A pesada carga do arrependimento. É engraçado pensar que a atuação do Casey Affleck, na superfície, não é das mais memoráveis, mas, se você analisar a fundo, é ela que faz o filme inteiro existir e funcionar à sua maneira. Não é exagero falar que o filme se constrói em volta da feição sofrida/conformada dele - que é meio o modus operandis dele atuando, mas aqui é usado perfeitamente. Só a partir do momento que o filme consegue estabelecer essa dor do personagem do Affleck que ele consegue ir até a Michelle Williams e ao adolescente, que são quem chamam realmente a atenção. No mais, ele é meio longo, com uns sub-plots desnecessários e uma estruturação estranha, além de ter uma direção meio fraquinha, mas ele tem um material original bem forte que consegue passar o sentimento que propunha.
Se no primeiro existia um foco quase completo em criar e mostrar uma sociedade, esse filme parte pra um completo desequilíbrio dessa sociedade. O interessante é que ele não quer "destruir" o que propõe no primeiro - aqui todos os personagens que se repetem se mantêm fieis ao que mostrado no primeiro filme, ele não tenta nos convencer que, no fundo, eles são maus: é realmente mais sobre essa linha tênue que toda sociedade cria com seus indivíduos em conflito, presos em labirintos burocráticos que podem até ser cômicos, mas que, quando se trata de poder, essa sociedade se desmancha.
Mas o que destaca o filme é realmente como ele trata desse seu indivíduo em conflito. É um lance completamente expressionista o que o filme faz com a figura do Keanu. Acho que nunca existiu um papel tão perfeito pro nonacting dele, e nunca um diretor soube capturar isso tão bem. Tudo aquilo que ele passa no filme é uma maldição que ele carrega e que ele não é capaz de renegar, mas tampouco se permite abraçá-la. E tudo isso existe na base das expressões do ator e da ação (a quantidade de cenas em catacumbas, metros, subterrâneos, toda a iluminação, as cenas em público, ele na casa destruída, a própria cena final). Ele tem uma crença absurda na força da imagem e da forma, realmente parece um musical, que acho que nenhum outro filme moderno conseguiu construir tão satisfatoriamente de forma tão absurda, tão espalhafatosa. E mesmo ela estando presente, a trama também consegue ir tão além da auto-ironia do primeiro filme: tudo se constrói num crescendo e, no fim, só explode, em todos os sentidos, tanto na ação, na imagem e nos próprios sentimentos.
É a sociedade contra um indivíduo triste que mata todo mundo em cenas perfeitas de ação, filmadas de forma magistral em meio a, provavelmente, os melhores cenários de ação que já existiram, tudo em prol dum drama pessoal - mantido por coisas tão mínimas que basicamente só existem na imagem. Uma obra-prima moderna.
Coming of age do indivíduo, coming of age de uma nação e, como sempre quando se trata de Ford, coming of age do cinema.
O Henry Fonda tá esplendido nisso aqui, com uma atuação corporal fantástica que praticamente carrega toda a questão pessoal do Lincoln nas costas - desde toda a retração e timidez do começo, passando pela nostalgia e chegando à superação daquilo pelo tribunal, com a aceitação de sua figura no fim. Claro que aí entra toda a habilidade também do Ford em capturar tudo isso, o cara realmente fazia umas pinturas com a câmera que é coisa de louco. Todo filme dele acaba me remetendo àquela frase do Samuel Fuller no Estado das Coisas, do Wim Wenders: Life is in color, but black and white is more realistic.
E é interessante a aposta que o Ford faz em relação ao roteiro, romantizando tudo e criando situações bem ficcionais, mas construindo uma figura extremamente verosímil com grande semelhança com a realidade. Ford desde o princípio entendia que o cinema é meio que uma arte em que os fins justificam os meios - seja num foco completo em sentimentos, como ele sempre fez, seja aqui que ele quer construir a figura do Lincoln -, ao mesmo tempo que ele entendia como o cinema poderia simplesmente mentir, inventar e, nesse caso, reinventar e reorganizar toda a realidade. E, no fim, toda a questão dum homem que entendia o seu tempo, mas estava muito a frente dele, acaba sendo passado com maestria, em uma das biopics mais singelas e interessantes já feitas.
Só não dei 5 estrelas porque a questão moral em relação à pena de morte ficou sem conclusão. Foi construído de forma tão interessante aquela defesa e toda a questão anti-enforcamento mas, no fim, deu a impressão que Lincoln mandou o outro cara à forca sem sequer se importar com isso. Não estraga o filme nem nada, mas fica uma ponta solta em algo que estava sendo bem interessante até ali.
Em um mundo ideal, 90% dos filmes de super-heróis seriam assim: a diversão, ignorando qualquer pretensão dramática, com um foco absoluto na construção das cenas de ação - e ainda arranjando momentos pra trama fazer sentido e pra brincar com a linguagem. Filme divertidíssimo.
Se não fosse tão prejudicado por um primeiro ato fraco (eu só conseguia pensar no personagem retardado que o Kit Harington faz em 7 Days in Hell, só que aqui é pra ser sério), em que o Anderson não tem a consciência de sua dramaturgia fraca que ele demonstra nos últimos RE, seria facilmente não só o melhor filme dele, mas também um dos melhores do Século XXI. De verdade, não sei se existe um filme com um trabalho tão espetacular com o CGI como esse. Anderson não se preocupa com um realismo, muito pelo contrário, ele ama a plasticidade de tudo, e aqui ele se vê mais preocupado nesse plástico ser bonito do que ser realista. Ele não quer contar histórias, e sim criá-las, meio que do zero - a Pompeia completamente imaginária, toda a trama política, quem sabe até algumas nuance físicas da erupção mesmo. E tudo isso ele atinge com uma maestria meio que inacreditável, principalmente depois da primeira batalha de gladiadores em Pompéia - coincidentemente, o momento que o Kit Harington passa a ser só um corpo, não um ator. E é tudo envolto de uma sensibilidade formal tão grande, tão bonita, não é a toa que optaram por uma história tão elementar pra ser fundo de tudo isso: é algo que nunca foi feito, nunca foi testado, o correto é, então, começar do zero.
E dava pra escrever outros parágrafos sobre a trama política, que é ótima (os caras fazem uma revolução dentro da batalha gladiadora simulando a batalha real que dizimou a família do cara!!!), e os outros aspectos da trama, que se acertam quando o filme quer a construir por meio da ação, mas eu acho que o que mais chama atenção no filme são os efeitos mesmo, então deixo aqui um espaço para os detratores dele, se possível, me falarem um filme com efeitos tão bonitos quanto esses.
Não sou de fazer isso, mas minha cenas favoritas pra ilustrar meu ponto: a que a amiga da princesa morre no desabamento e, obviamente, a cena final.
Uma visão de um mundo completamente desolado e perdido pelos olhos irracionais de uma criança. O filme tem toda essa atmosfera que não carrega uma carga completamente infantil, mas se constrói basicamente nisso - como a questão do pai, que tem seu desenvolvimento pautado a partir de praticamente apenas o que as crianças veem dele (ausência, isolamento e raros momentos juntos). E disso parte seu maior tema, o misticismo mundano que envolve uma criança descobrindo o mundo. De longe o mais interessante do filme é a criança descobrir tudo isso por meio do cinema, com o Frankenstein podendo simbolizar diversas coisas, mas chegando a só uma conclusão no fim: uma certa esperança renovada. Daí em volta dela tem toda a questão dos pais e da situação da cidade, que remete muito ao momento que a Espanha vivia no pós-guerra, o que por si só já é bem interessante. Lindo filme.
Entendo e acho que a ideia do filme funciona até certo ponto: a retratação simples e honesta (em vídeo!) dum pintor tentando produzir uma obra com base nos marmelos. E, de verdade, acho que o filme segura essa ideia bem até determinado momento, mas nada justifica ele ter 2 horas e 20 minutos, ainda mais trocando de ponto tão constantemente. Começa com o foco no ato de pintar (contracenando com os pedreiros, uma ideia bem interessante e sútil da arte enquanto trabalho), daí parte pra produção do quadro mesmo, mas ele desiste do quadro, começa outro, mas o filme não dá ênfase no outro e, no fim, o grande destaque dado é aos marmelos. Tem toda a ideia do tempo e da forma com que a gente lida com a arte e etc, mas acho que o filme se embola nessa prolongação da sua duração e, por boa parte dele, só parece sem um ponto certo.
Boa atualização dos filmes mais clássicos de artes marciais - sabe transportar bem as tramas pros dias de hoje, focando em coisas relevantes atualmente e adicionando alguns elementos do cinema moderno. Não é algo realmente memorável, mas sabe fazer mínimo de iconografia, as cenas de ação são muito bem filmadas e o Keanu Reeves é o maior homem vivo no planeta Terra, então vale a pena assistir.
O modo com que o Costa brinca com a realidade nesse filme é ótima. Parece até que como seria o filme mais abertamente "documentário" dele, ele pega e decide subverter tudo e transformar a obra meio que numa abstração visual onírica. O cerne dum filme sobre fazer música tá todo lá, com um olhar sobre o perfeccionismo que se assemelha com o que ele tem no Onde Jaz o Teu Sorriso e com toda a retratação, obviamente, real dos ensaios e espetáculos, mas ele mergulha tudo em visuais tão maravilhosos e, de certa forma, manipulados (o próprio P&B aponta isso), que afasta tudo dum realismo usual. Muito bonito e interessante.
Incrível como a dramaticidade parece brotar tão naturalmente dentro dessa dinâmica de documentário do filme - tanto em relação aos personagens, quanto ao próprio Cabo Verde. Um bom filme sobre o contínuo impacto do colonialismo em alguns lugares na terra e sobre a desumanização disso tudo.
Ver esses filmes do Benning me faz me sentir como se eu estivesse ouvindo um disco do Brian Eno ou do William Basinski. Aqui temos 7 takes que, em cada um, nos primeiros 30 segundos você entende o que vai acontecer pelos próximos 10, 15, 60 minutos, mas o diretor consegue trazer uma beleza e uma certa fixação pra aquilo que é fantástico. A comparação vem justamente da contemplação e paz que os filmes trazem, mas esse aqui é também, de certa forma, político (relação da indústria X pessoas, toda a questão cultural), mas, acima de tudo, é algo bem documental. Benning te apresenta uma imagem e, com uma certa escala, te imerse naquilo e, a partir dali, você só acompanha aquela realidade - a beleza e a melancolia do mundano. São imagens, uma mais linda do que a outra (principalmente a última), que respiram uma vida, longe daqui, mas que o diretor traz para sua frente, para sua interpretação e experiência.
O filme é de um primor visual e de edição que poderia ter qualquer abordagem por trás, mas infelizmente a "menino de 11 anos que passa o dia inteiro jogando GTA, batendo punheta e compartilhando Bolsonaro Opressor 2.0 no Facebook" não me agrada. Vai ver eu não sou tão formalista quanto eu imaginava.
O Villeneuve constrói tanta atmosfera e suspense que no fim não parece servir pra nada, nem pro humanismo forçado do final. Ele tem problemas em intercalar os sonhos no início do filme e, por mais que a Amy Adams segure as pontas, todo o pseudo-Malick do fim do filme fica meio sem ponto - o que é pra ser uma grande revelação pra te fazer pensar na vida se mostra só uma ferramente espertinha de roteiro. O mesmo vale pro lance da diplomacia, que o filme trata da forma mais simplista possível, que não encaixa com a proposta séria do filme. E essas duas pontas fazem o filme esquecer completamente da história da linguagem, que ele deixa de lado da metade pro fim.
Então fica um filme que existiu pra ter aquela virada, que, pra ser sincero, acho que ele sabe fazer, mas não justifica toda essa pretensão que o filme parece ter nessas outras áreas. Mas pelo menos acho que, em alguns momentos, o filme reconhece uma certa pequenez em si mesmo, focando boa parte de sua duração naquele acontecimento em pequena escala, naqueles personagens, então ele acaba não sendo engolido por sua própria pretensão enquanto filme (como acontece com o Interstellar por ex) e meio que se assemelha a um Oblivion da vida: uma boa historinha sci-fi pra te distrair no fim da tarde.
Que filme ótimo! Sabe trabalhar a mitologia própria como pouquíssimos filmes na atualidade, brinca com o absurdo que alguns setores da nossa sociedade vivem e em como isso se exterioriza com certas coisas da atualidade e também com toda a questão ultra-violenta dos dias atuais (e daí uma auto-crítica - o personagem do Gerard Butler tá em basicamente toda cena de ação com aquela feição de "eu não deveria estar aqui/tá tudo errado", que já vem muito do casting perfeito que foi feito dele), mas, acima de tudo, é um filme extremamente bem filmado e montado. A câmera na mão ganha uma fluidez aqui que é maravilhosa, junto com a fotografia, que captura a sujeira e a plasticidade de alguns ambientes perfeitamente, e a edição, que dá esse ritmo acelerado pro filme e que não sacrifica a ação/reação. E, no fim, o filme ainda consegue criar umas imagens bem memoráveis, exibicionistas mesmo, mas ele é tão convincente na sua trama e clima super fantasiosos que tudo acaba ornando muito bem.
Que filme mais fechado dentro de si. Assisti duas vezes para ver se digeria tudo melhor - a primeira vez já tinha sido boa, achei que uma segunda daria pra pegar tudo -, mas o filme ainda se mostra algo bem fechado em si mesmo.
Gosto muito da primeira metade, acho de uma genialidade ímpar o modo que o Godard situa não só as pessoas, mas também as próprias imagens, num nível de igualdade socialista dentro daquele universo ultra-capitalista do navio - o que, pras pessoas, significa que todos acabam entrando nesse sistema mesquinho, pras filmagens se trata do fato de vídeo de gatinhos, feitos por celulares e câmeras não-profissionais estarem lado a lado de imagens cristalinas milimetricamente filmadas. E o engraçado é que funciona. Godard filma abertamente a realidade - no maior estilo de "As coisas estão ai, por que manipulá-las?" que ele propunha no Históries du Cinema - e até meio que se explica pelos diálogos do filme, como a questão da Geometria, a da dialética (de ser positivo e negativo ao mesmo tempo, tudo e nada ao mesmo tempo), do livro/realidade e aquele maravilhoso diálogo sobre "o Nada" ser maior que podemos imaginar.
Só acho uma pena o segundo segmento do filme ser tão confuso. De verdade, li várias reviews por aí e muitas mesmo tem visões perdidas sobre o que tá acontecendo ali - e eu acabei passando as duas vezes que assisti o filme tentando descobrir o que era e só me frustrei. Os personagens são ótimos, principalmente o menino, mas ele parece propor uma discussão sobre o "liberdade, igualdade e fraternidade" que eu simplesmente não entendi. E isso satura um pouco a obra, tira o brilho genial da primeira parte.
Mas pelo menos a terceira parte retoma esse dom de abstração poética e absurda que o Godard tem e em sua melhor forma. Instiga sem entregar nada, cria ritmo e interesse, e mesmo assim analisa algumas questões modernas interessantíssimas. É, novamente, o tudo e o nada ao mesmo tempo. Mas a essa altura do campeonato acho que o Godard sabe como o que ele produz é nada menos que um absurdo - no sentido meio cômico da palavra. Que maravilha é aquela cena da menina se jogando na janela no fundo enquanto dois personagens conversam em primeiro plano? E os gatinhos? O Godard meio que se entrega de corpo e alma pra essas experimentações e esses filmes que ele acaba vendo até a ironia do que ele propõe, então fica difícil desgostar do filme mesmo.
O filme inteiro parece um testamento sobre a importância da forma no cinema, é incrível. A música e a dança como construtores e mediadores do ritmo e o ritmo que conta tudo que você precisa saber, com o mínimo necessário de dramaturgia no meio. Desse ritmo parte a sátira da indústria, o romance e, principalmente, a sua própria forma - os números musicais, sendo mais espalhafatosos e divertidos impossível. É a forma pela forma na maioria das vezes, e qualquer filme que consegue te convencer que isso vale a pena é um bom filme.
A fluidez com que esse filme trabalha é uma coisa impressionante demais. Mesmo que ele caía numas artimanhas de roteiro meio confusas de tempos em tempos (dá a impressão que o filme tenta ser um New Rose Hotel que quer falar sobre como a imagem pode mentir pra você, mas adequando isso a essa estética psicodélica cool, o que não funciona tão bem), o filme atinge um ritmo frenético e único duma forma completamente nova - ele é muito provavelmente o "filme de ação" mais acelerado e com menos set pieces de ação propriamente ditos da história. E na verdade essas artimanhas roteirísticas nem atrapalham tanto, aquela cena maravilhosa com o Tom Waits compensa tudo isso no fim. E ainda é incrível como é um filme bonito, como em meio ao frenesi o Tony Scott encontra nessa justaposição de imagens um atributo imensurável de construção de takes memoráveis. Ótimo filme.
Boa tentativa de atualização do western. Em relação a isso, acho que o maior acerto do filme é em relação às paisagens, com uma sensação meio determinista bem forte, e às relações entre os personagens que, num ambiente meio esquecido por tudo e todos, se baseia mais num código de conduta inventado ali mesmo do que nas leis propriamente ditas. E o filme tem bastante paciência pra contar a trama, o que, mesmo que leve ao filme ter um ritmo lento, acaba fazendo toda a questão do ambiente do filme funcionar muito bem (tanto ambiente físico quanto o social), e demonstra uma vontade de não cair em convenções óbvias do gênero. Bom filme.
Meio engraçado que o ponto alto e baixo do filme sejam basicamente o mesmo aspecto, a batalha. Um filme que era bem morno e mediano, mesmo que funcional, até ali, se alavanca e cria imagens realmente chamativas e com bastante poder a partir da retratação da guerra em si - é o que o Mel Gibson sabe fazer de melhor. Mas não faz sentido nenhum um filme teoricamente anti-guerra ter tanto gosto por mostrar essa violência apenas por mostrar. Na batalha a câmera começa focando o Andrew Garfield, mas logo se perde nessa fetichização, propondo uma dramatização desnecessária e clichê pra tudo aquilo (olhe só como todo mundo morre na guerra!). Não é a toa que o filme ganha tanta força na cena que propõe aquilo que deveria ter feito desde o início: o soldado salvando pessoas. Tudo isso nem é tão moralmente condenável, é meio o modus operandis de Hollywood na hora de falar de guerra mesmo (o horror feito pra te divertir), só que aqui ele se fantasia de corpo e alma de humanismo. Mas o filme acaba funcionando nesse seu universo próprio ultra-nacionalista pomposo.
Uma corporação enquanto Estado que, sem outras vozes, se torna também a religião - o destrutivo capitalismo que implode e perde a luta contra um humanismo vindo dele mesmo. Nada de novo no horizonte, apenas o empoderamento final do proletariado. Quero rever antes de comentar mais.
Lynch teve uma chance que não me lembro de ver nenhum diretor moderno ter: a de contar uma história que você assume, desde o princípio, que o telespectador já sabe. Não havia a necessidade de um desenvolvimento profundo de personagens ou de situações para fazer a história funcionar, aqui o filme parte do pressuposto que você sabe quem é Teresa Banks, Agent Cooper, Dana, James, Bobby e quase todos os personagens, além de saber o que vai acontecer, deixando o diretor basicamente à vontade pra fazer um exercício estético e de clima completamente absurdos. Um dos filmes mais assustadores que já vi, esse é muito provavelmente o filme absoluto do pesadelo suburbano (que sempre foi algo que a série deixou sub-desenvolvido): o perigo que vem de dentro de casa, da forma que você menos espera - sem proveitos óbvios, nem fetichizações dramáticas, apenas a tragédia. E daí o filme vai pra externalização de todo esse medo e depressão que se criou na Laura, o que ele faz com maestria também. Mas talvez o momento que o filme realmente me ganhe seja como o Lynch concilia a mitologia da série com a história. Criando mais questionamentos do que respostas, ele pega o último episódio da série e expande aquela visão, mas sem entregar tudo na sua mão, muito pelo contrário. É o mistério e o absurdo que vale aqui, como foi na série. O verdadeiro pesadelo sem fim, como foi o que a Laura Palmer viveu. Um filme único.
Manchester à Beira-Mar
3.8 1,4K Assista AgoraA pesada carga do arrependimento.
É engraçado pensar que a atuação do Casey Affleck, na superfície, não é das mais memoráveis, mas, se você analisar a fundo, é ela que faz o filme inteiro existir e funcionar à sua maneira. Não é exagero falar que o filme se constrói em volta da feição sofrida/conformada dele - que é meio o modus operandis dele atuando, mas aqui é usado perfeitamente. Só a partir do momento que o filme consegue estabelecer essa dor do personagem do Affleck que ele consegue ir até a Michelle Williams e ao adolescente, que são quem chamam realmente a atenção. No mais, ele é meio longo, com uns sub-plots desnecessários e uma estruturação estranha, além de ter uma direção meio fraquinha, mas ele tem um material original bem forte que consegue passar o sentimento que propunha.
John Wick: Um Novo Dia Para Matar
3.9 1,1K Assista AgoraReflections of the soul.
Se no primeiro existia um foco quase completo em criar e mostrar uma sociedade, esse filme parte pra um completo desequilíbrio dessa sociedade. O interessante é que ele não quer "destruir" o que propõe no primeiro - aqui todos os personagens que se repetem se mantêm fieis ao que mostrado no primeiro filme, ele não tenta nos convencer que, no fundo, eles são maus: é realmente mais sobre essa linha tênue que toda sociedade cria com seus indivíduos em conflito, presos em labirintos burocráticos que podem até ser cômicos, mas que, quando se trata de poder, essa sociedade se desmancha.
Mas o que destaca o filme é realmente como ele trata desse seu indivíduo em conflito. É um lance completamente expressionista o que o filme faz com a figura do Keanu. Acho que nunca existiu um papel tão perfeito pro nonacting dele, e nunca um diretor soube capturar isso tão bem. Tudo aquilo que ele passa no filme é uma maldição que ele carrega e que ele não é capaz de renegar, mas tampouco se permite abraçá-la. E tudo isso existe na base das expressões do ator e da ação (a quantidade de cenas em catacumbas, metros, subterrâneos, toda a iluminação, as cenas em público, ele na casa destruída, a própria cena final). Ele tem uma crença absurda na força da imagem e da forma, realmente parece um musical, que acho que nenhum outro filme moderno conseguiu construir tão satisfatoriamente de forma tão absurda, tão espalhafatosa. E mesmo ela estando presente, a trama também consegue ir tão além da auto-ironia do primeiro filme: tudo se constrói num crescendo e, no fim, só explode, em todos os sentidos, tanto na ação, na imagem e nos próprios sentimentos.
É a sociedade contra um indivíduo triste que mata todo mundo em cenas perfeitas de ação, filmadas de forma magistral em meio a, provavelmente, os melhores cenários de ação que já existiram, tudo em prol dum drama pessoal - mantido por coisas tão mínimas que basicamente só existem na imagem. Uma obra-prima moderna.
A Mocidade de Lincoln
3.9 33Coming of age do indivíduo, coming of age de uma nação e, como sempre quando se trata de Ford, coming of age do cinema.
O Henry Fonda tá esplendido nisso aqui, com uma atuação corporal fantástica que praticamente carrega toda a questão pessoal do Lincoln nas costas - desde toda a retração e timidez do começo, passando pela nostalgia e chegando à superação daquilo pelo tribunal, com a aceitação de sua figura no fim. Claro que aí entra toda a habilidade também do Ford em capturar tudo isso, o cara realmente fazia umas pinturas com a câmera que é coisa de louco. Todo filme dele acaba me remetendo àquela frase do Samuel Fuller no Estado das Coisas, do Wim Wenders: Life is in color, but black and white is more realistic.
E é interessante a aposta que o Ford faz em relação ao roteiro, romantizando tudo e criando situações bem ficcionais, mas construindo uma figura extremamente verosímil com grande semelhança com a realidade. Ford desde o princípio entendia que o cinema é meio que uma arte em que os fins justificam os meios - seja num foco completo em sentimentos, como ele sempre fez, seja aqui que ele quer construir a figura do Lincoln -, ao mesmo tempo que ele entendia como o cinema poderia simplesmente mentir, inventar e, nesse caso, reinventar e reorganizar toda a realidade. E, no fim, toda a questão dum homem que entendia o seu tempo, mas estava muito a frente dele, acaba sendo passado com maestria, em uma das biopics mais singelas e interessantes já feitas.
Só não dei 5 estrelas porque a questão moral em relação à pena de morte ficou sem conclusão. Foi construído de forma tão interessante aquela defesa e toda a questão anti-enforcamento mas, no fim, deu a impressão que Lincoln mandou o outro cara à forca sem sequer se importar com isso. Não estraga o filme nem nada, mas fica uma ponta solta em algo que estava sendo bem interessante até ali.
Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança
2.4 1,6K Assista AgoraEm um mundo ideal, 90% dos filmes de super-heróis seriam assim: a diversão, ignorando qualquer pretensão dramática, com um foco absoluto na construção das cenas de ação - e ainda arranjando momentos pra trama fazer sentido e pra brincar com a linguagem. Filme divertidíssimo.
Sinfonia da Necrópole
3.5 109Tem que ter muita habilidade pra fazer tanta coisa caber dentro dum filme só assim - e em 80 minutos. Bonito e singelo.
Pompeia
2.7 873 Assista AgoraSe não fosse tão prejudicado por um primeiro ato fraco (eu só conseguia pensar no personagem retardado que o Kit Harington faz em 7 Days in Hell, só que aqui é pra ser sério), em que o Anderson não tem a consciência de sua dramaturgia fraca que ele demonstra nos últimos RE, seria facilmente não só o melhor filme dele, mas também um dos melhores do Século XXI. De verdade, não sei se existe um filme com um trabalho tão espetacular com o CGI como esse. Anderson não se preocupa com um realismo, muito pelo contrário, ele ama a plasticidade de tudo, e aqui ele se vê mais preocupado nesse plástico ser bonito do que ser realista. Ele não quer contar histórias, e sim criá-las, meio que do zero - a Pompeia completamente imaginária, toda a trama política, quem sabe até algumas nuance físicas da erupção mesmo. E tudo isso ele atinge com uma maestria meio que inacreditável, principalmente depois da primeira batalha de gladiadores em Pompéia - coincidentemente, o momento que o Kit Harington passa a ser só um corpo, não um ator. E é tudo envolto de uma sensibilidade formal tão grande, tão bonita, não é a toa que optaram por uma história tão elementar pra ser fundo de tudo isso: é algo que nunca foi feito, nunca foi testado, o correto é, então, começar do zero.
E dava pra escrever outros parágrafos sobre a trama política, que é ótima (os caras fazem uma revolução dentro da batalha gladiadora simulando a batalha real que dizimou a família do cara!!!), e os outros aspectos da trama, que se acertam quando o filme quer a construir por meio da ação, mas eu acho que o que mais chama atenção no filme são os efeitos mesmo, então deixo aqui um espaço para os detratores dele, se possível, me falarem um filme com efeitos tão bonitos quanto esses.
Não sou de fazer isso, mas minha cenas favoritas pra ilustrar meu ponto: a que a amiga da princesa morre no desabamento e, obviamente, a cena final.
O Espírito da Colméia
4.2 145 Assista AgoraUma visão de um mundo completamente desolado e perdido pelos olhos irracionais de uma criança. O filme tem toda essa atmosfera que não carrega uma carga completamente infantil, mas se constrói basicamente nisso - como a questão do pai, que tem seu desenvolvimento pautado a partir de praticamente apenas o que as crianças veem dele (ausência, isolamento e raros momentos juntos). E disso parte seu maior tema, o misticismo mundano que envolve uma criança descobrindo o mundo. De longe o mais interessante do filme é a criança descobrir tudo isso por meio do cinema, com o Frankenstein podendo simbolizar diversas coisas, mas chegando a só uma conclusão no fim: uma certa esperança renovada. Daí em volta dela tem toda a questão dos pais e da situação da cidade, que remete muito ao momento que a Espanha vivia no pós-guerra, o que por si só já é bem interessante. Lindo filme.
O Sol do Marmelo
3.9 12Entendo e acho que a ideia do filme funciona até certo ponto: a retratação simples e honesta (em vídeo!) dum pintor tentando produzir uma obra com base nos marmelos. E, de verdade, acho que o filme segura essa ideia bem até determinado momento, mas nada justifica ele ter 2 horas e 20 minutos, ainda mais trocando de ponto tão constantemente. Começa com o foco no ato de pintar (contracenando com os pedreiros, uma ideia bem interessante e sútil da arte enquanto trabalho), daí parte pra produção do quadro mesmo, mas ele desiste do quadro, começa outro, mas o filme não dá ênfase no outro e, no fim, o grande destaque dado é aos marmelos. Tem toda a ideia do tempo e da forma com que a gente lida com a arte e etc, mas acho que o filme se embola nessa prolongação da sua duração e, por boa parte dele, só parece sem um ponto certo.
O Homem do Tai Chi
3.2 254 Assista AgoraBoa atualização dos filmes mais clássicos de artes marciais - sabe transportar bem as tramas pros dias de hoje, focando em coisas relevantes atualmente e adicionando alguns elementos do cinema moderno. Não é algo realmente memorável, mas sabe fazer mínimo de iconografia, as cenas de ação são muito bem filmadas e o Keanu Reeves é o maior homem vivo no planeta Terra, então vale a pena assistir.
Nada Muda
3.8 1O modo com que o Costa brinca com a realidade nesse filme é ótima. Parece até que como seria o filme mais abertamente "documentário" dele, ele pega e decide subverter tudo e transformar a obra meio que numa abstração visual onírica. O cerne dum filme sobre fazer música tá todo lá, com um olhar sobre o perfeccionismo que se assemelha com o que ele tem no Onde Jaz o Teu Sorriso e com toda a retratação, obviamente, real dos ensaios e espetáculos, mas ele mergulha tudo em visuais tão maravilhosos e, de certa forma, manipulados (o próprio P&B aponta isso), que afasta tudo dum realismo usual. Muito bonito e interessante.
Casa de Lava
3.7 11Incrível como a dramaticidade parece brotar tão naturalmente dentro dessa dinâmica de documentário do filme - tanto em relação aos personagens, quanto ao próprio Cabo Verde. Um bom filme sobre o contínuo impacto do colonialismo em alguns lugares na terra e sobre a desumanização disso tudo.
Ruhr
4.2 2Ver esses filmes do Benning me faz me sentir como se eu estivesse ouvindo um disco do Brian Eno ou do William Basinski. Aqui temos 7 takes que, em cada um, nos primeiros 30 segundos você entende o que vai acontecer pelos próximos 10, 15, 60 minutos, mas o diretor consegue trazer uma beleza e uma certa fixação pra aquilo que é fantástico. A comparação vem justamente da contemplação e paz que os filmes trazem, mas esse aqui é também, de certa forma, político (relação da indústria X pessoas, toda a questão cultural), mas, acima de tudo, é algo bem documental. Benning te apresenta uma imagem e, com uma certa escala, te imerse naquilo e, a partir dali, você só acompanha aquela realidade - a beleza e a melancolia do mundano. São imagens, uma mais linda do que a outra (principalmente a última), que respiram uma vida, longe daqui, mas que o diretor traz para sua frente, para sua interpretação e experiência.
Adrenalina 2: Alta Voltagem
2.9 655 Assista AgoraO filme é de um primor visual e de edição que poderia ter qualquer abordagem por trás, mas infelizmente a "menino de 11 anos que passa o dia inteiro jogando GTA, batendo punheta e compartilhando Bolsonaro Opressor 2.0 no Facebook" não me agrada. Vai ver eu não sou tão formalista quanto eu imaginava.
A Chegada
4.2 3,4K Assista AgoraSeria um filme realmente memorável se ele fosse sobre qualquer coisa além do próprio plot-twist.
O Villeneuve constrói tanta atmosfera e suspense que no fim não parece servir pra nada, nem pro humanismo forçado do final. Ele tem problemas em intercalar os sonhos no início do filme e, por mais que a Amy Adams segure as pontas, todo o pseudo-Malick do fim do filme fica meio sem ponto - o que é pra ser uma grande revelação pra te fazer pensar na vida se mostra só uma ferramente espertinha de roteiro. O mesmo vale pro lance da diplomacia, que o filme trata da forma mais simplista possível, que não encaixa com a proposta séria do filme. E essas duas pontas fazem o filme esquecer completamente da história da linguagem, que ele deixa de lado da metade pro fim.
Então fica um filme que existiu pra ter aquela virada, que, pra ser sincero, acho que ele sabe fazer, mas não justifica toda essa pretensão que o filme parece ter nessas outras áreas. Mas pelo menos acho que, em alguns momentos, o filme reconhece uma certa pequenez em si mesmo, focando boa parte de sua duração naquele acontecimento em pequena escala, naqueles personagens, então ele acaba não sendo engolido por sua própria pretensão enquanto filme (como acontece com o Interstellar por ex) e meio que se assemelha a um Oblivion da vida: uma boa historinha sci-fi pra te distrair no fim da tarde.
Week-End à Francesa
3.8 108Fauxtographie.
Gamer
3.0 863 Assista AgoraQue filme ótimo! Sabe trabalhar a mitologia própria como pouquíssimos filmes na atualidade, brinca com o absurdo que alguns setores da nossa sociedade vivem e em como isso se exterioriza com certas coisas da atualidade e também com toda a questão ultra-violenta dos dias atuais (e daí uma auto-crítica - o personagem do Gerard Butler tá em basicamente toda cena de ação com aquela feição de "eu não deveria estar aqui/tá tudo errado", que já vem muito do casting perfeito que foi feito dele), mas, acima de tudo, é um filme extremamente bem filmado e montado. A câmera na mão ganha uma fluidez aqui que é maravilhosa, junto com a fotografia, que captura a sujeira e a plasticidade de alguns ambientes perfeitamente, e a edição, que dá esse ritmo acelerado pro filme e que não sacrifica a ação/reação. E, no fim, o filme ainda consegue criar umas imagens bem memoráveis, exibicionistas mesmo, mas ele é tão convincente na sua trama e clima super fantasiosos que tudo acaba ornando muito bem.
Film Socialisme
3.2 128Que filme mais fechado dentro de si. Assisti duas vezes para ver se digeria tudo melhor - a primeira vez já tinha sido boa, achei que uma segunda daria pra pegar tudo -, mas o filme ainda se mostra algo bem fechado em si mesmo.
Gosto muito da primeira metade, acho de uma genialidade ímpar o modo que o Godard situa não só as pessoas, mas também as próprias imagens, num nível de igualdade socialista dentro daquele universo ultra-capitalista do navio - o que, pras pessoas, significa que todos acabam entrando nesse sistema mesquinho, pras filmagens se trata do fato de vídeo de gatinhos, feitos por celulares e câmeras não-profissionais estarem lado a lado de imagens cristalinas milimetricamente filmadas. E o engraçado é que funciona. Godard filma abertamente a realidade - no maior estilo de "As coisas estão ai, por que manipulá-las?" que ele propunha no Históries du Cinema - e até meio que se explica pelos diálogos do filme, como a questão da Geometria, a da dialética (de ser positivo e negativo ao mesmo tempo, tudo e nada ao mesmo tempo), do livro/realidade e aquele maravilhoso diálogo sobre "o Nada" ser maior que podemos imaginar.
Só acho uma pena o segundo segmento do filme ser tão confuso. De verdade, li várias reviews por aí e muitas mesmo tem visões perdidas sobre o que tá acontecendo ali - e eu acabei passando as duas vezes que assisti o filme tentando descobrir o que era e só me frustrei. Os personagens são ótimos, principalmente o menino, mas ele parece propor uma discussão sobre o "liberdade, igualdade e fraternidade" que eu simplesmente não entendi. E isso satura um pouco a obra, tira o brilho genial da primeira parte.
Mas pelo menos a terceira parte retoma esse dom de abstração poética e absurda que o Godard tem e em sua melhor forma. Instiga sem entregar nada, cria ritmo e interesse, e mesmo assim analisa algumas questões modernas interessantíssimas. É, novamente, o tudo e o nada ao mesmo tempo. Mas a essa altura do campeonato acho que o Godard sabe como o que ele produz é nada menos que um absurdo - no sentido meio cômico da palavra. Que maravilha é aquela cena da menina se jogando na janela no fundo enquanto dois personagens conversam em primeiro plano? E os gatinhos? O Godard meio que se entrega de corpo e alma pra essas experimentações e esses filmes que ele acaba vendo até a ironia do que ele propõe, então fica difícil desgostar do filme mesmo.
Cantando na Chuva
4.4 1,1K Assista AgoraO filme inteiro parece um testamento sobre a importância da forma no cinema, é incrível. A música e a dança como construtores e mediadores do ritmo e o ritmo que conta tudo que você precisa saber, com o mínimo necessário de dramaturgia no meio. Desse ritmo parte a sátira da indústria, o romance e, principalmente, a sua própria forma - os números musicais, sendo mais espalhafatosos e divertidos impossível. É a forma pela forma na maioria das vezes, e qualquer filme que consegue te convencer que isso vale a pena é um bom filme.
Domino: A Caçadora de Recompensas
3.1 182A fluidez com que esse filme trabalha é uma coisa impressionante demais. Mesmo que ele caía numas artimanhas de roteiro meio confusas de tempos em tempos (dá a impressão que o filme tenta ser um New Rose Hotel que quer falar sobre como a imagem pode mentir pra você, mas adequando isso a essa estética psicodélica cool, o que não funciona tão bem), o filme atinge um ritmo frenético e único duma forma completamente nova - ele é muito provavelmente o "filme de ação" mais acelerado e com menos set pieces de ação propriamente ditos da história. E na verdade essas artimanhas roteirísticas nem atrapalham tanto, aquela cena maravilhosa com o Tom Waits compensa tudo isso no fim. E ainda é incrível como é um filme bonito, como em meio ao frenesi o Tony Scott encontra nessa justaposição de imagens um atributo imensurável de construção de takes memoráveis. Ótimo filme.
A Qualquer Custo
3.8 803 Assista AgoraBoa tentativa de atualização do western. Em relação a isso, acho que o maior acerto do filme é em relação às paisagens, com uma sensação meio determinista bem forte, e às relações entre os personagens que, num ambiente meio esquecido por tudo e todos, se baseia mais num código de conduta inventado ali mesmo do que nas leis propriamente ditas. E o filme tem bastante paciência pra contar a trama, o que, mesmo que leve ao filme ter um ritmo lento, acaba fazendo toda a questão do ambiente do filme funcionar muito bem (tanto ambiente físico quanto o social), e demonstra uma vontade de não cair em convenções óbvias do gênero. Bom filme.
Até o Último Homem
4.2 2,0K Assista AgoraMeio engraçado que o ponto alto e baixo do filme sejam basicamente o mesmo aspecto, a batalha. Um filme que era bem morno e mediano, mesmo que funcional, até ali, se alavanca e cria imagens realmente chamativas e com bastante poder a partir da retratação da guerra em si - é o que o Mel Gibson sabe fazer de melhor. Mas não faz sentido nenhum um filme teoricamente anti-guerra ter tanto gosto por mostrar essa violência apenas por mostrar. Na batalha a câmera começa focando o Andrew Garfield, mas logo se perde nessa fetichização, propondo uma dramatização desnecessária e clichê pra tudo aquilo (olhe só como todo mundo morre na guerra!). Não é a toa que o filme ganha tanta força na cena que propõe aquilo que deveria ter feito desde o início: o soldado salvando pessoas. Tudo isso nem é tão moralmente condenável, é meio o modus operandis de Hollywood na hora de falar de guerra mesmo (o horror feito pra te divertir), só que aqui ele se fantasia de corpo e alma de humanismo. Mas o filme acaba funcionando nesse seu universo próprio ultra-nacionalista pomposo.
Os Guarda-Chuvas do Amor
3.9 159 Assista AgoraVálvula de escape.
Resident Evil 6: O Capítulo Final
3.0 952 Assista AgoraUma corporação enquanto Estado que, sem outras vozes, se torna também a religião - o destrutivo capitalismo que implode e perde a luta contra um humanismo vindo dele mesmo. Nada de novo no horizonte, apenas o empoderamento final do proletariado. Quero rever antes de comentar mais.
Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer
3.9 273 Assista AgoraLynch teve uma chance que não me lembro de ver nenhum diretor moderno ter: a de contar uma história que você assume, desde o princípio, que o telespectador já sabe. Não havia a necessidade de um desenvolvimento profundo de personagens ou de situações para fazer a história funcionar, aqui o filme parte do pressuposto que você sabe quem é Teresa Banks, Agent Cooper, Dana, James, Bobby e quase todos os personagens, além de saber o que vai acontecer, deixando o diretor basicamente à vontade pra fazer um exercício estético e de clima completamente absurdos. Um dos filmes mais assustadores que já vi, esse é muito provavelmente o filme absoluto do pesadelo suburbano (que sempre foi algo que a série deixou sub-desenvolvido): o perigo que vem de dentro de casa, da forma que você menos espera - sem proveitos óbvios, nem fetichizações dramáticas, apenas a tragédia. E daí o filme vai pra externalização de todo esse medo e depressão que se criou na Laura, o que ele faz com maestria também. Mas talvez o momento que o filme realmente me ganhe seja como o Lynch concilia a mitologia da série com a história. Criando mais questionamentos do que respostas, ele pega o último episódio da série e expande aquela visão, mas sem entregar tudo na sua mão, muito pelo contrário. É o mistério e o absurdo que vale aqui, como foi na série. O verdadeiro pesadelo sem fim, como foi o que a Laura Palmer viveu. Um filme único.