Julguem-me, mas eu adoro histórias sobre bandidos corruptos e gananciosos contadas com festim, sarcasmo e delírios, igual ocorreu, por exemplo, em O Lobo de Wall Street. Aqui, conhecemos o escândalo popularmente chamado de Fifagate pelo ponto de vista dos membros da Conmebol (a federação sul-americana de futebol).
Quem narra é o falecido Don Julio (interpretado com presença de cena, perspicácia e sensibilidade por Luis Margani) que apadrinhou, como seu protegido Sergio Jadue, um indistinto presidente de clube que chegou, de forma cômica e atrapalhada, ao topo do futebol chileno.
Só por isto, a minissérie em 8-capítulos já vale a espiada, ao narrar não somente um fato histórico de que o Brasil participou ativamente (que vergonha) e também ao enxergar um clássico vira-lata do cinema se transformando no dirigente opressor apesar do semblante bobo e um tanto quanto ridículo.
E aí entram dois aspectos irresistíveis: a atuação central e a linguagem narrativa. Andrés Parra como Sérgio Jadue é irrepreensível, sendo capaz de inspirar múltiplos sentimentos no espectador: a começar pelo sentimento de peixe fora d'água naquele meio, à antipatia com relação a como trata às pessoas próximas quanto mais dinheiro acumula, sobretudo a esposa Nené.
Já a linguagem narrativa é eficiente e criativa em como amarra, com clareza a partir da razão de aspecto (o tamanho da tela) e da fotografia, o passado e o presente, também introduzindo imagens de arquivo que retroagem até mesmo ao início do século passado quando conhecemos a história de João Havelange a frente da Fifa. Tudo isto com uma narração pertinente, que esclarece as inverdades com muita bossa, ironia e à adorável canalhice daqueles velhacos gananciosos.
O nome da cidade é Progresso. Sua escola modelo ensina as bases do agronegócio a adolescentes cuja cabeça está nas redes sociais ou nas festas raves regadas a drogas. Começa um surto misterioso, cuja contaminação é transmitida boca a boca e, pá, você está nas mãos de um conteúdo com muitos paralelos a serem traçados com o Brasil de hoje e também, acidentalmente, com a pandemia que enfrentamos.
Logo no início, existe a turma dos negacionistas da doença, que continua vivendo como se não existisse nada senão seus prazeres egoísticos, e aqueles que procuram mapear quem seria o paciente zero e quem poderia haver contaminado quem. Ao mesmo tempo, desenvolvem-se relações adjacentes entre pais e filhos e, se não bastasse isto, ainda há elementos clássicos de terror (na verdade, do body horror) com a assinatura da diretora Juliana Rojas.
A série nacional tem muito no seu prato e, em apenas 6 episódios, tem dificuldade em atar todas as ideias num núcleo coeso, igual a seus adolescentes que, submetidos a dezenas de estímulos, acabam represando suas emoções no coma. Tem sido o problema de séries nacionais: o subdesenvolvimento provocado por muitos temas discutidos (nossa realidade brasileira inspira isto).
A direção de Esmir Filho e Juliana compensa, como na inserção discreta do panfleto em relação à agropecuária em áreas florestais (uma crítica ao não preservacionismo) ou a sensibilidade com que debate os temas geracionais de identidade, sexualidade, família por que os adolescentes passam, aqui representados pelo elenco rebelde e competente.
Já a estética fotográfica usa o azul e o rosa como cores-chave para debater seus conflitos (repare na cor do suéter da personagem de Denise Fraga no início e no fim para que veja sua transformação pela forma com que se traja). O azul oprime e sufoca; o rosa liberta, e não é em vão que as janelas do hospital refletem esta cor, numa série brasileira intrigante ainda que zoneada pela quantidade de temas tratados.
Leve, despojada e preocupada em revelar não o funcionamento do burocrático processo de adoção, mas o amadurecimento dos pais, esta comédia britânica tem a sorte de ter o duo composto por Rafe Spall, engraçado e descontraído sem ser tolo, e Esther Smith, um poço inesgotável de amorosidade, esperança e também ansiedade e frustração.
A dinâmica deles pode não ser a melhor do ponto de vista romântico, mas é em função da narrativa, um duo equilibrado e apto a concluir a piada do outro de forma autêntica. Quem percebe isto é a assistente social interpretada por Imelda Staunton, na típico personagem da fada madrinha, cuja sabedoria confunde-se com o comportamento pitoresco aqui, mas humano no restante do tempo.
A construção de situações cômicas, como aquela dentro de um grupo de apoio, funciona como vazão do riso represado, perdendo apenas força quando a narrativa insere conflitos tolos, como a crise de meia idade de Jason perante uma aluna atraente.
Ainda assim, fico feliz em saber que a série já está renovada para a segunda temporada. Enquanto isto, os 8 episódios de 30 minutos são a garantia de descontração e escapismo para uma Londres acolhedora.
A ambição desta temporada frustra expectativas de quem escalou a colina do terror sem deixar de perder contato com a realidade: aquela, materializada no espírito Yurei, o típico antagonista do J-horror (o subgênero de terror japonês de onde derivam O Chamado e O Grito, por exemplo), e esta última com a entrada dos EUA na 2ª guerra mundial depois do bombardeio em Pearl Harbor.
O terror real é em ser nipo-americano e ser trancafiado em campos de detenção depois de os seus compatriotas ou ancestrais haverem comandado o ataque à base americana. Não somente perseguidos e escorraçados pela etnia, os nipo-americanos também perderam o muito que construíram e precisaram sobreviver a má nutrição ou a doenças mesmo tendo nascido em solo americano.
Já o terror fantástico está na forma do espírito revanchista, que pretende obter aquilo que lhe fora tirado. E o mais interessante está em como o espírito Yurei é mais humano do que os norte-americanos que celebram a destruição avassaladora da bomba atômica contra crianças e pessoas inocentes. A guerra é mais assustadora do que fantasmas, e o papo entre Derek e um prisioneiro em Guadalcanal é o ápice em tentar entender a miopia da matança.
A condução desta temporada, porém, tem dificuldade em conciliar as metades num todo recompensador à altura de sua ambição. O roteiro é preguiçoso em estabelecer quais as regras de possessão do Yurei ou como saber lidar com esta. Além disto, ainda que honre as famílias japonesas sobreviventes da guerra, construindo personagens complexos, faz isto a custa dos latino-americanos, vistos de modo estereotipado na mescla de religião e misticismo.
Gosto da ideia, gosto de seus valores, mas tenho ressalvas com a execução.
Toda sátira tem limites, mais ou menos elásticos. Afinal, não tem comédia neste estilo que resista o momento em que a crítica cínica e certeira começa a parecer tola, repetitiva e estúpida, não importa o ângulo que enxerguemos.
A ingenuidade que funcionava numa eleição no colégio, não funciona mais quando a disputa é por uma vaga no senado de Nova York, ao ponto de chegar a ser sugerido a decisão por uma disputa do jogo pedra, papel e tesoura. Eu entendo, a ideia é ironizar o sistema político e suas regras absurdas, e ajuda que os atores levem a sério o que está ocorrendo diante de si, mas o cartunesco passa do ponto. Passei a não me importar, e não existe nada pior do que a indiferença.
Payton ou Dede. Tanto faz. Depois de tantas traições, idas e vindas de coadjuvantes e subtramas provocadas pela reação explosiva do primeiro e resolvidas de modo cômodo, não existem chances de criar identidade ou empatia senão pelos eleitores (no episódio que repete conceitualmente aquele da primeira temporada).
Os diálogos continuam afiados, mas representam pouco ou nada na construção dos personagens ou no desenvolvimento da trama que caminha em direção ao óbvio. Posso até elogiar a atmosfera, embora seja chover no molhado quando pensamos em produções assinadas por Ryan Murphy, o certo é que os episódios curtos passaram com a sensação de que nada acontecia: nem sátira, nem crítica, nem humor.
Com as devidas licenças dramáticas a mão, a narrativa mosaico apresenta uma série de personagens relacionados aos campos de detenção de imigrantes na Austrália: o guarda divinamente bem interpretado por Jai Courtney, emparedado pelo desejo de ser uma boa pessoa em um ambiente hostil a este conceito, o imigrante árabe Fayssal Bazzi que, ao lado da filha, pretende recomeçar, a diretora vivida por Asher Keddie que enxerga o mal que seu governo tem feito àqueles que buscam asilo sem escapar do ciclo vicioso de ser parte da engrenagem e Sophie!
Sophie merece um parágrafo separado porque caiu de paraquedas onde não deveria: o drama de haver experimentado o abuso sexual de modo tão intenso que isto descolou o próprio conceito de pátria ao lado do senso de realidade é complexo o bastante, mas por mais relevante que seja, não parece coexistir com a mesma narrativa daqueles citados. É menos importante? Claro que não, mas igual a ela a Rosna de Helana Sawires, também vítima sexual, que não ganha a merecida atenção da minissérie.
Eu entendo o apelo da premissa (uma australiana num campo de detenção de imigrantes na Austrália que motivou a reforma do sistema do país) e admiro o vigor e a dedicação de Yvonne Strahovski neste papel difícil, mas sua presença distrai dos maus-tratos, da dor da incerteza e do medo de deportação.
Que, no restante do tempo, são visíveis e mostram como os países desenvolvidos não estão prontos a lidar com uma crise por estes provocadas. Um mosaico obrigatório, ainda que menos aprofundado do que poderia ser.
A série da Apple não é sobre as personalidades que contam, resumidamente, a trajetória de superação para estarem onde estão, mas é como inspiram pessoas a se candidatarem, quem sabe um dia, a estarem na mesma poltrona onde estão agora inspirando o próximo.
Esta é uma das relações mais belas, fruto da admiração e do encontro, no outro, daquele empurrão que precisamos para perseguir nossos sonhos, no lugar de nos encasularmos dentro de nossa amargura. Dear é um compromisso breve, mas importante em conhecer histórias sobre vitórias do homem comum contra as expectativas da sociedade em torno de si.
É um deleite acompanhar a trilha que inicia o processo de apresentação da personalidade a partir dos rostos das pessoas que tocou e a conclusão dela olhando o público dentro dos olhos como um convite para serem a melhor versão que são. Compromete que a biografia seja rasa? Não, já que o foco não é este. Compromete que os inspirados estejam lendo as cartas que enviaram em frente ao espectador? Não, embora enfraqueça a magia daquele momento de conexão epistolar.
Ao final, são 10 episódios que ajudam a iniciar o dia com positividade, ciente de que teremos obstáculos pela frente e que estamos dotados das ferramentas para superá-los, contorná-los ou retirá-los do nosso caminho. Só depende de nossa atitude.
Com séries documentais antológicas, como DNA da Justiça ou Confession Files e esta Mistérios sem Soluções, a Netflix está recriando a mesmo experiência daqueles antigos programas televisivos investigativos que costumávamos assistir nas sextas-feiras. É um subgênero em si praticamente e que tem seus méritos com mais esta série.
A questão está no escopo: apesar de as histórias (exceto a quinta, por razões que explico em instantes) trazerem os elementos que mexem com o espectador - situação espinhosa, injustiça e desolação são um combo e tanto para que sejamos levados por investigações que encontraram um beco sem saída e de lá não saíram mais - a maioria delas não teve a profundidade necessária para gerar engajamento além da curiosidade natural.
Além disto, o quinto episódio parece um peixe fora d'água ou um alienígena em meio dos humanos (rá), já que destoa nem tanto do tema (mistérios sem solução dã), mas de como este tema vinha sendo traduzido em histórias sobre crimes reais não resolvidos. É muito intrigante, sim, mas dramaticamente poderia ser mais envolvente.
Eu não saberia nem o que pensar se encontrasse um texto reclamando de sexo em uma chanchada acerca do mercado pornográfico, quanto mais que fosse eu quem escreveria este texto. Mas vamos lá.
Todo elemento inserido na narrativa precisa agir em função dela, não contra. O sexo nesta série nacional tem razão para existir: representa o choque da viúva Sofia após descobrir o empreendimento que manteve seu padrão de vida até então. Assumir controle das rédeas do que tem imenso preconceito é o conflito que Sofia deve vencer, enquanto administra os próprios desejos femininos e também as responsabilidade com os filhos.
Até aí, nada demais, porém quando a série foca demais no sexo sem uma razão aparente, perde o foco no desenvolvimento de Sofia. Quando cenas em câmera lenta, ilustrativas de fetiches e desejos que muitos têm vergonha em expressar, começam a tomar lugar do que deveria ser uma comédia de amadurecimento, a narrativa perde a mão, o tom e o ritmo, aí acelera como pode os conflitos no último episódio deixando um gosto amargo no final.
Não é caretice, e concordo com o manifesto da série de que sexo deveria ser menos tabu do que, por exemplo, mortes em filmes (o que não torna cinema pornô em arte, porém). Só acho que, ao escalar a comprometida Natália Lage, a desembaraçada Martha Nowill e caprichar no elenco, a narrativa deveria ser menos sobre sexo e investir em preliminares. Pena que não foi assim.
Estar familiarizado com o trabalho de um diretor é meio caminhado andado para saber onde se está pisando. Derek Cianfrance, de Namorados para Sempre e O Lugar Onde Tudo Termina, adapta o livro de Wally Lamb que é menos sobre a capacidade de Mark Ruffalo em interpretar personagens diferentes e mais sobre como o ator comunica a dor do passado que, muitas vezes, nem sua é.
O legado de nossos pais é como uma âncora que nos aproxima do fundo do poço, e enquanto aceitarmos responsabilidade por pecados dos outros ou acasos do destino, permaneceremos na penitência que enfeia o espírito como os acidentes desfiguradores que enfeiam Dominick. A força da atuação de Mark está na habilidade de comunicar, ao mesmo tempo, informações que parecem contraditórias: se a arrogância e grosseira são evidentes, o dito pelo olhar (a frustração, a impotência) ao lado da dedicação inabalável ao irmão criam empatia por quem muito sofreu (e fez sofrer!).
A narrativa é crua, seca. Tem a película desbotada do azul para enfatizar a amargura e, quiçá, miséria dos personagens em tela, mas que enfim encontra o otimista amarelo no final das contas. As filmagens evitam distrair do fundamental: o impacto da encenação dramática, a força das atuações, permanecendo à margem com a câmera bem perto do rosto de Dominick, sugestivo de como afastou as pessoas a ponto de permanecer só no quadro cinematográfico.
Os 6 episódios exigem MUITO, mas recompensam o investimento emocional e ensinam o poder do perdoar. Uns aos outros e sobretudo a si mesmo.
O fenômeno Dark é fácil de ser compreendido pelo sentimento de comunidade gerado: ainda que séries do naipe de Westworld mandem o público em busca de respostas a suas teorias, Dark é o que mais nos aproxima de recriar os fóruns de discussão antes vistos em Lost: analogias religiosas, mitologias, conhecimento de física quântica, quem não aprendeu um pouco sobre estes temas enquanto tentava decifrar seus símbolos?
E a 3ª temporada encontrou a melhor forma de solucionar seus enigmas mais cascudos: não o fazendo. Ao criar a justificativa para Winden e, no processo, homenagear o pai da viagem no tempo da ficção-científica, H. G. Wells, e inserindo comentários bem esparsos a respeito da teoria do gato de Schrodinger para que tivéssemos uma ideia superficial do que gerou mundos paralelos, a narrativa proporcionou o melhor: desfecho satisfatório e sem precisar tropeçar nas próprias pernas quando tentasse explicar uma física que nem mesmo os criadores devem compreender ao certo.
Assim, não importava a árvore genealógica dos personagens, já que a teoria introduzida de viagem no tempo é aquela que não abomina paradoxos. Pelo contrários, aceita-os de braços abertos, cientes de que a ordem entre passado, presente e futuro não é tão linear quanto imaginávamos. Para Jonas, o amanhã pode ser ir ao passado, assim como depois pode ser viajar ao futuro, em uma linha reta que realiza curvas no processo. Enquanto isto, a religiosidade é coerente com a teoria do determinismo x livre arbítrio que preenche o dia a dia de Jonas, Martha e os demais.
Posso me irritar com os dramas amorosos dos personagens dias antes do apocalipse ou a insistência em inserir datas para indicar em que ano estamos logo após realizar a mesma transição de buraco de minhoca, mas não nego a coragem da série em olhar o problema quântico que criou para si (desatar o nó entre os mundo) e reconhecer sua incapacidade de resolvê-lo de forma coerente e prática. No lugar, um adeus poético, bem ao estilo de, vejam só, a mesma Lost que reviveu na memória.
As temporadas passadas estavam preocupadas em estabelecer personagens culpados por crimes hediondos, Cora e Julian, mas que tinham justificativa no passado para terem nossa simpatia e exoneração. Com Jamie, a série parece ter invertido o enfoque, e isto não é ruim.
Ruim é não poder enxergar autenticidade no relacionamento dele com Harry Ambrose. É até compreensível que Jamie tente encontrar no detetive um substituto do Nick Haas, ou mesmo a figura paterna com quem possa confidenciar o que sente e esconde da esposa, é o contrário é que é incompreensível!
Tentando provar que Jamie é culpado infiltrando-se em sua vida, Harry nem de longe é o detetive experiente das temporadas anteriores, agindo de modo desgovernado, sem eira nem beira, quando o menor trabalho policial seria capaz de prova a culpa de Jamie. Não era difícil responsabilizá-lo, convenhamos, assim como não é verossímil a tentativa de associar um ao outro como se tivessem algo em comum.
Matt Bomer anda na corda bamba, andando por sobre o beiral estreito que o separa da vida ordinária com a esposa e filho recém nascido e o convidativo abismo que é entregar qualquer sombra de humanidade. O ator está incrível, convenceu-me da tortura por que passa seu Jaime, mas nem por isto é capaz de desenterrar a série do abismo que cavou para si mesma: aquele que encontrou no roteiro tolo a desculpa pra contar uma história que merecia mais afinco.
Huzzah! Baseado na peça escrita por Tony McNamara, escritor de A Favorita, esta versão ocasionalmente real da ascensão de Catarina, A Grande, ao trono da Rússia encontra no humor ácido, na sátira e no absurdo o retrato de Pedro II e também dos membros da corte que precisavam administrar os humores do czar para que não morressem por um capricho seu.
Sim, embora a série verta sua atenção à Catarina, é Nicholas Hoult quem salta aos olhos em um desempenho ainda mais doentio do que aquele visto em A Favorita, parecendo o tipo de garoto mimado que costuma queimar formigas debaixo do sol quente com o auxílio de uma lupa. Sua imprevisibilidade move a trama de tal maneira que é impossível saber o estado momentâneo dele ou o que realiza a ponto de colocar Catarina em uma cruzada para assassiná-lo e assumir o controle absoluto.
Elle Fanning, enquanto isto, esta em seu melhor papel. Uma que transforma humilhações diárias e violências inomináveis - ainda que enxergadas sob o véu da comicidade - em um motor que não a deixa esmorecer. E a atriz - igual a Emma Stone ou Rachel Weisz antes - não tem pudor em parecer ridícula, pois é assim que McNamara enxerga a monarquia. Tê-la, por exemplo, acocorada antes de realizar suas necessidades enquanto discute com uma serva da corte é, talvez, uma cena que jamais imaginaríamos encontrar a atriz e mesmo diante do choque, não saímos daquele contexto central.
Que pode ser irreverente quando promove assassinatos em público, mas não deixa de ser urgente e envolvente a cada episódio.
Por ser apaixonado pela 1ª temporada na forma como constrói suspense e estabelece sua atmosfera paranoica e conspiratória, este retorno sem Julia Roberts, mas com a talentosa e misteriosa Janelle Monáe, tenta repetir a fórmula de criar tensão e apreensão a partir do uso inteligente da trilha sonora, fotografia e montagem, que agora confere ritmo e também articula a trama no tempo.
Acerta na maior parte do tempo, menos quando tenta transformar uma história para lá de simples em uma trama mais complexa que envolve múltiplos atores e tempos narrativos variados, embora tenha apenas uma resposta a nos dar: como Alex ou Jacqueline perdeu a memória? As consequências à corporação Geist também resultam em uma solução fácil, ainda que satisfatória, conclusiva e que incute reflexões em matéria do trabalho realizado pela empresa privada.
Pois de boas intenções, o inferno está cheio, ensinava o ditado, e aprender como a melhor das intenções pode render o pior dos resultados aos homens e mulheres envolvidos, além de debater a respeito do conceito de mortalidade de uma maneira particular e espírita são os aspectos mais recompensadores de uma trama que é mais estilo do que substância.
Ou ao menos, é isto que quer que pensemos até os minutos finais.
O macabro e o folclore fazem parte desta série italiana que leva o espectador à pequena cidade de Curón, cuja principal característica é a torre submersa no lago. Ou quem sabe, o fato de haverem doppelgängers espalhados pela narrativa.
Seus episódios são coesos na fotografia opressiva e no inverso rigoroso em que lobos estão no habitat propício a caçar, e o tema central, a repressão, é antevisto em como a protagonista deixa a cosmopolita Milão para retornar à cidadezinha hostil onde nasceu carregando os filhos a tiracolo. São eles os personagens que nos dão o ponto de vista da série, que acaba perdendo força quando se preocupa na liturgia de jovens no colegial em vez de aclarar melhor o conceito central da narrativa, aparar as arestas do roteiro e atar as pontas soltas.
O roteiro e também atuações mais canastronas, como a do avô, prejudicam uma série que tinha potencial de ser mais assustadora e envolvente do que é, já que a atmosfera está bem estabelecida e desenvolvida pela dupla de diretores. Até é difícil criticar, já que eu não desgostei da experiência, embora tenha permanecido incomodado em como as regras afrouxam convenientemente para atender aos desígnios da trama.
Contudo, as decisões tomadas pelos personagens no episódio final me chocaram e surpreenderam, quebrando o tradicional desfecho previsível em troca de um que oferece um gancho (o popular cliffhanger) pras temporadas seguintes.
Existem séries que desejaríamos gostar mais, embora não consigamos. Depois de ser rebatizada de As Garotas do Ipanema, calma apenas pro mercado internacional, a série continua desbravando a luta de Malu, Adélia, Thereza e agora Ivone no Rio de Janeiro machista e racista dos anos 60, apostando umas nas outras (a sororidade) e na vontade de mudar este sistema corrompido para serem felizes e obterem sucesso.
Suas atrizes sabem o peso do discurso que existe detrás do entretenimento, e emprestam boas interpretações para combater a epidemia de violência doméstica ou a desigualdade de direitos, o desrespeito e o preconceito. Maria Casadevall precisa combater a lei imoral do período para reaver o que o marido lhe tomou, Mel Lisboa procura reencontrar-se em seu emprego e Pathy Dejesus luta contra o racismo.
O mais impressionante é como o roteiro duvida da capacidade do espectador em criar afeição e torcer por estas mulheres, o que virá naturalmente pelo contexto e boas atuações. O roteiro acredita precisar criar personagens masculinos maniqueístas e maquiavélicos, que detestamos ao bater os olhos, para enfatizar o machismo e racismo. Porém, estes males ficariam mais críveis se fossem mais sutis, entranhados, provocativos, seriam menos artificiais e mais contemporâneos.
A maneira com que o roteiro também resolve conflitos é desapontadora, fazendo com que o espectador crie expectativas em relação à saúde de uma personagem apenas para, no início do episódio seguinte, solucionar este problema como se nada houvesse acontecido. Isto sem mencionar como parece acontecer coisa demais em um espaço de tempo micro, chegando ao ponto de um personagem entregar-se a polícia e ser julgado, ao que parece, na semana seguinte.
Digo e repito: pelos temas e talentos envolvidos, Malu, Adélia, Thereza e Ivone continuam merecendo uma narrativa melhor.
Esqueça Plantão Médico ou Grey's Anatomy, séries que inserem com fórceps dramas no cotidiano hospitalar, desprestigiando a rotina médica em troca da recompensa imediata e piegas que poderia acontecer também no escritório de advocacia ou na reunião de condomínio. Lenox Hill é o complexo retrato do que está em jogo diariamente no ambiente hospitalar de forma que possa ser consumida pelo espectador sem muito conhecimento da área de saúde.
O mais enriquecedor é como vida e morte andam juntas em todos os episódios da trama, enquanto acompanhamos a rotina da obstetrícia e as gravidezes de duas médicas, e também a rotina da neurocirurgia, suas cirurgias, seus tratamentos inovadores mas não comprovados, suas inseguranças.
Os acontecimentos são tocantes e impressionantes porque inseridos dentro da "vida normal" e misturados com a dinâmica do corpo médico que também é composto por medos, ansiedades, inadequações. Aquela é a realidade na fronteira final antes de o paciente retornar para casa curado ou perder as esperanças. E mesmo os pacientes, no pouco de tempo de tela que tem, são personagens complexos, como o rapaz negro que, com dor, tem seu medicamento racionado por pré-julgamento da médica de seu caráter.
Ah, a série ganhará episódio especial no dia 24 de junho (acredito que relacionado ao Covid-19, mas aguardemos).
Merritt Wever e Domhnall Gleeson merecem a oportunidade de estarem em evidência pelo talento que têm demonstrado ao longo da carreira. Não sei se com esta comédia de erros, travestida de romance fajuto e estudo de personagem, em que uma esposa e mão de família infeliz procura conforto na promessa feita pelo ex-namorado do colegial - que agora é uma espécie de coach - de fugirem juntos a Costa Oeste americana.
Falta sintonia entre os dois. Não existem faíscas entre Ruby e Billy: existe entre Ruby e a excitação de sua decisão irracional e entre Billy e a ideia de comodidade idealizada por um par romântico que pudesse apagar a perseguição que tem sofrido de seu público. São personagens por quem podemos estabelecer identificação mal-desenvolvidos depois que o conceito da premissa é diluído ao longo dos episódios.
Falta também humor, embora isto seja compensado quando a narrativa faz uma curva forçada em direção ao ácido, que é quando a trama começa a ficar mais interessante, bem ao estilo Fargo. Mas esta linha narrativa não estende por muito tempo, e acaba logo quando Phoebe Waller-Bridge surge com uma personagem inusitada e meio que rouba a série para si nos poucos minutos que tem a disposição.
Sem romance, nem humor, ficamos na companhia dos bons Wever e Gleeson e da expectativa do que acontecerá quando Ruby descobrir o propósito inicial de Billy, e, naquele problema que começa a ficar comum em séries, o final anuncia algo muito melhor do que tínhamos visto a série inteira.
Uma série que reúne Greg Daniels, roteirista de The Office, Steve Carell e John Malkovich não deveria ser medíocre quanto é este aspirante a comédia, dependente da fala pausada e gritaria deste último e da pseudo-seriedade trazida ao papel por Carell. Se fosse por na balança, um episódio de The Office acumula mais risadas (e reflexões) do que os 8 desta temporada.
Pergunte-se: você gostou de estar na companhia do General Naird e do Dr. Adrian pela maneira como o roteiro desenvolve a dinâmica entre os personagens ou será que é por você gostar dos atores? A familiaridade existente é capaz de ludibriar a percepção com relação à narrativa, não de tapar o óbvio: apesar de bem intencionado, o roteiro pena e tropeça para explorar a premissa em suas mãos.
Até simpatizamos com a dificuldade de Naird em encontrar tempo para a filha, ou sua dor com a esposa presa (Lisa Kudrow, mal aproveitada). Gostamos também de como sua essência, apesar das trapalhadas e do narcisismo, é altruísta e decente no fim das contas, confiando em Adrian como seu braço direito porque este também tem a melhor intenção e desejo na cabeça.
Mas nada de extrair senão sorrisinhos discretos. E, quando a história começa a ficar mais interessante, acaba. Séries decepcionantes teremos sempre, porém uma que desperdice esta premissa e este talento envolvido, aí dói mais.
Tendo assistido à adaptação da obra clássica de Victor Hugo mais vezes do que imaginam, minha análise crítica acaba deixando de lado o coração da história e passa a procurar responder aquela pergunta: o que esta versão tem a oferecer que a distingue e individualiza em relação às demais?
A resposta começa na ênfase dada pelo diretor Tom Shankland ao aspecto cristão da trajetória, que guia não somente Jean no desejo de se tornar um homem bom à luz da vela que brilha nos candelabros de prata roubados, como também cega o Inspetor Javert, o antagonista perfeito da literatura e cuja percepção de mundo é alterada profundamente por aquele que enxerga apenas como um ladrão sem redenção.
Para Javert, o ladrão redimido ao lado da cruz de Jesus não entraria no céu. A prisão não ressocializaria aquele que já está quebrado por dentro. Jean é a prova contrária disto, e David Oyelowo estabelece uma das melhores versões do personagem, um que não perde tempo com jogos, embora revela nas frestas do semblante, as mudanças sentidas dentro de si.
A minissérie também tem oportunidade de expandir personagens coadjuvantes que, bem ou mal, eram introduzidos nas adaptações ao cinema: Adeel Akhtar e Olivia Colman em versões madrasta do conto de fadas da Cinderela, em cujo sapato de cristal o pé de Cosette encaixa perfeitamente. E Fantine, na atuação devastadora de Lily Collins, tem a oportunidade de ser bem mais do que a tragédia anunciada e retratada no terceiro episódio.
Ao fim, mesmo Dominic West tem a algo a oferecer além da musculatura ao redimido Jean, nesta adaptação de uma história que já ouvimos diversas vezes e que nunca deixou de ser atual.
Indescritível a revolta provocada por aqueles que cometem crimes bárbaros de exploração e tráfico sexual de menores de idade, mas maior ainda aquela causada por quem usa da influência, poder e dinheiro para permanecer solto, respirando o mesmo ar de liberdade dos inocentes.
Jeffrey Epstein é um monstro repulsivo, cujo mistério em relação à fortuna acumulada apenas rivaliza com o acesso às pessoas mais poderosas dos Estados Unidos, de Bill Clinton a Donald Trump, para mostrar como canalhice não tem partido político. Isto porque existem teorias da conspiração para aqueles que pretendem mergulhar após concluir os 4 envolventes episódios desta minissérie.
A diretora Lisa Bryant documenta as investigações em torno dos crimes cometidos por Epstein, enquanto dá voz às vítimas sobreviventes de sua rede de tráfico. Mulheres mantidas em silêncio, com feridas abertas, esquecidas e não ouvidas, até a chegada do movimento #MeToo.
Permanecemos frustrados, ainda que não surpresos, quando descobrimos que Epstein tem os meios legais adequados para, não apenas gargalhar da cara do conceito de justiça, mas infringir mais dores àquelas que tentam vê-lo condenado. E à medida que avançamos na minissérie, percebemos que, igual a sua covardia (manifestada de muitas formas), os poderosos a seu redor também agem como ratos, os primeiros a fugir de um barco em naufrágio.
Se uma história como esta não te indigna, não sei mais o que fará.
Aprecio narrativas dissimuladas, iguais a esta. Enquanto estamos procurando pistas que ajudem a esclarecer a autoria do homicídio de que Jacob é acusado, um blefe, o objetivo da minissérie é minar a família Barber até o ponto de fazê-la duvidar da inocência ou crer na culpa do filho único.
Não é um whodunit, portanto, mas um estudo de personagens submetidos a um estresse imensurável, similar à proposta de Precisamos Falar sobre Kevin (substituindo a certeza pela incerteza da culpa). E o trio central, Chris Evans, Michelle Dockery e Jaeden Martell, evoca muito bem, a sua forma, o drama que a dúvida carrega consigo, sobretudo quando nos momentos de maior vulnerabilidade.
A atmosfera da série é angustiante e perturbadora, mergulhada na fotografia cinza que já virou até clichê, mas que combina com o calculismo que o contexto exige e é expertise do cinema escandinavo, região de onde vem o diretor de todos os episódios, Morten Tyldum. Também gosto de como as decisões tomadas pelos personagens fogem muitas vezes da moralidade, e a participação breve, mas intensa, de J. K. Simmons coloca em perspectiva o tipo de atitude necessária para proteger a família.
Contudo, a narrativa tem problema de estrutura: ao situar a ação em tempos diferentes, o passado e o presente (o interrogatório de Andy), há a intenção de introduzir não só um, e sim dois mistérios e criar suspense! Só que quando pensamos em retrospecto, não existe razão de o promotor Neal realizar a Andy as perguntas que faz diante do caso debatido - você entenderá o porquê. Isto não muda o óbvio: a minissérie é certeira em ilustrar como nem os melhores pais podem prever o comportamento de seus filhos.
Do aspecto formal, ou seja, da maneira com que a equipe de diretores, incluindo Damien Chazelle (La La Land e Whiplash), expressa a linguagem cinematográfica, tenho apenas elogios em como o grau de improviso característico do jazz transborda com exuberância. A câmera é inquieta, inconstante e rústica enquanto acompanha os personagens bem de perto, numa experiência inspirada no cinema francês dos anos 50 e adaptada para hoje.
O realismo também é comunicado na montagem vibrante e rítmica, nos dramas autênticos dos personagens, nas filmagens nas ruas e em céu aberto e nas interpretações, digamos, à moda francesa, que são muito mais instigantes e reativas do que aquelas atuações mais teatrais.
Mesmo assim, apesar de também gostar da forma como a minissérie é contada, dando a atenção merecida a cada personagem coadjuvante enquanto estabelece e desenvolve a trama principal, eu não me conectei com nenhum dos personagens. Não sei se é porque as más decisões tomadas por Elliot não parecem verossímeis, ainda mais quando existe risco maior para si e sua filha. Pode ser também a resolução de obstáculos, de maneira bastante casual.
Tem ritmo, tem musicalidade, tem bossa, tem jazz. Mas, em meio a isto tudo, acaba não tendo aquele elemento humano indispensável para que a forma (ou o estilo) estejam em função da história contada.
Sem querer parecer reducionista, mas sendo, esta minissérie distópica é a mistura entre Years and Years e O Homem no Castelo Alto, ao ilustrar o mundo alternativo em que um antissemita assumiu a presidência dos Estados Unidos no auge da 2ª guerra mundial, e os reflexos disto são contados a partir do cotidiano de uma família de classe média judia.
"Ele é antissemita, mas ao menos é contra a guerra", afirma Evelyn, personagem em que Winona Ryder crava as unhas com ímpeto, construindo uma mulher detestável por causa da conivente ignorância com o regime mais e mais antidemocrático, ao mesmo tempo em que sentimos pena por esta estar somente apertando os nós da corda ao redor do próprio pescoço. E na frase onde há menção à guerra, troque por corrupção, o chavão que aliena os eleitores contemporâneos na defesa de uma "América em primeiro lugar".
Pois até mesmo o bordão extraído do livro de Philip Roth, lançado em 2004, rememora a essência do slogan da companha de Ronald Reagan, reutilizado por Donald Trump. Dois governantes que tinham em comum o hábito de taxar de comunista todos aqueles que se opusessem as suas políticas. E o que isto tem a ver? A minissérie retrata como a ruptura democrática não é algo que acontece da noite para o dia; ela acontece a partir de um ato aberrante, normalizado pela população que cegamente defende o dominante, e escorado na mídia chapa branca, que funciona menos como imprensa e mais como assessoria.
Aliado à temática atemporal, o soberbo design de produção amarronzado e desbotado, a estrutura de roteiro elíptica, como era a Years and Years, fazendo com que cada episódio salte no tempo em relação ao anterior para ilustrar como, mais e mais, a minoria oprimida está de joelhos, o excelente elenco com ênfase nos atores mirins Azhy Robertson e Caleb Malis (que atuação brilhante a deste rapaz) e a direção inteligente tornam esta minissérie uma presença obrigatória na lista de melhores do ano.
El Presidente
4.0 10 Assista AgoraJulguem-me, mas eu adoro histórias sobre bandidos corruptos e gananciosos contadas com festim, sarcasmo e delírios, igual ocorreu, por exemplo, em O Lobo de Wall Street. Aqui, conhecemos o escândalo popularmente chamado de Fifagate pelo ponto de vista dos membros da Conmebol (a federação sul-americana de futebol).
Quem narra é o falecido Don Julio (interpretado com presença de cena, perspicácia e sensibilidade por Luis Margani) que apadrinhou, como seu protegido Sergio Jadue, um indistinto presidente de clube que chegou, de forma cômica e atrapalhada, ao topo do futebol chileno.
Só por isto, a minissérie em 8-capítulos já vale a espiada, ao narrar não somente um fato histórico de que o Brasil participou ativamente (que vergonha) e também ao enxergar um clássico vira-lata do cinema se transformando no dirigente opressor apesar do semblante bobo e um tanto quanto ridículo.
E aí entram dois aspectos irresistíveis: a atuação central e a linguagem narrativa. Andrés Parra como Sérgio Jadue é irrepreensível, sendo capaz de inspirar múltiplos sentimentos no espectador: a começar pelo sentimento de peixe fora d'água naquele meio, à antipatia com relação a como trata às pessoas próximas quanto mais dinheiro acumula, sobretudo a esposa Nené.
Já a linguagem narrativa é eficiente e criativa em como amarra, com clareza a partir da razão de aspecto (o tamanho da tela) e da fotografia, o passado e o presente, também introduzindo imagens de arquivo que retroagem até mesmo ao início do século passado quando conhecemos a história de João Havelange a frente da Fifa. Tudo isto com uma narração pertinente, que esclarece as inverdades com muita bossa, ironia e à adorável canalhice daqueles velhacos gananciosos.
Boca a Boca (1ª Temporada)
3.8 168 Assista AgoraO nome da cidade é Progresso. Sua escola modelo ensina as bases do agronegócio a adolescentes cuja cabeça está nas redes sociais ou nas festas raves regadas a drogas. Começa um surto misterioso, cuja contaminação é transmitida boca a boca e, pá, você está nas mãos de um conteúdo com muitos paralelos a serem traçados com o Brasil de hoje e também, acidentalmente, com a pandemia que enfrentamos.
Logo no início, existe a turma dos negacionistas da doença, que continua vivendo como se não existisse nada senão seus prazeres egoísticos, e aqueles que procuram mapear quem seria o paciente zero e quem poderia haver contaminado quem. Ao mesmo tempo, desenvolvem-se relações adjacentes entre pais e filhos e, se não bastasse isto, ainda há elementos clássicos de terror (na verdade, do body horror) com a assinatura da diretora Juliana Rojas.
A série nacional tem muito no seu prato e, em apenas 6 episódios, tem dificuldade em atar todas as ideias num núcleo coeso, igual a seus adolescentes que, submetidos a dezenas de estímulos, acabam represando suas emoções no coma. Tem sido o problema de séries nacionais: o subdesenvolvimento provocado por muitos temas discutidos (nossa realidade brasileira inspira isto).
A direção de Esmir Filho e Juliana compensa, como na inserção discreta do panfleto em relação à agropecuária em áreas florestais (uma crítica ao não preservacionismo) ou a sensibilidade com que debate os temas geracionais de identidade, sexualidade, família por que os adolescentes passam, aqui representados pelo elenco rebelde e competente.
Já a estética fotográfica usa o azul e o rosa como cores-chave para debater seus conflitos (repare na cor do suéter da personagem de Denise Fraga no início e no fim para que veja sua transformação pela forma com que se traja). O azul oprime e sufoca; o rosa liberta, e não é em vão que as janelas do hospital refletem esta cor, numa série brasileira intrigante ainda que zoneada pela quantidade de temas tratados.
Trying (1ª Temporada)
3.9 9 Assista AgoraLeve, despojada e preocupada em revelar não o funcionamento do burocrático processo de adoção, mas o amadurecimento dos pais, esta comédia britânica tem a sorte de ter o duo composto por Rafe Spall, engraçado e descontraído sem ser tolo, e Esther Smith, um poço inesgotável de amorosidade, esperança e também ansiedade e frustração.
A dinâmica deles pode não ser a melhor do ponto de vista romântico, mas é em função da narrativa, um duo equilibrado e apto a concluir a piada do outro de forma autêntica. Quem percebe isto é a assistente social interpretada por Imelda Staunton, na típico personagem da fada madrinha, cuja sabedoria confunde-se com o comportamento pitoresco aqui, mas humano no restante do tempo.
A construção de situações cômicas, como aquela dentro de um grupo de apoio, funciona como vazão do riso represado, perdendo apenas força quando a narrativa insere conflitos tolos, como a crise de meia idade de Jason perante uma aluna atraente.
Ainda assim, fico feliz em saber que a série já está renovada para a segunda temporada. Enquanto isto, os 8 episódios de 30 minutos são a garantia de descontração e escapismo para uma Londres acolhedora.
The Terror: Infamy (2ª Temporada)
3.2 52 Assista AgoraA ambição desta temporada frustra expectativas de quem escalou a colina do terror sem deixar de perder contato com a realidade: aquela, materializada no espírito Yurei, o típico antagonista do J-horror (o subgênero de terror japonês de onde derivam O Chamado e O Grito, por exemplo), e esta última com a entrada dos EUA na 2ª guerra mundial depois do bombardeio em Pearl Harbor.
O terror real é em ser nipo-americano e ser trancafiado em campos de detenção depois de os seus compatriotas ou ancestrais haverem comandado o ataque à base americana. Não somente perseguidos e escorraçados pela etnia, os nipo-americanos também perderam o muito que construíram e precisaram sobreviver a má nutrição ou a doenças mesmo tendo nascido em solo americano.
Já o terror fantástico está na forma do espírito revanchista, que pretende obter aquilo que lhe fora tirado. E o mais interessante está em como o espírito Yurei é mais humano do que os norte-americanos que celebram a destruição avassaladora da bomba atômica contra crianças e pessoas inocentes. A guerra é mais assustadora do que fantasmas, e o papo entre Derek e um prisioneiro em Guadalcanal é o ápice em tentar entender a miopia da matança.
A condução desta temporada, porém, tem dificuldade em conciliar as metades num todo recompensador à altura de sua ambição. O roteiro é preguiçoso em estabelecer quais as regras de possessão do Yurei ou como saber lidar com esta. Além disto, ainda que honre as famílias japonesas sobreviventes da guerra, construindo personagens complexos, faz isto a custa dos latino-americanos, vistos de modo estereotipado na mescla de religião e misticismo.
Gosto da ideia, gosto de seus valores, mas tenho ressalvas com a execução.
The Politician (2ª Temporada)
3.8 61Toda sátira tem limites, mais ou menos elásticos. Afinal, não tem comédia neste estilo que resista o momento em que a crítica cínica e certeira começa a parecer tola, repetitiva e estúpida, não importa o ângulo que enxerguemos.
A ingenuidade que funcionava numa eleição no colégio, não funciona mais quando a disputa é por uma vaga no senado de Nova York, ao ponto de chegar a ser sugerido a decisão por uma disputa do jogo pedra, papel e tesoura. Eu entendo, a ideia é ironizar o sistema político e suas regras absurdas, e ajuda que os atores levem a sério o que está ocorrendo diante de si, mas o cartunesco passa do ponto. Passei a não me importar, e não existe nada pior do que a indiferença.
Payton ou Dede. Tanto faz. Depois de tantas traições, idas e vindas de coadjuvantes e subtramas provocadas pela reação explosiva do primeiro e resolvidas de modo cômodo, não existem chances de criar identidade ou empatia senão pelos eleitores (no episódio que repete conceitualmente aquele da primeira temporada).
Os diálogos continuam afiados, mas representam pouco ou nada na construção dos personagens ou no desenvolvimento da trama que caminha em direção ao óbvio. Posso até elogiar a atmosfera, embora seja chover no molhado quando pensamos em produções assinadas por Ryan Murphy, o certo é que os episódios curtos passaram com a sensação de que nada acontecia: nem sátira, nem crítica, nem humor.
Estado Zero (1ª Temporada)
4.0 53Com as devidas licenças dramáticas a mão, a narrativa mosaico apresenta uma série de personagens relacionados aos campos de detenção de imigrantes na Austrália: o guarda divinamente bem interpretado por Jai Courtney, emparedado pelo desejo de ser uma boa pessoa em um ambiente hostil a este conceito, o imigrante árabe Fayssal Bazzi que, ao lado da filha, pretende recomeçar, a diretora vivida por Asher Keddie que enxerga o mal que seu governo tem feito àqueles que buscam asilo sem escapar do ciclo vicioso de ser parte da engrenagem e Sophie!
Sophie merece um parágrafo separado porque caiu de paraquedas onde não deveria: o drama de haver experimentado o abuso sexual de modo tão intenso que isto descolou o próprio conceito de pátria ao lado do senso de realidade é complexo o bastante, mas por mais relevante que seja, não parece coexistir com a mesma narrativa daqueles citados. É menos importante? Claro que não, mas igual a ela a Rosna de Helana Sawires, também vítima sexual, que não ganha a merecida atenção da minissérie.
Eu entendo o apelo da premissa (uma australiana num campo de detenção de imigrantes na Austrália que motivou a reforma do sistema do país) e admiro o vigor e a dedicação de Yvonne Strahovski neste papel difícil, mas sua presença distrai dos maus-tratos, da dor da incerteza e do medo de deportação.
Que, no restante do tempo, são visíveis e mostram como os países desenvolvidos não estão prontos a lidar com uma crise por estes provocadas. Um mosaico obrigatório, ainda que menos aprofundado do que poderia ser.
Dear...
4.2 1 Assista AgoraA série da Apple não é sobre as personalidades que contam, resumidamente, a trajetória de superação para estarem onde estão, mas é como inspiram pessoas a se candidatarem, quem sabe um dia, a estarem na mesma poltrona onde estão agora inspirando o próximo.
Esta é uma das relações mais belas, fruto da admiração e do encontro, no outro, daquele empurrão que precisamos para perseguir nossos sonhos, no lugar de nos encasularmos dentro de nossa amargura. Dear é um compromisso breve, mas importante em conhecer histórias sobre vitórias do homem comum contra as expectativas da sociedade em torno de si.
É um deleite acompanhar a trilha que inicia o processo de apresentação da personalidade a partir dos rostos das pessoas que tocou e a conclusão dela olhando o público dentro dos olhos como um convite para serem a melhor versão que são. Compromete que a biografia seja rasa? Não, já que o foco não é este. Compromete que os inspirados estejam lendo as cartas que enviaram em frente ao espectador? Não, embora enfraqueça a magia daquele momento de conexão epistolar.
Ao final, são 10 episódios que ajudam a iniciar o dia com positividade, ciente de que teremos obstáculos pela frente e que estamos dotados das ferramentas para superá-los, contorná-los ou retirá-los do nosso caminho. Só depende de nossa atitude.
Mistérios sem Solução (Volume 1)
3.8 142 Assista AgoraCom séries documentais antológicas, como DNA da Justiça ou Confession Files e esta Mistérios sem Soluções, a Netflix está recriando a mesmo experiência daqueles antigos programas televisivos investigativos que costumávamos assistir nas sextas-feiras. É um subgênero em si praticamente e que tem seus méritos com mais esta série.
A questão está no escopo: apesar de as histórias (exceto a quinta, por razões que explico em instantes) trazerem os elementos que mexem com o espectador - situação espinhosa, injustiça e desolação são um combo e tanto para que sejamos levados por investigações que encontraram um beco sem saída e de lá não saíram mais - a maioria delas não teve a profundidade necessária para gerar engajamento além da curiosidade natural.
Além disto, o quinto episódio parece um peixe fora d'água ou um alienígena em meio dos humanos (rá), já que destoa nem tanto do tema (mistérios sem solução dã), mas de como este tema vinha sendo traduzido em histórias sobre crimes reais não resolvidos. É muito intrigante, sim, mas dramaticamente poderia ser mais envolvente.
Hard (1ª Temporada)
3.3 17Eu não saberia nem o que pensar se encontrasse um texto reclamando de sexo em uma chanchada acerca do mercado pornográfico, quanto mais que fosse eu quem escreveria este texto. Mas vamos lá.
Todo elemento inserido na narrativa precisa agir em função dela, não contra. O sexo nesta série nacional tem razão para existir: representa o choque da viúva Sofia após descobrir o empreendimento que manteve seu padrão de vida até então. Assumir controle das rédeas do que tem imenso preconceito é o conflito que Sofia deve vencer, enquanto administra os próprios desejos femininos e também as responsabilidade com os filhos.
Até aí, nada demais, porém quando a série foca demais no sexo sem uma razão aparente, perde o foco no desenvolvimento de Sofia. Quando cenas em câmera lenta, ilustrativas de fetiches e desejos que muitos têm vergonha em expressar, começam a tomar lugar do que deveria ser uma comédia de amadurecimento, a narrativa perde a mão, o tom e o ritmo, aí acelera como pode os conflitos no último episódio deixando um gosto amargo no final.
Não é caretice, e concordo com o manifesto da série de que sexo deveria ser menos tabu do que, por exemplo, mortes em filmes (o que não torna cinema pornô em arte, porém). Só acho que, ao escalar a comprometida Natália Lage, a desembaraçada Martha Nowill e caprichar no elenco, a narrativa deveria ser menos sobre sexo e investir em preliminares. Pena que não foi assim.
I Know This Much Is True
4.3 105 Assista AgoraEstar familiarizado com o trabalho de um diretor é meio caminhado andado para saber onde se está pisando. Derek Cianfrance, de Namorados para Sempre e O Lugar Onde Tudo Termina, adapta o livro de Wally Lamb que é menos sobre a capacidade de Mark Ruffalo em interpretar personagens diferentes e mais sobre como o ator comunica a dor do passado que, muitas vezes, nem sua é.
O legado de nossos pais é como uma âncora que nos aproxima do fundo do poço, e enquanto aceitarmos responsabilidade por pecados dos outros ou acasos do destino, permaneceremos na penitência que enfeia o espírito como os acidentes desfiguradores que enfeiam Dominick. A força da atuação de Mark está na habilidade de comunicar, ao mesmo tempo, informações que parecem contraditórias: se a arrogância e grosseira são evidentes, o dito pelo olhar (a frustração, a impotência) ao lado da dedicação inabalável ao irmão criam empatia por quem muito sofreu (e fez sofrer!).
A narrativa é crua, seca. Tem a película desbotada do azul para enfatizar a amargura e, quiçá, miséria dos personagens em tela, mas que enfim encontra o otimista amarelo no final das contas. As filmagens evitam distrair do fundamental: o impacto da encenação dramática, a força das atuações, permanecendo à margem com a câmera bem perto do rosto de Dominick, sugestivo de como afastou as pessoas a ponto de permanecer só no quadro cinematográfico.
Os 6 episódios exigem MUITO, mas recompensam o investimento emocional e ensinam o poder do perdoar. Uns aos outros e sobretudo a si mesmo.
Dark (3ª Temporada)
4.3 1,3KO fenômeno Dark é fácil de ser compreendido pelo sentimento de comunidade gerado: ainda que séries do naipe de Westworld mandem o público em busca de respostas a suas teorias, Dark é o que mais nos aproxima de recriar os fóruns de discussão antes vistos em Lost: analogias religiosas, mitologias, conhecimento de física quântica, quem não aprendeu um pouco sobre estes temas enquanto tentava decifrar seus símbolos?
E a 3ª temporada encontrou a melhor forma de solucionar seus enigmas mais cascudos: não o fazendo. Ao criar a justificativa para Winden e, no processo, homenagear o pai da viagem no tempo da ficção-científica, H. G. Wells, e inserindo comentários bem esparsos a respeito da teoria do gato de Schrodinger para que tivéssemos uma ideia superficial do que gerou mundos paralelos, a narrativa proporcionou o melhor: desfecho satisfatório e sem precisar tropeçar nas próprias pernas quando tentasse explicar uma física que nem mesmo os criadores devem compreender ao certo.
Assim, não importava a árvore genealógica dos personagens, já que a teoria introduzida de viagem no tempo é aquela que não abomina paradoxos. Pelo contrários, aceita-os de braços abertos, cientes de que a ordem entre passado, presente e futuro não é tão linear quanto imaginávamos. Para Jonas, o amanhã pode ser ir ao passado, assim como depois pode ser viajar ao futuro, em uma linha reta que realiza curvas no processo. Enquanto isto, a religiosidade é coerente com a teoria do determinismo x livre arbítrio que preenche o dia a dia de Jonas, Martha e os demais.
Posso me irritar com os dramas amorosos dos personagens dias antes do apocalipse ou a insistência em inserir datas para indicar em que ano estamos logo após realizar a mesma transição de buraco de minhoca, mas não nego a coragem da série em olhar o problema quântico que criou para si (desatar o nó entre os mundo) e reconhecer sua incapacidade de resolvê-lo de forma coerente e prática. No lugar, um adeus poético, bem ao estilo de, vejam só, a mesma Lost que reviveu na memória.
The Sinner (3ª Temporada)
2.9 331 Assista AgoraAs temporadas passadas estavam preocupadas em estabelecer personagens culpados por crimes hediondos, Cora e Julian, mas que tinham justificativa no passado para terem nossa simpatia e exoneração. Com Jamie, a série parece ter invertido o enfoque, e isto não é ruim.
Ruim é não poder enxergar autenticidade no relacionamento dele com Harry Ambrose. É até compreensível que Jamie tente encontrar no detetive um substituto do Nick Haas, ou mesmo a figura paterna com quem possa confidenciar o que sente e esconde da esposa, é o contrário é que é incompreensível!
Tentando provar que Jamie é culpado infiltrando-se em sua vida, Harry nem de longe é o detetive experiente das temporadas anteriores, agindo de modo desgovernado, sem eira nem beira, quando o menor trabalho policial seria capaz de prova a culpa de Jamie. Não era difícil responsabilizá-lo, convenhamos, assim como não é verossímil a tentativa de associar um ao outro como se tivessem algo em comum.
Matt Bomer anda na corda bamba, andando por sobre o beiral estreito que o separa da vida ordinária com a esposa e filho recém nascido e o convidativo abismo que é entregar qualquer sombra de humanidade. O ator está incrível, convenceu-me da tortura por que passa seu Jaime, mas nem por isto é capaz de desenterrar a série do abismo que cavou para si mesma: aquele que encontrou no roteiro tolo a desculpa pra contar uma história que merecia mais afinco.
The Great (1ª Temporada)
4.3 95 Assista AgoraHuzzah! Baseado na peça escrita por Tony McNamara, escritor de A Favorita, esta versão ocasionalmente real da ascensão de Catarina, A Grande, ao trono da Rússia encontra no humor ácido, na sátira e no absurdo o retrato de Pedro II e também dos membros da corte que precisavam administrar os humores do czar para que não morressem por um capricho seu.
Sim, embora a série verta sua atenção à Catarina, é Nicholas Hoult quem salta aos olhos em um desempenho ainda mais doentio do que aquele visto em A Favorita, parecendo o tipo de garoto mimado que costuma queimar formigas debaixo do sol quente com o auxílio de uma lupa. Sua imprevisibilidade move a trama de tal maneira que é impossível saber o estado momentâneo dele ou o que realiza a ponto de colocar Catarina em uma cruzada para assassiná-lo e assumir o controle absoluto.
Elle Fanning, enquanto isto, esta em seu melhor papel. Uma que transforma humilhações diárias e violências inomináveis - ainda que enxergadas sob o véu da comicidade - em um motor que não a deixa esmorecer. E a atriz - igual a Emma Stone ou Rachel Weisz antes - não tem pudor em parecer ridícula, pois é assim que McNamara enxerga a monarquia. Tê-la, por exemplo, acocorada antes de realizar suas necessidades enquanto discute com uma serva da corte é, talvez, uma cena que jamais imaginaríamos encontrar a atriz e mesmo diante do choque, não saímos daquele contexto central.
Que pode ser irreverente quando promove assassinatos em público, mas não deixa de ser urgente e envolvente a cada episódio.
Homecoming (2ª Temporada)
3.7 43 Assista AgoraPor ser apaixonado pela 1ª temporada na forma como constrói suspense e estabelece sua atmosfera paranoica e conspiratória, este retorno sem Julia Roberts, mas com a talentosa e misteriosa Janelle Monáe, tenta repetir a fórmula de criar tensão e apreensão a partir do uso inteligente da trilha sonora, fotografia e montagem, que agora confere ritmo e também articula a trama no tempo.
Acerta na maior parte do tempo, menos quando tenta transformar uma história para lá de simples em uma trama mais complexa que envolve múltiplos atores e tempos narrativos variados, embora tenha apenas uma resposta a nos dar: como Alex ou Jacqueline perdeu a memória? As consequências à corporação Geist também resultam em uma solução fácil, ainda que satisfatória, conclusiva e que incute reflexões em matéria do trabalho realizado pela empresa privada.
Pois de boas intenções, o inferno está cheio, ensinava o ditado, e aprender como a melhor das intenções pode render o pior dos resultados aos homens e mulheres envolvidos, além de debater a respeito do conceito de mortalidade de uma maneira particular e espírita são os aspectos mais recompensadores de uma trama que é mais estilo do que substância.
Ou ao menos, é isto que quer que pensemos até os minutos finais.
Curon (1ª Temporada)
3.1 76 Assista AgoraO macabro e o folclore fazem parte desta série italiana que leva o espectador à pequena cidade de Curón, cuja principal característica é a torre submersa no lago. Ou quem sabe, o fato de haverem doppelgängers espalhados pela narrativa.
Seus episódios são coesos na fotografia opressiva e no inverso rigoroso em que lobos estão no habitat propício a caçar, e o tema central, a repressão, é antevisto em como a protagonista deixa a cosmopolita Milão para retornar à cidadezinha hostil onde nasceu carregando os filhos a tiracolo. São eles os personagens que nos dão o ponto de vista da série, que acaba perdendo força quando se preocupa na liturgia de jovens no colegial em vez de aclarar melhor o conceito central da narrativa, aparar as arestas do roteiro e atar as pontas soltas.
O roteiro e também atuações mais canastronas, como a do avô, prejudicam uma série que tinha potencial de ser mais assustadora e envolvente do que é, já que a atmosfera está bem estabelecida e desenvolvida pela dupla de diretores. Até é difícil criticar, já que eu não desgostei da experiência, embora tenha permanecido incomodado em como as regras afrouxam convenientemente para atender aos desígnios da trama.
Contudo, as decisões tomadas pelos personagens no episódio final me chocaram e surpreenderam, quebrando o tradicional desfecho previsível em troca de um que oferece um gancho (o popular cliffhanger) pras temporadas seguintes.
Coisa Mais Linda (2ª Temporada)
4.1 225Existem séries que desejaríamos gostar mais, embora não consigamos. Depois de ser rebatizada de As Garotas do Ipanema, calma apenas pro mercado internacional, a série continua desbravando a luta de Malu, Adélia, Thereza e agora Ivone no Rio de Janeiro machista e racista dos anos 60, apostando umas nas outras (a sororidade) e na vontade de mudar este sistema corrompido para serem felizes e obterem sucesso.
Suas atrizes sabem o peso do discurso que existe detrás do entretenimento, e emprestam boas interpretações para combater a epidemia de violência doméstica ou a desigualdade de direitos, o desrespeito e o preconceito. Maria Casadevall precisa combater a lei imoral do período para reaver o que o marido lhe tomou, Mel Lisboa procura reencontrar-se em seu emprego e Pathy Dejesus luta contra o racismo.
O mais impressionante é como o roteiro duvida da capacidade do espectador em criar afeição e torcer por estas mulheres, o que virá naturalmente pelo contexto e boas atuações. O roteiro acredita precisar criar personagens masculinos maniqueístas e maquiavélicos, que detestamos ao bater os olhos, para enfatizar o machismo e racismo. Porém, estes males ficariam mais críveis se fossem mais sutis, entranhados, provocativos, seriam menos artificiais e mais contemporâneos.
A maneira com que o roteiro também resolve conflitos é desapontadora, fazendo com que o espectador crie expectativas em relação à saúde de uma personagem apenas para, no início do episódio seguinte, solucionar este problema como se nada houvesse acontecido. Isto sem mencionar como parece acontecer coisa demais em um espaço de tempo micro, chegando ao ponto de um personagem entregar-se a polícia e ser julgado, ao que parece, na semana seguinte.
Digo e repito: pelos temas e talentos envolvidos, Malu, Adélia, Thereza e Ivone continuam merecendo uma narrativa melhor.
Lenox Hill (1ª Temporada)
4.5 10 Assista AgoraEsqueça Plantão Médico ou Grey's Anatomy, séries que inserem com fórceps dramas no cotidiano hospitalar, desprestigiando a rotina médica em troca da recompensa imediata e piegas que poderia acontecer também no escritório de advocacia ou na reunião de condomínio. Lenox Hill é o complexo retrato do que está em jogo diariamente no ambiente hospitalar de forma que possa ser consumida pelo espectador sem muito conhecimento da área de saúde.
O mais enriquecedor é como vida e morte andam juntas em todos os episódios da trama, enquanto acompanhamos a rotina da obstetrícia e as gravidezes de duas médicas, e também a rotina da neurocirurgia, suas cirurgias, seus tratamentos inovadores mas não comprovados, suas inseguranças.
Os acontecimentos são tocantes e impressionantes porque inseridos dentro da "vida normal" e misturados com a dinâmica do corpo médico que também é composto por medos, ansiedades, inadequações. Aquela é a realidade na fronteira final antes de o paciente retornar para casa curado ou perder as esperanças. E mesmo os pacientes, no pouco de tempo de tela que tem, são personagens complexos, como o rapaz negro que, com dor, tem seu medicamento racionado por pré-julgamento da médica de seu caráter.
Ah, a série ganhará episódio especial no dia 24 de junho (acredito que relacionado ao Covid-19, mas aguardemos).
Run (1ª Temporada)
3.2 47Merritt Wever e Domhnall Gleeson merecem a oportunidade de estarem em evidência pelo talento que têm demonstrado ao longo da carreira. Não sei se com esta comédia de erros, travestida de romance fajuto e estudo de personagem, em que uma esposa e mão de família infeliz procura conforto na promessa feita pelo ex-namorado do colegial - que agora é uma espécie de coach - de fugirem juntos a Costa Oeste americana.
Falta sintonia entre os dois. Não existem faíscas entre Ruby e Billy: existe entre Ruby e a excitação de sua decisão irracional e entre Billy e a ideia de comodidade idealizada por um par romântico que pudesse apagar a perseguição que tem sofrido de seu público. São personagens por quem podemos estabelecer identificação mal-desenvolvidos depois que o conceito da premissa é diluído ao longo dos episódios.
Falta também humor, embora isto seja compensado quando a narrativa faz uma curva forçada em direção ao ácido, que é quando a trama começa a ficar mais interessante, bem ao estilo Fargo. Mas esta linha narrativa não estende por muito tempo, e acaba logo quando Phoebe Waller-Bridge surge com uma personagem inusitada e meio que rouba a série para si nos poucos minutos que tem a disposição.
Sem romance, nem humor, ficamos na companhia dos bons Wever e Gleeson e da expectativa do que acontecerá quando Ruby descobrir o propósito inicial de Billy, e, naquele problema que começa a ficar comum em séries, o final anuncia algo muito melhor do que tínhamos visto a série inteira.
Space Force (1ª Temporada)
3.2 124 Assista AgoraUma série que reúne Greg Daniels, roteirista de The Office, Steve Carell e John Malkovich não deveria ser medíocre quanto é este aspirante a comédia, dependente da fala pausada e gritaria deste último e da pseudo-seriedade trazida ao papel por Carell. Se fosse por na balança, um episódio de The Office acumula mais risadas (e reflexões) do que os 8 desta temporada.
Pergunte-se: você gostou de estar na companhia do General Naird e do Dr. Adrian pela maneira como o roteiro desenvolve a dinâmica entre os personagens ou será que é por você gostar dos atores? A familiaridade existente é capaz de ludibriar a percepção com relação à narrativa, não de tapar o óbvio: apesar de bem intencionado, o roteiro pena e tropeça para explorar a premissa em suas mãos.
Até simpatizamos com a dificuldade de Naird em encontrar tempo para a filha, ou sua dor com a esposa presa (Lisa Kudrow, mal aproveitada). Gostamos também de como sua essência, apesar das trapalhadas e do narcisismo, é altruísta e decente no fim das contas, confiando em Adrian como seu braço direito porque este também tem a melhor intenção e desejo na cabeça.
Mas nada de extrair senão sorrisinhos discretos. E, quando a história começa a ficar mais interessante, acaba. Séries decepcionantes teremos sempre, porém uma que desperdice esta premissa e este talento envolvido, aí dói mais.
Os Miseráveis
4.1 28Tendo assistido à adaptação da obra clássica de Victor Hugo mais vezes do que imaginam, minha análise crítica acaba deixando de lado o coração da história e passa a procurar responder aquela pergunta: o que esta versão tem a oferecer que a distingue e individualiza em relação às demais?
A resposta começa na ênfase dada pelo diretor Tom Shankland ao aspecto cristão da trajetória, que guia não somente Jean no desejo de se tornar um homem bom à luz da vela que brilha nos candelabros de prata roubados, como também cega o Inspetor Javert, o antagonista perfeito da literatura e cuja percepção de mundo é alterada profundamente por aquele que enxerga apenas como um ladrão sem redenção.
Para Javert, o ladrão redimido ao lado da cruz de Jesus não entraria no céu. A prisão não ressocializaria aquele que já está quebrado por dentro. Jean é a prova contrária disto, e David Oyelowo estabelece uma das melhores versões do personagem, um que não perde tempo com jogos, embora revela nas frestas do semblante, as mudanças sentidas dentro de si.
A minissérie também tem oportunidade de expandir personagens coadjuvantes que, bem ou mal, eram introduzidos nas adaptações ao cinema: Adeel Akhtar e Olivia Colman em versões madrasta do conto de fadas da Cinderela, em cujo sapato de cristal o pé de Cosette encaixa perfeitamente. E Fantine, na atuação devastadora de Lily Collins, tem a oportunidade de ser bem mais do que a tragédia anunciada e retratada no terceiro episódio.
Ao fim, mesmo Dominic West tem a algo a oferecer além da musculatura ao redimido Jean, nesta adaptação de uma história que já ouvimos diversas vezes e que nunca deixou de ser atual.
Jeffrey Epstein: Poder e Perversão
3.8 129 Assista AgoraIndescritível a revolta provocada por aqueles que cometem crimes bárbaros de exploração e tráfico sexual de menores de idade, mas maior ainda aquela causada por quem usa da influência, poder e dinheiro para permanecer solto, respirando o mesmo ar de liberdade dos inocentes.
Jeffrey Epstein é um monstro repulsivo, cujo mistério em relação à fortuna acumulada apenas rivaliza com o acesso às pessoas mais poderosas dos Estados Unidos, de Bill Clinton a Donald Trump, para mostrar como canalhice não tem partido político. Isto porque existem teorias da conspiração para aqueles que pretendem mergulhar após concluir os 4 envolventes episódios desta minissérie.
A diretora Lisa Bryant documenta as investigações em torno dos crimes cometidos por Epstein, enquanto dá voz às vítimas sobreviventes de sua rede de tráfico. Mulheres mantidas em silêncio, com feridas abertas, esquecidas e não ouvidas, até a chegada do movimento #MeToo.
Permanecemos frustrados, ainda que não surpresos, quando descobrimos que Epstein tem os meios legais adequados para, não apenas gargalhar da cara do conceito de justiça, mas infringir mais dores àquelas que tentam vê-lo condenado. E à medida que avançamos na minissérie, percebemos que, igual a sua covardia (manifestada de muitas formas), os poderosos a seu redor também agem como ratos, os primeiros a fugir de um barco em naufrágio.
Se uma história como esta não te indigna, não sei mais o que fará.
Em Defesa de Jacob
4.0 229 Assista AgoraAprecio narrativas dissimuladas, iguais a esta. Enquanto estamos procurando pistas que ajudem a esclarecer a autoria do homicídio de que Jacob é acusado, um blefe, o objetivo da minissérie é minar a família Barber até o ponto de fazê-la duvidar da inocência ou crer na culpa do filho único.
Não é um whodunit, portanto, mas um estudo de personagens submetidos a um estresse imensurável, similar à proposta de Precisamos Falar sobre Kevin (substituindo a certeza pela incerteza da culpa). E o trio central, Chris Evans, Michelle Dockery e Jaeden Martell, evoca muito bem, a sua forma, o drama que a dúvida carrega consigo, sobretudo quando nos momentos de maior vulnerabilidade.
A atmosfera da série é angustiante e perturbadora, mergulhada na fotografia cinza que já virou até clichê, mas que combina com o calculismo que o contexto exige e é expertise do cinema escandinavo, região de onde vem o diretor de todos os episódios, Morten Tyldum. Também gosto de como as decisões tomadas pelos personagens fogem muitas vezes da moralidade, e a participação breve, mas intensa, de J. K. Simmons coloca em perspectiva o tipo de atitude necessária para proteger a família.
Contudo, a narrativa tem problema de estrutura: ao situar a ação em tempos diferentes, o passado e o presente (o interrogatório de Andy), há a intenção de introduzir não só um, e sim dois mistérios e criar suspense! Só que quando pensamos em retrospecto, não existe razão de o promotor Neal realizar a Andy as perguntas que faz diante do caso debatido - você entenderá o porquê. Isto não muda o óbvio: a minissérie é certeira em ilustrar como nem os melhores pais podem prever o comportamento de seus filhos.
The Eddy
3.9 24 Assista AgoraDo aspecto formal, ou seja, da maneira com que a equipe de diretores, incluindo Damien Chazelle (La La Land e Whiplash), expressa a linguagem cinematográfica, tenho apenas elogios em como o grau de improviso característico do jazz transborda com exuberância. A câmera é inquieta, inconstante e rústica enquanto acompanha os personagens bem de perto, numa experiência inspirada no cinema francês dos anos 50 e adaptada para hoje.
O realismo também é comunicado na montagem vibrante e rítmica, nos dramas autênticos dos personagens, nas filmagens nas ruas e em céu aberto e nas interpretações, digamos, à moda francesa, que são muito mais instigantes e reativas do que aquelas atuações mais teatrais.
Mesmo assim, apesar de também gostar da forma como a minissérie é contada, dando a atenção merecida a cada personagem coadjuvante enquanto estabelece e desenvolve a trama principal, eu não me conectei com nenhum dos personagens. Não sei se é porque as más decisões tomadas por Elliot não parecem verossímeis, ainda mais quando existe risco maior para si e sua filha. Pode ser também a resolução de obstáculos, de maneira bastante casual.
Tem ritmo, tem musicalidade, tem bossa, tem jazz. Mas, em meio a isto tudo, acaba não tendo aquele elemento humano indispensável para que a forma (ou o estilo) estejam em função da história contada.
The Plot Against America
4.1 22Sem querer parecer reducionista, mas sendo, esta minissérie distópica é a mistura entre Years and Years e O Homem no Castelo Alto, ao ilustrar o mundo alternativo em que um antissemita assumiu a presidência dos Estados Unidos no auge da 2ª guerra mundial, e os reflexos disto são contados a partir do cotidiano de uma família de classe média judia.
"Ele é antissemita, mas ao menos é contra a guerra", afirma Evelyn, personagem em que Winona Ryder crava as unhas com ímpeto, construindo uma mulher detestável por causa da conivente ignorância com o regime mais e mais antidemocrático, ao mesmo tempo em que sentimos pena por esta estar somente apertando os nós da corda ao redor do próprio pescoço. E na frase onde há menção à guerra, troque por corrupção, o chavão que aliena os eleitores contemporâneos na defesa de uma "América em primeiro lugar".
Pois até mesmo o bordão extraído do livro de Philip Roth, lançado em 2004, rememora a essência do slogan da companha de Ronald Reagan, reutilizado por Donald Trump. Dois governantes que tinham em comum o hábito de taxar de comunista todos aqueles que se opusessem as suas políticas. E o que isto tem a ver? A minissérie retrata como a ruptura democrática não é algo que acontece da noite para o dia; ela acontece a partir de um ato aberrante, normalizado pela população que cegamente defende o dominante, e escorado na mídia chapa branca, que funciona menos como imprensa e mais como assessoria.
Aliado à temática atemporal, o soberbo design de produção amarronzado e desbotado, a estrutura de roteiro elíptica, como era a Years and Years, fazendo com que cada episódio salte no tempo em relação ao anterior para ilustrar como, mais e mais, a minoria oprimida está de joelhos, o excelente elenco com ênfase nos atores mirins Azhy Robertson e Caleb Malis (que atuação brilhante a deste rapaz) e a direção inteligente tornam esta minissérie uma presença obrigatória na lista de melhores do ano.