequenas tiradas cômicas e um clima envolvente na plot principal. É quase um Lost Highway que funciona. Mas aí ele subverte tudo. A atriz prodígio desse primeiro momento é na verdade a diretora de tudo que vemos, tendo ela, na realidade, seu mundo completamente destruído. Sem sucesso, no sonho ela é uma atriz em ascensão. Sendo sacaneada pelo diretor, no sonho existe toda uma organização secreta fudendo com a vida dele. Sendo abandonada na vida real, no sonho é sua parceira quem precisa de todo seu auxílio e ajuda, estando completamente submissa a ela. Mas o principal ponto é que o filme nunca oficializa essa relação "foi tudo um sonho" - em que momento ela sonhou? Você percebe ela fazendo as ligações dos coadjuvantes da realidade com personagens do seu sonho, porém nunca há o momento certo em que ela parou, dormiu e sonhou com tudo aquilo. Logo, o sonho se atém ao cinematográfico, ao que o filme mostra, quase como um acordo entre Diane e o próprio Lynch, que dá à vingança dela o único local em que ela pode se concretizar: na ficção.
"it's all all recorded! it's all a tape!" "it'll be just like in the movies, pretending to be somebody else"
A caixa azul como símbolo de toda essa questão ficcional/cinematográfica: se eu pudesse escolher, ainda a faria como uma fita (ou quem sabe ficaria óbvio demais, ainda mais se tratando de Lynch); a partir do momento que você a vê, ele não está mais lá - meio que uma reflexão da barreira ficção/realidade, mesmo que a realidade, aqui, ainda seja fruto de uma ficção. O mendigo como símbolo do medo e fruto de toda a história de decepção e desespero de Diane (não é a toa que ele aparece no sonho acompanhado do homem que ela vê ao fechar o contrato de assassinato de seu amor); daí a melhor imagem da carreira do diretor: o medo e a realidade aterradora segurando a caixa azul, a realidade criada. Ele a tem em mãos, ele a controla e a adéqua ao que ele quiser. Da dor se fez/faz a arte.
Mas quem sabe o mais triste do filme é que, mesmo assim, no fim você ainda acorda, o filme acaba, a mentira é interrompida, você termina sua obra, e os fantasmas da sua vida voltam pra te assombrar. A arte pode ser uma grande escapatória, mas nunca solucionará todos os seus problemas. A catarse se prova completamente momentânea, e, aqui, se torna até parte do problema - criando símbolos de como sua vida saiu do ideal ficcional e evidenciando ainda mais seus erros.
Hooper parece se preocupar muito com uma abordagem extremamente direta do gênero (afinal, o filme é um slasher bem usual até certo ponto), mas, ao mesmo tempo, tendo um foco muito grande em explorar essa abordagem até seu limite. É praticamente uma experimentação da relação entre espaço e trama feita em um filme digno de direct-to-video, e funciona. A mudança de clima da carreira do Hooper - de uma imagem onírica nos anos 90 para um realismo cru aqui - serve perfeitamente pro isolamento e pra construção, praticamente estrutural, do prédio enquanto uma entidade do filme, que é o seu verdadeiro vilão. Ao mesmo tempo todo o arco da protagonista funciona muito bem, apesar de ser bem direta também, e ele cria uma dinâmica ótima entre os moradores do prédio. Aliás, em relação a tudo isso, o filme acaba parecendo uma resposta à moda auto-consciente no gênero da época: aqui, os fãs entusiastas estranhos são apenas isso, não há metalinguagem, não há piscadinha pro telespectador, só há a experiência e a atmosfera - os grandes pontos iniciais do cinema de Hooper, que aqui, mesmo sem a sua loucura usual, atinge um resultado maravilhoso.
O Vingador do Futuro
3.6 496 Assista AgoraVerhoeven achando que é Hitchcock. Lindo demais.
De Olhos Bem Fechados
3.9 1,5K Assista AgoraKubrick desconstruindo o egocentrismo e narcisismo do Tom Cruise por meio do tesão, Sydney Pollack falando sobre a realidade (e o cinema que quer emulá-la) ser mera questão de perspectiva e paranóia. Fuck: poetic cinema.
Duna
2.9 412 Assista AgoraNão sabia que o Lynch tinha feito um filme sobre os 25 anos que o Agent Cooper ficou preso no labirinto do tempo, espaço e consciência da Black Lodge.
É um filme que parece o tempo todo estar a um passo de ser uma daquelas obra-primas não-intencionais, porém nunca consegue superar algumas limitações. Muito se fala de como o Lynch não pode montar a versão final do filme, porém acho que a própria direção dele erra a mão em alguns aspectos - o principal é que ele não consegue dar profundidade aos muitos dramas, o que acaba tirando força de todos os acontecimentos do filme e limitando os seus temas (é meio triste pensar em como o filme poderia tratar da consciência humana, com tantos pontos que envolvem isso - quem sabe era esse o grande interesse do Lynch no filme -, porém acaba faltando algo pra tudo se conectar como deveria). Mas de resto o filme acaba sendo tão divertido nesse seu mundinho ultra-apressado e expositivo que dá pra se divertir bastante. Há umas soluções visuais incriveís, o ritmo que o filme ganha na sua metade final é bem único e há uns pontos muito doidos no meio disso tudo. Muito se fala do filme do Jodorowsky, mas não sei se trocaria essa extravagância mística novelesca do Lynch pelo carnaval que ele queria fazer - e que, inclusive, possuía imensas chances de dar errado da mesma forma que esse filme deu.
Stalker
4.3 502 Assista AgoraA distância entre o ser e o querer tornada física - Deus tornado físico. A ambiguidade da vida e a ambiguidade divina. Acaba não sobrando muita coisa, só o desespero mesmo.
De Canção Em Canção
2.9 373 Assista AgoraA grande interrogação de todo esse projeto é como o Malick faz um filme "sobre a cena musical de Austin" (ou seja, música popular como um todo) e não consegue atualizar um pouco que seja o seu modus operandis. Aqui ele tá falando sobre crise existencial dentro do meio artístico, mas é extremamente parecido de quando ele fala sobre núcleos familiares no pós-guerra, ou sobre gente na guerra, ou sobre o descobrimento das américas (e isso que eu não vi os dois últimos filmes dele). Tem diálogo e take aqui que se você joga no meio dos seus outros filmes não vai soar nada deslocado - porque eles estão é deslocados nesse filme.
Existe alguns momentos que o filme consegue extrair algo bem genuíno (Patti Smith e a química entre a Rooney Mara e o Ryan Gosling me vêm a cabeça), assim como tem algumas ideias e momentos que o Malick realmente parece sair um pouco daquele monotonia usual do seu cinema e adentrar em algo diferente, mas pra cada momento desse tem uns 2 ou 3 daquelas divagações que, nesse filme especialmente, não conseguem criar carga dramática nem filosófica alguma e só ficam soando vazias mesmo. Aliás o fraquíssimo núcleo dramático do filme explica porque essa repetição do Malick vai ladeira abaixo aqui: é uma história preguiçosa e fraca, que não se sustenta por si só e tenta usar como muletas essa filosofia de segunda categoria que tanto elevou o cinema do diretor em outros filmes (que não se sustentavam só nela), mas aí que ele cai de cara no chão. É uma pena porque quando o filme começou eu pensei "é realmente muito fácil fazer cinema contemplativo enquanto filma a Rooney Mara né", mas nem isso.
Boudu Salvo das Águas
3.8 18Burguês é tudo besta.
Luzes da Cidade
4.6 624 Assista AgoraYes, I can see now.
A Cor da Romã
4.1 133O cinema como emulação da realidade, mas a realidade como sentimentos e ideias e não acontecimentos propriamente ditos. Mesmo que seja tudo meio difuso, Parajanov entendia muito bem da criação e manipulação dos mais simples (ou complexos, depende de onde se olha) símbolos - realmente não sei se precisamos muito mais do que isso para um filme.
Passion
3.5 17Gordard faz um cinema de símbolos, mas não de simbolismos: é inclusive engraçado como ele parece negar qualquer noção que ligue certo personagem a certa ideia (como um personagem que simbolizaria o industrial, o produtor de cinema ou coisa do tipo). Como o filme faz tão pouco sentido, a cada momento que ele parece querer tratar de uma relação de classes e de seus personagens ele parece estar fazendo uma esquete cômica absurda (uma separada da outra, desconexa da outra). O cinema pode ser uma indústria e a indústria pode ser o cinema, os dois podem ser lindos e feios, mas no fim o grande ponto do filme me pareceu ser como cada um é um artista e como cada artista é um grande nada - e como o grande nada é a arte por si só. Não faz muito sentido porque não precisa fazer; muitas vezes o filme parece um grande musical sobre esse ato de se fazer cinema e de se trabalhar - inclusive acho que a melhor cena do filme é a que uma câmera, com operadores e tudo, se perde em meio a uma cena sendo gravada no momento, logo antes da "nossa" câmera, do nosso olhar, se tornar o filme sendo gravado. Não é uma mistura de realidade e ficção porque a ficção do Godard é a realidade e vice-versa, com um universo inteiro perdido entre esses dois.
O Homem Errado
3.9 96 Assista AgoraHitchcock aqui entende que o mais assustador não é um sociopata a solta ou um crime de efeitos psicológicos, mas sim a própria estrutura da sociedade, com seus papéis e funções que se misturam e se confundem o tempo todo. Ninguém está errado e ninguém está certo: cada um apenas busca o melhor para si, tendo efeitos devastadores para um par de indivíduos - totalmente não intencional. Um Hitchcock inspiradíssimo e o Henry Fonda é uma dádiva.
Quando Chega A Escuridão
3.3 132Por mais que o filme tenha dificuldade em estabelecer a questão moral (do menino não querer matar), ele compensa tudo isso na forma que trata o romance e sua mitologia. A Bigelow tinha um controle tão forte sobre o filme que, em meia dúzia de takes, ela basicamente resolve toda a identidade dos vampiros - e isso que ainda aparecem um Lance Henriksen e um Bill Paxton inspiradíssimo para ajudar. E isso acaba interferindo na forma como ela faz esse romance ultra-dramático clássico funcionar, o colocando na roupagem de um western [noturno], em um contexto da violência dos anos 80 no cinema. E ainda tem a trilha do Tangerine Dream. Ela era foda demais nessa época mesmo.
Guardiões da Galáxia Vol. 2
4.0 1,7K Assista AgoraAparentemente todas as centenas de video essays falando sobre a paleta de cores pasteurizada dos filmes do MCU funcionou, que tal agora focarmos nisso de todo mundo querer destruir o universo?
Mas sério, só de o filme ter dado um pouco de cor e ter criado uma real identidade visual já é um passo imenso para a Marvel. Parece que ele realmente mergulha naquelas ideias visuais que o estúdio apresenta no Ant-Man e no Doctor Strange, mas não teve coragem de realmente as utilizar - como o set piece final, que se passa inteiramente dentro de um tipo de espaço que é só de passagem em outros filmes. Mesmo que a ação seja meio estéril em algumas cenas, são bem interessantes e divertidas as soluções visuais que o filme encontra em relação a isso.
De resto, ele funciona como um grande episódio de desenho animado, o que sinceramente apela demais pra mim (me lembrei vendo o filme que o James Gunn roterizou os filmes do Scooby-Doo, que sempre gostei quando era menor). É aquela economia pra apresentar conceitos e personagens, mas que funciona super bem, como com aqueles personagens dourados, que são apresentados basicamente por meio do visual e de piadas, e até mesmo com o Stallone. E o filme ainda consegue criar uma dinâmica que quebra a estrutura usual da Marvel, finalmente não tendo que apelar pra um set piece, sempre ruinzinho, no meio do filme - que inclusive é substituída pela cena mais legal dele. Quem sabe o único elemento que se desloque um pouco seja o drama, mas ele, à sua própria maneira, acaba funcionando quando o filme não tem uma mão muito pesada nele (na maioria das vezes), então nem chega a atrapalhar. Assim como a motivação do vilão: mesmo parecendo super deslocada quando apresentada - é um filme tão sóbrio e consistente que apela do nada pra um simples "eita ele quer matar todo mundo" (e querendo dar um peso dramático pra isso) -, mas, conforme o filme avança e com a ajuda do Kurt Russell, até mesmo ele acha o seu lugar.
Ainda não é nada extraordinário, mas só do filme conseguir construir uma identidade própria, com todos seus elementos funcionando e sem apelar nem pra uma seriadade descabida, nem pra uma pseudo-auto-consciência à la Deadpool, já é ótimo. Pago fácil pra ver uma bobajada cartunesca e criativa dessas regularmente.
Alien: Covenant
3.0 1,2K Assista AgoraÉ triste ver um diretor tão experiente fazendo um filme desses, que parece juntar tudo de ruim que pode se esperar de alguém nessa situação: revisionismo mal feito, tentativa de chocar usando as piores tendências atuais e bobajada filosófica que se acha mais inteligente do que é (agora as ações bobas não são fruto da vida humana como commodity de uma corporação, e sim porque o comandante é um "extremista da fé"). Aliás, é engraçado como filme, seguindo o exato contrário da crítica do filme de 79, realmente trata a vida humana (e a emoção, o luto) como simples commodity mesmo, simples mercadoria para o filme, se apoiando num realismo que é mais cínico e cheio de si do que qualquer coisa - só ver como todos os personagens do filme perdem seu parceiro e, em momento algum, o filme parece querer realmente tratar de luto. E o pior que é realmente uma pena que tudo acaba saindo desse jeito, já que a ideia de "conheci nossos Deuses e os matei" é tão absurda que é boa, mas num filme tão meia-boca e gratuito assim fica difícil engolir.
Pelo menos o filme acerta o número mínimo de Michael Fassbenders que cada blockbuster deveria ter hoje em dia.
Drácula de Bram Stoker
4.0 1,4K Assista Agora"How can you call this science? Do you think Madam Currie would invite such comparisons?"
Muito bom assistir um filme que reconhece e acredita mesmo em toda sua vulgaridade e liberdade que tem para ser o que quiser - ainda mais se feito por um diretor que, se quer pautar o filme em um exercício completamente autoral, consegue o fazer sem parecer pedante ou intrometido com a trama. Perdido no espaço/tempo, assim como o próprio Drácula, o filme só se preocupa em ser o que é (ou o que decide ser). Porém, infelizmente essas histórias ultra-sexuais/carnais, que buscam essa exploração dramática do desejo, dificilmente funcionam pra mim, mesmo que esse tom over funcione em relação ao romance. Tem Tom Waits, Keanu Reeves, Winona Ryder e um monte de coisa sem nexo (coisas boas e ruins), mas infelizmente esse ponto principal do sexo não deu pra mim, deixando o filme um pouco maçante.
Império dos Sonhos
3.8 433Por que sonhamos? Por que fazemos/assistimos filmes? O Lynch dos anos 2000 é realmente um dos mais interessante trabalhos revisionistas já feitos - olhando a própria obra, a aprimorando, atualizando, e, por fim, até a justificando.
Em um primeiro momento, o filme parece a antítese do que era Mulholland Drive: enquanto este se tratava da arte/sonho como escapatória, fuga de uma realidade que é um pesadelo, aqui o sonho/o filme em si seria o pesadelo, o problema, confundindo-se com a realidade, sendo impossível lidar com elas separadamente. O que, até certo ponto, ainda é o ponto de toda a história da Laura Dern, que é a busca de um equilíbrio, pela arte, em um mundo naturalmente desequilibrado - descobrindo que essa busca é completamente inútil. É de certa forma a destruição de toda a ferramente possibilitadora que Lynch encontrou na arte em Mulholland. A arte seria uma odisseia sem fim, sem solução; uma queda dentro da própria loucura, da própria ficção, porém que não haveria saída, em momento algum.
Mas a virada que o filme dá, em seus 10 minutos finais, acaba retomando toda a ideia do Mulholland Drive e em uma forma que vai além da escapatória, chegando a uma real redenção - aqui, a maldição que a Naomi Watts sofre ao fim de Mulholland se torna em uma purificação, em uma salvação. A odisseia da Laura Dern acha o seu fim e o seu objetivo: um acordo com o telespectador/o artista em busca de um sentido e de uma solução (que acaba sendo para ambos). O uso do Rabbits, trabalho paralelo do Lynch que ele inclui no filme, demonstra toda essa questão do ficcional dentro de trama de Dern. É uma outra obra, com outras ideias e outro ponto, mas sempre presente, representando todo o fator ficcional do filme que assistíamos, nós e a prostituta polonesa (não é à toa que a Laura Dern entra no set dos coelhos antes de encontrar sua telespectadora/criadora - ela se assume enquanto a ficção, se misturando com outra, das mais baratas (versão lynchiana para sitcoms)). Os 10 minutos do filme são dos mais lindos que me recordo de ver nos últimos tempos, porque é justamente tudo que busco na arte: uma Laura Dern que sofra com todos os meus problemas, os encare e venha por fim me dar um beijo, concretizando a exorcização deles e me fazendo encará-los na vida real. Quem sabe haja uma ideia maior aqui em relação ao artista propriamente dito, não só ao telespectador (ao contrário do Mulholland Drive, aqui a telespectadora literalmente cria a televisão em que assiste o filme, tendo conexão direta com ela), mas a lógica permanece a mesma: a arte como o grande exorcista da realidade.
Agora fica a dúvida de como essa ideias revisionistas tomarão lugar em sua nova obra abertamente revisionista, a nova temporada de Twin Peaks. Um Lynch que consegue justificar toda a liberdade e loucura de suas obras sem parecer pedante ou óbvio era realmente tudo o que eu queria.
Reminiscências de uma Viagem à Lituânia
4.1 10 Assista AgoraFilme-memória ou memória-filme? Quem sabe uma memória-filme que virou um filme-memória? É maravilhoso o modo que Mekas abraça essas ideias aqui, com uma viagem baseada inteiramente em memórias, num passado, enquanto aquilo que acontecia, a todo momento, também se transformava em memória - e, como sempre para ele, em filme, com a realidade mais crua enquanto tragédia e em como redenção.
A Casa dos 1000 Corpos
3.2 421 Assista AgoraO Rob Zombie tem um bom catálogo de soluções visuais, mas quando se trata de execução mesmo, de colocar essa criatividade pra funcionar, o filme acaba parecendo apenas um Massacre da Serra Elétrica 2 só que sem toda a diversão e todo o fator cativante desse segundo. Não é nem por ser meio gratuito e apelativo, nem quem sabe por ser tão derivativo, mas é que as ideais do filme não parecem se conectar bem e fica só uma obra sem brilho algum. Uma pena, porque tem muita coisa legal e com bastante potencial aqui, quem sabe nos próximos filmes, com mais experiência, ele lidou melhor com isso.
Mortuária
1.8 61Acho que é o filme mais completo da carreira do Hooper, conseguindo conciliar junto tantos conceitos já trabalhados e retrabalhados por ele (lugar físico mal assombrado, criaturas deformadas isoladas, possessões, interior do país, interior do interior, terror atmosférico, etc etc etc) e ainda sim conseguindo criar algo novo: quem sabe o grande propósito dessa carreira "recente" (que já envelheceu bastante) dele seja exatamente essa reciclagem, com uma roupagem estética completamente tosca e, à época, atual, mas criando uma experiência final nova. Aqui a atmosfera ainda serve como forma de andamento e como motivo do filme existir (como nos Chainsaw Massacres), mas também leva à construção de identidade do personagem principal, de uma forma hipnotizante e totalmente maluca e fora de si - como todo o filme é, na verdade. Começa como filme de casa assombrada, vira um terror de adolescente maconheiro, passa por uma fase de filme de zumbi e termina como um slasher de espaço físico limitado. E tem um clímax composto por um policial tocando a campainha, adolescentes fumando maconha e um embalsamento dando errado, então realmente não tenho do que reclamar. Tobe Hooper é um gênio como poucos.
Prometheus
3.1 3,4K Assista AgoraO filme passa sua duração inteira gritando o quão B ele é (Guy Pearce em maquiagem de velho querendo conhecer Deus, jesus do céu), mas nunca aceita de fato isso. O Ridley Scott parece crer que tem um virtuosismo formal que vai compensar como tudo nisso aqui é absurdo, mas ele não sabe lidar bem com essas ideias (e nem com as ideias "super profundas" sobre os engenheiros) e no fim parece tudo vazio e tosco mesmo. E o pior que até num nível bem superficial o fim continua sendo sem propósito, não tendo um personagem sequer que não seja ou detestável ou mal desenvolvido - e daí a gente precisa aprender sobre a origem da vida com base neles. Acho que Alien vs Predador é muito mais inteligente, divertido e até mais profundo falando da natureza humana.
Alien: A Ressurreição
3.1 489 Assista AgoraEu só queria que o Alien-cachorro não existisse, só isso. É de um extremo mal-gosto, numa tentativa de fazer um ponto sobre natureza humana violenta totalmente tosco, dá gás pro drama Ripley/Aliens que também é horrível, ocupa um espaço de muito destaque dentro do filme e eu não consigo engolir isso. É um filme nada menos que ótimo antes daquilo: corporações se enlouquecendo, identidade na sociedade capitalista, Winona Ryder humanista, visuais ótimos e totalmente bregas (no bom sentido), a Sigourney Weaver claramente com uma cara "que que eu to fazendo aqui, eu sou melhor do que tudo isso" que encaixa perfeitamente na situação da personagem, a dinâmica do grupo é boa e o filme ainda sabe mexer com o Alien melhor que o 2º e o 3º. É um percursor claro dos Resident Evil, mas dirigido por um francês maluco e espalhafatoso - quem sabe uma versão circense dos filmes do W. S. Anderson. É engraçado, divertido, original e inteligente. Mas aí tem o Alien-cachorro gritando "oh no". Que saco.
Não sei o que dizer, to triste.
Alien 3
3.2 541 Assista AgoraQuem sabe se tivesse um andamento mais coerente seria um baita filmão. O Fincher parece que aqui criou toda a dinâmica pseudo-cyber punk que dominou o fim dos anos 90/início dos 00 e trabalha isso [surpreendentemente] bem: com um grupo tão pequeno de personagens, ele trata de todas aquelas coisinhas clichês de sociedade distópica e seita maluca de um jeito que muito filme dedicado a isso não consegue. Quem sabe a liberdade que o Fincher não teve na estruturação do filme ele teve na construção dos takes (e, numa certa extensão, na montagem, aquela cena da cremação é maravilhosa), que são de um expressionismo fantástico. Não é nem os ambientes que chamam a atenção, mas o modo que o Fincher captura eles e os insere na trama/no sentimento de Ripley - um ambiente que reflete no sentimento de desespero/decepção da Ripley; um ambiente de pessoas à margem em uma série sobre uma personagem que em todo filme é empurrada, sem parar, à margem. Pena que a trama não sabe muito pra onde ir, caindo em uns clichês bestas pra seguir em frente, mas ainda sim o resultado final é algo bem interessante.
Aliens: O Resgate
4.0 810 Assista AgoraO James Cameron parece que sempre trabalhou com uma dinâmica de incorporação mais do que inovação propriamente dita né. Não que na incorporação não se inove, mas aqui ele parece pegar toda uma dinâmica gore e plástica que já existia há tempos e insere em uma história completamente "normal" - sem explosões, sem exageros, sem excessos. Quem sabe pareça que quero dizer que é tudo simplista, mas talvez elegante é uma palavra melhor. O mesmo vale pra questão do gênero: releitura de filme de guerra e sci-fi (nesse caso, uma literal releitura), ambos na medida certa e sem exageros. Faz as 2 horas e meia passarem voando.
Cidade dos Sonhos
4.2 1,7K Assista AgoraIn a [really, really, really] lonely place.
Não sei se existe uma obra maior do que essa sobre o efeito catártico da arte. Mesmo que o principal seja a questão do "sonho", se tratando de Lynch é praticamente natural fazer a relação "sonho = cinema", então no fim o ponto é realmente o filme enquanto maneira de exorcizar seus demônios. E que demônios. E que exorcização.
Lynch constrói um filme que é a sua cara num primeiro momento, inclusive com uns temas ótimos: a indústria cinematográfica é comandada pela Black Lodge de Twin Peaks, escapismo desenfreado, esquetes over-the-top sobre um ambiente sobrenatural, pequenas tiradas cômicas e um clima envolvente na plot principal. É quase um Lost Highway que funciona. Mas aí ele subverte tudo. A atriz prodígio desse primeiro momento é na verdade a diretora de tudo que vemos, tendo ela, na realidade, seu mundo completamente destruído. Sem sucesso, no sonho ela é uma atriz em ascensão. Sendo sacaneada pelo diretor, no sonho existe toda uma organização secreta fudendo com a vida dele. Sendo abandonada na vida real, no sonho é sua parceira quem precisa de todo seu auxílio e ajuda, estando completamente submissa a ela. Mas o principal ponto é que o filme nunca oficializa essa relação "foi tudo um sonho" - em que momento ela sonhou? Você percebe ela fazendo as ligações dos coadjuvantes da realidade com personagens do seu sonho, porém nunca há o momento certo em que ela parou, dormiu e sonhou com tudo aquilo. Logo, o sonho se atém ao cinematográfico, ao que o filme mostra, quase como um acordo entre Diane e o próprio Lynch, que dá à vingança dela o único local em que ela pode se concretizar: na ficção.
"it's all all recorded! it's all a tape!"
"it'll be just like in the movies, pretending to be somebody else"
A caixa azul como símbolo de toda essa questão ficcional/cinematográfica: se eu pudesse escolher, ainda a faria como uma fita (ou quem sabe ficaria óbvio demais, ainda mais se tratando de Lynch); a partir do momento que você a vê, ele não está mais lá - meio que uma reflexão da barreira ficção/realidade, mesmo que a realidade, aqui, ainda seja fruto de uma ficção. O mendigo como símbolo do medo e fruto de toda a história de decepção e desespero de Diane (não é a toa que ele aparece no sonho acompanhado do homem que ela vê ao fechar o contrato de assassinato de seu amor); daí a melhor imagem da carreira do diretor: o medo e a realidade aterradora segurando a caixa azul, a realidade criada. Ele a tem em mãos, ele a controla e a adéqua ao que ele quiser. Da dor se fez/faz a arte.
Mas quem sabe o mais triste do filme é que, mesmo assim, no fim você ainda acorda, o filme acaba, a mentira é interrompida, você termina sua obra, e os fantasmas da sua vida voltam pra te assombrar. A arte pode ser uma grande escapatória, mas nunca solucionará todos os seus problemas. A catarse se prova completamente momentânea, e, aqui, se torna até parte do problema - criando símbolos de como sua vida saiu do ideal ficcional e evidenciando ainda mais seus erros.
Esse filme é gigante demais.
Noites de Terror
2.7 54Hooper parece se preocupar muito com uma abordagem extremamente direta do gênero (afinal, o filme é um slasher bem usual até certo ponto), mas, ao mesmo tempo, tendo um foco muito grande em explorar essa abordagem até seu limite. É praticamente uma experimentação da relação entre espaço e trama feita em um filme digno de direct-to-video, e funciona. A mudança de clima da carreira do Hooper - de uma imagem onírica nos anos 90 para um realismo cru aqui - serve perfeitamente pro isolamento e pra construção, praticamente estrutural, do prédio enquanto uma entidade do filme, que é o seu verdadeiro vilão. Ao mesmo tempo todo o arco da protagonista funciona muito bem, apesar de ser bem direta também, e ele cria uma dinâmica ótima entre os moradores do prédio. Aliás, em relação a tudo isso, o filme acaba parecendo uma resposta à moda auto-consciente no gênero da época: aqui, os fãs entusiastas estranhos são apenas isso, não há metalinguagem, não há piscadinha pro telespectador, só há a experiência e a atmosfera - os grandes pontos iniciais do cinema de Hooper, que aqui, mesmo sem a sua loucura usual, atinge um resultado maravilhoso.