O fato de todos os episódios serem dirigidos por Jason Hehir confere consistência à estrutura da narrativa fluida, que vai e vem no tempo, evitando o banalizado formato cronológico e investindo noutro que relaciona cada estágio na caminhada do Chicago Bulls pela temporada 97/98 a momentos na vida de seus gladiadores, especialmente, Michael Jordan.
É natural que o holofote seja deslocado ao Pelé do Basquete, muitas vezes o Maradona, por ser quem tenha transformado o time medíocre, saco de pancada de antigamente, no competitivo e finalmente hexacampeão da NBA. MJ é um personagem entusiasmante de assistir, pois nem é o mocinho que muitos pensam, tampouco o vilão por outros taxado. A competitividade com que encarava cada jogo, o arrogante reconhecimento de que era (ou é) o maior jogador da história e a capacidade de acumular desafetos a cada jogo somente rivalizavam com o que proporcionava ao esporte.
Dedicação. Comprometimento. Excelência. MJ é um protagonista óbvio da vida por que entendeu que o dom recebido, cultivado arduamente nos treinos, sem complacência ou irresponsabilidade, deveria ser usado à exaustão, até mesmo para estimular todos seus companheiros a alcançarem seu patamar, ainda que isto fosse impossível.
Por ser esportivo e trazer, somente, os jogos mais marcantes ou os momentos de maior destaque de MJ, o documentário é envolvente e empolgante do início ao fim, dosando a grandiosidade do esporte com instantes mais íntimos, relacionados a cada atleta em sua jornada pessoal de superação, e agridoces, como o adeus inevitável. Lendas inspiram e MJ continua a fazê-lo, mesmo 22 anos após se aposentar e mesmo sendo esta figura tão multifacetada e, portanto, dramaticamente gratificante.
A adaptação do livro de Celeste Ng é apropriada em como retira a hipócrita maquiagem da sociedade americana, tomando como exemplo a cidade de Shaker Heights e o projeto de integração social. O jogo da narrativa é inteligente, mesmo que às vezes óbvio: vemos quão problemática é a atitude de "branca salvadora" de Elena e notamos sua falta de tato em tratar da questão, ao mesmo tempo em que Mia também age no mesmo papel, porém em relação à Bebe. O contraponto entre o comportamento de ambas ajuda a enxergar as feridas abertas no tecido social e o racismo institucionalizado contra minorias.
É o tema central ao lado da relação pais e filhos, e como estes são reféns dos desejos e atitudes daqueles, em vez de estarem aptos a viver os sonhos sonhador para si. À medida que a narrativa avança e as subtramas começam a revelar ambições e reflexões, o elenco jovem começa a dar conta do recado de personagens complexos e multifacetados, com o destaque à Izzy, tentando lidar com sua identidade numa época em que as famílias ainda não eram acolhedoras como são hoje, e à Lexie, que se parece ser a mesma adolescente que responderia "eu não racista, até tenho amiga e namorado negros", revela ser a vítima imediata de Elena.
Reese Witherspoon revive a mãe de família típica da classe média alta, do estilo de vida americano, dona de casa, com emprego que lhe confere a ilusão de funcionalidade e na aparente existência perfeita e idílica. É como uma boneca de porcelana, que revela suas rachaduras quanto mais perto estamos; é a engrenagem substituta da mesma sociedade que a impediu de realizar-se quando mais jovem.
Ela perpetua os preconceitos que Mia combate, às vezes desastradamente e ameaçando sua relação com a filha. Vivida com as caras e bocas conhecidas de Kerry Washington, a Mia desdenha, ou melhor, despreza a falsidade daquele mundo que não resiste ao fogo: o mesmo fogo, matéria prima de sua arte. O fogo transformador, insaciável, destruidor mas também criador, pois às vezes precisamos por abaixo a estrutura frágil da sociedade para alcançar outra melhor.
Não é difícil cair de amor por qualquer produção estrelada por Brooklynn Prince. A atriz revelada em Projeto Flórida é do tipo que ri e chora de verdade, mesmo quando apenas está atuando. Ela é um dínamo, capaz de inspirar o melhor na população de uma cidade que adormeceu com a condenação injusta debaixo do travesseiro.
Resolver mistérios não é o objetivo dela. Descobrir a verdade, sim. E a série é um deleite para quem ama a missão nobre do jornalismo de reportar o fato, doa a quem doer, ainda que isto signifique chacoalhar os ressentimentos que todos os personagens parecem ter guardado dentro do coração somente esperando a oportunidade para liberá-los.
Bons atores revesam-se na companhia da estrela do baile, Brooklynn, e mesmo que uma ou outra subtrama pareça dessintonizada das demais, a narrativa é consistente na criação da atmosfera fria e distante de Selinsgrove e dos dramas familiares enfrentados por filhos em relação a seus pais: o tema central da narrativa.
Por ser baseado em uma história real impressionante, já que bastou o faro jornalístico de uma garota de 9 anos - retratado de maneira bem inventiva, semelhante ao feito em Uma Mente Brilhante - para desfazer uma injustiça tremenda, a série é cheia de mistérios que, ainda por cima, terminam com uma reviravolta inesperada e que deixa a porta aberta para a parte 2.
A quebra da quarta parede é um recurso para o personagem expressar seus sentimentos ao público com mais conexão do que se recorresse apenas à narração. Para Alain, vivido pelo ex-jogador de futebol Eric Cantona, é também necessário para que compreendamos as decisões imorais e torpes que o desempregado de 57 anos tomará na minissérie, todas questionáveis e algumas inadmissíveis, mas sem firmar de uma vez nosso juízo de valor em tempos de cancelamento.
Alain é uma vítima do sistema que premia um tipo específico de sujeito dentro do mercado empresarial, e o que a série francesa inspirada em fatos reais faz melhor é generalizar esta problemática. Nós podemos perceber seu desespero crescendo, as humilhações acumuladas seus valores sendo postos à prova e a sensação de que está "perdendo" a mulher e as filhas. Com a cabeça fria, sabemos que isto não aconteceria, exceto se não por fruto de suas ações sem caráter que o aproximam mais da personalidade capitalista do CEO Alexandre Dorfmann do que do altruísmo de melhor amigo, Charles Bresson. No entanto, a nuvem pessimista que paira sobre ele é tão escura que não consegue enxergar um palmo além do nariz.
É, Alain não é flor que se cheire, por isso precisamos da quebra da quarta parede, para ao menos entendermos seus sentimentos, questioná-los e criar empatia pela situação. E esta é daquelas inacreditáveis, que resultam na combinação de subgênero cinematográficos na narrativa, com habilidade para não entrarem em conflito, e criam a sensação de que o andar da carruagem é constante, ainda que imprevisível. Até porque, Alain está onde está não porque o capitalismo empurrou o pé sobre sua cabeça, mas porque ignorou qual o porto seguro de toda pessoa em situações de crise: a família.
Quando adolescentes não são subestimados por roteiro imaturos, são tratados como agentes maquiavélicos que causariam inveja em Kathryn Merteuil ou Regina George, se estas estivessem a frente de tramas e de traições nascidas evidentemente da recusa em revelar a verdade quando as (muitas) oportunidades aparecem.
A escola da vez é Parkhurst. Os jovens ricos agem como ensinam os clichês: embriagam-se, consomem drogas, organizam festonas, invadem o colégio à noite e transam com o que respirar, enquanto a gata borralheira, Puleng, passeia sem convite pelos corredores deste mundo artificial e traiçoeiro tentando encontrar a irmã, sequestrada da maternidade na infância. O tema é sério; a abordagem, não. Aliás, os temas: já que a relação indevida entre professor e aluna e a queda de braço por poder desempenham papel fundamental.
Para costurar isto, o roteiro capenga, herdando os piores erros dos dramas adolescentes. As descobertas acontecem à força, tipo puxar a mochila das costas e torcer para o diário cair aberto na página certa ou o jovem citar o nome da colega pelo sobrenome, somente para ser corrigido e, assim, ser revelada a mentira. Pensa comigo: qual o adolescente se refere a outro pelo sobrenome, ex: fui na festa da Sra. Costa. Oi? Ah, que tal ser seguido por um veículo misterioso - que deveria ser secreto, mas pode ser identificado com uma facilidade a partir de uma descrição para lá de imprecisa após consulta ao Google?
Enquanto isto, a direção disputa com o roteiro para decidir qual o mais decepcionante: as cenas de natação beiram o amadorismo - o que custava contratar nadadores dublês para verossimilhança? - e, numa cena de sexo, a personagem cobre-se com as mãos não por estar com vergonha do parceiro, mas da câmera! E fica tão explícito que é impossível não "sair" da narrativa ao menos por este instante.
Quanto ao mistério resolvível por Puleng nos minutos que dedica a isto, a trama ignora o ponto central e deixa tudo para a próxima temporada. Mas, para esta, eu que não vou me matricular.
Raramente, você tem a oportunidade de assistir a minisséries iguais a esta. Funcionando em múltiplos níveis, este drama melancólico a respeito da importância de relacionamentos interpessoais e intrapessoais parte da história real, acreditem!, contado no documentário The Institute, quando o artista de rua Jeff Hull criou um jogo interativo em São Francisco, com a intenção de integrar a população em uma história sobre os fictícios Instituto Jejune e seus rivais, os membros da Elsewhere.
No entanto, a série não é tanto sobre o jogo, e mais sobre cinema e pessoas. Em relação ao primeiro, a quebra da quarta-parede é o convite para que exerçamos a identificação e a empatia, essenciais para calçar os sapatos dos personagens, comemorar suas vitórias e sentir syas dores. E não é difícil encontrar razões para torcer por Peter, Simone, Fredwynn e Janice, que são substitutos da pessoa média e das doenças e males atuais: depressão, solidão, autoaceitação, individualismo. A favor, quatro atuações imensas, com destaque a atriz transsexual Eve Lindsley, carismática e radiante em um papel que depende de voz, e também a doce Sally Field e o intrigante Richard E. Grant.
Como descobriremos quando chegarmos no enigmático episódio final, que entende que o cinema é a arte de manipular o tempo e as expectativas do público, a minissérie revela o ser humano. Não somos nada isolados. Somos seres gregários, coletivos, dependentes da relação com o próximo e de nós com nós mesmos para que alcancemos a felicidade e o propósito da vida. O que seria de nós sem compartilhar alegrias e tristezas? Nada! E a minissérie revela isto com a metáfora da unidade e do involucro que nos limita e também da coletividade e integração, base também do cinema (de novo, assista!) e da sociedade.
Igual Quentin Tarantino fez em Bastardos Inglórios e Era uma Vez em... Hollywood, Ryan Murphy também manipulou a história para fins de entretenimento com a intenção de criar um conto de fadas em plena Era de Ouro do cinema. Não existe nada de errado em fazer isto, e a boa intenção do criador se justifica ao chegarmos no episódio final, e notarmos a importância da representatividade como instrumento para termos mais justiça e equidade em nossa sociedade através da arte. No pós-guerra, jamais haveria um estúdio de cinema dirigido por uma mulher, uma produção protagonizada por negros e casais homossexuais de mãos dadas nas ruas, que dirá a conclusão da minissérie. E daí? Verossimilhança não combina com o otimismo contagiante do entretenimento glamouroso e atraente da época.
O que não significa que a série não é prejudicada por erros habituais na carreira de Ryan Murphy: simplificar a resolução de problemas complexos, como tirar de letra o orçamento adicional exigido ou resolver a passagem do sexto ao sétimo episódio de forma tacanha e que não honra a ansiedade causada em nós. Aliás, o elenco é muito irregular, com ótimos atores (Joe Mantello está inesquecível como Dick Samuels) misturado com atuações bem fracas, quando não péssimas (Jake Picking tenta ser canastrão como Rock Hudson era, mas apenas consegue transparecer apatia e inexpressividade). O resultado é misto: um bom conto de fadas que mereceria, porém, um roteiro melhorado e atuações à altura do capítulo mais lendário e preconceituoso da história de Hollywood.
O que você obtém quando os criadores de La Casa de Papel e The Crown se encontram e resolvem desenvolver uma série de mistério (o clássico whodunit) no cenário alaranjado e hipnotizante da festeira, hedonista e drogada Ibiza? Uma espécie de Frankenstein das raves que não sabe muito o que é, o que pretende ser ou como desenvolver seus temas centrais, contudo, mesmo assim, mantém um charme justificável pelo apelo visual e pela envolvimento do espectador em descobrir quem matou Alex, o irmão de Zoe. Mais sexual do que esperaríamos - o que confere realismo, crítica àquele estilo de vida e objetificação -, o trio de diretores Nick Hamm, Luís Prieto e Ashley Way enxerga em Ibiza um paraíso fascinante e um inferno repugnante, tudo ao mesmo tempo, o que explica a escolha por uma fotografia mais irreal, como se a iluminação houvesse sido obtida detrás do globo de luz do tempo das danceterias.
A série é atrativa, embora afaste-nos do drama de Zoe e de como amadurece enfrentando os traumas do passado. Enquanto isto, Zoe envolve-se amorosamente com o típico bruto de bom coração - que também é pintor, hehe - e desenterra os esqueletos enterrados bem fundo, com isto interferindo na vida até do menor coadjuvante da trama: dos romenos que realizam o tráfico de drogas até da família poderosa que pretende obter a licença para um cassino. Ah, mencionei do tanto de flashback que conta o passado de Alex? Pois é. Muita coisa na bandeja não costuma ser bom, e a série esquece o mistério, mistura perseguição de carros, cenas de sexo estilizadas debaixo da chuva e na terra molhada e muito mais. É uma bagunça, mas ainda assim, uma que cativa.
Costumo devorar séries a respeito da justiça norte-americana, Perícia Viciada, O DNA da Justiça são apenas os exemplos mais recentes na Netflix, porém a produzida por George Clooney e Grant Heslov executa mal a premissa intrigante: como a imprensa interferiu na opinião pública a ponto de enviesar a justiça, trazer maiores danos às vítimas ou mesmo inocentar culpados? Ao longo de 6 episódios, somos apresentados a casos reais a partir da lente contemporânea, com depoimentos de envolvidos e especialistas tomados hoje e imagens de arquivo retratando o ontem. Embora sejam interessantes os casos e, muitos provoquem indignação (em especial, o quinto), a série falha em evidenciar como a mídia interferiu decisivamente no convencimento do público e, consequentemente, dos jurados provocando injustiças. Ou seja, não cumpre o prometido.
A razão para isto exige que pensemos fora da caixa: se queriam ilustrar o jogo da mídia e como podemos ser manipulados, por que não construíram o documentário só em torno da narrativa cronológica da imprensa para que, depois, percebêssemos se fomos conduzidos a partir do enfoque de hoje? Note que nem mesmo os episódios são coerentes entre si, já que o quarto, King Richard, não é necessariamente sobre como as notícias distorceram a justiça, mas como Richard Scrushy utilizou as redes televisivas pentecostais para ganhar a simpatia do público e escapar da condenação. O terceiro, 41 Shots, já é menos sobre a imprensa e mais sobre o racismo estrutural da polícia nova-iorquina. Veja que não estou dizendo que os casos, isoladamente, não sejam bons o bastante para merecerem serem conhecidos, apenas que a série não soube executar o que propôs fazer.
Uma atividade infrutífera é procurar onde está a relação entre esta adaptação do livro de Joe Hill, filho de Stephen King, com o vampiro Nosferatu (NOS4A2 ou Nos-four-a-two). A trama é, na realidade, uma versão meio-macabra de Papai Noel misturada com o suco de groselha saído da cabeça do autor, como a definição de pessoas criativas ou de facas, os meios que permitem cortar o espaço-tempo, mas que funciona na proposta de criar terror ao redor da alienação parental, algo por que atravessa a heroína Vic, e do abuso infantil. Charlie Manx, interpretado com arrogância e oportunismo por Zachary Quinto, mantém o mesmo ímpeto dos monstros já escritos na família: Pennywise ou El Cuco do recente The Outsider, em como mira, especificamente, crianças, os pontos frágeis de nossa sociedade e nossa esperança de futuros melhores.
Apesar de o orçamento da série estar denunciado nas filmagens e na recusa da narrativa em aprofundar-se na Terra do Natal, isto possibilita o destaque de, p. ex., o ator de origem islandesa Ólafur Darri Ólafsson, cujo Bing mantém-se contraditório por toda a narrativa, no jogo entre a ingenuidade do garoto que matou os próprios pais e que acredita ter sido bom para entrar na Terra do Natal e a maldade revelada a partir de certo episódio. A mitologia não é explorada o quanto deveria e existem perguntas que a narrativa nem se impota em sugerir respostas, que dirá respondê-las de fato, mas existe algo hipnotizante nos vilões desta série de terror renovada para sua segunda temporada.
É admirável a construção dramatúrgica da série mesmo quando mais previsível. Afinal, se podemos adivinhar este ou aquele acontecimento, não é demérito da série, porém de nós, capacitados, por nossa experiência em audiovisual, a enxergar o arco dramático por que passam Kendall, Roman, Siobhan, Tom e, claro, Logan. A relação que há entre o primeiro e o último plano da temporada evidencia o trabalho dos roteiristas e satisfaz a procura de Logan por seu sucessor - evidenciada pelo sorrisinho tímido que surge no segundo final -, o que também somente seria possível caso todos os atores estivessem em seu melhor. E Brian Cox, Jeremy Strong, Kieran Culkin, Sarah Snook cumprem satisfatoriamente bem a missão de transformar personagens inescrupulosos em entretenimento, enquanto prestes a maquinar traições e apunhaladas nas costas. Já Matthew Macfayden e Nicholas Braun descarregam humor em uma relação passivo-agressiva, mas também muito reveladora.
Enquanto isto, as câmeras aproximam-se e afastam-se, cortam de um interlocutor a outro, articuladas com engenhosidade para conferir dinâmica a este drama semi-shakesperiano, tanto em forma (diálogos afiados, clímax construídos em torno de dramas aparentemente banais, ao redor de mesas de jantar e em discussões familiares) quanto em conteúdo, no cenário onde o autor conhecia como ninguém: o coração da disputa por poder e controle, não importa quem seja que precisemos atropelar para obtê-lo.
Muitas séries tentaram repetir o fenômeno Lost. Fase 1: pensar em uma premissa fora da caixinha (a série belga faz isto bem). Fase 2: desenvolver bem o bastante os personagens para que possamos torcer ou odiar, a partir de informações fornecidas por conta-gotas em flashbacks (aqui, as pobres e breves cenas inicias dos episódios não ajudam em nada na construção de personagens simplórios e que parecem não estar na sintonia do problema que enfrentam) e de interações, alianças e disputas internas (também sequer alcançado a sola do sapato da rivalidade entre Jack e Locke ou Sawyer). Fase 3: pensar em eventos e acontecimentos que demonstram que a premissa inicial era a ponta do iceberg e manter o espectador em tensão, mesmo sem explicações, mas apenas suposições.
Em matéria de tensão, a série funciona porque entende que lhe basta combinar: a trilha sonora eletrônica, com forte utilização de sintetizadores, o nervosismo e a apreensão de personagens que não conhecem nada uns dos outros e que falam e se movimentam de maneira agitada e o próprio conceito de roteiro chamado de time-bomb (basicamente, os personagens têm um tempo para resolver o problema do episódio, que é o nascer do sol). Ser tenso, contudo, não autoriza o roteiro a ser pobre a ponto de fazer o de La Casa de Papel parecer ter sido escrito por Christopher Nolan: personagem que aterriza um avião mesmo sem saber como fazê-lo, outra que realiza sua primeira cirurgia (Tokyo fazendo escola!). Faltou só a cena em que alguém ameaça a mão armada passageiros no interior de um avião, sabendo que qualquer disparo lá dentro mataria todos... opa, este clichê aí também veio. Ao final, a série belga não está em 220 V a toa: ela não quer apenas gerar tensão. Quer também que você não pense na trama enquanto não assiste. Mas nisto, eu não caio não.
Imagina o seguinte: no estado de Massachusetts, 35 mil processos relacionadas a drogas e substâncias ilícitas dependem única e exclusivamente do laudo pericial produzido por 2 químicas de bancadas e que ambas agiam negligentemente por razões diversas. Como o sistema acusatório norte-americano pode basear-se, apenas, na opinião objetiva, embora maculada, de profissionais que não trabalham em instalações adequadas, sem a auditoria de procedimentos, a distribuição de casos e o inventário realizados com frequência? Aliás, sequer auditados! Enquanto isto, o poder de decidir a liberdade de dezenas de milhares de pessoas repousa no colo de apenas uma pessoa. Que absurdo.
Esta falha gravíssima na (in)justiça norte-americana é analisada sob a luz da investigação e julgamento de Sonja Farak e Annie Dookhan, peritas acusadas por crimes efetuados no exercício da profissão. A minissérie em quatro episódios examina como este sistema tenta a todo custo proteger o mau trabalho, retardando e mesmo ignorando, tanto quanto pode, a natural consequência disto: o arquivamento dos processos com a eventual libertação de quem fora aprisionado. Temos à disposição vários pontos de vistas: advogados de defesa, promotores e procuradores, policiais e até familiares de Sonja, presente na interpretação da atriz escalada para reconstruir os eventos. Às vezes, o conteúdo é prolixo e repetitivo, embora jamais deixe de inspirar nossa indignação e a urgente necessidade de revisão do sistema penal do estado.
O momento da ruptura da suspensão de descrença acontece quando, diante do amontado de clichês ou de soluções artificiais ou de coincidências ou tudo junto, quebramos o nosso acordo tácito de embarcar no roteiro da produção e, com isto, vai embora a experiência de assistir a Jen e Judy enfrentando mais percalços por conta do assassinato de Steve. Claro que este ponto de quebra depende de cada um, mas, assim que descobrimos que Steve tinha um irmão gêmeo E que Judy começou um relacionamento com a ex de Perez E que todo mundo naquele micro mundo de Laguna Beach está umbilicalmente amarrado, não de maneira lógica mas apenas por conveniência da trama, rompeu o fio que me prendia à tragicomédia de duas mulheres tentando fazer o certo de formas erradas.
O roteiro perdeu o equilíbrio que havia na temporada anterior, que conciliava elementos já conhecidos do público, p. ex. a mentira que seria revelada no momento-chave da trama e que Judy tentava mas não confessava a Jen, com o humor ácido, discussões essenciais sobre relacionamentos abusivos e goladas de vinho à beira da piscina. Linda Cardellini e Christina Applegate, aquela mais do que esta, continuam afiadas no jogo de dor, sorrisos, lágrimas, porém, entre tapas e beijos, com menos humor e mais drama. Há charme? Sim. Mas há também excessos, situações mal-resolvidas, clichês desnecessários e que mais atrapalham do que ajudam, coincidências forçadas até dizer chega como se houvesse só uma dúzia de pessoas habitando naquela comunidade. A ironia da placa de PARE parece aplicar-se aqui: às vezes é melhor dirigir com paciência e consciência, elementos faltantes nesta continuação.
A premissa pode não ser a mais original, mas o roteirista Greg Daniels (de The Office) sabe expandir o conceito do pós-vida em uma espécie de idílico retiro de consciências com criatividade, com ponderações interessantes sobre como funcionaria este futuro próximo - rola até crítica à desigualdade social entre quem pode arcar com os planos custosos e os chamados 2 Gigas - e sacadas divertidas: como presenciar seu próprio funeral ou a existência de uma espécie de deep web além das fronteiras do código que admite comportamentos não chancelados pela empresa. Além disto, apesar de a série partir do clichê do playboy mimado vivido por Robbie Amell que vai descobrindo, após a morte, como ser um bom ser humano, a partir da convivência com uma pessoa boa e interessada vivida por Andy Allo, o contexto narrativo possibilita alguma originalidade.
O problema é que Greg Daniels, tendo que conciliar duas narrativas - o romance entre Nathan e Nora e a investigação da morte "acidental" do primeiro, sem oferecer nenhuma resolução satisfatória, ainda que parcial -, ainda introduz personagens coadjuvantes que nem são engraçados o bastante para justificar sua presença, nem são relevantes à trama. São pesos mortos que atrasam o desenvolvimento e, pior, criam a sensação de que uma série com episódios de 25-30 minutos pareça mais extensa do que é, esquecendo do que é importante ao término. Mas boas atuações de Robbie e, principalmente, da camaronesa Andy ajudam a tornar o pós-vida em uma experiência mais recompensadora.
Por um lado, é bom que séries-cabeça entendam que, a partir de um momento, é hora de solucionar alguns de seus mistérios, em vez de gestar, como coelhos, mais e mais até que não lembremos a razão de estarmos assistindo a algo senão para bolar teorias, ler fóruns e quebrar a cara diante de incoerências e inconsistências. Então, sim, esta temporada tem como mérito o fato de conservar e expandir os temas originais ao mundo real - liberdade, determinismo, livre-arbítrio etc - numa narrativa menos intrincada, linear e bem resolvida, se tomarmos a jornada de Dolores como mote central. Isto não quer dizer, no entanto, que não seja decepcionante assistir a queda vertiginosa em qualidade: onde a violência era só o resultado dos prazeres humanos, agora virou um recurso banal e mal executado: filmes de ação fazem o que Westworld tem feito melhor e há mais tempo. Não eram tiros ou lutas seu diferencial, mas a filosofia que guiava o comportamento dos anfitriões.
Abrindo mão disto e dedicando-se ao que não era seu forte, a 3ª temporada acaba sendo melhor quando sua filosofia vem à tona na forma de personagens criados à semelhança de outrem, mas cujo comportamento é diferente porque também são suas experiências. E se a alegoria religiosa é consequência óbvia desta reflexão, a missão de Serac é justo de construir o deus que os humanos exigem para viver em paz, não no caos, e contra o qual Dolores insurge-se. Se mencionei a protagonista, a personagem, se honrado o desfecho é claro - o que duvido que acontecerá -, apresenta um arco consistente, culminando em um episódio final que desperta múltiplas reações: se apreciamos a franqueza da conclusão, não podemos ignorar que muitos dos eventos passados ou foram descartáveis - a famosa barriga - ou baseiam-se em comportamentos que não poderiam mais ser previstos depois de o segredo de Rehoboam vir à tona. O que virá na 4ª temporada, eu não sei, mas torço que conserve apenas a objetividade desta e retorne à intelectualidade apaixonante que havia nas anteriores.
Não existe nada de inovador na mais nova série adolescente: amores platônicos, relações culturais e familiares turbulentas, autodescoberta da orientação sexual, representatividade etc. O que a diferencia de tantas mais é o contexto dentro de uma família indiana radicada nos Estados Unidos e que acabou de perder o patriarca, provocando, como rebote do luto traumático, a paralisia temporária dos movimentos da protagonista, Devi. A partir de então sabemos como os temas irão ser desenvolvidos antecipadamente, a ponto de não sermos surpreendidos quando, p. ex., for revelada uma mentira de Devi ou esta ignorar os apelos de suas amigas que também têm seus próprios problemas tão grandes quanto os dela. E quem irá chocar-se pela enésima vez em que uma mulher for obrigada a casar com quem fora escolhido por sua família? Isso, ninguém.
Se não existe novidade da narrativa senão nos elementos culturais inseridos pela criadora Mindy Kalling ou no drama inicial vivido por Devi trazido pela co-criadora Lang Fisher, há muita autenticidade em como está sendo retratada esta fase do amadurecimento e ainda honestidade em assumir os clichês como elementos necessário dentro de sua construção. Não porque clichês são necessariamente bons ou maus, porém, quando bem trabalhados, sua existência denota um elemento óbvio: que aqueles dramas não são somente de Devi, Fabiola, Mary ou Ben, mas de um sem-número de adolescentes que estão passando por esta mesma estrada e podem achar, na narrativa, conforto em saber que não estão a sós. Mas, de uma coisa podemos ter certeza, quem esperaria que uma série adolescente fosse narrada por um ex-tenista profissional? É, no final, a gente sempre pode se surpreender.
Certos filmes ou séries intimidam-me quando pretendo escrever minha opinião por não me considerar apto a por, em palavras, quais as sensações proporcionadas. Pra começo, a necessidade humana de conexão e compreensão de assuntos filosóficos, existenciais e sociais complexos demais para seres de carbono egoístas e cujo sopro de vida é um mísero piscar de olhos do universo. Enquanto somos levadas por esta viagem dentro de nós mesmos, com auxílio de uma animação psicodélica, cheia de significados em suas curvas bizarras, transgressoras e muitas vezes repugnantes, passeamos por temas como descriminalização das drogas a partir da analogia de zumbis (sim!), consumo de carne animal (sim!), serviços funerários (oi?), perdão, meditação, morte e relações afetivas maternas (o episódio mais dolorido e íntimo de todos). Somos capazes de absorver tudo? Talvez não de primeira, mas existe a vontade de rever e captar o que havíamos deixado passar batido.
Como a sensação causada por drogas, a série nos convida a permanecer em um estado de inconsciência, embora nossos sentidos permaneçam ativados: estamos mais passivos, absorvendo, consumindo informações discutidas de maneira despretensiosa e acessível, aprendendo assuntos enriquecedores com especialistas que assumem os avatares de criaturas que vão do presidente dos Estados Unidos à morte com foice e... caolha. Queria poder ser capaz de traduzir o que a série proporciona, mas, acredita, você jamais viu algo parecido em uma das melhores criações deste ano.
Não existe percurso fácil em lidar com o luto sentido por quem amamos (meus pêsames e sentimentos a todos os leitores que perderam familiares e amigos nesta epidemia), e Tony revela o processo paciente, gradual e perigoso de conviver com os próprios fantasmas do passado, nesta temporada tão importante quanto a anterior. Se a primeira desejava exibir a Tony as razões para não desistir de si, agora a ideia é pegar aquele personagem, apto a reconhecer pequenas alegrias diante de si e a se portar melhor com o próximo, e obrigá-lo a encarar que, nesta jornada, sempre pode haver tropeços, retrocessos. A depressão não é adversário a ser ignorado, e as vezes em que Tony abaixa a guarda, seus pensamentos suicidas retornam, enquanto a vida dos prosaicos morados de Tambury segue em frente, com bom humor, doçura e singeleza.
O humor ácido de Ricky Gervais está intacto, permitindo-lhe expor seu modo de pensar e sua visão particular da vida à medida em que revela sua humanidade. Tony é Ricky, e não há como negar a força com que o ator insere, dentro do texto, suas concepções, com que podemos ou não concordar, embora não negar a eficiência e veemência com que defende aquilo em que acredita (ou não). É como se a série fosse semi-autobiográfica, mantendo o texto leve na simplicidade e profundo na autenticidade dos dramas contados. No fim, sim, a narrativa pode até parecer trivial e apática, mas assim também é a vida e, importante, a vida de Tony, cujos olhos e coração são nossos guias por esta série cativante.
Pode ser apenas eu, mas gosto de assistir a ricos moralmente corrompidos esfaqueando uns aos outros pelas costas enquanto disputam quem alcançará o topo da hierarquia dos Roy (traduzível para Rei). A sensação é a de estarmos assistindo à adaptação de William Shakespeare, dado a propensão do autor em discorrer, com bom humor, sobre a podridão de onde o poder é decidido e quais as consequências desta disputa aos meros mortais da plebe. E por estarem tão inatingíveis para nós, como também os lobos de Wall Street de A Grande Aposta, do produtor Adam McKay, acabamos tratando este mundo como se fosse paralelo, com uma curiosidade mórbida de quem está torcendo não por um, ou outro, mas apenas pelo circo pegar fogo com todos aqueles poderosos inescrupulosos dentro.
E como é divertido sentir assim! Ainda mais quando temos grandes atores conferindo uma tridimensionalidade a personagens melhor definidos pelos vícios (Logan, o poder; Kendall, as drogas; Roman, a si mesmo etc). O estilo da narrativa pode incomodar, especialmente se você não estiver habituado ao cinema de Adam McKay, mas com o tempo, os zooms e os cortes rápido acabarão traduzindo a forma com que estes personagens atuam em seus planos de poder (com agilidade, prestes a trair ou enganar o próximo) e como a direção os enxerga, aproximando-se deles com surpresa e atenção. É hilário mesmo sendo trágico, pois estamos falando de pais e irmãos, que alardeiam os valores da família em todas as mídias, somente para que, entre quatro paredes, sejam os primeiros a exibir que família é apenas o primeiro concorrente que você terá nos negócios.
Inspirada na arte de Simon Stålenhag, um artista plástico sueco cuja carreira é dedicada a obras retro-futuristas e que também está listado como autor dos episódios, esta série de ficção-científica é sobre pessoas e ideias, não sobre invenções, muito embora estas estejam presentes e interfiram na trama. É humana em vez de ser mecânica; espiritual, filosófica e existencial, enxergando não máquinas diante da televisão, porém indivíduos, nós!, capazes de estabelecer uma conexão autêntica e emocional com aquelas pessoas cuja normalidade é alterada só por estarem próximas ao loop. Dramas universais movem personagens pelo formato semi-antológico da série, quer dizer, cada episódio é autônomo, apesar de haver relação de interdependência maior ou menor com os anteriores, uma vez que todos os personagens habitam o mesmo núcleo.
Um núcleo construído a partir da fotografia agridoce e melancólica, com espaços abertos e vastos servindo como contraponto à inspiração da obra impressionante de Stålenhag e que aparece na forma de maquinários ou construções tiradas de seus trabalhos. Aliás, a percepção é a mesma que poderíamos esperar quando percorremos a galeria do artista na internet: a perplexidade da humanidade não diante dos monumentos tecnológicos que constrói a cada dia, mas em como os sentimentos permanecem constantes, invariáveis e emocionam e machucam com a mesma intensidade de sempre. Uma série obrigatória.
Fábio Porchat permanece capaz de discutir atitudes machistas e preconceituosas dos homens a partir da lente do bom humor, combinando também drama com elegância e propriedade. Agora, sua munição está guardada para aborto, casamento aberto, choque geracional, fragilidade masculina e tantos mais temas introduzidos através de inserções pitorescas, como aquela contada na forma de sitcom ou da porta dos desesperados. E, enquanto estes momentos obtêm os risos necessários para que funcionem comicamente, também proporcionam reflexões sobre qual o papel do homem contemporâneo dentro da sociedade em transformação, e como este pode reaprender empatia e respeito para ser uma pessoa melhor a cada dia.
Enquanto Fábio e o pai procuram restabelecer os laços estremecidos por mentalidades que enxergam o papel do homem diferentemente, Gustavo e Natasha iniciam romance nascido dentro do consultório de aborto e Pedro e Mari continuam aventurando-se pelo mundo do swing até descobrir que este é o prego que sustenta seu relacionamento. São construções que permitem o crescimento dos personagens, inclusive os coadjuvantes, e proporcionam o nível de conversa honesta e franca que homens precisam para retirarem a interrogação do final do título da série a substituírem por um H maiúsculo. O processo, porém, é gradual e lento, enquanto isso, nos divertimos às custas das presepadas destes marmanjos e aprendemos com seus erros o que não devemos cometer no nosso dia a dia.
Não existem meias-palavras quando o assunto é terrorismo. Podemos debater como a propaganda do Estado Islâmico (ISIS) penetra na cabeça de jovens, contaminando-os a ponto de cometer um assassinato covarde de inocentes. Podemos, inclusive, tentar entender a origem histórica das agressões dos países muçulmanos a ocidentais. Mas não podemos defender violência como alternativa. Esta série sueca, cuja renovação não está garantida, analisa as consequências da ideologia assassina e opressiva do ISIS de pontos de vista complementares. Enquanto assistimos à investigação policial e a negociação para retirar de uma síria e sua filha do país, também acompanhamos a tragédia familiar iniciada após a filha mais velha enamorar-se do fundamentalismo islã na forma do monitor escolar e, sem perceber, infectar a irmã caçula. A narrativa compatibiliza tramas concorrentes de maneira desenvolta, distribuindo o tempo com inteligência para cada eventos e alternando entre estes para mantar o espectador sempre em estado de aflição, temeroso pelo que irá acontecer no momento seguinte.
A escalada é eletrizante, e coloca o público na posição confortável de criar ódio mortal do aparentemente gentil Ibbe (Lancelot Ncube). Também sofremos com as cabeçadas dadas pela policial Fatima (Aliette Opheim) durante a investigação, chegando até a questionar o roteiro em certos momentos que, para criar momentos tensos, termina por apelar a formas simplórias de agigantar a tensão. Nada que atrapalhe esta narrativa que evita criminalizar a religião - defendendo o islamismo pacífico -, mas critica sua versão cruel e radicalizada, enquanto contextualiza a narrativa em uma Suécia pluri-étnica, fotografada sob paletas de cores distintas e ganhando vida por atuações diversificadas. Ao término, o resultado não é acovardado, mas implacável como também são as consequências do ato terrorista.
Documentários a respeito do sistema de justiça já devem ser considerados gênero. Todos os dias, não faltam casos reais de inocentes encarcerados por confissões fraudulentas ou por acordos desvantajosos com a promotoria pela impossibilidade de arcar com os gastos do julgamento ou, como evidencia esta série (ou minissérie), por aplicação inadequada da ciência, por coleta de depoimentos não confiáveis de testemunhas ou mesmo por desídia criminosa da promotoria, que deveria zela pela busca da verdade, não apenas por ter um número alto de condenações (que é o que os norte-americanos olham quando elegem os seus representantes). O custo disto? Décadas da vida de inocentes despejadas no ralo e dinheiro dos impostos usado para pagar indenizações milionárias por este período.
Naturalmente, os 9 episódios da série provocarão sentimentos plurais: nós repudiaremos os maus policiais, promotores ou peritos, e nos alegraremos, agridocemente, pela soltura de inocentes, graças ao empenho do Projeto Inocência que, gratuitamente, ajuda a tornar a justiça norte-americana melhor em seu desejo de torná-la mais justa e descortinar más práticas, ciente de que condenar injustamente não é apenas ruim para o inocente, como também para a vítima, que não terá a justiça que busca, e para o sistema, como um todo. Mesmo que cada episódio siga a mesma fórmula tarimbada do gênero, existem nuances trazidas por diretores indicados ou vencedores do Oscar (Alex Gibney, Liz Garbus, Roger Ross Williams etc) que enriquecem a experiência de assistir, pela enésima vez, a mesma história de injustiça, e sentir os mesmos sentimentos como se fosse a primeira vez.
Arremesso Final
4.7 187 Assista AgoraO fato de todos os episódios serem dirigidos por Jason Hehir confere consistência à estrutura da narrativa fluida, que vai e vem no tempo, evitando o banalizado formato cronológico e investindo noutro que relaciona cada estágio na caminhada do Chicago Bulls pela temporada 97/98 a momentos na vida de seus gladiadores, especialmente, Michael Jordan.
É natural que o holofote seja deslocado ao Pelé do Basquete, muitas vezes o Maradona, por ser quem tenha transformado o time medíocre, saco de pancada de antigamente, no competitivo e finalmente hexacampeão da NBA. MJ é um personagem entusiasmante de assistir, pois nem é o mocinho que muitos pensam, tampouco o vilão por outros taxado. A competitividade com que encarava cada jogo, o arrogante reconhecimento de que era (ou é) o maior jogador da história e a capacidade de acumular desafetos a cada jogo somente rivalizavam com o que proporcionava ao esporte.
Dedicação. Comprometimento. Excelência. MJ é um protagonista óbvio da vida por que entendeu que o dom recebido, cultivado arduamente nos treinos, sem complacência ou irresponsabilidade, deveria ser usado à exaustão, até mesmo para estimular todos seus companheiros a alcançarem seu patamar, ainda que isto fosse impossível.
Por ser esportivo e trazer, somente, os jogos mais marcantes ou os momentos de maior destaque de MJ, o documentário é envolvente e empolgante do início ao fim, dosando a grandiosidade do esporte com instantes mais íntimos, relacionados a cada atleta em sua jornada pessoal de superação, e agridoces, como o adeus inevitável. Lendas inspiram e MJ continua a fazê-lo, mesmo 22 anos após se aposentar e mesmo sendo esta figura tão multifacetada e, portanto, dramaticamente gratificante.
Pequenos Incêndios Por Toda Parte
4.3 526 Assista AgoraA adaptação do livro de Celeste Ng é apropriada em como retira a hipócrita maquiagem da sociedade americana, tomando como exemplo a cidade de Shaker Heights e o projeto de integração social. O jogo da narrativa é inteligente, mesmo que às vezes óbvio: vemos quão problemática é a atitude de "branca salvadora" de Elena e notamos sua falta de tato em tratar da questão, ao mesmo tempo em que Mia também age no mesmo papel, porém em relação à Bebe. O contraponto entre o comportamento de ambas ajuda a enxergar as feridas abertas no tecido social e o racismo institucionalizado contra minorias.
É o tema central ao lado da relação pais e filhos, e como estes são reféns dos desejos e atitudes daqueles, em vez de estarem aptos a viver os sonhos sonhador para si. À medida que a narrativa avança e as subtramas começam a revelar ambições e reflexões, o elenco jovem começa a dar conta do recado de personagens complexos e multifacetados, com o destaque à Izzy, tentando lidar com sua identidade numa época em que as famílias ainda não eram acolhedoras como são hoje, e à Lexie, que se parece ser a mesma adolescente que responderia "eu não racista, até tenho amiga e namorado negros", revela ser a vítima imediata de Elena.
Reese Witherspoon revive a mãe de família típica da classe média alta, do estilo de vida americano, dona de casa, com emprego que lhe confere a ilusão de funcionalidade e na aparente existência perfeita e idílica. É como uma boneca de porcelana, que revela suas rachaduras quanto mais perto estamos; é a engrenagem substituta da mesma sociedade que a impediu de realizar-se quando mais jovem.
Ela perpetua os preconceitos que Mia combate, às vezes desastradamente e ameaçando sua relação com a filha. Vivida com as caras e bocas conhecidas de Kerry Washington, a Mia desdenha, ou melhor, despreza a falsidade daquele mundo que não resiste ao fogo: o mesmo fogo, matéria prima de sua arte. O fogo transformador, insaciável, destruidor mas também criador, pois às vezes precisamos por abaixo a estrutura frágil da sociedade para alcançar outra melhor.
Home Before Dark (1ª Temporada)
3.9 32 Assista AgoraNão é difícil cair de amor por qualquer produção estrelada por Brooklynn Prince. A atriz revelada em Projeto Flórida é do tipo que ri e chora de verdade, mesmo quando apenas está atuando. Ela é um dínamo, capaz de inspirar o melhor na população de uma cidade que adormeceu com a condenação injusta debaixo do travesseiro.
Resolver mistérios não é o objetivo dela. Descobrir a verdade, sim. E a série é um deleite para quem ama a missão nobre do jornalismo de reportar o fato, doa a quem doer, ainda que isto signifique chacoalhar os ressentimentos que todos os personagens parecem ter guardado dentro do coração somente esperando a oportunidade para liberá-los.
Bons atores revesam-se na companhia da estrela do baile, Brooklynn, e mesmo que uma ou outra subtrama pareça dessintonizada das demais, a narrativa é consistente na criação da atmosfera fria e distante de Selinsgrove e dos dramas familiares enfrentados por filhos em relação a seus pais: o tema central da narrativa.
Por ser baseado em uma história real impressionante, já que bastou o faro jornalístico de uma garota de 9 anos - retratado de maneira bem inventiva, semelhante ao feito em Uma Mente Brilhante - para desfazer uma injustiça tremenda, a série é cheia de mistérios que, ainda por cima, terminam com uma reviravolta inesperada e que deixa a porta aberta para a parte 2.
Recursos Desumanos (1ª Temporada)
3.6 20A quebra da quarta parede é um recurso para o personagem expressar seus sentimentos ao público com mais conexão do que se recorresse apenas à narração. Para Alain, vivido pelo ex-jogador de futebol Eric Cantona, é também necessário para que compreendamos as decisões imorais e torpes que o desempregado de 57 anos tomará na minissérie, todas questionáveis e algumas inadmissíveis, mas sem firmar de uma vez nosso juízo de valor em tempos de cancelamento.
Alain é uma vítima do sistema que premia um tipo específico de sujeito dentro do mercado empresarial, e o que a série francesa inspirada em fatos reais faz melhor é generalizar esta problemática. Nós podemos perceber seu desespero crescendo, as humilhações acumuladas seus valores sendo postos à prova e a sensação de que está "perdendo" a mulher e as filhas. Com a cabeça fria, sabemos que isto não aconteceria, exceto se não por fruto de suas ações sem caráter que o aproximam mais da personalidade capitalista do CEO Alexandre Dorfmann do que do altruísmo de melhor amigo, Charles Bresson. No entanto, a nuvem pessimista que paira sobre ele é tão escura que não consegue enxergar um palmo além do nariz.
É, Alain não é flor que se cheire, por isso precisamos da quebra da quarta parede, para ao menos entendermos seus sentimentos, questioná-los e criar empatia pela situação. E esta é daquelas inacreditáveis, que resultam na combinação de subgênero cinematográficos na narrativa, com habilidade para não entrarem em conflito, e criam a sensação de que o andar da carruagem é constante, ainda que imprevisível. Até porque, Alain está onde está não porque o capitalismo empurrou o pé sobre sua cabeça, mas porque ignorou qual o porto seguro de toda pessoa em situações de crise: a família.
Sangue e Água (1ª Temporada)
3.7 46 Assista AgoraQuando adolescentes não são subestimados por roteiro imaturos, são tratados como agentes maquiavélicos que causariam inveja em Kathryn Merteuil ou Regina George, se estas estivessem a frente de tramas e de traições nascidas evidentemente da recusa em revelar a verdade quando as (muitas) oportunidades aparecem.
A escola da vez é Parkhurst. Os jovens ricos agem como ensinam os clichês: embriagam-se, consomem drogas, organizam festonas, invadem o colégio à noite e transam com o que respirar, enquanto a gata borralheira, Puleng, passeia sem convite pelos corredores deste mundo artificial e traiçoeiro tentando encontrar a irmã, sequestrada da maternidade na infância. O tema é sério; a abordagem, não. Aliás, os temas: já que a relação indevida entre professor e aluna e a queda de braço por poder desempenham papel fundamental.
Para costurar isto, o roteiro capenga, herdando os piores erros dos dramas adolescentes. As descobertas acontecem à força, tipo puxar a mochila das costas e torcer para o diário cair aberto na página certa ou o jovem citar o nome da colega pelo sobrenome, somente para ser corrigido e, assim, ser revelada a mentira. Pensa comigo: qual o adolescente se refere a outro pelo sobrenome, ex: fui na festa da Sra. Costa. Oi? Ah, que tal ser seguido por um veículo misterioso - que deveria ser secreto, mas pode ser identificado com uma facilidade a partir de uma descrição para lá de imprecisa após consulta ao Google?
Enquanto isto, a direção disputa com o roteiro para decidir qual o mais decepcionante: as cenas de natação beiram o amadorismo - o que custava contratar nadadores dublês para verossimilhança? - e, numa cena de sexo, a personagem cobre-se com as mãos não por estar com vergonha do parceiro, mas da câmera! E fica tão explícito que é impossível não "sair" da narrativa ao menos por este instante.
Quanto ao mistério resolvível por Puleng nos minutos que dedica a isto, a trama ignora o ponto central e deixa tudo para a próxima temporada. Mas, para esta, eu que não vou me matricular.
Despachos de Outro Lugar (1ª Temporada)
4.2 28 Assista AgoraRaramente, você tem a oportunidade de assistir a minisséries iguais a esta. Funcionando em múltiplos níveis, este drama melancólico a respeito da importância de relacionamentos interpessoais e intrapessoais parte da história real, acreditem!, contado no documentário The Institute, quando o artista de rua Jeff Hull criou um jogo interativo em São Francisco, com a intenção de integrar a população em uma história sobre os fictícios Instituto Jejune e seus rivais, os membros da Elsewhere.
No entanto, a série não é tanto sobre o jogo, e mais sobre cinema e pessoas. Em relação ao primeiro, a quebra da quarta-parede é o convite para que exerçamos a identificação e a empatia, essenciais para calçar os sapatos dos personagens, comemorar suas vitórias e sentir syas dores. E não é difícil encontrar razões para torcer por Peter, Simone, Fredwynn e Janice, que são substitutos da pessoa média e das doenças e males atuais: depressão, solidão, autoaceitação, individualismo. A favor, quatro atuações imensas, com destaque a atriz transsexual Eve Lindsley, carismática e radiante em um papel que depende de voz, e também a doce Sally Field e o intrigante Richard E. Grant.
Como descobriremos quando chegarmos no enigmático episódio final, que entende que o cinema é a arte de manipular o tempo e as expectativas do público, a minissérie revela o ser humano. Não somos nada isolados. Somos seres gregários, coletivos, dependentes da relação com o próximo e de nós com nós mesmos para que alcancemos a felicidade e o propósito da vida. O que seria de nós sem compartilhar alegrias e tristezas? Nada! E a minissérie revela isto com a metáfora da unidade e do involucro que nos limita e também da coletividade e integração, base também do cinema (de novo, assista!) e da sociedade.
Hollywood
4.1 330 Assista AgoraIgual Quentin Tarantino fez em Bastardos Inglórios e Era uma Vez em... Hollywood, Ryan Murphy também manipulou a história para fins de entretenimento com a intenção de criar um conto de fadas em plena Era de Ouro do cinema. Não existe nada de errado em fazer isto, e a boa intenção do criador se justifica ao chegarmos no episódio final, e notarmos a importância da representatividade como instrumento para termos mais justiça e equidade em nossa sociedade através da arte. No pós-guerra, jamais haveria um estúdio de cinema dirigido por uma mulher, uma produção protagonizada por negros e casais homossexuais de mãos dadas nas ruas, que dirá a conclusão da minissérie. E daí? Verossimilhança não combina com o otimismo contagiante do entretenimento glamouroso e atraente da época.
O que não significa que a série não é prejudicada por erros habituais na carreira de Ryan Murphy: simplificar a resolução de problemas complexos, como tirar de letra o orçamento adicional exigido ou resolver a passagem do sexto ao sétimo episódio de forma tacanha e que não honra a ansiedade causada em nós. Aliás, o elenco é muito irregular, com ótimos atores (Joe Mantello está inesquecível como Dick Samuels) misturado com atuações bem fracas, quando não péssimas (Jake Picking tenta ser canastrão como Rock Hudson era, mas apenas consegue transparecer apatia e inexpressividade). O resultado é misto: um bom conto de fadas que mereceria, porém, um roteiro melhorado e atuações à altura do capítulo mais lendário e preconceituoso da história de Hollywood.
White Lines (1ª Temporada)
3.2 57O que você obtém quando os criadores de La Casa de Papel e The Crown se encontram e resolvem desenvolver uma série de mistério (o clássico whodunit) no cenário alaranjado e hipnotizante da festeira, hedonista e drogada Ibiza? Uma espécie de Frankenstein das raves que não sabe muito o que é, o que pretende ser ou como desenvolver seus temas centrais, contudo, mesmo assim, mantém um charme justificável pelo apelo visual e pela envolvimento do espectador em descobrir quem matou Alex, o irmão de Zoe. Mais sexual do que esperaríamos - o que confere realismo, crítica àquele estilo de vida e objetificação -, o trio de diretores Nick Hamm, Luís Prieto e Ashley Way enxerga em Ibiza um paraíso fascinante e um inferno repugnante, tudo ao mesmo tempo, o que explica a escolha por uma fotografia mais irreal, como se a iluminação houvesse sido obtida detrás do globo de luz do tempo das danceterias.
A série é atrativa, embora afaste-nos do drama de Zoe e de como amadurece enfrentando os traumas do passado. Enquanto isto, Zoe envolve-se amorosamente com o típico bruto de bom coração - que também é pintor, hehe - e desenterra os esqueletos enterrados bem fundo, com isto interferindo na vida até do menor coadjuvante da trama: dos romenos que realizam o tráfico de drogas até da família poderosa que pretende obter a licença para um cassino. Ah, mencionei do tanto de flashback que conta o passado de Alex? Pois é. Muita coisa na bandeja não costuma ser bom, e a série esquece o mistério, mistura perseguição de carros, cenas de sexo estilizadas debaixo da chuva e na terra molhada e muito mais. É uma bagunça, mas ainda assim, uma que cativa.
Condenados pela Mídia (1ª Temporada)
3.7 18Costumo devorar séries a respeito da justiça norte-americana, Perícia Viciada, O DNA da Justiça são apenas os exemplos mais recentes na Netflix, porém a produzida por George Clooney e Grant Heslov executa mal a premissa intrigante: como a imprensa interferiu na opinião pública a ponto de enviesar a justiça, trazer maiores danos às vítimas ou mesmo inocentar culpados? Ao longo de 6 episódios, somos apresentados a casos reais a partir da lente contemporânea, com depoimentos de envolvidos e especialistas tomados hoje e imagens de arquivo retratando o ontem. Embora sejam interessantes os casos e, muitos provoquem indignação (em especial, o quinto), a série falha em evidenciar como a mídia interferiu decisivamente no convencimento do público e, consequentemente, dos jurados provocando injustiças. Ou seja, não cumpre o prometido.
A razão para isto exige que pensemos fora da caixa: se queriam ilustrar o jogo da mídia e como podemos ser manipulados, por que não construíram o documentário só em torno da narrativa cronológica da imprensa para que, depois, percebêssemos se fomos conduzidos a partir do enfoque de hoje? Note que nem mesmo os episódios são coerentes entre si, já que o quarto, King Richard, não é necessariamente sobre como as notícias distorceram a justiça, mas como Richard Scrushy utilizou as redes televisivas pentecostais para ganhar a simpatia do público e escapar da condenação. O terceiro, 41 Shots, já é menos sobre a imprensa e mais sobre o racismo estrutural da polícia nova-iorquina. Veja que não estou dizendo que os casos, isoladamente, não sejam bons o bastante para merecerem serem conhecidos, apenas que a série não soube executar o que propôs fazer.
NOS4A2 (1ª Temporada)
3.1 40Uma atividade infrutífera é procurar onde está a relação entre esta adaptação do livro de Joe Hill, filho de Stephen King, com o vampiro Nosferatu (NOS4A2 ou Nos-four-a-two). A trama é, na realidade, uma versão meio-macabra de Papai Noel misturada com o suco de groselha saído da cabeça do autor, como a definição de pessoas criativas ou de facas, os meios que permitem cortar o espaço-tempo, mas que funciona na proposta de criar terror ao redor da alienação parental, algo por que atravessa a heroína Vic, e do abuso infantil. Charlie Manx, interpretado com arrogância e oportunismo por Zachary Quinto, mantém o mesmo ímpeto dos monstros já escritos na família: Pennywise ou El Cuco do recente The Outsider, em como mira, especificamente, crianças, os pontos frágeis de nossa sociedade e nossa esperança de futuros melhores.
Apesar de o orçamento da série estar denunciado nas filmagens e na recusa da narrativa em aprofundar-se na Terra do Natal, isto possibilita o destaque de, p. ex., o ator de origem islandesa Ólafur Darri Ólafsson, cujo Bing mantém-se contraditório por toda a narrativa, no jogo entre a ingenuidade do garoto que matou os próprios pais e que acredita ter sido bom para entrar na Terra do Natal e a maldade revelada a partir de certo episódio. A mitologia não é explorada o quanto deveria e existem perguntas que a narrativa nem se impota em sugerir respostas, que dirá respondê-las de fato, mas existe algo hipnotizante nos vilões desta série de terror renovada para sua segunda temporada.
Succession (2ª Temporada)
4.5 228 Assista AgoraÉ admirável a construção dramatúrgica da série mesmo quando mais previsível. Afinal, se podemos adivinhar este ou aquele acontecimento, não é demérito da série, porém de nós, capacitados, por nossa experiência em audiovisual, a enxergar o arco dramático por que passam Kendall, Roman, Siobhan, Tom e, claro, Logan. A relação que há entre o primeiro e o último plano da temporada evidencia o trabalho dos roteiristas e satisfaz a procura de Logan por seu sucessor - evidenciada pelo sorrisinho tímido que surge no segundo final -, o que também somente seria possível caso todos os atores estivessem em seu melhor. E Brian Cox, Jeremy Strong, Kieran Culkin, Sarah Snook cumprem satisfatoriamente bem a missão de transformar personagens inescrupulosos em entretenimento, enquanto prestes a maquinar traições e apunhaladas nas costas. Já Matthew Macfayden e Nicholas Braun descarregam humor em uma relação passivo-agressiva, mas também muito reveladora.
Enquanto isto, as câmeras aproximam-se e afastam-se, cortam de um interlocutor a outro, articuladas com engenhosidade para conferir dinâmica a este drama semi-shakesperiano, tanto em forma (diálogos afiados, clímax construídos em torno de dramas aparentemente banais, ao redor de mesas de jantar e em discussões familiares) quanto em conteúdo, no cenário onde o autor conhecia como ninguém: o coração da disputa por poder e controle, não importa quem seja que precisemos atropelar para obtê-lo.
Noite Adentro (1ª Temporada)
3.6 165 Assista AgoraMuitas séries tentaram repetir o fenômeno Lost. Fase 1: pensar em uma premissa fora da caixinha (a série belga faz isto bem). Fase 2: desenvolver bem o bastante os personagens para que possamos torcer ou odiar, a partir de informações fornecidas por conta-gotas em flashbacks (aqui, as pobres e breves cenas inicias dos episódios não ajudam em nada na construção de personagens simplórios e que parecem não estar na sintonia do problema que enfrentam) e de interações, alianças e disputas internas (também sequer alcançado a sola do sapato da rivalidade entre Jack e Locke ou Sawyer). Fase 3: pensar em eventos e acontecimentos que demonstram que a premissa inicial era a ponta do iceberg e manter o espectador em tensão, mesmo sem explicações, mas apenas suposições.
Em matéria de tensão, a série funciona porque entende que lhe basta combinar: a trilha sonora eletrônica, com forte utilização de sintetizadores, o nervosismo e a apreensão de personagens que não conhecem nada uns dos outros e que falam e se movimentam de maneira agitada e o próprio conceito de roteiro chamado de time-bomb (basicamente, os personagens têm um tempo para resolver o problema do episódio, que é o nascer do sol). Ser tenso, contudo, não autoriza o roteiro a ser pobre a ponto de fazer o de La Casa de Papel parecer ter sido escrito por Christopher Nolan: personagem que aterriza um avião mesmo sem saber como fazê-lo, outra que realiza sua primeira cirurgia (Tokyo fazendo escola!). Faltou só a cena em que alguém ameaça a mão armada passageiros no interior de um avião, sabendo que qualquer disparo lá dentro mataria todos... opa, este clichê aí também veio. Ao final, a série belga não está em 220 V a toa: ela não quer apenas gerar tensão. Quer também que você não pense na trama enquanto não assiste. Mas nisto, eu não caio não.
Perícia Viciada (1ª Temporada)
3.7 10Imagina o seguinte: no estado de Massachusetts, 35 mil processos relacionadas a drogas e substâncias ilícitas dependem única e exclusivamente do laudo pericial produzido por 2 químicas de bancadas e que ambas agiam negligentemente por razões diversas. Como o sistema acusatório norte-americano pode basear-se, apenas, na opinião objetiva, embora maculada, de profissionais que não trabalham em instalações adequadas, sem a auditoria de procedimentos, a distribuição de casos e o inventário realizados com frequência? Aliás, sequer auditados! Enquanto isto, o poder de decidir a liberdade de dezenas de milhares de pessoas repousa no colo de apenas uma pessoa. Que absurdo.
Esta falha gravíssima na (in)justiça norte-americana é analisada sob a luz da investigação e julgamento de Sonja Farak e Annie Dookhan, peritas acusadas por crimes efetuados no exercício da profissão. A minissérie em quatro episódios examina como este sistema tenta a todo custo proteger o mau trabalho, retardando e mesmo ignorando, tanto quanto pode, a natural consequência disto: o arquivamento dos processos com a eventual libertação de quem fora aprisionado. Temos à disposição vários pontos de vistas: advogados de defesa, promotores e procuradores, policiais e até familiares de Sonja, presente na interpretação da atriz escalada para reconstruir os eventos. Às vezes, o conteúdo é prolixo e repetitivo, embora jamais deixe de inspirar nossa indignação e a urgente necessidade de revisão do sistema penal do estado.
Disque Amiga para Matar (2ª Temporada)
4.1 106O momento da ruptura da suspensão de descrença acontece quando, diante do amontado de clichês ou de soluções artificiais ou de coincidências ou tudo junto, quebramos o nosso acordo tácito de embarcar no roteiro da produção e, com isto, vai embora a experiência de assistir a Jen e Judy enfrentando mais percalços por conta do assassinato de Steve. Claro que este ponto de quebra depende de cada um, mas, assim que descobrimos que Steve tinha um irmão gêmeo E que Judy começou um relacionamento com a ex de Perez E que todo mundo naquele micro mundo de Laguna Beach está umbilicalmente amarrado, não de maneira lógica mas apenas por conveniência da trama, rompeu o fio que me prendia à tragicomédia de duas mulheres tentando fazer o certo de formas erradas.
O roteiro perdeu o equilíbrio que havia na temporada anterior, que conciliava elementos já conhecidos do público, p. ex. a mentira que seria revelada no momento-chave da trama e que Judy tentava mas não confessava a Jen, com o humor ácido, discussões essenciais sobre relacionamentos abusivos e goladas de vinho à beira da piscina. Linda Cardellini e Christina Applegate, aquela mais do que esta, continuam afiadas no jogo de dor, sorrisos, lágrimas, porém, entre tapas e beijos, com menos humor e mais drama. Há charme? Sim. Mas há também excessos, situações mal-resolvidas, clichês desnecessários e que mais atrapalham do que ajudam, coincidências forçadas até dizer chega como se houvesse só uma dúzia de pessoas habitando naquela comunidade. A ironia da placa de PARE parece aplicar-se aqui: às vezes é melhor dirigir com paciência e consciência, elementos faltantes nesta continuação.
Upload (1ª Temporada)
3.8 197A premissa pode não ser a mais original, mas o roteirista Greg Daniels (de The Office) sabe expandir o conceito do pós-vida em uma espécie de idílico retiro de consciências com criatividade, com ponderações interessantes sobre como funcionaria este futuro próximo - rola até crítica à desigualdade social entre quem pode arcar com os planos custosos e os chamados 2 Gigas - e sacadas divertidas: como presenciar seu próprio funeral ou a existência de uma espécie de deep web além das fronteiras do código que admite comportamentos não chancelados pela empresa. Além disto, apesar de a série partir do clichê do playboy mimado vivido por Robbie Amell que vai descobrindo, após a morte, como ser um bom ser humano, a partir da convivência com uma pessoa boa e interessada vivida por Andy Allo, o contexto narrativo possibilita alguma originalidade.
O problema é que Greg Daniels, tendo que conciliar duas narrativas - o romance entre Nathan e Nora e a investigação da morte "acidental" do primeiro, sem oferecer nenhuma resolução satisfatória, ainda que parcial -, ainda introduz personagens coadjuvantes que nem são engraçados o bastante para justificar sua presença, nem são relevantes à trama. São pesos mortos que atrasam o desenvolvimento e, pior, criam a sensação de que uma série com episódios de 25-30 minutos pareça mais extensa do que é, esquecendo do que é importante ao término. Mas boas atuações de Robbie e, principalmente, da camaronesa Andy ajudam a tornar o pós-vida em uma experiência mais recompensadora.
Westworld (3ª Temporada)
3.6 322Por um lado, é bom que séries-cabeça entendam que, a partir de um momento, é hora de solucionar alguns de seus mistérios, em vez de gestar, como coelhos, mais e mais até que não lembremos a razão de estarmos assistindo a algo senão para bolar teorias, ler fóruns e quebrar a cara diante de incoerências e inconsistências. Então, sim, esta temporada tem como mérito o fato de conservar e expandir os temas originais ao mundo real - liberdade, determinismo, livre-arbítrio etc - numa narrativa menos intrincada, linear e bem resolvida, se tomarmos a jornada de Dolores como mote central. Isto não quer dizer, no entanto, que não seja decepcionante assistir a queda vertiginosa em qualidade: onde a violência era só o resultado dos prazeres humanos, agora virou um recurso banal e mal executado: filmes de ação fazem o que Westworld tem feito melhor e há mais tempo. Não eram tiros ou lutas seu diferencial, mas a filosofia que guiava o comportamento dos anfitriões.
Abrindo mão disto e dedicando-se ao que não era seu forte, a 3ª temporada acaba sendo melhor quando sua filosofia vem à tona na forma de personagens criados à semelhança de outrem, mas cujo comportamento é diferente porque também são suas experiências. E se a alegoria religiosa é consequência óbvia desta reflexão, a missão de Serac é justo de construir o deus que os humanos exigem para viver em paz, não no caos, e contra o qual Dolores insurge-se. Se mencionei a protagonista, a personagem, se honrado o desfecho é claro - o que duvido que acontecerá -, apresenta um arco consistente, culminando em um episódio final que desperta múltiplas reações: se apreciamos a franqueza da conclusão, não podemos ignorar que muitos dos eventos passados ou foram descartáveis - a famosa barriga - ou baseiam-se em comportamentos que não poderiam mais ser previstos depois de o segredo de Rehoboam vir à tona. O que virá na 4ª temporada, eu não sei, mas torço que conserve apenas a objetividade desta e retorne à intelectualidade apaixonante que havia nas anteriores.
Eu Nunca... (1ª Temporada)
4.0 421 Assista AgoraNão existe nada de inovador na mais nova série adolescente: amores platônicos, relações culturais e familiares turbulentas, autodescoberta da orientação sexual, representatividade etc. O que a diferencia de tantas mais é o contexto dentro de uma família indiana radicada nos Estados Unidos e que acabou de perder o patriarca, provocando, como rebote do luto traumático, a paralisia temporária dos movimentos da protagonista, Devi. A partir de então sabemos como os temas irão ser desenvolvidos antecipadamente, a ponto de não sermos surpreendidos quando, p. ex., for revelada uma mentira de Devi ou esta ignorar os apelos de suas amigas que também têm seus próprios problemas tão grandes quanto os dela. E quem irá chocar-se pela enésima vez em que uma mulher for obrigada a casar com quem fora escolhido por sua família? Isso, ninguém.
Se não existe novidade da narrativa senão nos elementos culturais inseridos pela criadora Mindy Kalling ou no drama inicial vivido por Devi trazido pela co-criadora Lang Fisher, há muita autenticidade em como está sendo retratada esta fase do amadurecimento e ainda honestidade em assumir os clichês como elementos necessário dentro de sua construção. Não porque clichês são necessariamente bons ou maus, porém, quando bem trabalhados, sua existência denota um elemento óbvio: que aqueles dramas não são somente de Devi, Fabiola, Mary ou Ben, mas de um sem-número de adolescentes que estão passando por esta mesma estrada e podem achar, na narrativa, conforto em saber que não estão a sós. Mas, de uma coisa podemos ter certeza, quem esperaria que uma série adolescente fosse narrada por um ex-tenista profissional? É, no final, a gente sempre pode se surpreender.
The Midnight Gospel (1ª Temporada)
4.5 455 Assista AgoraCertos filmes ou séries intimidam-me quando pretendo escrever minha opinião por não me considerar apto a por, em palavras, quais as sensações proporcionadas. Pra começo, a necessidade humana de conexão e compreensão de assuntos filosóficos, existenciais e sociais complexos demais para seres de carbono egoístas e cujo sopro de vida é um mísero piscar de olhos do universo. Enquanto somos levadas por esta viagem dentro de nós mesmos, com auxílio de uma animação psicodélica, cheia de significados em suas curvas bizarras, transgressoras e muitas vezes repugnantes, passeamos por temas como descriminalização das drogas a partir da analogia de zumbis (sim!), consumo de carne animal (sim!), serviços funerários (oi?), perdão, meditação, morte e relações afetivas maternas (o episódio mais dolorido e íntimo de todos). Somos capazes de absorver tudo? Talvez não de primeira, mas existe a vontade de rever e captar o que havíamos deixado passar batido.
Como a sensação causada por drogas, a série nos convida a permanecer em um estado de inconsciência, embora nossos sentidos permaneçam ativados: estamos mais passivos, absorvendo, consumindo informações discutidas de maneira despretensiosa e acessível, aprendendo assuntos enriquecedores com especialistas que assumem os avatares de criaturas que vão do presidente dos Estados Unidos à morte com foice e... caolha. Queria poder ser capaz de traduzir o que a série proporciona, mas, acredita, você jamais viu algo parecido em uma das melhores criações deste ano.
After Life: Vocês Vão Ter de Me Engolir (2ª Temporada)
4.2 94Não existe percurso fácil em lidar com o luto sentido por quem amamos (meus pêsames e sentimentos a todos os leitores que perderam familiares e amigos nesta epidemia), e Tony revela o processo paciente, gradual e perigoso de conviver com os próprios fantasmas do passado, nesta temporada tão importante quanto a anterior. Se a primeira desejava exibir a Tony as razões para não desistir de si, agora a ideia é pegar aquele personagem, apto a reconhecer pequenas alegrias diante de si e a se portar melhor com o próximo, e obrigá-lo a encarar que, nesta jornada, sempre pode haver tropeços, retrocessos. A depressão não é adversário a ser ignorado, e as vezes em que Tony abaixa a guarda, seus pensamentos suicidas retornam, enquanto a vida dos prosaicos morados de Tambury segue em frente, com bom humor, doçura e singeleza.
O humor ácido de Ricky Gervais está intacto, permitindo-lhe expor seu modo de pensar e sua visão particular da vida à medida em que revela sua humanidade. Tony é Ricky, e não há como negar a força com que o ator insere, dentro do texto, suas concepções, com que podemos ou não concordar, embora não negar a eficiência e veemência com que defende aquilo em que acredita (ou não). É como se a série fosse semi-autobiográfica, mantendo o texto leve na simplicidade e profundo na autenticidade dos dramas contados. No fim, sim, a narrativa pode até parecer trivial e apática, mas assim também é a vida e, importante, a vida de Tony, cujos olhos e coração são nossos guias por esta série cativante.
Succession (1ª Temporada)
4.2 261Pode ser apenas eu, mas gosto de assistir a ricos moralmente corrompidos esfaqueando uns aos outros pelas costas enquanto disputam quem alcançará o topo da hierarquia dos Roy (traduzível para Rei). A sensação é a de estarmos assistindo à adaptação de William Shakespeare, dado a propensão do autor em discorrer, com bom humor, sobre a podridão de onde o poder é decidido e quais as consequências desta disputa aos meros mortais da plebe. E por estarem tão inatingíveis para nós, como também os lobos de Wall Street de A Grande Aposta, do produtor Adam McKay, acabamos tratando este mundo como se fosse paralelo, com uma curiosidade mórbida de quem está torcendo não por um, ou outro, mas apenas pelo circo pegar fogo com todos aqueles poderosos inescrupulosos dentro.
E como é divertido sentir assim! Ainda mais quando temos grandes atores conferindo uma tridimensionalidade a personagens melhor definidos pelos vícios (Logan, o poder; Kendall, as drogas; Roman, a si mesmo etc). O estilo da narrativa pode incomodar, especialmente se você não estiver habituado ao cinema de Adam McKay, mas com o tempo, os zooms e os cortes rápido acabarão traduzindo a forma com que estes personagens atuam em seus planos de poder (com agilidade, prestes a trair ou enganar o próximo) e como a direção os enxerga, aproximando-se deles com surpresa e atenção. É hilário mesmo sendo trágico, pois estamos falando de pais e irmãos, que alardeiam os valores da família em todas as mídias, somente para que, entre quatro paredes, sejam os primeiros a exibir que família é apenas o primeiro concorrente que você terá nos negócios.
Contos do Loop (1ª Temporada)
4.3 218 Assista AgoraInspirada na arte de Simon Stålenhag, um artista plástico sueco cuja carreira é dedicada a obras retro-futuristas e que também está listado como autor dos episódios, esta série de ficção-científica é sobre pessoas e ideias, não sobre invenções, muito embora estas estejam presentes e interfiram na trama. É humana em vez de ser mecânica; espiritual, filosófica e existencial, enxergando não máquinas diante da televisão, porém indivíduos, nós!, capazes de estabelecer uma conexão autêntica e emocional com aquelas pessoas cuja normalidade é alterada só por estarem próximas ao loop. Dramas universais movem personagens pelo formato semi-antológico da série, quer dizer, cada episódio é autônomo, apesar de haver relação de interdependência maior ou menor com os anteriores, uma vez que todos os personagens habitam o mesmo núcleo.
Um núcleo construído a partir da fotografia agridoce e melancólica, com espaços abertos e vastos servindo como contraponto à inspiração da obra impressionante de Stålenhag e que aparece na forma de maquinários ou construções tiradas de seus trabalhos. Aliás, a percepção é a mesma que poderíamos esperar quando percorremos a galeria do artista na internet: a perplexidade da humanidade não diante dos monumentos tecnológicos que constrói a cada dia, mas em como os sentimentos permanecem constantes, invariáveis e emocionam e machucam com a mesma intensidade de sempre. Uma série obrigatória.
Homens? (2ª Temporada)
3.9 38 Assista AgoraFábio Porchat permanece capaz de discutir atitudes machistas e preconceituosas dos homens a partir da lente do bom humor, combinando também drama com elegância e propriedade. Agora, sua munição está guardada para aborto, casamento aberto, choque geracional, fragilidade masculina e tantos mais temas introduzidos através de inserções pitorescas, como aquela contada na forma de sitcom ou da porta dos desesperados. E, enquanto estes momentos obtêm os risos necessários para que funcionem comicamente, também proporcionam reflexões sobre qual o papel do homem contemporâneo dentro da sociedade em transformação, e como este pode reaprender empatia e respeito para ser uma pessoa melhor a cada dia.
Enquanto Fábio e o pai procuram restabelecer os laços estremecidos por mentalidades que enxergam o papel do homem diferentemente, Gustavo e Natasha iniciam romance nascido dentro do consultório de aborto e Pedro e Mari continuam aventurando-se pelo mundo do swing até descobrir que este é o prego que sustenta seu relacionamento. São construções que permitem o crescimento dos personagens, inclusive os coadjuvantes, e proporcionam o nível de conversa honesta e franca que homens precisam para retirarem a interrogação do final do título da série a substituírem por um H maiúsculo. O processo, porém, é gradual e lento, enquanto isso, nos divertimos às custas das presepadas destes marmanjos e aprendemos com seus erros o que não devemos cometer no nosso dia a dia.
Califado (1ª Temporada)
4.5 126 Assista AgoraNão existem meias-palavras quando o assunto é terrorismo. Podemos debater como a propaganda do Estado Islâmico (ISIS) penetra na cabeça de jovens, contaminando-os a ponto de cometer um assassinato covarde de inocentes. Podemos, inclusive, tentar entender a origem histórica das agressões dos países muçulmanos a ocidentais. Mas não podemos defender violência como alternativa. Esta série sueca, cuja renovação não está garantida, analisa as consequências da ideologia assassina e opressiva do ISIS de pontos de vista complementares. Enquanto assistimos à investigação policial e a negociação para retirar de uma síria e sua filha do país, também acompanhamos a tragédia familiar iniciada após a filha mais velha enamorar-se do fundamentalismo islã na forma do monitor escolar e, sem perceber, infectar a irmã caçula. A narrativa compatibiliza tramas concorrentes de maneira desenvolta, distribuindo o tempo com inteligência para cada eventos e alternando entre estes para mantar o espectador sempre em estado de aflição, temeroso pelo que irá acontecer no momento seguinte.
A escalada é eletrizante, e coloca o público na posição confortável de criar ódio mortal do aparentemente gentil Ibbe (Lancelot Ncube). Também sofremos com as cabeçadas dadas pela policial Fatima (Aliette Opheim) durante a investigação, chegando até a questionar o roteiro em certos momentos que, para criar momentos tensos, termina por apelar a formas simplórias de agigantar a tensão. Nada que atrapalhe esta narrativa que evita criminalizar a religião - defendendo o islamismo pacífico -, mas critica sua versão cruel e radicalizada, enquanto contextualiza a narrativa em uma Suécia pluri-étnica, fotografada sob paletas de cores distintas e ganhando vida por atuações diversificadas. Ao término, o resultado não é acovardado, mas implacável como também são as consequências do ato terrorista.
O DNA da Justiça (1ª Temporada)
4.3 11Documentários a respeito do sistema de justiça já devem ser considerados gênero. Todos os dias, não faltam casos reais de inocentes encarcerados por confissões fraudulentas ou por acordos desvantajosos com a promotoria pela impossibilidade de arcar com os gastos do julgamento ou, como evidencia esta série (ou minissérie), por aplicação inadequada da ciência, por coleta de depoimentos não confiáveis de testemunhas ou mesmo por desídia criminosa da promotoria, que deveria zela pela busca da verdade, não apenas por ter um número alto de condenações (que é o que os norte-americanos olham quando elegem os seus representantes). O custo disto? Décadas da vida de inocentes despejadas no ralo e dinheiro dos impostos usado para pagar indenizações milionárias por este período.
Naturalmente, os 9 episódios da série provocarão sentimentos plurais: nós repudiaremos os maus policiais, promotores ou peritos, e nos alegraremos, agridocemente, pela soltura de inocentes, graças ao empenho do Projeto Inocência que, gratuitamente, ajuda a tornar a justiça norte-americana melhor em seu desejo de torná-la mais justa e descortinar más práticas, ciente de que condenar injustamente não é apenas ruim para o inocente, como também para a vítima, que não terá a justiça que busca, e para o sistema, como um todo. Mesmo que cada episódio siga a mesma fórmula tarimbada do gênero, existem nuances trazidas por diretores indicados ou vencedores do Oscar (Alex Gibney, Liz Garbus, Roger Ross Williams etc) que enriquecem a experiência de assistir, pela enésima vez, a mesma história de injustiça, e sentir os mesmos sentimentos como se fosse a primeira vez.