Me divirto imaginando o Richard Kelly planejando o filme depois de ter lido Infinite Jest, no meio do caminho ter percebido que tava dando tudo errado e então decidido transformar tudo numa performance despirocada pós-moderna marxista. E, nisso tudo, ele funciona incrivelmente. Tenho a impressão que amo mais o filme no papel que na execução, mas deixo isso pra uma revisão futura.
Em um fluxo quase constante de um realismo exacerbado, Wiseman parece querer mais é provar o valor democrático e humano da arte do que de fato retratar tudo aquilo. A administração se preocupa com a imagem que o público tem da galeria e como isso afeta o seu movimento, mas isso nunca parece se mostrar um problema para qualquer pessoa fora daquelas salas de reuniões - nem para o staff do museu envolvidos diretamente com a arte (curadores, palestrantes, restauradores, pesquisadores etc) e muito menos para os visitantes. Na verdade, o que essas pessoas se preocupam de menos é a imagem da galeria, focando muito mais no que a galeria está ali te proporcionando e te fazendo refletir. As tentativas de tornar tudo aquilo erudito que alguns administradores da galeria apresentam chegam a ser cômicas perto de como o Wiseman captura de forma tão genuína a humanidade da arte. O museu e as pinturas são feitos de, por e para humanos - e, nós, humanos, que estamos ali a observar. É nosso passado, presente e, até certo ponto, será nosso futuro. Erros, acertos, subjetividade e objetividade: a arte é tão humana quanto qualquer um.
Mais que um filme sobre o amor na era capitalista (incrível se passar na China durante e após a crise de 2008), é sobre uma reverência absoluta à fisicalidade e ingenuidade de um cinema de outrora. Se no cerne de sua ideia existe uma disputa à la livre mercado (concorrentes igualitários disputando uma única consumidora em potencial), na sua execução se destaca uma crença nos gestos e no enquadramento de tudo aquilo, o que o faz parecer um filme que, em grande parte de sua duração, poderia ser mudo e ainda atingir os mesmos níveis de expressão - que são incríveis, ainda mais se você analisar o material com que o filme trabalha. Tudo isso fica muito claro na alegoria do sapo, que, no auge de sua bobice, acaba gerando algo tão poderoso e engenhoso dentro da trama.
Amontoado de ideias interessantes perdidas numa execução que só tem interesse em ser pseudo-sofisticada com essa visão neo-noir bem mala. Ele até alcança alguma coisa com o personagem do William Hurt, mas se perde toda vez que aposta nesse pretenso mistério que ele não consegue criar.
O filme consegue retratar elas como vítimas, produtos de uma sociedade de consumo e até como objetos de estudo (toda a explicação de gírias e etc), mas, no fim, é lindo como ele apenas captura, a cima de tudo, uma humanidade imensa naquelas pessoas. Não sei se tem como fazer uma obra sobre representatividade melhor do que essa.
Engraçado como a única coisa interessante (já que o próprio Seagal e a ação são meh) é uma rede de dramática que o filme consegue criar por alguns momentos lá pelo meio da sua duração. Ele assume, por um momento, como os dois personagens principais são igualmente filhas da puta, e daí quer ver o efeito disso nos personagens que os cercam. Pena que isso dura lá uma meia hora, de resto acaba sendo um filme tosco, mas divertido, o vilão é ótimo.
John Ford pega uma história das mais clichês e simples do mundo e transforma numa poesia sobre a formação da identidade norte-americana, isso sem contar toda a simbologia do pós-guerra. Incrível.
É um filme que existe por causa de, mas não para a personagem da Kristen Stewart. Acho que até dizer que ele funciona por causa da atuação dela é correto, mas ele está longe de se resumir na sua personagem. O filme trata de toda uma questão de identidade moderna e de um sentimento de distanciamento [forçado] que é muito além do "drama de personagem", mas tudo só funciona pelo modo que a Kristen reage e recebe tudo aquilo. É algo bem orgânico e sincero que consegue transmitir com muito pouco coisas tão fortes - que é mais ou menos o que o diretor faz também nos seus experimentos com gênero, que são por si só bem interessantes. Não sou dos que acham que o Assayas usou de forma inteligente as tecnologias do filme, mas pelo menos ele fez o Skype e as SMS, não serem apenas naturais, como funcionarem e dialogarem com uma trama, o que já é mais do que a imensa maioria dos filmes consegue fazer hoje em dia.
Um primo elegante e sútil do Domino. Chega a parecer até um filme sobre assistir filmes - a paixão e o fatalismo disso tudo. Denzel meio que funciona como um telespectador de toda a história, com seus sentimentos capturados perfeitamente pelo Tony Scott, e que, mais pra frente, parte pra fazer parte daquele filme que assistia. Tudo isso numa proposta que ao mesmo tempo retoma a captura de sentimentos tão simplista e singela de um cinema mais clássico (no fim, é um filme sobre uma paixão) e abraça uma modernidade muito evidente (todo o modo que é filmado e montado e a própria trama). Acho que nenhuma cena mostra isso como as que Denzel assiste a moça pelas imensas e intermináveis telas - de uma simplicidade e inovação incrível, evocando sentimentos tão profundos por meio de coisas tão fáceis. Não deixa de ser um filme que faz tudo que um Interstellar da vida falha ao tentar: viagem no tempo/relatividade como forma de contar uma história sobre corações - com a diferença que esses corações de fato existem e têm um poder incrível aqui, ao contrário de no filme do Nolan.
Belicismo norte-americano eats itself. É quem sabe o primeiro blockbuster de larga escala que assume descaradamente uma influência do Fury Road: visual impecável para construir o clima e, dali, só se preocupar mesmo no próximo set piece. Por mais que seja mais contido que o Mad Max (nem todo set piece é despirocado, muito pelo contrário, o filme gosta é de flertar e experimentar as diferentes formas de montá-los), e o filme ainda sim se renda a alguns artifícios usuais de blockbusters, ele tem uma noção muito grande do que sabe fazer (a ação, suspense, nostalgia e, na maior parte do tempo, a comédia), então o filme acaba sendo um deleite divertidíssimo.
Politicagem como extravagancia e o cartunesco como realidade. Três personagens sub-julgados pela sociedade que reagem e interagem de formas diferentes com o sistema: a força, a massa e o alienado. O filme não se preocupa tanto em trabalhar isso, mas toda a atmosfera que esse, ao contrário do primeiro, tem sucesso em construir se encarrega de fazê-lo interessante por si só - os prédios que mais parecem industrias, a caricatura do Christopher Walken, o orquestrado impeachment do prefeito (rs). E, de bônus, tem o Danny DeVito sendo uma dádiva, a Michelle Pfeiffer destruindo tudo e um Michael Keaton muito melhor e coerente como Bruce Wayne. É, no mínimo, um filme bem divertido.
Chega a ser meio triste como é um filme que simplesmente não funciona. O Coringa do Jack Nicholson é simplesmente genial, criando uma persona que o tempo todo parece estar fazendo um show absurdo para câmera e para o telespectador, e o design de produção assume descaradamente uma proposta completamente irrealista e cartunesca, mas os pontos positivos ficam por aí. A trama não tem andamento nenhum, parece um bando de acontecimento aleatório, com um bando de personagem aleatório, sem uma construção ou proposta adequada, assim como, ao mesmo tempo, o modo que a trama quer ser levada (principalmente com a presença da dupla de jornalistas) impede que o filme se transforme num exercício de ritmo/clima. Parece até haver ali no meio um filme sobre a sociedade industrial e relação de seus habitantes com os detentores de poder, mas isso fica tão perdido no meio dessas conexões que a trama tenta criar e da horrível sub-trama completamente sem sentido do Bruce Wayne que nem tem efeito no resultado final do filme.
Quem sabe um dos melhores filmes sobre amizade já feitos, já que ele extrapola tanto esse conceito. Na verdade, o modo que o filme trata a relação dos seus personagens e de si mesmo com o ambiente físico de Viena e do museu funciona justamente pra isso, ao meu ver. A nostalgia, a beleza, a realidade como arte, o passado e o presente, as tradições, as pessoas e o que foi e não foi: tudo parece o cerne da visão do filme em relação ao espaço e parece ser o mesmo que aproxima os dois personagens. Não é a toa que o desenvolvimento da "trama" é feito completamente em cima das visitas dos personagens a lugares da cidade ou de história contadas de um para o outro sobre locais e acontecimentos. Mas tudo isso só funciona porque o filme realmente sabe olhar para os seus espaços físicos de uma forma incrível, muitas vezes mergulhando fundo em seus conceitos (documentário sobre um local, a explicação no museu e o final, principalmente), mas sempre de uma maneira muito sóbria, contínua e cheia de interesse - que se resume bem naquele momento do filme em que os personagens discutem o quanto uma pintura parece que não tem muito a oferecer, que "veio do nada e acabará no nada" e que era fácil de observar, mas, se olhada atentamente, haviam muitos detalhes ocultados em suas sombras. E tudo acaba, por fim, remetendo a o que os planos finais do filme propõem, basicamente ensinando o telespectador a como ler e ver aquelas imagens e meio que apontando como o filme quer tratar tanto dos pequenos detalhes delas, mas também de tudo que as envolvem e dela como si mesma, a aproximando mais do que nunca da arte. Ali, ele se assume como um exibicionismo formal, mas que, ao mesmo tempo, quer ir muito além disso.
Eu acho que não sou capaz de confiar em alguém que não gosta desse filme. Ford parece empurrar todas as barreiras do cinema [da época] em prol da dramaticidade e do sentimentalismo, mas nunca, realmente nunca, entrando num excesso que é uma coisa incrível. Aqui ele se aproxima muito da fisicalidade (tanto em questões realmente físicas, quanto na expressividade) do cinema mudo, ao mesmo que tempo que engloba a sua atmosfera poética que construiu com o cinema falado, resultando num filme que é puro sentimento e, daí, parte pra que direção ele desejar. Nisso concordo com quem comenta que o filme não sabe bem que linha seguir e onde se segurar, mas as composições de Ford parecem, propositalmente, se sobrepor a tudo isso até como forma de justificativa: ele quer construir um épico sobre como sentiu, não sobre como foi. As criações dos sindicatos, as inevitáveis consequências do capitalismo, o desmantelamento das famílias e até o fim daquela era ilusória e moralista, tudo isso existe e tem sua parcela de construção, mas o que importa, no fim, são os corações daquela história, principalmente o do menino, que, aqui, toma uma visão completamente nostálgica e singela. É o sentimento como arte, além de qualquer história e do que se é dito, além do que nós mesmos podemos expressar.
Coletar, reorganizar e remontar: seja a natureza com a paisagem urbana, seja o homem com a natureza ou até mesmo com a sua própria criação. Mas, no fim, o grande ponto é como Hutton faz isso com as realidades que filma e nos apresenta, atribuindo novos (e quaisquer) significados para a imagem, enquanto, ao mesmo tempo, a glorifica ao máximo.
É fácil imaginar o filme se perdendo nessa abordagem ultra-pomposa que a sua pretensa elegância pode trazer, mas ele acaba indo justamente pro lado contrário disso tudo. Com a trama simples do "quem vai ser o próximo a morrer" ou com os toques sociais anti-corporativistas, todo o teor altamente atmosférico que existe na primeira hora do filme acaba sendo um deleite já que tem seu fim em si próprio e na simples trama, e não em algo com pretensões que extrapolam muito o próprio filme. Tudo isso dá um espaço pra elegância do filme - que realmente existe com os cenários, a trilha e, principalmente, a fotografia - respirar e ser algo memorável, auxiliando a mais simples das histórias, mas aqui em seu ápice.
Como falaram aqui, parece que o filme faz certo tudo que o The Revenant faz errado. Acho errado falar que o filme quer criticar a "guerra ao terror", é um elemento dele claro, mas o filme logo abandona isso - de forma corajosa, por sinal, visto que fazer isso era o mais fácil a se fazer. Ele depois se mostra mais interessado realmente nessa sobrevivência, num contexto de cinema contemporâneo e realista, do que querer em tratar temas ou falar de alguma coisa. Também é uma decisão corajosa ter o "herói" como um terrorista, mas é só isso: o filme não crítica, nem glorifica, só representa. O próprio passado mal resolvido do Gallo demonstra muito isso, ele existe pra funcionar como um elemento da trama que ajuda o personagem ir à loucura, e fica por isso mesmo. Mas é tudo bem dirigido e elaborado, então o filme funciona fácil com sua proposta realista e discreta.
"O único grande problema do cinema parece ser onde e porque começar um plano e onde e porque acabá-lo."
Cada take e momento do filme parece ser meticulosamente encaixado dentro da duração absurda do filme. Mesmo com suas 7 horas, não vejo excesso quase algum no filme, toda tomada longa me parece ter um objetivo muito claro nessa imersão do filme. Béla Tarr aqui parece, ao mesmo tempo, abraçar e renegar o livro de origem da história, fazendo uma adaptação quase literal (pelo que falam), mas buscando expandir e tornar físico toda a história de uma forma que, creio eu, nunca foi feita. Todas as cenas longas me parecem com esse objetivo de, literalmente, dar vida àquele ambiente, o que ele cumpre com maestria. Mesmo em cenas internas, a câmera de Tarr parece sempre procurar uma janela ou algum som que remetesse ao externo, criando o clima fatalista único que recobre toda a obra, que tem seu cerne no ambiente - o que seria impossível com uma duração menor. E tudo isso só funciona porque o diretor tem um olhar fantástico pra essas paisagens que filma, em todas as suas obras. Não é um uso fetichista e nem um uso abertamente poético da lama e daquela miséria, é só um uso real, e nisso ele acaba achando a sua poesia.
Fora isso, o filme cria um panorama no mínimo interessante daquela comunidade. Certamente não é a imagem que um suposto "épico" que a duração pode vender, mas Béla Tarr tem um olhar tão diferenciado não só pra desgraça, mas também pra ironia de tudo aquilo, de toda a vida. O filme tem em seu cerne a tristeza e a decadência, se apoiando num vácuo que se espalha por toda a obra, influenciando todas as ações do personagens (que meio que se torna físico na névoa que a menina vê antes de se matar e que o Irimiás vê em determinado momento também), só que ele não se resume a isso. Até mesmo esse vácuo não se resume só na miséria inescapável, me parecendo apenas algo extremamente fatalista - estamos todos condenados a simplesmente viver e a tudo que isso implica (coisas boas ou ruins). Gosto muito como a narração do fim do segmento da menina resume bem o filme, ele não tem um tom humanista (o que diferencia ele de Werckmeister Harmonies, por ex), mas tampouco se resume à miséria, como ele arrisca muito parecer. É um filme extremamente denso sim, e pessimista, mas quem sabe seja muito mais sobre encontrar a poesia em tudo isso do que parece na superfície - e daí se torna sobre como aquelas pessoas subjugadas pela sociedade reagem a tudo isso.
E o filme carrega muito mais coisa, que, de novo, não é o que se espera de um suposto "épico de 7 horas", mas é muito interessante: questão histórica, metalinguagem (me pareceu que todo o último segmento existia pra isso, comentando sobre a percepção que temos da imagem enquanto telespectador), política, hierarquia social e por aí vai, mas acho que já estaria me estendendo, até porque o principal do filme não é isso, o principal é realmente a experiência. Essa foi a segunda vez que o assisti e é incrível como o filme te envolve e faz a duração não parecer todo esse monstro. Conhecendo e, principalmente, gostando do cinema do diretor, em 30 minutos você entende o clima de Satantango e o resto vira um mar aparentemente interminável, mas ótimo de sentimentos que de verdade é algo único quando o assunto é cinema. É o vazio que te pega na mão e te leva pra passear um pouco, vendo tudo e nada ao mesmo tempo, vendo tudo o que você quiser ver.
Em seus melhores momentos, parece um Neveldine/Taylor mais sóbrio, com uma crença firme na forma e algumas experimentações diferentes. Mas em geral o filme não tem tanta habilidade pra criar e segurar a trama e fazer ela funcionar, ele carece de algo que faça todo esse universo que propõe funcionar como um todo - mesmo que atinja um resultado no mínimo interessante no fim.
É meio perigoso, mas não deixa de ser interessante, como o filme assume a idealização que os personagens fazem de Mary para si - chega a ser vergonhoso e bem tosco cenas como aquela em que ela fala do Super Bowl, mas é a forma que aqueles personagens viam a Mary, é o wetdream de todo americano médio. Não diria que o filme desconstrói isso conforme avança, mas acho que a forma que ele escancara constantemente a falsidade que os homens, não a Mary, vive em toda a trama, já é um modo de desmentir tudo isso: a Mary é uma personagem totalmente genuína, enquanto todos os homens destilam as caricaturas e mentiras que criam de si e, no fundo, para si. A Mary, mesmo sendo vítima da idealização, ainda é real, enquanto eles não são.
Uma pena que todo o lado do Ben Stiller não é bem elaborado nisso, e eu não consegui comprar sempre essa abordagem completamente espalhafatosa (foda aquelas piadas com deficientes), mas isso não tira o brilho daquelas gags geniais como aquela do encostamento e da prisão, nem desse retrato interessante que o filme faz da obsessão e/ou da idealização.
Southland Tales - O Fim do Mundo
2.2 168Me divirto imaginando o Richard Kelly planejando o filme depois de ter lido Infinite Jest, no meio do caminho ter percebido que tava dando tudo errado e então decidido transformar tudo numa performance despirocada pós-moderna marxista. E, nisso tudo, ele funciona incrivelmente. Tenho a impressão que amo mais o filme no papel que na execução, mas deixo isso pra uma revisão futura.
National Gallery
3.9 2Em um fluxo quase constante de um realismo exacerbado, Wiseman parece querer mais é provar o valor democrático e humano da arte do que de fato retratar tudo aquilo. A administração se preocupa com a imagem que o público tem da galeria e como isso afeta o seu movimento, mas isso nunca parece se mostrar um problema para qualquer pessoa fora daquelas salas de reuniões - nem para o staff do museu envolvidos diretamente com a arte (curadores, palestrantes, restauradores, pesquisadores etc) e muito menos para os visitantes. Na verdade, o que essas pessoas se preocupam de menos é a imagem da galeria, focando muito mais no que a galeria está ali te proporcionando e te fazendo refletir. As tentativas de tornar tudo aquilo erudito que alguns administradores da galeria apresentam chegam a ser cômicas perto de como o Wiseman captura de forma tão genuína a humanidade da arte. O museu e as pinturas são feitos de, por e para humanos - e, nós, humanos, que estamos ali a observar. É nosso passado, presente e, até certo ponto, será nosso futuro. Erros, acertos, subjetividade e objetividade: a arte é tão humana quanto qualquer um.
Don't Go Breaking My Heart
3.5 4 Assista AgoraMais que um filme sobre o amor na era capitalista (incrível se passar na China durante e após a crise de 2008), é sobre uma reverência absoluta à fisicalidade e ingenuidade de um cinema de outrora. Se no cerne de sua ideia existe uma disputa à la livre mercado (concorrentes igualitários disputando uma única consumidora em potencial), na sua execução se destaca uma crença nos gestos e no enquadramento de tudo aquilo, o que o faz parecer um filme que, em grande parte de sua duração, poderia ser mudo e ainda atingir os mesmos níveis de expressão - que são incríveis, ainda mais se você analisar o material com que o filme trabalha. Tudo isso fica muito claro na alegoria do sapo, que, no auge de sua bobice, acaba gerando algo tão poderoso e engenhoso dentro da trama.
Cidade das Sombras
3.6 283 Assista AgoraAmontoado de ideias interessantes perdidas numa execução que só tem interesse em ser pseudo-sofisticada com essa visão neo-noir bem mala. Ele até alcança alguma coisa com o personagem do William Hurt, mas se perde toda vez que aposta nesse pretenso mistério que ele não consegue criar.
Paris is Burning
4.5 242O filme consegue retratar elas como vítimas, produtos de uma sociedade de consumo e até como objetos de estudo (toda a explicação de gírias e etc), mas, no fim, é lindo como ele apenas captura, a cima de tudo, uma humanidade imensa naquelas pessoas. Não sei se tem como fazer uma obra sobre representatividade melhor do que essa.
Fúria Mortal
3.4 65Engraçado como a única coisa interessante (já que o próprio Seagal e a ação são meh) é uma rede de dramática que o filme consegue criar por alguns momentos lá pelo meio da sua duração. Ele assume, por um momento, como os dois personagens principais são igualmente filhas da puta, e daí quer ver o efeito disso nos personagens que os cercam. Pena que isso dura lá uma meia hora, de resto acaba sendo um filme tosco, mas divertido, o vilão é ótimo.
Paixão dos Fortes
4.0 57 Assista AgoraJohn Ford pega uma história das mais clichês e simples do mundo e transforma numa poesia sobre a formação da identidade norte-americana, isso sem contar toda a simbologia do pós-guerra. Incrível.
Batman Eternamente
2.6 721 Assista Agoraodeio diretores que criam visuais e climas incríveis e absurdos mas não sabem evoluir isso em absolutamente nenhum aspecto e quero matalos.
Personal Shopper
3.1 384 Assista AgoraÉ um filme que existe por causa de, mas não para a personagem da Kristen Stewart. Acho que até dizer que ele funciona por causa da atuação dela é correto, mas ele está longe de se resumir na sua personagem. O filme trata de toda uma questão de identidade moderna e de um sentimento de distanciamento [forçado] que é muito além do "drama de personagem", mas tudo só funciona pelo modo que a Kristen reage e recebe tudo aquilo. É algo bem orgânico e sincero que consegue transmitir com muito pouco coisas tão fortes - que é mais ou menos o que o diretor faz também nos seus experimentos com gênero, que são por si só bem interessantes. Não sou dos que acham que o Assayas usou de forma inteligente as tecnologias do filme, mas pelo menos ele fez o Skype e as SMS, não serem apenas naturais, como funcionarem e dialogarem com uma trama, o que já é mais do que a imensa maioria dos filmes consegue fazer hoje em dia.
Déjà Vu
3.5 700 Assista AgoraUm primo elegante e sútil do Domino. Chega a parecer até um filme sobre assistir filmes - a paixão e o fatalismo disso tudo. Denzel meio que funciona como um telespectador de toda a história, com seus sentimentos capturados perfeitamente pelo Tony Scott, e que, mais pra frente, parte pra fazer parte daquele filme que assistia. Tudo isso numa proposta que ao mesmo tempo retoma a captura de sentimentos tão simplista e singela de um cinema mais clássico (no fim, é um filme sobre uma paixão) e abraça uma modernidade muito evidente (todo o modo que é filmado e montado e a própria trama). Acho que nenhuma cena mostra isso como as que Denzel assiste a moça pelas imensas e intermináveis telas - de uma simplicidade e inovação incrível, evocando sentimentos tão profundos por meio de coisas tão fáceis. Não deixa de ser um filme que faz tudo que um Interstellar da vida falha ao tentar: viagem no tempo/relatividade como forma de contar uma história sobre corações - com a diferença que esses corações de fato existem e têm um poder incrível aqui, ao contrário de no filme do Nolan.
Kong: A Ilha da Caveira
3.3 1,2K Assista AgoraBelicismo norte-americano eats itself.
É quem sabe o primeiro blockbuster de larga escala que assume descaradamente uma influência do Fury Road: visual impecável para construir o clima e, dali, só se preocupar mesmo no próximo set piece. Por mais que seja mais contido que o Mad Max (nem todo set piece é despirocado, muito pelo contrário, o filme gosta é de flertar e experimentar as diferentes formas de montá-los), e o filme ainda sim se renda a alguns artifícios usuais de blockbusters, ele tem uma noção muito grande do que sabe fazer (a ação, suspense, nostalgia e, na maior parte do tempo, a comédia), então o filme acaba sendo um deleite divertidíssimo.
Bom Trabalho
3.8 76 Assista AgoraColonialista é tudo besta.
Batman: O Retorno
3.4 852 Assista AgoraPoliticagem como extravagancia e o cartunesco como realidade. Três personagens sub-julgados pela sociedade que reagem e interagem de formas diferentes com o sistema: a força, a massa e o alienado. O filme não se preocupa tanto em trabalhar isso, mas toda a atmosfera que esse, ao contrário do primeiro, tem sucesso em construir se encarrega de fazê-lo interessante por si só - os prédios que mais parecem industrias, a caricatura do Christopher Walken, o orquestrado impeachment do prefeito (rs). E, de bônus, tem o Danny DeVito sendo uma dádiva, a Michelle Pfeiffer destruindo tudo e um Michael Keaton muito melhor e coerente como Bruce Wayne. É, no mínimo, um filme bem divertido.
Batman
3.5 831 Assista AgoraChega a ser meio triste como é um filme que simplesmente não funciona. O Coringa do Jack Nicholson é simplesmente genial, criando uma persona que o tempo todo parece estar fazendo um show absurdo para câmera e para o telespectador, e o design de produção assume descaradamente uma proposta completamente irrealista e cartunesca, mas os pontos positivos ficam por aí. A trama não tem andamento nenhum, parece um bando de acontecimento aleatório, com um bando de personagem aleatório, sem uma construção ou proposta adequada, assim como, ao mesmo tempo, o modo que a trama quer ser levada (principalmente com a presença da dupla de jornalistas) impede que o filme se transforme num exercício de ritmo/clima. Parece até haver ali no meio um filme sobre a sociedade industrial e relação de seus habitantes com os detentores de poder, mas isso fica tão perdido no meio dessas conexões que a trama tenta criar e da horrível sub-trama completamente sem sentido do Bruce Wayne que nem tem efeito no resultado final do filme.
Horas de Museu
3.8 12 Assista AgoraQuem sabe um dos melhores filmes sobre amizade já feitos, já que ele extrapola tanto esse conceito. Na verdade, o modo que o filme trata a relação dos seus personagens e de si mesmo com o ambiente físico de Viena e do museu funciona justamente pra isso, ao meu ver. A nostalgia, a beleza, a realidade como arte, o passado e o presente, as tradições, as pessoas e o que foi e não foi: tudo parece o cerne da visão do filme em relação ao espaço e parece ser o mesmo que aproxima os dois personagens. Não é a toa que o desenvolvimento da "trama" é feito completamente em cima das visitas dos personagens a lugares da cidade ou de história contadas de um para o outro sobre locais e acontecimentos. Mas tudo isso só funciona porque o filme realmente sabe olhar para os seus espaços físicos de uma forma incrível, muitas vezes mergulhando fundo em seus conceitos (documentário sobre um local, a explicação no museu e o final, principalmente), mas sempre de uma maneira muito sóbria, contínua e cheia de interesse - que se resume bem naquele momento do filme em que os personagens discutem o quanto uma pintura parece que não tem muito a oferecer, que "veio do nada e acabará no nada" e que era fácil de observar, mas, se olhada atentamente, haviam muitos detalhes ocultados em suas sombras. E tudo acaba, por fim, remetendo a o que os planos finais do filme propõem, basicamente ensinando o telespectador a como ler e ver aquelas imagens e meio que apontando como o filme quer tratar tanto dos pequenos detalhes delas, mas também de tudo que as envolvem e dela como si mesma, a aproximando mais do que nunca da arte. Ali, ele se assume como um exibicionismo formal, mas que, ao mesmo tempo, quer ir muito além disso.
Como Era Verde Meu Vale
4.1 152 Assista AgoraEu acho que não sou capaz de confiar em alguém que não gosta desse filme. Ford parece empurrar todas as barreiras do cinema [da época] em prol da dramaticidade e do sentimentalismo, mas nunca, realmente nunca, entrando num excesso que é uma coisa incrível. Aqui ele se aproxima muito da fisicalidade (tanto em questões realmente físicas, quanto na expressividade) do cinema mudo, ao mesmo que tempo que engloba a sua atmosfera poética que construiu com o cinema falado, resultando num filme que é puro sentimento e, daí, parte pra que direção ele desejar. Nisso concordo com quem comenta que o filme não sabe bem que linha seguir e onde se segurar, mas as composições de Ford parecem, propositalmente, se sobrepor a tudo isso até como forma de justificativa: ele quer construir um épico sobre como sentiu, não sobre como foi. As criações dos sindicatos, as inevitáveis consequências do capitalismo, o desmantelamento das famílias e até o fim daquela era ilusória e moralista, tudo isso existe e tem sua parcela de construção, mas o que importa, no fim, são os corações daquela história, principalmente o do menino, que, aqui, toma uma visão completamente nostálgica e singela. É o sentimento como arte, além de qualquer história e do que se é dito, além do que nós mesmos podemos expressar.
Three Landscapes
3.9 1Coletar, reorganizar e remontar: seja a natureza com a paisagem urbana, seja o homem com a natureza ou até mesmo com a sua própria criação. Mas, no fim, o grande ponto é como Hutton faz isso com as realidades que filma e nos apresenta, atribuindo novos (e quaisquer) significados para a imagem, enquanto, ao mesmo tempo, a glorifica ao máximo.
Vinhas da Ira
4.4 206Porque Precisamos do Comunismo: O Filme.
Alien: O Oitavo Passageiro
4.1 1,3K Assista AgoraÉ fácil imaginar o filme se perdendo nessa abordagem ultra-pomposa que a sua pretensa elegância pode trazer, mas ele acaba indo justamente pro lado contrário disso tudo. Com a trama simples do "quem vai ser o próximo a morrer" ou com os toques sociais anti-corporativistas, todo o teor altamente atmosférico que existe na primeira hora do filme acaba sendo um deleite já que tem seu fim em si próprio e na simples trama, e não em algo com pretensões que extrapolam muito o próprio filme. Tudo isso dá um espaço pra elegância do filme - que realmente existe com os cenários, a trilha e, principalmente, a fotografia - respirar e ser algo memorável, auxiliando a mais simples das histórias, mas aqui em seu ápice.
Matança Necessária
3.5 31Como falaram aqui, parece que o filme faz certo tudo que o The Revenant faz errado. Acho errado falar que o filme quer criticar a "guerra ao terror", é um elemento dele claro, mas o filme logo abandona isso - de forma corajosa, por sinal, visto que fazer isso era o mais fácil a se fazer. Ele depois se mostra mais interessado realmente nessa sobrevivência, num contexto de cinema contemporâneo e realista, do que querer em tratar temas ou falar de alguma coisa. Também é uma decisão corajosa ter o "herói" como um terrorista, mas é só isso: o filme não crítica, nem glorifica, só representa. O próprio passado mal resolvido do Gallo demonstra muito isso, ele existe pra funcionar como um elemento da trama que ajuda o personagem ir à loucura, e fica por isso mesmo. Mas é tudo bem dirigido e elaborado, então o filme funciona fácil com sua proposta realista e discreta.
O Tango de Satã
4.3 139"O único grande problema do cinema parece ser onde e porque começar um plano e onde e porque acabá-lo."
Cada take e momento do filme parece ser meticulosamente encaixado dentro da duração absurda do filme. Mesmo com suas 7 horas, não vejo excesso quase algum no filme, toda tomada longa me parece ter um objetivo muito claro nessa imersão do filme. Béla Tarr aqui parece, ao mesmo tempo, abraçar e renegar o livro de origem da história, fazendo uma adaptação quase literal (pelo que falam), mas buscando expandir e tornar físico toda a história de uma forma que, creio eu, nunca foi feita. Todas as cenas longas me parecem com esse objetivo de, literalmente, dar vida àquele ambiente, o que ele cumpre com maestria. Mesmo em cenas internas, a câmera de Tarr parece sempre procurar uma janela ou algum som que remetesse ao externo, criando o clima fatalista único que recobre toda a obra, que tem seu cerne no ambiente - o que seria impossível com uma duração menor. E tudo isso só funciona porque o diretor tem um olhar fantástico pra essas paisagens que filma, em todas as suas obras. Não é um uso fetichista e nem um uso abertamente poético da lama e daquela miséria, é só um uso real, e nisso ele acaba achando a sua poesia.
Fora isso, o filme cria um panorama no mínimo interessante daquela comunidade. Certamente não é a imagem que um suposto "épico" que a duração pode vender, mas Béla Tarr tem um olhar tão diferenciado não só pra desgraça, mas também pra ironia de tudo aquilo, de toda a vida. O filme tem em seu cerne a tristeza e a decadência, se apoiando num vácuo que se espalha por toda a obra, influenciando todas as ações do personagens (que meio que se torna físico na névoa que a menina vê antes de se matar e que o Irimiás vê em determinado momento também), só que ele não se resume a isso. Até mesmo esse vácuo não se resume só na miséria inescapável, me parecendo apenas algo extremamente fatalista - estamos todos condenados a simplesmente viver e a tudo que isso implica (coisas boas ou ruins). Gosto muito como a narração do fim do segmento da menina resume bem o filme, ele não tem um tom humanista (o que diferencia ele de Werckmeister Harmonies, por ex), mas tampouco se resume à miséria, como ele arrisca muito parecer. É um filme extremamente denso sim, e pessimista, mas quem sabe seja muito mais sobre encontrar a poesia em tudo isso do que parece na superfície - e daí se torna sobre como aquelas pessoas subjugadas pela sociedade reagem a tudo isso.
E o filme carrega muito mais coisa, que, de novo, não é o que se espera de um suposto "épico de 7 horas", mas é muito interessante: questão histórica, metalinguagem (me pareceu que todo o último segmento existia pra isso, comentando sobre a percepção que temos da imagem enquanto telespectador), política, hierarquia social e por aí vai, mas acho que já estaria me estendendo, até porque o principal do filme não é isso, o principal é realmente a experiência. Essa foi a segunda vez que o assisti e é incrível como o filme te envolve e faz a duração não parecer todo esse monstro. Conhecendo e, principalmente, gostando do cinema do diretor, em 30 minutos você entende o clima de Satantango e o resto vira um mar aparentemente interminável, mas ótimo de sentimentos que de verdade é algo único quando o assunto é cinema. É o vazio que te pega na mão e te leva pra passear um pouco, vendo tudo e nada ao mesmo tempo, vendo tudo o que você quiser ver.
https://www.youtube.com/watch?v=tdThlg8ZxD8
Força Sinistra
3.4 155 Assista Agoraque
Lucy
3.3 3,4K Assista AgoraEm seus melhores momentos, parece um Neveldine/Taylor mais sóbrio, com uma crença firme na forma e algumas experimentações diferentes. Mas em geral o filme não tem tanta habilidade pra criar e segurar a trama e fazer ela funcionar, ele carece de algo que faça todo esse universo que propõe funcionar como um todo - mesmo que atinja um resultado no mínimo interessante no fim.
Quem vai Ficar com Mary?
3.1 492 Assista AgoraÉ meio perigoso, mas não deixa de ser interessante, como o filme assume a idealização que os personagens fazem de Mary para si - chega a ser vergonhoso e bem tosco cenas como aquela em que ela fala do Super Bowl, mas é a forma que aqueles personagens viam a Mary, é o wetdream de todo americano médio. Não diria que o filme desconstrói isso conforme avança, mas acho que a forma que ele escancara constantemente a falsidade que os homens, não a Mary, vive em toda a trama, já é um modo de desmentir tudo isso: a Mary é uma personagem totalmente genuína, enquanto todos os homens destilam as caricaturas e mentiras que criam de si e, no fundo, para si. A Mary, mesmo sendo vítima da idealização, ainda é real, enquanto eles não são.
Uma pena que todo o lado do Ben Stiller não é bem elaborado nisso, e eu não consegui comprar sempre essa abordagem completamente espalhafatosa (foda aquelas piadas com deficientes), mas isso não tira o brilho daquelas gags geniais como aquela do encostamento e da prisão, nem desse retrato interessante que o filme faz da obsessão e/ou da idealização.